Temístocles Cezar, Biografia e Escrita Da História, 2003

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Livros de Plutarco: biografia e escrita da histria

no Brasil do sculo XIX


Temstocles Cezar*

Resumo: O objetivo deste artigo o de


analisar as relaes entre a biografia e a
escrita da histria no Brasil do sculo XIX
a partir de dois exemplos: a obra de Joo
Manuel Pereira da Silva (1817-1898) sobre
os Vares illustres do perodo colonial
brasileiro, e a Galeria de brasileiros illustres,
porm contemporneos, organizada pelo
francs Sbastien Auguste Sisson (18241893).

Abstract: The objective of this article is to


analyze the relationship between biography
and writing of Brazils history of the 19th
century. For this purpose it works with two
examples: the work of Joo Manuel Pereira
da Silva (1817-1898) on Vares illustres of
Brazilian colonial period, and the Galeria de
brasileiros illustres, but contemporary, organized
by the French man Sbastien Auguste Sisson
(1824-1893).

Palavras-chave: biografia, escrita da histria,


historiografia.

Key words: biography, writing of history,


historiography.

Quando o historiador ou o biographo tem um


respeito religioso verdade, os seus escriptos fecundam.
Manuel de Araujo Porto Alegre,
Revista do IHGB, 1856.1

Dos usos da biografia


No escrevemos histrias, mas vidas, assinala Plutarco na biografia de
Alexandre (Plutarco, 2001, p. 1.227). Arnaldo Momigliano lembra que em
nossos dias, ningum, sem dvida, contesta que a biografia seja uma categoria
da histria (Momigliano, 1991, p. 17). As relaes entre biografia e histria
tm, portanto, uma historicidade que se caracteriza por distanciamentos, mas
tambm por aproximaes, por trocas e contribuies mtuas.
*

Professor do Departamento de Histria e do Programa de Ps-Graduao em Histria da


UFRGS; e-mail: [email protected]

MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

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No Brasil do sculo XIX, biografia e histria protagonizam contatos


mediados por duas questes: a constante busca de marcas de cientificidade
e a tarefa de se escrever a histria da nao. Em ambos os casos, era preciso
romper com a potica da histria presente na cultura histrica oitocentista, o
que exigia um grande esforo, uma vez que aqueles que praticavam a pesquisa
em histria, sobretudo os membros do Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro (IHGB), fundado em 1838, no tinham muito claras as distines
necessrias para a definio de um campo cientfico. Alm disso, suas
disposies intelectuais no eram limitadas cincia: poetas e literatos em
geral compartilhavam a mesma casa, no sendo raro o exerccio de atividades
duplas; nem sempre ser poeta ou romancista era incompatvel com ser
historiador; e ir de um gnero a outro era uma opo, no uma
impossibilidade intelectual.
Esse ciclo poltico-epistemolgico parcialmente resolvido ao longo
do sculo. Narrar a vida de grandes ou ilustres brasileiros foi um dos caminhos
escolhidos. Assim, em 1839, Janurio da Cunha Barbosa, ento primeirosecretrio do IHGB, prope aos seus membros um projeto biogrfico, com
o objetivo de arrancar ao esquecimento, em que jazem sepultados, os nomes
e feitos de tantos illustres Brasileiros, que honraram a patria por suas lettras
e por seus diversos e brilhantes servios (Barbosa, 1839, p. 14). Esses homens
seriam o resultado inexorvel das potencialidades do prprio Brasil, e a
histria de suas vidas, as provas deste destino grandioso.2
As biografias fazem parte, por conseguinte, do mesmo regime de
historicidade que orienta os demais planos historiogrficos do IHGB e de
parte considervel da elite intelectual brasileira ao longo do sculo XIX: a
historia magistra vitae (a histria mestra da vida) promotora de exempla (de
modelos) a serem seguidos: na vida dos grandes homens aprende-se a
conhecer as applicaes da honra, a apreciar a gloria e a affrontar os perigos,
que muitas vezes so causa de maior gloria. O fundamento, a base de tudo,
aquele em que os historiadores devem se inspirar, no limite copiar os
princpios e mtodos no outro seno Plutarco: o livro de Plutarco he uma
excelente escola do homem, porque offerece em todos os generos os mais
nobres exemplos de magnanimidade (Barbosa, 1839, p. 15). A partir dele,
a empresa biogrfica e aquilo que a justifica fazem-se notar: produzir a
imitao no leitor (Hartog, 2001, p. 14). Para isso, fazia-se necessria a
criao de um panteon nacional.3
A Revista do IHGB torna-se um local importante para a publicao
dessas biografias (Enders, 2000, p. 43). Assim, duas dcadas aps a proposta
de Barbosa, em 1858, o presidente do IHGB Cndido Jos de Araujo Vianna,
Visconde de Sapucai, fazia um balano positivo do projeto biogrfico: O
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Brasil abunda de modelos de virtudes, de vares distinctos por seu saber e


brilhantes qualidades. A Revista os tem apresentado em bem ordenada
galeria, collocando-os segundo os tempos e logares, para que fossem melhor
percebidos pelos que anhelam seguir os seus passos nos caminhos da honra
e da gloria nacional (Vianna, 1858, p. 504). Os mais importantes
historiadores do IHGB (Janurio da Cunha Barbosa, Joo Manuel Pereira
da Silva, Joaquim Norberto de Sousa Silva, Manuel Duarte Moreira de
Azevedo, Joaquim Manoel de Macedo, Francisco Adolfo de Varnhagen, entre
outros) ocuparam-se da redao dessas vidas. Entretanto, esses grandes
historiadores no escreveram grandes biografias. Na verdade, tratam-se de
pequenas notcias biogrficas que no ultrapassam mais de duas ou trs
pginas. A biografia, como gnero historiogrfico autnomo e mais sofisticado,
desenvolve-se mais para o fim do sculo XIX (Rodrigues, 1978, p. 210).
Em todo o caso, esta primeira organizao biogrfica integra-se
escrita da histria do Brasil. Ela auxilia na criao de uma ordem do tempo,
o tempo da nao, e na definio de um espao de atuao: o territrio
brasileiro. Nem um nem outro, contudo, estavam totalmente constitudos.
Biografia e histria fazem parte, portanto, de um mesmo plano nacional.
Por outro lado, a Revista do IHGB no o nico espao onde se
publicam biografias no Brasil do sculo XIX. O gnero tambm se manifesta
em produes independentes do IHGB, mesmo que alguns autores tenham
com ele um vnculo institucional, ou simplesmente sigam os seus princpios
e a mesma inspirao. O objetivo deste artigo o de analisar dois exemplos
dessa tendncia externa, porm com repercusses no IHGB: a obra de Joo
Manuel Pereira da Silva (1817-1898) que traa a biografia dos vares illustres
do Brasil durante o perodo colonial; e a Galeria de brasileiros illustres, porm
contemporneos, organizada pelo francs Sbastien Auguste Sisson (18241893), que se constitui, de certa maneira, em um complemento ou em uma
continuao daquele.
Os estudos biogrficos, contidos nos trabalhos desses autores, tambm
tm por meta criar o exemplo, o exemplar, integrado retrica da
nacionalidade, discurso historiogrfico e poltico extremamente persuasivo
desenvolvido ao longo do sculo XIX, tanto no IHGB como fora dele, tanto
na histria como na literatura (Cezar, 2002). Contudo, tanto o trabalho do
brasileiro como o do francs revelam bem mais do que simples dados
biogrficos. Desse modo, enquanto as biografias de Pereira da Silva sinalizam
para concepes sobre o que a histria, qual a tarefa dos historiadores,
como eles devem escrever a histria e qual suas relaes com os paradigmas
antigos, aquelas apresentadas na obra de Sisson visam estabelecer uma relao
mais consistente entre biografia e histria, sobretudo com a histria do
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tempo presente, conferindo, desse modo, ao panteon da nao sua verso do


que o homem ilustre atual. Trata-se portanto de uma boa oportunidade
para se tentar entender um momento de aproximao entre os dois gneros,
onde as biografias funcionam como princpio de emulao e tambm como
recurso narrativo para a histria.

O Plutarco brazileiro
Joo Manuel Pereira da Silva o autor de um conjunto biogrfico
cujo ttulo chama imediatamente a ateno: O Plutarco brazileiro, publicado
em 1847. O trabalho, revisto e aumentado, foi publicado em Paris, em
1858, sob o ttulo Os vares illustres do Brazil, durante os tempos coloniais.
Essas obras fazem, evidentemente, eco a algumas idias de Janurio da Cunha
Barbosa. Pereira da Silva, por exemplo, na epgrafe que abre Os vares, no
deixa dvida quanto ao regime de historicidade no qual seu empreendimento
intelectual se coloca: A histria no tem parte mais agradvel e mais instrutiva
que a vida particular dos grandes e virtuosos personagens que se distinguiram
no teatro do mundo. A citao de Victor Cousin revela uma das variaes
da historia magistra preconizada por Barbosa em seu projeto. Igualmente
importante foi a recepo da obra no IHGB, divulgada pelo prprio autor
no prefcio de 1858. O depoimento de Manoel Arajo de Porto Alegre foi
um dos comentrios escolhidos:
O Plutarco Brazileiro um momento triunfal; uma obra de longo
folego, que ganhar de dia em dia novas perfeies, novos toques de
remate com o andar dos annos, com a colheita dos factos, com o
engrandecimento do numero, e com a perfeio e a madureza que
o tempo estampa em todos os trabalhos historicos. Este livro
brindado s lettras do paiz ter longa durao, e augura ao seu
auctor uma nomeada duradoura, si elle durante a sua vida o for
retocando, e ampliando como convm: um erro estampado um
veneno que se lana posteridade; um ponto falso de projeco
no perimetro da historia; e toda a humanidade desviada da senda
da verdade, logo que os idealistas ou historiadores falsificam os
acontecimentos (Silva, 1858, p. 9).4

Ao situar o Plutarco brazileiro como um momento triunfal, Porto Alegre


concede ao trabalho de Pereira da Silva uma dimenso temporal que no
havia escapado proposta de Barbosa em 1839: a constituio do projeto
biogrfico precisa de tempo para evoluir e se realizar. A transformao do
Plutarco brazileiro em Os vares illustres tenta, de um lado, responder a essa
presso das circunstncias externas e, de outro, corrigir e aprofundar as
anlises prematuras da primeira verso, considerada pelo autor como um
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ensaio. Ferdinand Denis, J. J. da Rocha e Rodrigo Pontes, por exemplo,


criticaram o Plutarco brazileiro por sua desordem cronolgica. Pereira da
Silva aceitou a crtica. Desse modo, na segunda verso, o autor estabelece
um plano que comea no sculo XVI e termina no final do sculo XVIII. A
insero dos Vares illustres em uma galeria ordenada cronologicamente faz
parte de um movimento mais amplo, desse esforo coletivo para organizar a
histria brasileira, e construir uma temporalidade e espacialidade animadas
pelos homens ilustres do Brasil.
O Plutarco brazileiro, porm, recebeu crticas mais severas. Mesmo
que tenha sido julgado pretensioso por alguns, no h dvida de que ele
inaugura uma srie de publicaes do mesmo gnero (Enders, 2000, p. 45).
Pereira da Silva, contudo, no tem nenhuma preocupao de tecer
comentrios metodolgicos ou propor algum tipo de orientao terica sobre
a melhor maneira de se escrever uma biografia. A introduo segunda
edio , nesse sentido, absolutamente decepcionante. O autor chega mesmo
a afirmar que s conservou a formula biographica por que havia merecido
geral approvao! Embora popular, decididamente no se trata de um gnero
no apogeu de seu momento cientfico. Por outro lado, nas notcias biogrficas,
encontram-se certas observaes interessantes a propsito do ofcio do
historiador e do estudo de biografias.

Pensar a histria a partir de uma biografia de um historiador:


Rocha Pita
Para escrever sobre Sebastio da Rocha Pita (1660-1738), baiano,
autor de uma Histria da Amrica portuguesa (1730), Pereira da Silva teve
que formular um nmero considervel de reflexes sobre a histria. Ele
comea por uma distino entre duas escolas histricas: a descriptiva e a
fatalista. A primeira ocupa-se somente com a narrao dos acontecimentos
da histria, tendo por misso especificamente: pintar os costumes, e
descrever as physionomias, sem que ousem aventurar a menor observao,
a mais ligeira analyse, e o juizo mais breve. Essa concepo de histria no
passa, portanto, de uma acta fiel e verdadeira dos tempos; a chronica dos
factos succedidos; a descripo dos diversos dramas, e das peripecias
differentes, que se tem realisado; o desenho dos caracteres, e o
desenvolvimento da marcha das aces humanas. Enfim, o historiador dessa
escola deve ter a mais absoluta neutralidade, e a mais escrupulosa
imparcialidade (Silva, 1858, p. 190).
A segunda escola , como seu prprio nome indica, aquela que
pesquisa e relata os grandes acontecimentos do mundo apresentando-os como
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effeitos de um fatalismo. Para ela, a moral est separada da aco humana.


Conseqentemente, essa ao no um gesto livre:
Portanto no tem imputao; o homem, a intelligencia, a moral, a
religio e a consciencia, no tem dominio, nem influencia e nem
vontade nos acontecimentos, que no so mais do que os vinculos
de uma cadeia inabalavel, e que se ligam e se succedem pela fora do
destino: tem as cousas um curso regular que devem rigorosamente
seguir. So os homens apenas instrumentos do destino; est de
antemo marcada a sua misso, que ha de ser necessariamente
cumprida (Silva, 1858, p. 192).

A escola fatalista subdivide-se em duas vertentes: a vereda religiosa,


philosophica e symbolica; e a vereda sceptica, material e atha. A primeira
procura a razo espiritual dos factos. Tudo uma decorrncia de Deus,
perante o qual o homem e os seus feitos desapparecem como a voz no
deserto. A segunda visa ao systema da perfectibilidade material. Os fatos
tm uma marcha necessaria e logica e as aes no comportam uma
imputao moral, porque o fim, as circumstacias e a posio do homem e
das naes o arrastam, dominam e influenciam. Essa segunda escola tambm
reparte-se em duas tendncias: a primeira aquela de Vico, Herder, Bossuet,
Hegel e Ballanche; a segunda nascida das theorias da revoluo de 1789, e
inteiramente franceza, estraga a vida, desmoralisa a consciencia, e pertuba o
espirito. Apesar da presena de certas caractersticas fundamentais do
trabalho histrico nas duas escolas, sobretudo no nvel da escrita da histria,
alm das exigncias de neutralidade e de imparcialidade da escola descriptiva,
Pereira da Silva rejeita as duas concepes. Para ele, existe apenas uma
verdadeira escola histrica que no nem a descriptiva nem a fatalista. A
verdadeira e unica escola historica a de Tacito e de Thucydides; a de
Gibbon e a de Niebuhr; a de Machiavelli e de Muller; a de Plutarco e de
Thierry; a de Polybio e de Lingard. A grande diferena entre essa escola
e as duas outras que ela se define a partir de sua relao com as fontes:
Deve caracterisar o historiador o amor da verdade, e s da verdade;
para consegui-la, torna-se necessario um zelo de exactido, um
escrupulo de paciencia a toda a prova; os tumulos, os monumentos,
os epitaphios, serve-lhe tudo; decifrar com o mesmo cuidado os
velhos e estragados archivos, os torturados documentos, e os livros
e aceiados; procurar a verdade no meio do p dos manuscriptos, e
a custa de vigilias e fastiosos trabalhos; e conseguida a verdade,
necessitar de todo o sangue frio do seu juizo para distribuir a
justia, e analysar com imparcialidade (Silva, 1858, p. 193-194).

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Pereira da Silva comprova o alargamento da noo de documento na


cultura histrica brasileira no sculo XIX. A verdade histrica no se encontra
exclusivamente nos arquivos, mas tambm em outros vestgios. O historiadorbigrafo pode beneficiar-se dessa dilatao documental. A partir de ento,
ele pode procurar, medir e demonstrar a obra de um grande homem em um
campo mais vasto. Todavia, o historiador deve ter certas capacidades: ser
philosopho, estadista, poeta, jurisprudente, financeiro, theologo e militar;
necessita enfim o historiador de possuir uma universalidade de instruco
superior talvz que Cicero exigia para o seu orador (Silva, 1858, p. 195).
De uma certa maneira, Pereira da Silva corrobora a pluralidade de
concepes, que se nota no interior do IHGB, para se definir aquilo que
ou deve ser um historiador. Este nunca exclusivamente um historiador,
sempre tem duplos. Todas essas figuraes do historiador refletem-se na
escrita da histria. Assim, aps ser examinada e conhecida a verdade dos
acontecimentos, ouvida a voz dos seculos passados, mas a voz propria e
verdadeira, cumpre ao historiador narrar e descrever ainda, e de par com a
narrao e a descripo julgar e moralisar (Silva, 1858, p. 196). Essas aes
cognitivas conduzem, tambm, ao melhor modo de se organizar o texto
histrico:
A descripo e a moralisao, a pintura e o juizo, a narrao e o
raciocinio, so os elementos indispensaveis para traar-se o grande
quadro dos acontecimentos humanos, indagar-lhes as causas,
descobrir-lhes os resultados, ligar a vida do individuo vida da
sociedade, reunir o homem especie, e formar assim a grande lio
para que foi instituida a historia. Verdade e comprehenso, justia e
intelligencia, sabedoria e imaginao, lhe tudo necessario para dar
vida sua historia, alma sua narrao, interesse sua obra,
physionomia peculiar s epochas que descreve, e vestes proprias aos
acontecimentos que narra (Silva, 1858, p. 197-198).

A escrita da histria segue, assim, um princpio narrativo muito


prximo s teorizaes romnticas do final do sculo XVIII e do incio do
sculo XIX, em torno da cor local. A presena dessa noo fundamental
cultura histrica brasileira do sculo XIX. Nela, esto reunidas certas diretrizes
capazes de tornar mais atrativa a leitura da histria da nao ao expor fontes
ridas ou hermticas, porm conservando sua dimenso criativa. A despeito
de seu evidente valor potico, de seu constante apelo imaginao, de uma
perspectiva onde o prazer esttico no desprezvel, a aplicao dos princpios
da cor local funciona como uma das premissas da organizao narrativa,
pois os historiadores da nao tm necessidade de cativar seu leitores com
uma histria que seja verdadeira e agradvel de se ler. O uso da cor local
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como estratgia textual da narrao histrica, portanto de uma narrao


verdadeira, para se aproximar do leitor, implicava, contudo, colocar em
movimento uma srie de conhecimentos prvios, ou seja, necessrio estudar
e fazer pesquisas antes de pintar.5
Nesse sentido, a presena do par sabedoria e imaginao emerge de
modo significativo. Mesmo que, ao que tudo indica, para Pereira da Silva o
fato de o conhecimento fazer apelo imaginao no anule a fronteira que os
separa (Pomian, 1999, p. 77), a simples meno dessa relao traz tona
sinais de subjetividade. Trata-se, de certa forma, de uma contrapartida s
pretenses de neutralidade e imparcialidade da escola descriptiva, onde a
imaginao no interfere (ou no deveria interferir) na produo do saber.
Contudo, a imaginao no a nica dimenso subjetiva do texto de Pereira
da Silva. O estilo na histria tambm um elemento que deve ser considerado.
O autor faz uma distino que mais uma vez ratifica as disputas conceituais
que opem entre si certos historiadores brasileiros no sculo XIX: o estylo
do escriptor, e no do historiador; pertence o estylo ao caracter e ao individuo.
Com efeito, se o historiador tem qualidades e se estudou aquilo que tem
necessidade, ele pode escrever. Porm, lembra o autor, preciso que o
historiador escreva de maneira mais facil e mais propria de exprimir os seus
pensamentos, as suas ideias, e os seus sentimentos. O que ento o estilo? o
estylo o segredo da intelligencia, e o mysterio do escriptor. O estilo assim pura
subjetividade? No. O historiador deve se esforar para conhecer as regras
da linguagem, a sua feitura, e as suas necessidades. Eis, para Pereira da Silva,
a parte material do estilo; todo o resto depende da inspirao! (Silva, 1858,
p. 198-199).
Uma das crticas feitas ao Plutarco brazileiro, todavia, foi justamente de
ter sido escrito com um excessivo colorido do estylo, o que torna sua anlise
prxima, s vezes, da poesia apaixonada (Silva, 1858, p. 1). Contudo, de
acordo com Pereira da Silva, preciso distinguir a imaginao que serve
histria, aquela que cria o justo tom das cores, da imaginao potica. Essa
diferena explica por que excelentes escritores podem ser pssimos historiadores:
Foram escriptores excellentes e mus historiadores Tito Livio,
Guilherme Robertson e Joo de Barros; escriptores excelentes,
porque interessa o seu estylo, encanta e arrasta: mus historiadores,
porque aceitram sem criterio um grande numero de factos, que
incluiram nas suas historias, extravagantes uns, inverossimeis outros,
e que no passavam de tradies populares revestidas da poesia do
povo, que toda patriotica, mas que no deixa de ser poesia, isto ,
filha querida e doirada da imaginao. Os historiadores precisam de
mais estudos, e de mais discernimento (Silva, 1858, p. 199).
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Segundo Pereira da Silva, Sebastio da Rocha Pita, cuja biografia lhe


suscitou essas reflexes, no soube, apesar de seus inumerveis talentos,
entre os quais aquele de escrever pequenas notcias biogrficas, evitar a
armadilha da imaginao potica, sobretudo quando descreve os fatos mais
recuados de sua histria. No obstante, Pereira da Silva valoriza, no trabalho
de Rocha Pita, a anlise que este faz do seu tempo presente, para o qual no
teria tido necessidade de fontes lendrias. Logo, Rocha Pita deve ser
desculpado. Todas as naos do mundo, afirma Pereira da Silva, tm
dificuldades para narrar seus primeiros tempos que esto mais ou menos
envoltos em vo mysterioso e poetico, que no ousa rasgar o historiador,
dado mesmo que os no acredite (Silva, 1858, p. 209). Essa premissa
vlida tambm para os homens ilustres. Isso explica por que no fcil
encontr-los, nem subtra-los s verses mticas de sua vida.6

Obras e vidas paralelas: Plutarco brazileiro e Plutarco


Esse presentismo aqui uma alternativa historiogrfica. O presente, seja
ele da histria coletiva, seja aquele da biografia, impe-se ao passado. Nenhuma
novidade. Tucdides no pensava diferente (Hartog, 1999, p. 59). O interessante,
nesse caso, que Pereira da Silva parece sugerir que uma imaginao controlada
deveria se superpor imaginao potica, sendo essa mais apropriada s
explicaes sobre as origens.7 A questo do presentismo tem tambm relao
com a pretenso de Pereira da Silva em instruir seus contemporneos. O princpio
que orienta o trabalho biogrfico do autor pode ser, assim, comparados quele
de Plutarco: tornar conhecidos os atos dos grandes homens do passado no
presente. Com efeito, a partir dos dois livros sobre a biografia de homens
ilustres que serviram nao brasileira pode-se tomar Pereira da Silva por uma
espcie de Plutarco brasileiro. O prprio ttulos de suas obras j indica que ele
mesmo, provavelmente, se pensava um Plutarco. A manuteno, apesar de tudo,
da estrutura biogrfica nos Vares illustres parece confirmar essa hiptese. O
prprio Pereira da Silva faz referncia ao historiador grego na edio do Plutarco
brazileiro de 1847.
Os costumes, os fatos histricos, a cronologia, as idias morais e
philosophicas da epoca, a influencia dos homens celebres, tudo isso Plutarco
estudou e soube; de sorte que quando lemos uma de suas vidas, parece que nos
achamos no seculo que ele descreve, to vivas so suas cores e to perfeito o seu
trabalho (Silva, 1847, p. 219-220).
O uso de Plutarco, de seu nome e de alguns de seus pressupostos temticos
solidificam as notcias biogrficas de Pereira da Silva com a fora dos
argumentos de autoridade que a tradio clssica tem o hbito de conferir
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escrita da histria do sculo XIX. O Plutarco brazileiro, de fato, opera


em um registro prximo aquele de Plutarco, mas que no
necessariamente idntico. Assim, explica Franois Hartog, como bigrafo,
Plutarco no se limita a contar todos os fatos clebres, pois freqentemente
mais instrutivo escolher os pequenos fatos, que so como signos (smeia) da
alma; ele retm a vida dos heris aquilo que mais importante e o mais
bonito, e volta-se para os grandes homens do passado grego e romano [...]
propondo que sejam imitados por seus contemporneos (gregos e romanos);
enfim ele no se preocupa mais com as virtudes do que com a glria, com o
presente mais do que com a posteridade (Hartog, 1999, p. 187).8

Por outro lado, Pereira da Silva deve contar a vida de seus personagens
globalmente. Ele no faz uma distino clara entre os grandes e os pequenos
fatos, nem cria uma hierarquizao das qualidades pessoais dos indivduos
biografados. A glria, a virtude, a inteligncia, o herosmo e o patriotismo
so as condies gerais e elementares dos indivduos dos quais a vida ele
narra. Mas podemos, tambm, apreender outras caractersticas nas biografias
que se articulam umas nas outras sem, necessariamente, criar uma ordem
de valores: a alma pura de Jos de Anchieta no sculo XVI, a coragem de
Andr Vidal de Negreiros na luta contra os holandeses ou a irreverncia de
Gregrio de Matos no sculo XVII, a inventividade de Bartholomeu Loureno
de Gusmo, e o senso de justia de Jos Joaquim da Cunha de Azeredo
Coutinho no sculo XVIII.
Pereira da Silva no fala, explicitamente, em imitao. Contudo, a
perspectiva pedaggica na qual insere seus trabalhos no deixa dvida de
que um dos seus objetivos o de propor aos seus leitores modelos imitveis.9
Ele no tem, certamente, a mesma dependncia face aos homens de ao
que Plutarco, para quem os historiadores nada so sem eles: se apagas, diz
Plutarco, os homens de ao, no ters mais escritores (Hartog, 1999,
p. 179). Em uma obra posterior, na Historia da fundao do imperio do
brazileiro, em sete volumes, o Plutarco brasileiro afirma quase o contrrio:
Tive sempre gosto pela historia. No a quero, porm, para saber datas,
estudar vidas de principes e personagens illustres, e aprender o numero
das guerras e combates que se pelejaro. Prefiro a que examina a fundo
a sociedade inteira, que desce da cupola elevada at o humilde cho do
povo miudo, discriminado as escalas e camadas pelas quaes se derrama
a nao, e o sentir, o soffrer, o gozar e o aspirar de cada um dos subditos.
Agrada-me mais a que desenha os traos da administrao publica, no
mais largo sentido desta palavra, social, politica. Assim comprehende
a historia o povo e a nao toda, e a representa de perfil, de face, no
corpo, nalma e no espirito. Afigura-se-me ento a historia como o mais
moralisado, instructivo, agradvel e sublime dos ramos litterarios (Silva,
1864, p. 7).
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Essa concepo deixa Pereira da Silva mais prximo de Michelet que


de Plutarco, na medida em que o grande homem aqui parece ter se
transformado na prpria sociedade. A essa diferena terica entre Pereira
da Silva e o modelo plutarquiano necessrio acrescentar uma outra, no
campo metodolgico: a falta, pelo menos explicitamente, do paralelo, como
um instrumento cognitivo nos trabalhos biogrficos do brasileiro. Em Plutarco,
explica Franois Hartog, o paralelo concebido como princpio da imitao.
Ele
um espelho que deve reenviar ao leitor imagem daquilo que
gostaramos que ele fosse ou que ele deveria ser. Ele portanto uma
variedade do exemplum: um exemplo desdobrado. Ele vai do passado
em direo ao presente do leitor. Mas o paralelo , com Plutarco,
algo mais: instrumento de conhecimento e de melhoramento de si,
tambm a expresso de uma poltica cultural. Ele pressupe e
demonstra que os gregos e romanos pertencem ao mesmo mundo,
compartilham a mesma natureza e os mesmos valores. Ele legitima
(em grego, para leitores gregos e romanos) a existncia de um imprio
greco-romano, onde os gregos tm um lugar que lhes volta e um
papel a desempenhar (Hartog, 1998, p. 161).

Acredito, todavia, que h, nas obras do historiador brasileiro o uso


daquilo que se poderia chamar de um paralelo subjacente. Ele funciona na
economia dos textos biogrficos de Pereira da Silva como uma estratgia
intelectual capaz de estabelecer relaes entre um grande homem do panteon
nacional e um grande homem pertencente a uma outra poca ou
contemporneo daquele que est sendo biografado. A utilizao desse paralelo
subjacente auxilia o autor no somente a definir, por oposio ou analogia,
algumas caractersticas pessoais desses vares, mas tambm a comparar as
situaes espao-temporais pretensamente semelhantes.10
***
O Plutarco brazileiro de 1847 e os Vares illustres provm de um mesmo
cnon cultural cuja origem encontra-se no IHGB. Pereira da Silva produz
uma verso plausvel proposta de Janurio Cunha Barbosa. Por outro lado,
ele demonstra que os modelos historiogrficos do Brasil no sculo XIX eram,
e este no parece ser um caso isolado, ainda mais dependentes da cultura
clssica, cujas referncias continuam vlidas e atuantes, do que da histria
cientfica (metdica ou positivista). Em conseqncia, do mesmo modo que
a opo romntica, ou a viso medievalizada do passado nacional (aquela
que via no Peri de Jos de Alencar quase um cavaleiro medieval), no uma
posio cultural e poltica homognea, a historiografia brasileira tambm
MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

83

reflete certos desacordos: ela no tem unidade, nem fidelidade epistemolgica


(Cezar, 2002, p. 201-207). Era ser moderno se deixar levar pelas idias
romnticas. Entretanto, o uso dos antigos no era sinnimo de atraso em
relao a seu tempo. Ele procede, antes de tudo, da segurana metodolgica
e terica que a experincia antiga conferia aos historiadores brasileiros
oitocentistas. Plutarco era para Pereira da Silva um instrumento e uma idia.
No se trata, portanto, de mera influncia ou de simples imitao, mas caso
o seja, parece vlida a frmula de Quintiliano no sculo I, para quem no
h imitatio sem inventio.

O panteon contemporneo do Brasil


A obra de Sebstien Auguste Sisson, a Galeria dos brasileiros illustres
(os contemporaneos), retratos dos homens mais illutres do Brasil, na politica,
sciencias e letras, desde a guerra da independencia at os nossos dias pode ser
considerada como uma seqncia involuntria do trabalho de Pereira da
Silva. O francs instalou-se no Brasil em 1852, exercendo o ofcio de litgrafo
e desenhista. Um sentimento de reconhecimento pela hospitalidade amiga
e generosa que recebeu, segundo seu testemunho, no seio do Imprio do
Brasil, o conduziu a esta difficil e trabalhosa tarefa (Sisson, 1861, p. 1).
A Galeria composta por 90 notcias biogrficas e de suas respectivas
litografias. Entre elas, 39 eram de indivduos mortos em 1861. Em torno de
30% so membros do IHGB. Trs mulheres tm o direito de ser consideradas
como Brasileiros illustres: a esposa do Imperador, Dona Thereza Christina
Maria de Bourbon, e suas filhas, as princesas Isabel e Leopoldina. No entanto,
mesmo se a Galeria foi recenseada nos catlogos historiogrficos do Brasil
como uma obra de Sisson, na realidade, no se trata de trabalho de um
nico autor. Sisson deixa no silncio esse detalhe. No se encontra nem na
introduo, nem nas notcias biogrficas, nem na dedicatria a D. Pedro II,
sequer uma nota explicativa a propsito do assunto. Lemos os dois luxuosos
volumes, apadrinhados pelo Imperador, como sendo a obra de Sisson. Uma
leitura atenta, entretanto, coloca em dvida a possibilidade da autoria
individual. A homogeneidade textual constantemente rompida por
repeties indevidas, por contradies de ordem poltica e pelas diferentes
formas como as biografias so escritas (contedo mais ou menos crtico,
extenso da notcia, gnero de escrita por exemplo o texto das princesas
uma poesia!). Tambm no se percebe algum tipo de organizao que
hierarquize as biografias. Os personagens no so classificados segundo uma
seqncia cronolgica ou alfabtica, menos ainda de acordo com uma escala
de valores. Nem mesmo a condio de fundador ou de continuador do
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MTIS: histria & cultura v. 2, n. 3, p. 73-94, jan./jun. 2003

imprio no um critrio vlido para criar uma classificao racional. Por


exemplo: a biografia de D. Pedro I a quarta do segundo volume, enquanto
aquela de D. Pedro II a vigsima do primeiro volume. Ao que tudo indica,
as biografias so dispostas ao acaso. A nica marca unificadora da obra o
retrato litografado de cada indivduo, de modo geral, assinado por Sisson.
Essa desorganizao parece ser o efeito da variedade de autores da Galeria.
No Dicionrio de pseudnimos, de Tancredo de Barros Paiva encontrei a
informao de que a obra de Sisson teve, pelo menos, 39 colaboradores,
responsveis por 70 notcias biogrficas (Paiva, 1929, p. 173). Podemos dividilos em quatro grupos: 1. os redatores independentes (23); 2. os redatores membros
da famlia, mas no identificados (7); 3. os membros da famlia identificados
(2); 4. as autobiografias (7). Para as 20 biografias restantes Tancredo de Barros
Paiva no indica o autor. Entre os colaboradores, observa-se a presena de
figuras importantes da cena intelectual brasileira do perodo, entre os quais
dois notveis do IHGB, Manuel de Arajo Porto Alegre e Joaquim Caetano
Fernandes Pinheiro; jornalistas conhecidos tais como Francisco Otaviano de
Almeida Rosa, tambm senador, ministro e poeta, e Justiano Jos da Rocha,
considerado o mais importante homem de imprensa da sua poca, ou ainda,
um grande escritor como Jos de Alencar que escreveu duas biografias, sendo
uma delas de seu prprio pai. Todavia, o autor identificado por Tancredo de
Barros Paiva como sendo aquele que redigiu o maior nmero de notcias na
Galeria de Sisson foi Adolfo Bezerra de Menezes (1831-1900), responsvel por
17 biografias.11 Entre os redatores identificados, dois so autores e ao mesmo
tempo bigrafos e biografados: Jos da Silva Carro e D. Manoel de Assis
Mascarenhas. Enfim, trs notcias biogrficas so assinadas: duas pelo Baro
Homem de Mello; e uma por Francisco Octaviano.
Assim, a Galeria nada mais do que a materializao de um
empreendimento coletivo dissimulado sob o nome de Sisson. A variedade
de autores, de origens e de formaes intelectuais, coloca, de um lado,
problemas quanto unidade formal da obra e, de outro, permite a verificao
das tendncias e tenses pelas quais o estudo biogrfico passava. Mais
precisamente, notam-se, aqui, tentativas desses escritores em fazer da biografia
um gnero histrico reconhecido, sobretudo quando se trata da vida dos
contemporneos. Nesse sentido, a Galeria, assinada por diversos autores,
reinscreve os nomes dos principais brasileiros ilustres em um processo
histrico inteiramente nacional e atual: o titulo de nossa obra indica bem
claramente, que tommos por ponto de partida a poca gloriosa da
Independencia do Brasil. Por outro lado, as litografias conferem a esse
contexto, e aqui notamos incontestavelmente a mo de Sisson, uma densidade
visual, pois a simples relao dos feitos dos grandes homens ainda no
MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

85

tudo: a nao, como a familia, se apraz de conservar indelevel a imagem, e


a figura de seus membros mais distinctos. A iconografia fornece obra
uma caracterstica particular:
A patria, como a mais extremosa das mis, se extasia ante os retratos
de seus filhos: os contemporaneos, que nem todos conhecem de
perto os seus concidados mais assignalados, e a posteridade, que
apenas herdeira de sua fama, folgo de procurar na fronte do sabio
os calculos profundos de sua vasta intelligencia, nos olhos do
guerreiro o fogo marcial que brilhra nos campos de batalha.
Encontra-se finalmente um encanto indisivel em ter junto da historia
do here, ou do homem eminente, a imagem de seu rosto: ento
parece que se renova o passado, ou que se testemunha scenas
brilhantes, de que se esteve longe: ento como que se v o estadista
meditando no seu gabinete, como que se admira o orador na tribuna,
e o poeta exaltando-se em suas horas da mais feliz e ardente inspirao
(Sisson, 1861, p. 1).

O recurso iconogrfico tem por funo fazer com que os


contemporneos conheam e reconheam os contemporneos illustres. Ele
consolida a relao entre os homens comuns e a histria narrada a partir dos
grandes homens. Os homens comuns so chamados a observar a grandeza e
a excepcionalidade das fisionomias e dos gestos dos grandes e excepcionais
homens; os primeiros so passivos, os segundos os ativos. Essa assimetria
no significa a excluso do observador na construo histrica da nao
brasileira. Ao contrrio, ela indica os papis de cada um no curso de um
devir mais geral: uns fazem aquilo que os outros devem imitar. Ler uma
biografia , portanto, antes de tudo, um ato de contemplao, mas
igualmente um gesto de insero cultural e poltica.
Nesse sentido, Sisson explica, nas pginas introdutrias do seu
trabalho, que seu objetivo o de fazer histria, ou principalmente escrever
de um ponto de vista histrico: ele deseja, em uma palavra, apresentar os
quadros e a historia do Brasil neste periodo. Tambm verdade que a Galeria
tem por meta propor exemplos. No entanto, Sisson impe obra uma
limitao metodolgica: o historiador e o bigrafo sempre devem distinguir
aquilo que pblico daquilo que privado na vida do indivduo. A vida
pblica, e em princpio somente ela, o que interessa: em nossos trabalhos
biographicos esmerilhando cuidadosos a vida publica do homem,
suspenderemos nossos passos diante do lar domestico. Deve-se fechar os
olhos ao proceder particular, pois no pertence ao escriptor a vida intima do
cidado: smente tradio cabe revelar estes detalhes para completar o caracter
dos homens celebres. A nica exceo que autoriza o bigrafo a escrever sobre
a vida privada quando ela parece inseparvel da vida pblica. o caso, por
86

MTIS: histria & cultura v. 2, n. 3, p. 73-94, jan./jun. 2003

exemplo, da biografia de Manoel Jacinto Nogueira da Gama, Marqus de


Baependy (1764-1847). Conforme Justiano Jos da Rocha, autor dessa notcia,
na vida do nobre Marquez pde-se considerar o homem privado e o homem
publico, pois neste podemos ver o homem de estudo e de magisterio, o
homem de administrao, e o homem politico. Finalmente, conclui o redator,
por todos esses aspectos pde o Brasil ufanar-se de to distincto filho, e apresentalo como modelo. No se trata de uma amlgama entre o homem privado e o
homem pblico, mas da anulao do primeiro pelo segundo. Esse apagamento,
contudo, no significa a suspenso da vida privada, nem que ela seja
desinteressante para a histria. A vida privada dos homens ilustres brasileiros
um segredo, que deve ser preservado pelo bigrafo. Ele deve esperar que a
tradio faa sua obra, que ela a desvele. Tal soluo supe a passagem do
tempo. Isso significa que os aspectos particulares da vida de um homem, de
um que merea que lhe seja consagrada uma biografia, somente sero
divulgados aps um trabalho de rememoraes da vida de um indivduo,
cuja biografia apenas uma das fontes.12 Trata-se, portanto, de um mesmo
movimento historiogrfico, tanto de proteo poltica e social da vida pblica,
bem como por outro de preservao da vida privada.13
A competncia reduzida do bigrafo explicada na Galeria como
sendo, por vezes, um efeito da clssica distino entre a histria e a
biografia.14 Na notcia biogrfica de D. Pedro I, por exemplo, Justiano Jos
da Rocha escreve que
o biographo no historiador; se pde indicar algumas observaes,
no deve demorar-se nellas, nem mesmo completa-las, cumpre que
ellas sio de si mesmas, das circumsntancias da vida que narra, dos
acontecimento em que seu here achou-se envolto como personagem
capital: a nossa tarefa pois limitada (Sisson, 1861, p. 7).

As pesquisas em biografia so rpidas, ligeiras. Os traos e as


caractersticas sobre a vida de um indivduo so imanentes quilo que o
bigrafo pode observar. Nesse sentido, a biografia surge do prprio biografado.
Ela no tem exterioridade evidente ou importante. Mais ainda, o mundo
individual e todas suas circunstncias conjunturais no passam de
manifestaes ontolgicas, quase epifanias. Porm, mesmo que elas surjam
do prprio indivduo, elas no provm, curiosamente, do espao privado,
mas do espao pblico. Assim, em uma outra notcia biogrfica, aquela de
Gabriel Jos Rodrigues dos Santos (1816-1858), o redator (algum da famlia)
afirma que ele quer iniciar seu relato de modo diferente das outras biografias:
No comearei como quase todos os biographos, recordando os pais, a familia, e
a adolescencia dos grandes caracteres, visto que os laos de ascendencia ou
MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

87

descendencia deixo inexplicavel o talento, a virtude e a gloria. Com efeito, as


qualidades do personagem concentram-se e emergem dele mesmo: uma vida
triunphante se revela por si mesmo, se traduz em seus actos, e se eternisa pelas
proprias virtudes (Sisson, 1861, p. 51).
Um outro fator restritivo escrita biogrfica a contemporaneidade
dos atores. o que se passa na biografia de Joaquim Jos Igncio, poca
com 53 anos de idade. O autor, cuja identidade desconhecida, explica no
prefcio que:
escrever a vida dos que ainda vivem tem seus inconvenientes. A
emulao em uns, e a inveja em outros procuram muitas vezes
desmerecer factos, que, encarados sem preconceitos e ms intenes
do altos direitos a considerao e respeito dos contemporaneos e
dos psteros. Demais, os proprios biographos no podem sempre
dar o devido realce a algumas aces dos seus heres, porque
ordinariamente estes ou se negam ao fornecimento de apontamentos,
ou os prestam to succintos, que impossivel desenvolve-los com
todo o escrupulo e conveniencia da verdade (Sisson, 1861, p. 91).

O bigrafo do contemporneo pode se chocar com as fontes, com os


testemunhos que o cercam, cuja parcialidade nem sempre assegurada, e
tambm com o prprio biografado que, s vezes, se apresenta como um
informante instvel. Por isso, este gnero de trabalho, precisa o autor annimo,
depende de uma certa durao, de um certo decorrimento do tempo, durante
o qual fria e lentamente sejam estudados os elementos da historia que se procura
escrever. Ele encontra, desse modo, as condies necessrias para verificar
com severidade e pacincia as circumstancias das pocas em que os factos
se deram. O redator conclui que s de mortos se deve escrever a historia.
Entretanto, como
voga de biografar os contemporaneos, que assumem os logares de
primeira ordem social, e que sabem distinguir-se por qualquer genero
de merito, que fra injustia, e injustia clamorosa, omittir esse uso
para com o eminente General da nossa Armada, o Sr. Chefe
dEsquadra Joaquim Jos Ignacio (Sisson, 1891, p. 91).

A biografia do tempo presente , ao que parece, um gnero provisrio


de histria, ou melhor ainda, uma substituta que est conectada ao seu
tempo: ela est na moda! Tal como essa, ela leve e efmera, e sua dimenso
pblica , indiscutivelmente, o que mais conta. No imaginemos, contudo,
que seja fcil biografar a contemporaneidade dos homens ilustres. Ao contrrio,
alm de ser uma das tarefas mais difceis do bigrafo, ela tambm um
exerccio glorioso, com o qual se pode estabelecer o lao, o annel, a cada que
prende duas pocas da historia do Brasil, o passado, poca de lutas tremendas, e
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MTIS: histria & cultura v. 2, n. 3, p. 73-94, jan./jun. 2003

de organisao depois da victoria; e a actualidade, periodo de progresso e


civilisao. Em 1861, o ano de 1822 e os eventos que o sucedem so vistos j
como um passado institudo, mesmo se vrios combatentes morreram
recentemente ou se alguns deles ainda esto em vida. O discurso histrico
brasileiro do sculo XIX tem essa capacidade de instaurar sem cessar o
passado, mesmo o passado mais imediato, no seu prprio tempo para, assim,
contitui-lo enquanto presente. Esse princpio de converso temporal opera
sobre a mesma rede que os registros biogrficos; aquela do dinamismo, da
rapidez, das novas modas, enfim das mudanas nas relaes entre o pblico
e o privado.
***
A Galeria dos brasileiros ilustres poderia ser catalogada como sendo
uma tentativa limitada ou dispersa, ou uma resposta involuntria proposta
de Janurio da Cunha Barbosa. Em todo caso, o trabalho assinado por Sisson
no passou desapercebido no IHGB. Ele merece mesmo uma resenha do
ento primeiro-secretrio Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, que, em
seu relatrio anual, afirma:
Com igual prazer acolheu o Instituto a remessa que lhe fez o Sr.
Sisson da importantissima obra de que editor. Se a Galeria dos
Brasileiros Illustres no pode ser ainda a biographia severa e
desapaixonada que deve um dia, julgar os protagonistas do nosso
grande drama politico, nem por isso menos curiosa, nem exiguo
servio presta historia, arrancando do esquecimento muitos factos
que debalde um dia com afan se buscariam, reflectindo em suas
paginas as varias cores da actualidade (Pinheiro, 1859, p. 700).

Inicialmente, o primeiro-secretrio reconhece que Sisson apenas o


editor da obra. Pinheiro no tinha muita opo uma vez que ele mesmo era
um dos redatores da Galeria. Aps essa identificao, ele no menciona
mais o nome de Sisson, nem de nenhum outro colaborador. Galeria
suficiente. Alis, trata-se de trabalho que pode ser aproveitvel, uma vez que
salva certos nomes do anonimato. Porm, ainda que seja classificada como
uma contribuio irrecusvel, a obra no passa, para Pinheiro, de um trabalho
de segunda categoria, um conjunto de dados, organizados sem o rigor e a
racionalidade requeridos pelo IHGB. A Galeria, enfim, pode ser til como
um livro de Plutarco, mas no cientfica.

MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

89

Notas
1
Mantive, nas citaes dos textos do sculo
XIX, a grafia original.
2

Neste sentido, ainda em 1839, Jos


Feliciano Fernandes Pinheiro, presidente
do IHGB, servindo-se de uma citao do
filsofo francs Victor Cousin, cuja
influncia sobre a primeira gerao do
instituto notria, declara: Dai-me a Carta
diz Cousin de hum paiz, sua configurao,
seu clima, suas aguas, seus ventos, e toda sua
geographia fisica; informai-me de suas
produes naturaes, de sua flora, de sua
zoologia, etc. e eu me comprometo a dizer-vos
a priori, qual ser o homem deste paiz, e que
lugar gosar na historia, no acidentalmente,
mas necessariamente; no em tal poca, mas
em todas; em fim a ida que este paiz he
chamado a representar (Pinheiro, 1839,
p. 65; Cousin 1828, p. 210-211).
3

A constituio de um panteon nacional


era uma questo problemtica para os
historiadores e bigrafos brasileiros daquele
perodo. Como a prpria nao estava em
formao, o conceito de brasileiro no estava
claro. De fato, determinar com preciso o
que o constituia, sobretudo no perodo
colonial, quem se enquadrava na condio
de ser brasileiro parecia algo impossvel.
Assim, de maneira geral, o panteon nacional
da Revista do IHGB era composto por
aqueles que se tornaram ilustres ou clebres,
a compreendidos homens, mulheres,
ndios, mestios e negros. Trata-se de uma
concepo prxima quela de Victor
Cousin: la rgle fondamentale de la
philosophie de lhistoire, relativement aux
grands hommes, est de faire comme
lhumanit, de les considrer par ce quils
ont fait, non par ce quils ont voulu faire, ce
qui na pas le moindre intrt, puisquils ne
lont pas fait, de ngliger la peinture de
faiblesses inhrentes leur individualit et

90

qui ont pri avec elle, pour sattacher aux


grandes choses quils ont faites, qui ont servi
lhumanit, et qui durent encore dans la
mmoire des hommes, enfin de rechercher
et dtablir ce qui les constitue des
personnages historiques, ce qui leur a donn
de la puissance et de la gloire ; savoir, lide
quils reprsentent, leur rapport intime avec
lesprit de leur temps et de leur peuple
(Cousin, 1828b, p. 267). Porm, diferentemente do caso francs, no h para os
brasileiros uma distino clara entre homem
ilustre e grande homem. Ver (Bonnet, 1998,
p. 32-49 e Ozouf, 1984, p. 144).
4

Por solicitao do IHGB, Manuel de


Arajo Porto Alegre havia iniciado, em
1852, uma pesquisa para preparar um
opsculo onde constaria uma colleco de
imagens, s quaes juntaria algumas noticias
biographicas, que deveria servir de
complemento ao Plutarco brazileiro. O
projeto foi, no entanto, interrompido (Porto
Alegre, 1856, p. 349).
5

Carine Flickinger explica em termos tericos


o princpio da cor local lidal qui sous-tend la
notion de couleur locale, en effet, est celui de la
vie ou de la ralit fidlement reproduite. Lartiste
sattribue dans ce sens des dons dobservateur presque
illimits, puisquil peut voir la ralit dans toute
sa multiplicit, traverser les frontires
gographiques et mentales et mme, par le
pouvoir magique de son imagination, voyager
dans le temps. Lintermdiaire du langage ne
compromet nullement ces facults: lcrivain peut
retranscrire tout ce quil a vu (Flickinger, 1995,
p. 34-35). Agradeo a autora por me passar
esse trabalho.

A biografia de Diogo Alvares, o Caramuru,


que teria sido o primeiro europeu a habitar
na Bahia, um bom exemplo. Segundo
Pereira da Silva, convem profundamente
pesquizar e estudar a existencia historica de

MTIS: histria & cultura v. 2, n. 3, p. 73-94, jan./jun. 2003

Diogo Alvares. [...] a nossa opinio esta;


como ha nos primeiros tempos de todas as
naes acontecimentos, que a tradio
guarda, e passa de pais a filhos, e que com o
andar dos tempos, vo calando no animo
do povo, doirados pelo maravilhoso espirito
da epocha, e desenvolvidos pela phantasia
dos homens; assim nos parece ter sido a
marcha da historia de Diogo Alvares,
appelidado pelos indigenas Caramuru;
tomou delle posse a fico; creou-lhe a
poesia romanescas aventuras; mas existiu
Diogo Alvares, como existiu Carlos Magno,
como existiu Rodrigo de Bivar, e como
existiu Romulo. Comprovemos sua
existencia com documentos irrecusaveis
(Silva, 1858, p. 307-310). Pereira da Silva
discorda nesse ponto (como em outros) de
Varnhagen, que acredita sem a minima
duvida na existencia do Caramuru
(Varnhagen, 1848, p. 144).
7
Acredito que perfeitamente possvel se
fazer uma analogia entre essa imaginao
controlada com aquilo que Paul Ricur
chama de iluso controlada. Escreve o
filsofo francs: je parlerai volontiers dillusion
contrle pour caractriser cette heureuse union
qui fait, par exemple, de la peinture de la
Rvolution franaise par Michelet une uvre
littraire comparable Guerre et paix de Tolsto,
dans laquelle le mouvement procde en sens
inverse de la fiction vers lhistoire et non plus
de lhistoire vers la fiction (Ricur, 1985,
p. 338).
8

Franoise Frazier explica a distino para


Plutarco entre historiador e bigrafo. Para
ela preciso renoncer lide courante selon
laquelle la diffrence entre biographe et
historien rsiderait dans le choix de la
matire, lun se rservant les petits faits et
lautre les grands vnements. On ne peut
pas plus la placer dans les intentions
pdagogiques de Plutarque : tout historien
antique veut aussi instruire son lecteur et la
morale tient une grande place dans ses
leons, parce que les hommes, avec leur

raison et leurs passions, jouent un rle


capital dans la marche de lHistoire. Mais,
et l se fait leur diffrence, lhistorien
sapplique analyser la causalit historique
pour amliorer la comprhension de faits
du mme ordre et apprendre y faire face,
tandis que le biographe nattache aucune
importance la chane causale, ddain qui
se traduit dans llaboration mme du rcit
(Frazier, 1996, p. 95).
9

O paradigma sempre Plutarco, que no


prefcio s vidas de Paulo-Emlio e Timoleon,
escreve: Lhistoire est mes yeux comme un
miroir, laide duquel jessaie, en quelque sorte,
dembellir ma vie, et de la conformer aux vertus
de ces grands hommes. Jai vraiment
limpression dhabiter et de vivre avec eux:
grce lhistoire, joffre lhospitalit, si lon peut
dire, chacun dentre eux tour tour,
laccueillant et le gardant prs de moi; je
contemple comme il fut grand et beau, et je
choisis les plus nobles et les plus belles de ses
actions afin de les faire connatre (Plutarque,
2001, p. 465). Ao analisar a questo da
imitao, Franoise Frazier mostra qu
chaque fois, le miroir prsente ainsi limage
du vrai et du bien et se lie la notion de
modle; on peut, grce au miroir,
contempler et imiter, [...]. Condamne sans
appel par Platon dans le domaine artistique,
o elle est synonyme dextnuation
ontologique, limitation a en revanche droit
de cit en morale ; mieux, limitation des
belles actions, celle que prnent aussi les
Vies, est la seule valable pour lhomme de
bien. Telle est la conclusion laquelle
parvient Platon, lorsquil rflchit
lducation des futurs chefs de la cit (Refr.
III. 395C), cest--dire lorsque, comme
Plutarque, il se situe dans une perspective
pdagogique (Frazier, 1996, p. 60).

10

De acordo com M. Nouilhan, Jean-Marie


Pailler e Pascal Payen, na introduo que
fazem a uma outra obra de Plutarco: les
parallles (sunkriseis) qui terminent les

MTIS: histria & cultura CEZAR, Temstocles p. 73-94

91

couples de Vies sont loin de tourner


systmatiquement lavantage du Grec
civilis ou du Romain victorieux. Le critre,
pour lauteur [Plutarque], nest pas dans
lorigine civique ou culturelle du hros, ni
dans la grandeur de sa cit, mais dans la
dmonstration, face aux circonstances
historiques, des qualits de lhomme de
guerre, de lhomme dtat, de lhomme
tout court. Lessentiel est que lunivers de
rfrence fourni par les grands exemples
du pass grco-romain et par leur mise en
parallle autorise lhabitant mme dune
petite ville de lEmpire, comme la Chrone
de Plutarque, se fixer comme objectif la
vie bonne gouverne par lart (Plutarco,
1999, p. 47).
11
Adolfo Bezerra de Menezes, doutor em
Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro
(1856). Reeleito deputado por vrias
legislaturas. Torna-se mdico-homeopata e
adepto do Espiritismo. Tornou-se
conhecido como o Alan Kardec brasileiro
e o Mdico dos Pobres. Morre em grande
misria (Menezes, 1969, p. 439).
12

Podemos aproximar essa tendncia que traa


uma fronteira entre bigrafo e biografado dos
princpios que orientaram a criao no IHGB
da arca do sigillo, dentro da qual seriam
guardados documentos que somente seriam
divulgados depois de passado um certo perodo
(RIHGB, 1847, p. 567).
13
preciso lembrar que a distino entre
vida pblica e vida privada insere-se tambm
em uma concepo da histria, que mais
tarde ser designada por positivista. Segundo
Giovanni Levi: Un compromis fut trouv
dans la biographie morale qui, de fait,
renonait lexhaustivit et la vracit
individuelles pour rechercher un accent
plus didactique, en ajoutant parfois passions
et motions au contenu traditionnel des
biographies exemplaires, savoir les faits et
gestes du protagoniste. vrai dire, cette
simplification suppose une certaine

92

confiance dans la capacit de la biographie


dcrire ce qui est significatif dans une vie.
Cette confiance culminera dailleurs dans
le positivisme et le fonctionnalisme, avec
lesquels la slection des faits significatifs va
accentuer le caractre exemplaire et
typologique des biographies, en privilgiant
la dimension publique par rapport la
dimension prive et en considrant comme
insignifiants les carts aux modles proposs
(Levi, 1989, p. 1328).
14

Arnaldo Momigliano mostra que a


separao entre biografia e histria uma
herana da historiografia grega: la
biographie et lautobiographie furent des
genres autonomes ds leur origine et se
dvelopprent paralllement lhistoire
politique : celle-ci ne les absorba jamais. La
distinction entre biographie et histoire
(entendons ici lhistoire politique) fut
fonde en thorie au cours de la priode
hellnistique, mais elle existait dj en fait
au Ve sicle (Momigliano, 1983, p. 108).
necessrio notar que essa distino no
muito clara nem muito presente no discurso
histrico oitocentista do Brasil. No entanto,
ela pode ser uma explicao para a ausncia
de grandes biografias escritas por
importantes historiadores brasileiros da
poca. A despeito da influncia de Victor
Cousin, sobretudo na primeira gerao do
IHGB, essa fraca produo de biografias
parace seguir o movimento mais geral da
histria durante o sculo XIX, que
testemunha o afastamento do gnero
biogrfico da histria. De acordo com
Loriga, le foss entre biographie et histoire
sest creus au cours du XIXe sicle chez les
philosophes, quand on a commenc chercher
le sens de lhistoire empirique dans lhistoire
philosophique. Une certaine rduction de la
place de lindividu tait dj prsente dans
une brve tude sur la finalit de lhistoire
crite, en 1784, par Emmanuel Kant, qui
reprsentait lhomme comme un moyen, pour
la nature, de raliser ses propres fins: lhistoire

MTIS: histria & cultura v. 2, n. 3, p. 73-94, jan./jun. 2003

devait changer dchelle pour dpasser le


cas individuel car ce qui, chez des individus
singuliers, se rvlait confus et irrgulier
apparaissait dans la totalit de lespce
comme une succession homogne et
cohrente dvnements. La dimension
biographique a perdu davantage encore de
son intrt avec la prfrence accorde
une vision providentielle de lhistoire.

Lorsque les vnements du monde, des plus


divers jusquaux plus aberrants, ont t
intgrs dialectiquement dans une
perspective eschatologique (celle dun
dveloppement infini et ncessaire du genre
humain), les individus sont apparus comme
des instruments de la raison, qui
accomplissent ce quils ne peuvent mme
pas comprendre (Loriga, 1996, p. 213).

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