Abordagem Psicologica em Obstetricia
Abordagem Psicologica em Obstetricia
Abordagem Psicologica em Obstetricia
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Regina SARMENTO 1
Maria Silvia Vellutini SETBAL2
RESUMO
A necessidade de compreender os aspectos psicolgicos que permeiam o perodo
grvido-puerperal torna-se cada vez mais reconhecida no mbito do atendimento
sade reprodutiva da mulher, tendo-se em vista, principalmente, os esforos
no Brasil relacionados humanizao do parto. Ao se pensar nesses termos
psicolgicos e contextualiz-los a uma prtica de atendimento clnico, contri-se uma referncia que permite a reflexo e a reconstruo do conhecimento
para os profissionais da rea. O objetivo deste artigo apresentar uma reviso
sucinta dos aspectos emocionais mais observados no pr-natal, parto e puerpro,
e em situaes de intercorrncias gestacionais. So sugeridas formas possveis
de abordagem dessas situaes que favoream a elaboraco dos problemas
mais emergentes dessa fase de vida da gestante e de seu companheiro,
1
Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Cincias Mdicas, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6030,
13081-970, Campinas, SP, Brasil. Correspondncia para/Correspondence to: R. SARMENTO. E-mail: [email protected]
2
Servio de Psicologia, Centro de Ateno Integral Sade da Mulher (CAISM), Universidade Estadual de Campinas.
262
ABSTRACT
The need to understand the psychological aspects of pregnancy, labor, delivery
and post-partum is increasingly recognized as being an important component
of reproductive health, especially at a time when efforts are being made in
Brazil to humanize delivery. When one can integrate these psychological terms
with their clinical practice, a reference for the expansion of health workers
knowledge is created. This article aims to present a brief review of the
emotional characteristics associated with pregnancy, labor, delivery and postpartum, as well as the main complications that might occur during gestation.
Some possible approaches to these situations are suggested in order to
contemplate the most pressing emotional needs of the pregnant woman and
her partner, offering to the health care team the opportunity for a more
encompassing, integrated and rewarding approach.
Index terms: psychology, pregnancy, humanizing delivery, puerperium.
INTRODUO
O avano do conhecimento cientfico dos
fenmenos fsicos em Obstetrcia tem proporcionado
habilidades fundamentais ao mdico, permitindo-lhe
a prtica de um atendimento que gera, realmente,
um estado de confiana maior na paciente. No
entanto, as condutas mdicas baseadas somente nas
habilidades tcnicas no so suficientes, pois elas
necessitam ser potencializadas, especialmente, por
uma compreenso dos processos psicolgicos que
permeiam o perodo grvido-puerperal. O mdico
deve, portanto, acrescentar sua habilidade
essencial, alguma avaliao de sua paciente como
pessoa, com sua histria de vida, seus sentimentos
e suas ansiedades.
Hoje, os aspectos emocionais da gravidez,
parto e puerprio so amplamente reconhecidos;
sendo que a maioria dos estudos converge para a
idia de ser esse perodo um tempo de grandes
transformaes psquicas, de onde decorre uma
importante transio existencial.
PRIMEIRA CONSULTA DO
P R -N A T A L
Ao procurar o mdico para a primeira consulta
de pr-natal, pressupe-se que a mulher j pde
realizar uma srie de elaboraes diante do impacto
do diagnstico da gravidez. Nesse momento, de
certa maneira, j ocorreram decises mais
conscientes quanto a dar continuidade gestao.
No entanto, existem inseguranas e no primeiro
contato com o mdico a gestante busca: confirmar
sua gravidez; amparo nas suas dvidas e ansiedades;
certificar-se de que tem um bom corpo para gestar;
certificar-se de que o beb est bem; e apoio para
seguir nessa aventura1.
Sendo importante nessa fase:
- Reconhecer o estado normal de ambivalncia frente gravidez. Toda gestante quer estar
grvida e no quer estar grvida. um momento
em que muitas ansiedades e medos primitivos
afloram, da a necessidade de compreender essa
ambivalncia sem julgamentos;
- Acolher as dvidas que surjam na gestante
quanto sua capacidade de gerar um beb saudvel,
de vir a ser me e desempenhar esse novo papel de
forma adequada;
- Reconhecer as condies emocionais dessa
gestao: se a gestante tem um companheiro ou
est sozinha, se tem outros filhos, se conta com o
apoio da famlia, se teve perdas gestacionais, se
desejou conscientemente engravidar e se planejou
a gravidez. Enfim, o contexto em que essa gravidez
ocorreu, e as repercusses dela na gestante;
- Perceber esse estado de maior vulnerabilidade psquica da gestante e acolh-la, sem banalizar
suas queixas com o famoso isso normal; Perceber
que a gestante encontra-se psiquicamente regredida,
buscando uma figura de apoio; assim, o mdico fica
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muito idealizado e, por isso, passa a ser constantemente procurado e s vezes por dvidas que possam
ser insignificantes para ele, mas terrivelmente
ameaadoras para ela;
- Estabelecer uma relao de confiana e
respeito mtuos para que a empatia necessria ocorra
e favorea, por si s, a elaborao de muitas das
fantasias da gestante;
- Permitir um espao para a participao do
parceiro na consulta, para que ele possa tambm
envolver-se no processo gravdico-puerperal
ativamente, favorecendo um equilbrio adequado nas
novas relaes estabelecidas com a vinda de um
novo membro da famlia.
CONSULTAS SUBSEQENTES
Dando continuidade ao pr-natal, observam-se ao longo da gestao, algumas ansiedades
tpicas, ordenadas segundo uma diviso de trimestres.
Ressalta-se, no entanto, que essa diviso para
efeito didtico, pois o aparecimento dessas
ansiedades - embora mais freqentes em determinados momentos -, no esto necessariamente
restritos a eles1,2.
Assim, no primeiro trimestre so freqentes
a ambivalncia (querer e no querer a gravidez), o
medo de abortar, as oscilaes do humor (aumento
da irritabilidade), as primeiras modificaes corporais
e alguns desconfortos: nuseas, sonolncia, alteraes na mama e cansao e os desejos e averses
por determinados alimentos. No segundo trimestre
a ansiedade de carter quanto a introverso e
passividade, a alterao do desejo e do desempenho
sexual e a alterao do esquema corporal, e a
percepo dos movimentos fetais e seu impacto
(presena do filho concretamente sentida). E o
terceiro trimestre caracterizado pelas ansiedades
que se intensificam com a proximidade do parto, os
temores do parto (medo da dor e da morte) e
conseqentemente h um aumento das queixas
fsicas.
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PARTO
um perodo curto em tempo, mas longo
em vivncias e expectativas. Algumas das fantasias
da gestante em relao ao parto incluem o receio
de no reconhecer o trabalho de parto e de no ser
capaz de saber quando procurar o mdico. A mulher
teme a dor; teme no suport-la, sucumbir a ela,
perder o controle. Alm do medo da morte, existe o
medo de ser dilacerada, de que o beb ao nascer a
rasgue e a destrua na sua feminilidade e genitalidade3. A sensao de no ser capaz de fazer o beb
nascer, ligada auto-estima da mulher e s suas
experincias pessoais ao longo de sua vida e da
gestao uma angstia muito freqente no
momento do parto, pois a paciente encontra-se
muito vulnervel. Aparecem desejos e fantasias em
relao aos vrios tipos de parto, decorrentes da sua
histria pessoal e dos fatores culturais. Teme
procedimentos mdicos que possam lhe causar
vivncias negativas (como tricotomia, lavagem),
PUERPRIO
Corresponde a um estado de alterao
emocional essencial, provisria, no qual existe uma
maior fragilidade psquica, tal como no beb, e que
por certo grau de identificao, permite s mes
ligarem-se intensamente ao recm-nascido,
adaptando-se ao contacto com ele e atendendo
s suas necessidades bsicas. A relao inicial
me/beb ainda pouco estruturada, com o
predomnio de uma comunicao no verbal e por
isso intensamente emocional e mobilizadora5.
Outra caracterstica do perodo que a
chegada do beb desperta muitas ansiedades e os
sintomas depressivos so comuns. A mulher continua
a precisar de amparo e proteo, assim como ao
longo da gravidez, e muitas vezes essa necessidade
confundida com depresso patolgica. Porm,
70% a 90% das purperas apresentam um estado
depressivo mais brando, transitrio, que aparece em
geral no terceiro dia do ps-parto e tem durao
aproximada de duas semanas, chamado na literatura
americana de Baby blues. Este est associado s
adaptaes e perdas vivenciados pela purpera aps
o nascimento do beb 1. Os lutos vividos na
transio gravidez-maternidade podem incluir a
perda do corpo gravdico; o no retorno imediato do
corpo original; a separao me/beb; o beb deixa
de ser idealizado e passa a ser vivenciado como um
ser real e diferente da me; e as necessidades prprias
so postergadas em funo das necessidades do
beb1,2,4.
A depresso ps-parto propriamente dita - que
se manisfesta por sintomas tais como: perturbao
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266
INTERCORRNCIAS
Perda fetal
Aborto espontneo: corresponde a um
acontecimento significativo que no deve ser
menosprezado, pois j existe a ligao afetiva da
mulher com o embrio, considerado um filho a
caminho. Ocorre a interrupo de um processo
criativo que tem repercusses importantes a curto, a
mdio e a longo prazo no organismo feminino e no
psiquismo da mulher e do homem. Pode existir o
sentimento de incapacidade, esvaziamento e a
necessidade de lidar com esses aspectos depressivos.
A despeito dos possveis fatores etiolgicos que
causaram a perda, observa-se a presena de
sentimentos de culpa na mulher e, eventualmente,
tambm no homem. O casal fica ansioso por saber
a causa da perda.
Nesta fase o profissional deve compreender
a dor existente na perda e no menosprezar esse
sentimento, acolhendo-o; no consolar com a
possibilidade do sucesso de uma nova gravidez; ficar
atento para sinais de descompensao psquica mais
grave; orientar quanto a possveis exames
diagnsticos.
Aborto provocado: resultante de uma
ambivalncia que, embora comum a todas as
gestaes, torna-se muito perturbadora, revestindo
a gravidez de um carter to persecutrio (por fatores
internos e/ou externos), que fica impossibilitada de
ser levada adiante7. Ocorre o uso de mecanismos de
defesa intensos para se proteger da dor psquica
(ironia, indiferena). Sempre corresponde a uma
deciso difcil e dolorosa e o sentimento de culpa
est sempre presente e em alguns casos fica oculto
pelo mecanismo de negao. Por isso, o profissional
deve atender a paciente sem juzo moral; reconhecer
as angstias e dvidas existentes nessa deciso;
orientar a paciente quanto aos mtodos seguros de
anticoncepo para evitar novos sofrimentos.
Aborto teraputico (em casos de estupro ou
risco materno): Sempre existe conflito nessa deciso,
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Prematuridade internao do
recm-nascido
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REFERNCIAS
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(Publicao Cientfica CLAP, 1173).
Recebido para publicao em 29 de setembro e aceito 5 em
de outubro de 2003.