Papel de Portugal No Magrebe
Papel de Portugal No Magrebe
Papel de Portugal No Magrebe
Pedro Esteves1
Resumo
1
Membro do GEEMA. Mestre em Ciência Política e licenciado em Relações Internacionais.
Entre os cursos de formação complementar, destaca-se o Course on International Security
(1996) na University of St. Andrews (Escócia). Publicou trabalhos de investigação e proferiu
palestras no âmbito do Centro de Estudos do Magrebe (CEMAG). Trabalhou no Magrebe, em
especial em Marrocos e Argélia. Consultor.
2
Foi também este o espírito do chamado “Apelo de Skhirat”, resultante do Fórum para uma
Iniciativa Tricontinental Atlântica”, reunido em Marrocos, em 29-30 de Maio de 2009.
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 2
A importância geopolítica do Mediterrâneo, em geral, e do Magrebe, em
particular, tem ficado expressa na Política Mediterrânica da CEE, hoje União
Europeia. Desde a Política Mediterrânica Renovada, passando pelo Processo de
Barcelona (Parceria Euro-Mediterrânica) até à iniciativa da União para o
Mediterrâneo, lançada em Julho de 2008, a Europa cedo percebeu que a sua
segurança depende também da estabilidade no Magrebe e que o seu progresso
e modernização deverão ser utilizados no apoio ao Mediterrâneo Sul e à
respectiva sustentabilidade.
A debilidade das barreiras físicas – 14 kms separam o Magrebe da Europa –
choca com os contrastes em matéria de desenvolvimento humano e qualidade
de vida3.
3
Como escreveu Bichara Khader, “um espanhol é sete vezes mais rico que o seu homólogo
magrebino. Mas a mulher magrebina tem uma taxa de natalidade três a quatro vezes superior à
d mulher espanhola ou italiana” (trad.livre), in Bichara Khader, Le Grand Maghreb et L’Europe –
Enjeux et Perspectives, Publisud-Quorum-CERMAC, 2ª edição, 1995.
4
A recente iniciativa de Marrocos em albergar em Fez uma Universidade Euro-Mediterrânica
constitui um exemplo de um novo Mediterrâneo que se pretende edificar, conforme se refere na
“Declaração de Tanger” (MEDdays – South Forum for a New Mediterranean, 26-28 de
Novembro de 2008).
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 3
pendente do Sahara Ocidental. Na realidade, são mais numerosas as ameaças
comuns que as rivalidades do passado: terrorismo e radicalização, escassez na
oferta de emprego e tensões sociais permanentes, limitação dos recursos
hídricos ou crise de legitimidade do Estado são desafios partilhados pelos
Estados magrebinos.
A região do Magrebe tem vindo a sofrer mudanças aceleradas nos últimos anos,
frutos de circunstâncias internas e externas.
5
O Código da Família pode ser consultado em http://www.justice.gov.ma;
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 4
própria economia, pelos efeitos que poderá provocar sobre o sector-chave do
turismo em Marrocos e sobre a confiança dos investidores no país.
Externamente, Marrocos prosseguiu na via do relacionamento próximo com a
França e Estados Unidos, considerados aliados privilegiados, acabando por, ao
contrário do seu pai, desvalorizar algumas relações consideradas agora menos
estratégicas. A questão do Sahara Ocidental constitui um dossier central na
política externa marroquina e as prioridades políticas externas relacionam-se
com a necessidade de obtenção de apoios nesta questão. Regionalmente, está
ainda tudo em aberto: a União do Magrebe Árabe, encarada como potencial
fonte de distenção, está congelada e as relações com a Argélia mantêm-se
críticas.
6
O orçamento do Estado para 2010 prevê um crescimento de 3,5% do PIB para o próximo
ano, umas taxa de inflação de 2% e um défice orçamental de 4% - fonte: Maghreb Arabe Press
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 5
de se afirmar como uma voz em África, à semelhança do assumido no período
da descolonização europeia através do “Movimento dos Não Alinhados”. A
maior liberalização do mercado interno constitui o detonador da uma nova rede
de parcerias externas, onde se destacam os EUA, o Reino Unido ou a Espanha
e, num plano inferior, países como Portugal, cujos actores económicos serviram
de rampa para um relacionamento político mais profundo.
7
Caso da Operation Active Endeavor da NATO – reforço da vigilância no Mediterrâneo, in
Christopher Hemmer, U.S. Policy towards North Africa, in Middle East Policy, Winter 2007
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 7
O relacionamento entre Portugal e a Argélia foi objecto de um novo impulso a
partir do início desta década, com as visitas oficiais dos dois chefes de Estado.
A importância da Argélia no abastecimento enérgico (gás natural) à Europa8 e a
Portugal, em particular – gasoduto Magrebe-Europa –, a estabilização política e
securitária do país e a maior dinâmica da sua economia, fruto da maior liquidez
existentes em resultado da alta dos preços dos hidrocarbonetos 9, constituíram
sinais de partida para um relacionamento mais amplo, onde se destaca o
Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, assinado em 2005 e
complementado por um conjunto de diplomas sectoriais que criam as condições
necessárias para um relacionamento bilateral pleno. A peça em falta encontra-
se na limitada rede de contactos não estatais, donde resulta o débil
conhecimento bilateral existente entre as duas sociedades e a escassez de
ligações informais, criadoras de laços de confiança.
As relações com a Tunísia têm-se revelado mais discretas mas não deixam de
merecer destaque no quadro mediterrânico.
Portugal assinou com a Tunísia um Acordo Quadro de Cooperação (1991) e um
Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação (2006) assim como estão
definidos diversos instrumentos sectoriais com vista à facilitação das relações
bilaterais. Se exceptuarmos os produtos energéticos, que representam 90% das
importações portuguesas do Magrebe10, a Tunísia é o segundo parceiro
comercial de Portugal na região. Apesar do montante do comércio bilateral se
manter modesto11, as oportunidades para uma maior aproximação pela via
económica e política estão em aberto. O gradual crescimento da classe média
8
O sensível aumento da projecção que o sector energético argelino tem revelado nos últimos
anos, acompanhando a tendência de aumento da procura mundial de energia, deverá continuar
a ser determinante para a segurança e abastecimento energéticos dos mercados europeus. Este
aumento previsto da produção de petróleo e gás natural pela Argélia, respectivamente, de
cerca de 40% e 41%, reflecte a importância estratégica do sector para as principais
multinacionais.
9
A Argélia é o 14º fornecedor de Portugal (97% do exportado para Portugal são
hidrocarbonetos) mas é apenas o 28º cliente da produção nacional – in AICEP, Argélia – ficha
de mercado, Maio de 2008.
10
Instituto Nacional de Estatística (INE - 2007), in www.ine.pt
11
Portugal é apenas o 39º cliente e o 68º fornecedor da Tunísia, não excedendo 0,1% no
universo do comércio externo tunisino – in AICEP, Tunísia – ficha de mercado”, AICEP, Julho de
2008.
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 8
tunisina permite esperar o respectivo envolvimento em iniciativas com
instituições portuguesas, em nome da promoção do conhecimento mútuo e da
facilitação de intercâmbios de natureza diversa.
A situação de Portugal pode, neste contexto, constituir uma posição única, face
à sua plena participação nas instituições da União Europeia, à inexistência de
diferendos passados ou presentes com os países do Magrebe, à experiência
histórica portuguesa em África e à proximidade e confluência de interesses que
caracteriza os relacionamento com os EUA.
12
Este projecto visa a promoção da democracia, a liberalização da economia, a igualdade de
oportunidades e melhoria da qualidade educativa, assentando em pequenos programas de formação que
envolveram, até agora, 14 países da região mediterrânica e do Golfo Pérsico, in Christopher Hemmer,
Ibid.
O PAPEL DE PORTUGAL NO MAGREBE Página 10
Este papel permitirá à sociedade civil portuguesa assumir-se como agente de
estabilidade regional e contribuir para um crescimento económico sustentado
no Magrebe, capaz de absorver a oferta de mão-de-obra e de garantir os
equilíbrios naturais que constituem pólos de atracção no estrangeiro; para uma
estrutura social mais equilibrada, onde a classe média exerça um papel mais
activo e participativo e a sociedade civil se relacione abertamente com os
parceiros europeus; para a promoção de políticas de igualdade e de não
discriminação das minorias, através de iniciativas em parceria da sociedade civil
euro-med-atlântica; para a defesa de uma gestão coordenada da pressão
migratória e de um combate eficaz às máfias da emigração ilegal; para uma
política comum de anti-radicalização islâmica, prejudicial às duas margens do
Mediterrâneo, e fonte de emergência de movimentos terroristas, através de
políticas de educação pragmáticas e do reforço dos mecanismos de intercâmbio
cultural entre o Magrebe, a Europa e os EUA; para um processo mais acelerado
de distensão regional no Magrebe, através de estruturas de integração já
existentes ou a criar e da resolução dos casos pendentes de divisão regional,
como o processo do Sahara Ocidental; para a promoção de políticas
concertadas em áreas de soberania mais sensíveis, como a política anti-
terrorista e a política de Defesa; para uma gestão partilhada dos recursos
naturais mediterrânicos e da sua preservação; para um relacionamento
saudável e não concorrencial euro-atlântico na abordagem aos recursos
energéticos do Magrebe, evitando-se a criação de focos de tensão
desnecessários; e para a criação de espaços de conhecimento euro-med-
atlânticos e de redes de parceria não governamentais, aglutinadores dos
interesses comuns em crescendo.