Relatorio SocioAntropológico - RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e Outras Comunidades Tradicionais Na Luta Por Justiça e Direitos Territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil
Relatorio SocioAntropológico - RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e Outras Comunidades Tradicionais Na Luta Por Justiça e Direitos Territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil
Relatorio SocioAntropológico - RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e Outras Comunidades Tradicionais Na Luta Por Justiça e Direitos Territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil
RELATRIO SOCIOANTROPOLGICO
Organizao:
GEDMMA1
So Lus/MA
2014
1
SUMRIO
Apresentao
03
04
11
27
APNDICE 01
Estudos realizados pelo GEDMMA no Territrio da RESEX de Tau-Mirim
29
APNDICE 02
Suposto stio eletrnico da empresa WPR
36
APNDICE 03
WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda.
37
APNDICE 04
Fotos do processo de resistncia das comunidades do Territrio da RESEX de Tau-Mirim
39
ANEXO 01
Histria de Nonato
40
ANEXO 02
42
Apresentao
Este relatrio, sntese socioantropolgica do territrio da Reserva Extrativista de
Tau-Mirm, So Lus, Maranho, Brasil, foi organizado pelos pesquisadores do GEDMMA Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente2: Horcio Antunes
SantAna Jnior, professor do DESOC/PPGCSoc/PPGPP, doutor em Cincias Humanas
Sociologia pela UFRJ; Samarone Carvalho Marinho, professor do DEGEO, doutor em
Geografia Humana pela USP; Cndia Brustolin, professora do DESOC, doutora em
Sociologia pela UFRGS, Madian de Jesus Frazo Pereira, professora do DESOC, antroploga
e doutora em Sociologia pela UFPB; Elio de Jesus Pantoja Alves, professor do DESOC,
doutor em Cincias Humanas Sociologia pela UFRJ; Bartolomeu Rodrigues Mendona,
professor do COLUN, doutorando em Cincias Sociais pela UFMA. Tambm contou com a
participao dos pesquisadores: Jos Arnaldo Ribeiro Jnior, mestre em Geografia
Humana/USP; Jadeylson Ferreira Moreira, mestrando em Cincias Sociais/UFMA; Tayann
Santos Conceio de Jesus, graduanda em Histria/UFMA; Josemiro Ferreira de Oliveira,
graduando em Cincias Sociais/UFMA.
O GEDMMA, desde 2004, realiza pesquisas no territrio tnico que abrange as
comunidades da rea rural da Ilha do Maranho, em So Lus, estado do Maranho, que
demandam a criao da RESEX de Tau-Mirim. Na rea, encontram-se as comunidades de
Rio dos Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena,
Embaubal, Jacamim, Amap, e Tau-Mirim. Alm dessas, integram tambm o territrio e so
abrangidas pelas pesquisas do GEDMMA as comunidades de Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila
Collier, Vila Maranho, Stio So Benedito, Me Chica, Vila Conceio, Camboa dos Frades.
O GEDMMA formalizou sua atuao de pesquisa em 2005, com o projeto:
Modernidade, Desenvolvimento e Conseqncias Scio-Ambientais: a implantao do plo
Siderrgico na Ilha de So Lus-MA, vigente at 2009. A partir desse ano at 2013, o grupo
desenvolveu o projeto de pesquisa e extenso com o ttulo: Projetos de Desenvolvimento e
Conflitos Socioambientais no Maranho, desses dois projetos resultaram inmeros relatrios
de pesquisa de iniciao cientfica, monografias de graduao, dissertaes de mestrado e
artigos apresentados em eventos acadmicos e publicados em peridicos cientficos. Dentre
essas produes acadmicas, a sua maioria teve como plano de anlise exatamente o territrio
j citado e seus sujeitos e instituies sociais que disputam o controle territorial (ver Apndice
01)3.
Os estudos realizados pelo grupo, na ltima dcada, na Zona Rural II de So Lus,
procuraram compreender a organizao social, econmica e cultural das referidas
comunidades; seus modos e meios de vida, suas formas de mobilizao para manuteno do
territrio e defesa de sua identidade. Os estudos discutem tambm a atuao de empresas e do
Estado nos processos de disputa pelo controle do territrio e na relao com os moradores
locais.
Com base na trajetria de pesquisa mencionada e diante de conflitos e tenses
acumulados ao longo de dcadas e retomados no decorrer de 2014, o GEDMMA prope que
se reconhea a existncia dessas comunidades tradicionais que tm intensas relaes com
os recursos naturais da localidade, com a criao da RESEX de Tau-mirim, importante
para a reproduo social e cultural dos grupos que ali vivem, bem como, para a conservao
do frgil sistema ecolgico da Ilha do Maranho, e que sejam denunciadas situaes de
violncia relacionadas realizao de novos empreendimentos na Zona Rural II, com
especial ateno situao pela qual passa atualmente a comunidade de Cajueiro.
Para dar conta dessa proposio, este documento organiza-se ento em trs eixos
centrais: a) Comunidades tradicionais e afirmao de direitos territoriais e ambientais - a
necessidade da consolidao da RESEX de Tau-Mirim para a proteo ambiental da Ilha do
Maranho e reproduo social e cultural das comunidades de pescadores artesanais,
ribeirinhos e agricultores; b) Situaes de Insegurana em Cajueiro - desapossamento
forado, jagunos e medo; c) Novos empreendimentos e velhas estratgias - instalao
forada da empresa WPR - So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda. na localidade e as
ambiguidades da ao do Estado.
a) Comunidades tradicionais e afirmao de direitos territoriais e ambientais
Os estudos realizados pelo GEDMMA apontam a existncia de mais de 12
comunidades tradicionais na Zona Rural II de So Lus. Esses grupos, a exemplo de outros
em diversas regies do pas, vivem de uma economia familiar polivalente (ALMEIDA, 2004),
onde prevalecem atividades extrativistas, a pesca, criao de animais de pequeno porte e a
pequena agricultura de roas. Muitas atividades so realizas em comum, como a pesca e os
mutires para os roados. Parte dos grupos tem sua origem social ligada s comunidades
Em 2013, o IPHAN (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) abriu o processo de registro do
Terreiro do Egito como stio arqueolgico (cf. BRASIL, 2014, p. 255).
5
A fundadora desse Terreiro [Egito] chamava-se Massinoc Alapong, ela veio como escrava n, no se sabe se
ela foi ou no liberta, a gente imagina que ela veio foragida n, e aportou ali [..] Primeiro ela morou no
Parnauau, a ela passeando por ali naquela redondeza toda, ela admirou muito aquele alto e a gente no sabe at
hoje porque ela colocou o nome de Egito l no morro, isso aconteceu essa fundao l em 1864.
Cmodo existente em terreiros de culto afro-brasileiro, utilizado para realizao de oferendas a divindades.
que as pessoas que ali residem trazem consigo heranas e as aplicam nos modos de viver,
produzir e ocupar o territrio.
A saber, o socilogo Bartolomeu Mendona, no mbito do GEDMMA, em pesquisa
realizada na Vila Cajueiro, de 2004 a 2006, para elaborao da sua monografia de concluso
de curso, constatou a interdependncia entre as comunidades da parte sudoeste de Ilha do
Maranho, sugerindo a existncia de um territrio tnico7 que somente faz sentido se for
garantida a existncia dessas relaes entre as comunidades e, portanto, da proteo da faixa
territorial por onde se observa uma economia material e simblica prpria, j que uma
comunidade no pode ser vista deslocada das outras com quem mantm laos afetivos,
simblicos, econmicos e histricos h sculos (MENDONA, 2006).
O tratamento acadmico dado ao conjunto das comunidades da parte sudoeste da
Ilha, como sendo um territrio tnico, do qual faz parte a comunidade do Cajueiro,
demonstrando a interdependncia social, cultural, econmica desse mosaico de comunidades,
foi paulatinamente sendo elaborado ao longo das pesquisas do grupo e aparece de modo
sistematizado no conjunto dos trabalhos publicados na obra produzida pelos pesquisadores do
GEDMMA e editado pela EDUFMA: Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de TauMirim, no ano de 2009, bem como, nos diversos artigos publicados em peridicos, livros e
anais de eventos cientficos e nas monografias e dissertaes elaboradas ao longo de uma
dcada de estudos8.
Sendo assim, a retirada compulsria de uma dessas comunidades, como est
ocorrendo com Cajueiro, seguramente interferir em todo territrio tnico, descaracterizar
ambiental e culturalmente a rea requerida pelas comunidades para a RESEX de Tau-Mirim,
trar desestabilizao e insegurana queles que defendem seus modos e meios de vida
prprios de extrativistas marinhos e, ainda, ir contra a determinao judicial que impede
qualquer deslocamento de populaes para fins de instalao de empreendimentos industriais
ou de infraestrutura na rea, at que o Estado se manifeste, definitivamente, sobre a
solicitao oficial dos moradores por fazer do seu territrio a RESEX de Tau-Mirim (deciso
judicial, proferida em 14.10.2014, no processo de ao cautelar, autos n 004622197.2014.8.10.0001 (494772014).
7
Almeida (2006, p. 154), em seus estudos em Alcntara/MA, apresenta extensa argumentao de como diversas
comunidades, mesmo mantendo suas singularidades, constituem um territrio tnico, vivem de modo
interdependente e formam uma unidade territorial. Fenmeno semelhante pode-se observar no caso do
mosaico de comunidades da zona rural II, de So Lus/MA, que correspondem ao territrio da RESEX de TauMirim.
8
Esse material, tambm, encontra-se disponvel na pgina eletrnica: www.gedmma.ufma.br.
O territrio tnico em que a Vila Cajueiro est situada localiza-se na parte sudoeste
da Ilha o Maranho e constitui-se de comunidades que, desde 2003, formalmente requerem a
criao da Reserva Extrativista de Tau-Mirim. Requerimento que teve sua viabilidade
atestada pelos estudos realizados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renovveis) (IBAMA, 2006). Esses estudos tambm atestam o
reconhecimento pelo Estado brasileiro da condio de comunidades tradicionais dos grupos
que ali vivem, a partir da descrio de suas atividades e relaes, e da importncia do manejo
dos recursos naturais no territrio. Apesar da comprovada viabilidade ambiental, social, e
cultural, as comunidades aguardam, h uma dcada, a edio do decreto presidencial de
criao, que tem esbarrado em entraves polticos.
As comunidades que demandam a criao da RESEX de Tau-Mirim9 so: Rio dos
Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena, Embaubal,
Jacamim, Amap, e Tau-Mirim; alm dessas comunidades, que aguardam apenas o decreto
de criao da Unidade de Conservao, tambm compem o territrio, as comunidades de
Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila Collier, Vila Maranho, Stio So Benedito, Me Chica, Vila
Conceio, Camboa dos Frades.
Como esse espao visto por representantes governamentais, aliados a gestores
empresariais, como um local com "vocao natural" para implementao de grandes
empresas, esta lgica entra em atrito com lgicas histricas de comunidades que h sculos
habitam o local, partilhando entre si modos de vida, de apropriao e preservao do
territrio, alm de crenas e simbologias comuns, o que no est sendo visualizado por
aqueles representantes, no momento em que buscam atrair grandes empreendimentos para o
local, desconsiderando que ali residem pessoas cuja ancestralidade remonta h sculos. Os
indcios histricos contam no mnimo 200 anos de ocupao territorial, contabilizando, por
exemplo, a idade de moradores que nasceram no local e tambm criaram seus filhos; isto sem
considerar indcios histricos que demonstram usos indgenas.
A no efetivao da RESEX, a transformao da rea rural de cenrio da vida dessas
populaes em Zona Industrial, constitui-se numa ameaa ao modo de vida tradicional dos
grupos ali estabelecidos e ao meio ambiente em geral. A rea possui incontestvel potencial
para o desenvolvimento de agricultura orgnica, para o incremento da pesca artesanal, da
piscicultura e do turismo comunitrio, que deveriam ser observados pelos representantes
governamentais como possveis maneiras de utilizao daquele espao, viabilizando, portanto,
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de consultoria Diagonal Urbana, que passava nas casas dos moradores das comunidades,
igrejas e escolas marcando com tinta preta os prdios das residncias, dos comrcios locais ou
os prdios pblicos o que, supostamente, garantiria posterior indenizao dos mesmos
(MENDONA, 2006). Passados mais de dez anos, nenhum empreendimento se instalou no
local, mesmo assim, o poder executivo estadual e municipal no realizou investimentos
significativos em polticas pblicas nessas comunidades, confirmando assim, o seu
compromisso com uma perspectiva de desenvolvimento que no contempla as comunidades
locais. Essas investidas de controle do territrio e de possibilidades de deslocamento
mencionadas so algo que se mantm na memria das pessoas que ali vivem.
Recentemente, verificaram-se novas ofensivas aos moradores da rea, desta vez, com
a ao direta de desapossamento, sobretudo em Cajueiro. Na realizao de atividades de
pesquisa na Zona rural II de So Lus, durante o ano de 2014, integrantes do GEDMMA
acompanharam sistematicamente reunies e processos sociais relacionados s transaes de
terras empreendidas pela empresa WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda11.
Pesquisadores do GEDMMA estiveram presentes nas reunies da comunidade do
Cajueiro nas seguintes datas: 10 de junho; 14 de julho; 19 e 27 de agosto; 05 de setembro; 20
e 24 de setembro; 02, 11 e 15 de outubro, alm de acompanhar, no dia 15 de outubro, a ao
dos moradores de diversas comunidades que paralisou o trnsito da BR-135 na altura da
entrada do Cajueiro; e a tentativa de realizao de uma audincia pblica, no dia 16 de
outubro, que trataria do licenciamento da instalao do Terminal Porturio de So Lus, pela
referida empresa WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., impedida pelos
moradores de ocorrer, sob alegao de que a empresa WPR estaria utilizando milcia armada
para intimid-los, alm de coagi-los a vender suas posses a esta empresa, bem como de
questionamentos quanto ao descumprimento de prazos legais para convocao da Audincia e
quanto indisponibilidade para consulta pblica do EIA-RIMA elaborado pela empresa.
A partir dos trabalhos de campo, principalmente da anlise dessas reunies,
constatou-se que negociaes fortemente assimtricas comearam a ser operadas na
localidade, com a finalidade de comprar casas de moradores, de demolir as construes das
moradias e dos prdios de pequenos comrcios e de apossamento dos terrenos. Aes que no
A WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda., empresa responsvel pela suposta construo do
Terminal Porturio de So Lus, afirma no seu EIA (Estudo de Impacto Ambiental) que foi realizada a
compensao social, sendo a "Urbaniza Engenharia Consultiva, empresa responsvel pela gesto fundiria de
desapropriao e indenizao da poligonal de implantao do empreendimento", o que atesta que a
empreendedora fez as vezes do Estado ao contratar uma empresa responsvel em realizar a "gesto fundiria de
desapropriao e indenizao", o que tudo indica com a conivncia dos rgos estatais.
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enterrado n! A o cara chegou e botou a mo, o guarda, n! O paideguo que tava com o
rdio na mo.
A entrada desse novo empreendimento vem cerceando direitos dos moradores, como
elencado acima, tentando colocar postes e cercar com uma corrente a entrada para a rea. A
facilidade com que essas aes irregulares foram executadas em Cajueiro deve-se memria
dos moradores das possibilidades de deslocamento ocorridas no passado recente e a forma de
atuao da empresa que mesclou ritos estatais e privados, no deixando clara a natureza
privada das aes, e usando de extrema violncia. Exemplo disso foi a notificao do MPE
No 01/2014 38o PJESP com referncia ao Procedimento Preparatrio no 04/2014 Vila
Cajueiro que versa sobre a proibio de qualquer ato que importe em realizao atual de
construo.
Mesmo com a violncia do processo instalado, as comunidades vm resistindo
fortemente lgica de ao dos novos empreendimentos no local. O artigo O Fator
Participativo nas audincias pblicas em So Lus (MENDONA; MOREIRA, 2014), cujo
objetivo substancial foi compreender a interconexo entre os diferentes modos de apropriao
dos espaos na Zona Rural II, da cidade de So Lus MA, com foco nas audincias pblicas
realizadas para apresentao do EIA/RIMA do Distrito Industrial de So Lus DISAL e das
obras de dragagem de manuteno do Per IV do Terminal Porturio da Ponta da Madeira,
apontou para o acmulo de competncias, repertrios de ao e estratgias de resistncia e,
por essa via, de exerccio do discurso reconhecido em espaos especficos da esfera de
mobilizao frente aos grandes empreendimentos, por parte das comunidades que pleiteiam a
criao da Reserva Extrativista de Tau-Mirim.
O que importa focalizar aqui o sentimento de permanecer nas terras que compem
a gleba do Cajueiro, como forma de reproduo social e simblica do grupo. Atravs da
memria viva, os moradores acionam traos, histrias, relatos que estabelecem a fronteira
entre aqueles que nasceram e se criaram l, em contraposio aos de fora 13 cujo
deslocamento no pesaria, na maioria dos casos, no processo de negociao das terras. Como
se pode perceber no trecho seguinte da reunio do dia 17 de Outubro de 2014, na Unio dos
Moradores do Cajueiro:
Participante 1: Seu... Nem todo mundo quer sair do Cajueiro, mas cinquenta por
cento (50%) quer sair daqui. Eu t errado?
13
Nos ltimos anos, entre outros fatores, devido a deslocamentos realizados em outras comunidades ou s
expectativas de obteno de indenizaes de empreendimentos estatais ou privados, houve significativo
estabelecimento de novos moradores ou posses de terrenos em algumas comunidades localizadas na Zona Rural
II de So Lus. Isso faz com que moradores que residem na rea h mais tempo (algumas famlias esto ali
secularmente) faam a diferenciao entre os moradores que nasceram e se criaram na regio e os de fora.
15
Participante 2: (em voz alta): Quem quer sair? Quem que t aqui que quer sair?
Levanta o brao quem quer sair (poucos levantaram).
Participante 2: (em voz alta) Agora levanta o brao quem quer ficar.
Outros participantes: Eu...
Participante 3: Cinquenta por cento (50%) so pessoas que vem l de fora.
Participante 4: Algum daqui gravou um vdeo dizendo que queria sair daqui?
Participantes: No...
Participante 4: Porque a... t dizendo que a empresa tem.
A passagem anterior demonstra que a maioria daqueles que venderam seus terrenos,
so moradores de outras reas que adentraram o territrio de Cajueiro com o objetivo de
especular imveis, j que nem vivem e nem plantam nas reas que foram ocupadas de
maneira, muita das vezes, ilegal. Podemos inclusive afirmar, pelos estudos realizados, que
esta situao herana do processo da dcada de 1970 conduzido pelo Estado em
reiteradamente propor projetos industriais ou de infraestrutura que iriam indenizar os
moradores, levando uma legio de especuladores a cercar terrenos, sem qualquer uso para
moradia ou para trabalho, com o firme propsito de especular e tirar, em mdio prazo, algum
proveito pecunirio14. As populaes tradicionais alm de enfrentar, ao longo de dcadas, as
investidas estatais e empresariais no sentido de expropriar seu territrio em favor da
construo de indstrias, tambm enfrentam as investidas desses especuladores que tm posto
em dvida a identidade das comunidades tradicionais e dificultado a efetivao da proposta de
criao da RESEX de Tau-Mirim.
Social e ambientalmente injustiada, a Comunidade de Cajueiro encontra-se hoje em
meio a uma ferrenha disputa territorial, cujos extremos so: a empresa WPR - So Lus
Gesto de Portos e Terminais Ltda. e o prprio Estado do Maranho com seu aparato jurdicolegal mobilizado para atender s demandas mais expansivas de um ambicioso projeto de
incremento de infraestrutura logstica na Baa de So Marcos, sem qualquer possibilidade de
incluso das comunidades tradicionais nos planos de negcios.
Pensar isto no mbito das particularidades da pesquisa de campo do GEDMMA ter
a oportunidade de conhecer o espao de vivncia, reivindicao, mobilizao, mas tambm de
reproduo social e cultural de grupos sociais historicamente postos revelia dos mais
diversificados Projetos de Desenvolvimento que voltam seus interesses expansionistas para o
que hoje se chama de Terminal Porturio de So Lus. No entanto, a forma em que
conduzido tal processo refora ainda mais as diferenas sociais potenciais, engendradas por
14
Mendona (2006) destaca que at aquele ano a comunidade de Cajueiro possua cerca de 183 famlias, com o
processo de intensa especulao da terra; atualmente considera-se a existncia de 600 famlias (MRS, 2014), ou
seja, em pouco menos de uma dcada triplicou o nmero de famlias, muitas das quais mantm apenas os
terrenos cercados sem qualquer exerccio de posse, numa demonstrao inconteste de apropriao especulativa
do territrio.
16
Harvey (2012, p. 127) ainda nos lembra, informado pelos ensinamentos marxianos,
que Toda formao social, ou territrio, que inserida ou se insere na lgica do
desenvolvimento capitalista tem de passar por amplas mudanas legais, institucionais e
estruturais. Em boa medida, isto o que vem ocorrendo nos processos de instalao de
empreendimentos, nas ltimas dcadas, na Ilha do Maranho, que expulsam as comunidades
tradicionais em nome de um suposto desenvolvimento, avalizado pelo Estado.
15
Ao utilizarmos as exemplificaes de Harvey (2012) no as tomamos como forma de fazer equivaler as noes
de campons ou agricultura familiar dos contextos brasileiro e estadunidense, mas to somente como ilustrao
de como as investidas dos ativos de capital nacional ou internacional utilizam-se, em situaes dspares e
especficas, estratgias semelhantes de cooperao Empresa-Estado para expropriar os territrios, expulsar as
populaes e assegurar a rentabilidade dos investimentos financeiros.
17
Seria a efetivao da privatizao dos ativos e insumos existentes nos territrios das
comunidades tradicionais, que passam ao controle do capital em cooperao com rgos do
Estado e que eliminam as possibilidades de existncias dos seus modos e meios de vida,
deslocando-os para reas urbanas perifricas com srios dficits estruturais.
Disso Harvey, valendo-se de Roy, explica que
A privatizao, conclui Roy, essencialmente a transferncia de ativos pblicos
produtivos do estado para empresas privadas. Figuram entre os ativos produtivos os
recursos naturais. A terra, as florestas, a gua, o ar. So esses ativos confiados ao
Estado pelas pessoas a quem ele representa... Apossar-se desses ativos e vend-los
como se fossem estoques a empresas privadas um processo de despossesso
brbara numa escala sem paralelo na histria (HARVEY, 2012, p. 133).
16
18
Encontramos
apenas
dois
stios
com
informaes
genricas,
sendo
19
J esse grupo empresarial WTorre mantm seu stio oficial com todas informaes
que as grandes corporaes fazem questo de expor. Mostra os principais clientes, os seus
maiores investimentos e tem uma quase infinidade de matrias, colunas, informaes sobre
suas aes.
A histria da WTorre nasceu de uma iniciativa ousada de Walter Torre Jnior
quando abriu, em 1981, uma construtora que levava seu nome. Com um novo jeito
de empreender e fazer negcios, ele iniciava seu legado empresarial ao projetar
armazns industriais para locao um nicho de mercado que ainda no era
explorado
no
Brasil
naquela
poca
(Disponvel
em:
http://www.wtorre.com.br/index.php/pt_br/wtorre/o-grupo-wtorre/2012-12-07-1545-50.html, acessado em 02/11/2014, s 14:15).
Apesar do seu tamanho e provvel modo de atuao responsvel, a WTorre tem sido
denunciada em stios da internet em razo dos seus projetos serem cercados de problemas,
descumprimentos.
Todos os projetos realizados pela WTorre em sua existncia foram cercados de
problemas, descumprimento de palavra e alguma malandragem.
No era segredo para ningum, bastava uma breve busca pela internet. (Walter Torre
Junior tirar a mscara, diz que Arena Palestra dele, e demonstra que Palmeiras
caiu
no
conto
do vigrio.
Disponvel
em:https://blogdopaulinho.wordpress.com/2013/10/22/walter-torre-junior-tira-amascara-diz-que-arena-palestra-e-dele-e-demonstra-que-palmeiras-caiu-no-contodo-vigario/. Acessado em 02/11/2014, as 13:15).
O Sr. Jos Hagge Pereira, representante legal pela WPR So Lus Gesto de Portos
e Terminais Ltda, responsvel pela construo do Terminal Porturio de So Lus,
coincidentemente ou no, Diretor da WTorre,
20
21
Do blog de Jorge Vieira, Bira20 requer audincia pblica para tratar sobre ameaa
vivida pela comunidade Cajueiro:
O Porto est orado em R$ 800 milhes e para o parlamentar, uma obra desta
envergadura, precisa ter transparncia, fundamentao e tem que ser motivo de
debate entre a empresa, o poder pblico e a comunidade. As placas de propriedade
particular e a vigilncia particular que foram colocadas dentro da comunidade esto
coagindo os moradores a aceitar indenizaes oferecidas pela WPR (Disponvel em:
http://www.blogjorgevieira.com/2014/10/bira-requer-audiencia-publica-para.html,
acessado em 02/11/2014, s 23:28).
19
22
23
era muito baixo, alm de que aquela senhora e sua famlia possuam outros vnculos, para
alm do de sobrevivncia. Segundo Dona Eurdes, tudo o que precisa estar naquele povoado,
pois se precisar comer, vai ao mar e pesca peixes, ou ento vai ao quintal e pega galinhas que
cria. A gua para consumo ela tem em casa e no sente falta de nada, pois desde muito tempo
mora ali e tem naquele lugar sua vida. Ela nos disse: eu sou muito feliz aqui, ressaltando
ainda as relaes afetivas e de auxlio mtuo que tem com pessoas mais antigas.
Contudo, meses depois, a senhora j no se encontrava l, pois finalmente cedeu s
investidas da empresa. Inclusive, ao tentarmos chegar praia de Parnuau, a rea j se
encontra interditada, impedindo o acesso a ela pelos moradores que pescam na regio, alm
de que algumas casas j foram demolidas. Isso demonstra a eficcia das empresas em suas
investidas. Uma das ameaas que essa senhora nos relatou foi a de que os representantes da
empresa diziam que se ela no vendesse sua casa, o Estado a tiraria dali foradamente sem
nenhuma indenizao. Com esse tipo de ameaa sua prpria condio de sobrevivncia,
aparentemente mais lucrativo vender sua propriedade por um preo muito abaixo do real do
que esperar e correr o risco de ser deslocada sem qualquer indenizao ou por valores ainda
mais depreciados.
Situao semelhante ocorreu com o senhor Joca, pescador de 77 anos, vindo do
municpio de Alcntara, que vive no Cajueiro h 35 anos, onde criou seus filhos e netos que
por vrias vezes teve sua casa demarcada por representantes da empresa como local a ser
comprado. Ele prprio pintou por cima das demarcaes feitas a tinta de spray na parede
frontal. Esses representantes vieram a sua casa pedindo seus documentos explicando que era
para ele receber um benefcio do governo, visando claramente ludibri-lo. Ele no entregou os
documentos e esses representantes passaram a assedi-lo sistematicamente para que vendesse
sua propriedade, vastssima em produes agrcolas como a de abacaxi. Esse senhor no a
vendeu e atualmente resiste expulso de sua famlia do local.
Da parte do Estado do Maranho (aqui compreendendo rgos como secretarias de
estado, empresa porturia, instituto de terras, rgos da justia), quando no se fizeram
totalmente omissos, foram basties das investidas dessas empresas, desde a dcada de 1970,
quando diversas comunidades, mesmo com muita resistncia, viveram a trgica experincia
da expulso dos seus territrios (GISTELINCK, 1988).
Gistelinck demonstra e questiona como o Estado do Maranho favoreceu a
ALUMAR (Consrcio de Alumnio do Maranho), quando da sua instalao na Ilha do
Maranho, ao repassar a essa empresa multinacional uma extensa rea de terra que era
territrio de vrias comunidades tradicionais (Macaco, Tainha, Taperuu, Tambau, Canaba,
24
25
26
enfticas reaes dos moradores ali presentes, fazendo com que o secretrio adjunto recuasse
do seu intento.
O fato seguinte foi o desdobramento do ato do secretrio adjunto da SEMA. A
empresa WPR com a conivncia da SEMA, marcou nova audincia, desta vez para o dia 29
de outubro de 2014, quarta-feira, aps um final de semana, seguido de ponto facultativo e
feriado nos dias que antecediam a audincia (dias 27 e 28), nas dependncias do Comando
Geral da Polcia Militar do Maranho, no bairro Calhau, distante espacial e socialmente das
comunidades diretamente afetadas pelo empreendimento, numa clara tentativa de intimidar os
possveis participantes. Desta vez, a comunidade no foi avisada em tempo hbil, apenas um
carro de som avisara na vspera. E, embora com formalizao de pedido de suspenso, a
SEMA deu continuidade ao rito da audincia, com a participao majoritria de moradores de
bairros bem distantes de onde seria construdo o empreendimento. Situao jamais vista em
audincias pblicas para licenciamento ambiental acompanhadas ao longo dos anos, tanto em
funo da sbita motivao de pessoas que residem fora da rea de impacto direto do
empreendimento, majoritariamente jovens, em participar, como tambm pela opo em
realiz-la nas dependncias do Comando Geral da Polcia Militar.
Em
resposta
ao
aparente
relacionamento
simbitico
Estado-Empresa,
as
27
28
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Horcio Antunes de SantAna Jnior.
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Horcio Antunes de SantAna Jnior.
RIBEIRO, Ana Lourdes S. e SANT'ANA JNIOR, Horcio A. Camboa dos Frades, Vila
Madureira e Termeltrica do Porto do Itaqui; grandes projetos de desenvolvimento e
comunidades
locais.
Vias
de
Fato.
So
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01/03/2010.
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RIBEIRO, Ana Lourdes S. Impactos de projetos de desenvolvimento sobre comunidades
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37
APNDICE 02
Suposto stio eletrnico da empresa WPR
(Disponvel em: http://www.wpr.com.br/principal.html, acessado em 03/11/2014, s 00:54).
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APNDICE 03
WPR So Lus Gesto de Portos e Terminais Ltda.
(Disponvel em: https://www.infoplex.com.br/perfil/18729181000157,
02/11/2014, s 14:35).
Acessado
em
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APNDICE 04
Fotos do processo de resistncia das comunidades do Territrio da RESEX de Tau-Mirim
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ANEXO 01
Histria de Nonato
(GISTELINCK, 1988, p. 136-138)
Menino ainda, Nonato veio na dcada de 50 com os pais, da regio de Cod para
Santa Luzia, procura de terra livre e boa. Fixaram-se seus pais com outras famlias num
centro situado no caminho da boiada, que atravessava o Maranho, vindo de Gois, passando
por Graja, os rios Zitiua e Pindar, indo para Bragana no Par. O centro recebeu o nome de
Boa Esperana, porque era mata virgem, terra frtil, terra livre.
Dez anos depois, quando Nonato j tinha mulher e um casal de crianas, chegou um
homem armado no povoado. Veio avisar s mais de cem famlias que o dono destas terras era
o Senador. As terras seriam cercadas e todo mundo tinha que sair. A comunidade se reuniu e,
junto com outras comunidades e com o sindicato decidiu ficar e se defender. Umas semanas
depois chegaram os pistoleiros com moures e arame farpado, enquanto os lavradores
estavam na roa. Ameaaram as mulheres e as crianas. Nonato, que tinha pavor de violncia,
decidiu ir embora com a mulher e as crianas, procura de outra terra livre e frtil, rumo ao
rio Pindar, at chegar num lugar chamado Mineirinho em 1972.
Tinha mata virgem em abundncia; a terra dava fartura e o rio muito peixe. Em dois
anos Nonato conseguiu construir uma casa bem arrumada, de taipa, coberta de telhas de barro
que ele mesmo fazia. Tinha uma sala com sof e duas poltronas, uma copa com mesa e seis
cadeiras e uma cristaleira cheia de loua linda, um quarto com cama de casal e guarda-roupa,
outros dois quartos para os filhos, uma cozinha limpa com uma bateria de panelas brilhantes,
o filtro de gua com seis copos de alumnio, o fogo lenha feito de barro, um terreiro
grande, cercado, com galinhas, patos e porcos. Tinha arroz, milho, feijo e farinha com
fartura. O dinheiro da venda do arroz dava para comprar duas vacas.
Nonato morava agora bem sossegado com a sua famlia na comunidade de
Mineirinho, que vivia unida e em paz. Graas a Deus, os grileiros no chegavam a, porque
no tinha estrada. Tambm no tinha ladres, nem polcia no povoado; podia dormir sem
trancar as portas. Todo mundo vivia em paz, trabalhando na roa, pescando e banhando no
rio, se reunindo na igreja e no sindicato e organizando festas na comunidade.
Mas um dia, no incio do vero, chegaram trs homens de helicptero. Comunicaram
que ia se construir uma ferrovia nessa regio, ligando So Lus a Carajs no Par. Era uma
obra federal. Ia dar muito trabalho. No precisava se preocupar em perder as terras, eles no
eram grileiros; a ferrovia ia ocupar apenas uma faixa de 100 m de largura. Quem perdia um
pedao de terreno ou bem feitorias ia ser indenizado.
Quatro anos depois chegaram as mquinas pesadas. Nonato foi chamado no
acampamento da empresa construtora e ficou sabendo que a ferrovia ia passar exatamente no
lugar onde ele morava. A empresa ia indeniz-lo, arrumar outra casinha no povoado e ajudalo no transporte dos mveis. Alm disso, a empresa oferecia-lhe a oportunidade de trabalhar
na construo da ferrovia. Ia ganhar um bom salrio e a mulher e os filhos podiam tomar
conta da roa. Nonato se empregou e mudou-se para outra casinha bem menor, num terreno
pequeno. O caminho carregou os mveis e os filhos seguravam galinhas, patos e porcos em
cima do veculo. Era um dia de agitao, de alegria, de festa.
Nonato aprendeu a trabalhar patrola. Como no tinha mais tempo para cuidar da
roa, resolveu vender a sua posse de 30 h para um homem, que andava com a mala cheia de
dinheiro, comprando terras. Ficou apenas com uma solta para as duas vacas. Com o dinheiro,
ele construiu a casa de tijolo.
Mas, dois anos depois, a obra terminou. Sem roa para trabalhar, Nonato no tinha
outra opo a no ser acompanhar a obra da ferrovia. Empregou-se em outra empreiteira,
primeiro em Pequi, depois em Parauapepas. De ms em ms ele mandava um dinheirinho
para a famlia em Mineirinho. Era pouco, porque a empresa pagava apenas dois salrios para
um operrio semiqualificado e tinha que viver no acampamento, beber uma cervejinha ou
uma cachacinha e de vez em quando sair noite. Certo dia, a mulher mandou um recado que
faltava dinheiro, porque os filhos tinham que ir para o colgio e ela estava doente. Precisava
comprar farda, cadernos, remdios e comida. Compadres e vizinhos ajudaram, mas, mesmo
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assim, no dava. Foi preciso vender uma vaca. A outra vaca foi esmagada pelo trem. Mas no
tinha que se preocupar em comprar outra vaca. No ia faltar leite para as crianas, porque o
governo da Nova Repblica distribua agora leite em p. O filho mais velho tinha ido embora
para So Lus, procura de trabalho e de oportunidade de continuar os estudos. A filha mais
velha estava em Santa Ins, como empregada domstica na casa de famlia.
Quando o trem de minrio comeou a circular no incio de 1985, foi uma grande
festa. A obra terminou e Nonato foi despedido. Com o dinheiro da demisso ele tentou sua
sorte no garimpo da Serra Pelada e tornou-se scio de um barranco. Mas no deu certo. S
arrumou outra mulher em Curionpolis. No inverno forte de 1986, muito doente de malria,
ele resolveu voltar para Mineirinho. Graas aos bons cuidados de um funcionrio da SUCAM,
ele se recuperou lentamente. A mulher se esforava dia e noite, trabalhando na roa de um
compadre lavando roupa e pescando no rio, cuidando da casa e dos trs filhos menores.
Em julho veio finalmente uma notcia boa do filho em So Lus. Ele estava
empregado como ajudante na FEM Fbrica de Estruturas Metlicas, e tinha alugado uma
casa de dois quartos na Vila Sarney, na frente do Distrito Industrial. Podiam vir morar com
ele.
Nonato vendeu tudo o que tinha em Mineirinho e foi-se com a famlia para So Lus,
pelo trem, ... uma viagem maravilhosa. A famlia ajeitou-se na pequena casa alugada. Nonato
conseguiu logo um emprego como vigia da residncia de um deputado no Bairro do Calhau,
graas a um bilhete de outro poltico em campanha eleitoral no povoado de Mineirinho.
Mas os dois salrios, dele e do filho, no do para sustentar a famlia de seis pessoas.
S o aluguel da casinha j come a metade de um salrio! Ele e o filho, comendo no emprego,
no passam fome, mas em casa a maior misria. Na hora do caf no tem beiju, nem mingau
de milho, nem bolo de macaxeira, nem cuscuz de arroz. No tem dinheiro para comprar po.
Tem que sair para o servio em jejum. A meio-dia, a mulher e os filhos menores almoam
arroz, farinha e um pouco de feijo e de vez em quando uma sardinha, que compram fiado na
quitanda do seu doutor, que cobra preos com juros e correo monetria. No fim do ms
s entregar o salrio na quitanda e, s vezes, fica ainda devendo. Nas horas de folga Nonato
vai quebrar pedra na pedreira com os filhos menores, que no tm onde estudar. Assim
consegue mais um dinheirinho para, no fim de semana, comprar uma carninha de segunda,
com muito osso, e tomar umas caipirinhas na quitanda.
Continua alugando a casinha, mal arrumada e quase caindo, sem gua, sem esgoto,
com muita lama na porta no inverno e muita poeira no vero. Na salinha h apenas uma mesa
e quatro banquinhos, na cozinha uma pequena estante com algumas panelas velhas e
machucadas, seis pratos, uns copos e algumas colheres, um fogo a gs, com apenas duas
bocas funcionando, e um botijo de gs. Uma velha geladeira est encostada; o motor
queimou com as oscilaes da energia. No quarto h apenas uma caixa de papelo e uma mala
velha com roupa amontoada. As redes, j emendadas e de cor cinzenta, esto penduradas na
sala e no quarto.
A Vila Sarney inchou de gente, vindo de todo canto do interior e at do Piau e do
Cear. As mulheres conseguiram organizar um clube de mes, construram um salo que
serve para escolinha, igreja e festa. Com bingos e a ajuda de amigos e da cervejaria, foi feito
um poo artesiano. Agora tem gua potvel e para lavar roupa. Os homens, que trabalham nas
fbricas at nos sbados pela tarde, no tm tempo para trabalho comunitrio e aproveitam o
fim de semana para esquecer a rotina de trabalho e a misria da casa, no jogo de futebol, na
bebida e na festa. A cada fim de semana e, at mesmo durante a semana, chega o carro da
polcia para apanhar bbados, briguentos e ladres. J esto levando tambm maconheiros e
de vez em quando um assassinado. Nonato dorme com a arma na rede. Outro dia, enquanto
ele estava de servio noturno, roubaram a televiso, que tinha comprado um ms antes
prestao. E, faz pouco tempo, ele ficou sabendo que o filho de quinze anos est envolvido
numa boca de fumo e que a filha caula est inda, noite, na boate o trem das onze.
A histria de Nonato se repete, com poucas variaes, em milhares de famlias.
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ANEXO 02
Mapas da RESEX de Tau-Mirim, So Lus, Maranho, Brasil.
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