Temístocles Cezar, Biografia e Escrita Da História, 2003
Temístocles Cezar, Biografia e Escrita Da História, 2003
Temístocles Cezar, Biografia e Escrita Da História, 2003
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O Plutarco brazileiro
Joo Manuel Pereira da Silva o autor de um conjunto biogrfico
cujo ttulo chama imediatamente a ateno: O Plutarco brazileiro, publicado
em 1847. O trabalho, revisto e aumentado, foi publicado em Paris, em
1858, sob o ttulo Os vares illustres do Brazil, durante os tempos coloniais.
Essas obras fazem, evidentemente, eco a algumas idias de Janurio da Cunha
Barbosa. Pereira da Silva, por exemplo, na epgrafe que abre Os vares, no
deixa dvida quanto ao regime de historicidade no qual seu empreendimento
intelectual se coloca: A histria no tem parte mais agradvel e mais instrutiva
que a vida particular dos grandes e virtuosos personagens que se distinguiram
no teatro do mundo. A citao de Victor Cousin revela uma das variaes
da historia magistra preconizada por Barbosa em seu projeto. Igualmente
importante foi a recepo da obra no IHGB, divulgada pelo prprio autor
no prefcio de 1858. O depoimento de Manoel Arajo de Porto Alegre foi
um dos comentrios escolhidos:
O Plutarco Brazileiro um momento triunfal; uma obra de longo
folego, que ganhar de dia em dia novas perfeies, novos toques de
remate com o andar dos annos, com a colheita dos factos, com o
engrandecimento do numero, e com a perfeio e a madureza que
o tempo estampa em todos os trabalhos historicos. Este livro
brindado s lettras do paiz ter longa durao, e augura ao seu
auctor uma nomeada duradoura, si elle durante a sua vida o for
retocando, e ampliando como convm: um erro estampado um
veneno que se lana posteridade; um ponto falso de projeco
no perimetro da historia; e toda a humanidade desviada da senda
da verdade, logo que os idealistas ou historiadores falsificam os
acontecimentos (Silva, 1858, p. 9).4
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Por outro lado, Pereira da Silva deve contar a vida de seus personagens
globalmente. Ele no faz uma distino clara entre os grandes e os pequenos
fatos, nem cria uma hierarquizao das qualidades pessoais dos indivduos
biografados. A glria, a virtude, a inteligncia, o herosmo e o patriotismo
so as condies gerais e elementares dos indivduos dos quais a vida ele
narra. Mas podemos, tambm, apreender outras caractersticas nas biografias
que se articulam umas nas outras sem, necessariamente, criar uma ordem
de valores: a alma pura de Jos de Anchieta no sculo XVI, a coragem de
Andr Vidal de Negreiros na luta contra os holandeses ou a irreverncia de
Gregrio de Matos no sculo XVII, a inventividade de Bartholomeu Loureno
de Gusmo, e o senso de justia de Jos Joaquim da Cunha de Azeredo
Coutinho no sculo XVIII.
Pereira da Silva no fala, explicitamente, em imitao. Contudo, a
perspectiva pedaggica na qual insere seus trabalhos no deixa dvida de
que um dos seus objetivos o de propor aos seus leitores modelos imitveis.9
Ele no tem, certamente, a mesma dependncia face aos homens de ao
que Plutarco, para quem os historiadores nada so sem eles: se apagas, diz
Plutarco, os homens de ao, no ters mais escritores (Hartog, 1999,
p. 179). Em uma obra posterior, na Historia da fundao do imperio do
brazileiro, em sete volumes, o Plutarco brasileiro afirma quase o contrrio:
Tive sempre gosto pela historia. No a quero, porm, para saber datas,
estudar vidas de principes e personagens illustres, e aprender o numero
das guerras e combates que se pelejaro. Prefiro a que examina a fundo
a sociedade inteira, que desce da cupola elevada at o humilde cho do
povo miudo, discriminado as escalas e camadas pelas quaes se derrama
a nao, e o sentir, o soffrer, o gozar e o aspirar de cada um dos subditos.
Agrada-me mais a que desenha os traos da administrao publica, no
mais largo sentido desta palavra, social, politica. Assim comprehende
a historia o povo e a nao toda, e a representa de perfil, de face, no
corpo, nalma e no espirito. Afigura-se-me ento a historia como o mais
moralisado, instructivo, agradvel e sublime dos ramos litterarios (Silva,
1864, p. 7).
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Notas
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Mantive, nas citaes dos textos do sculo
XIX, a grafia original.
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Referncias bibliogrficas
BARBOSA, Janurio da Cunha. Discurso do
premier secrtaire perptuel. Revista do IHGB,
p. 9-18, 1839.
BONNET, Jean-Claude. Naissance du
Panthon : essai sur le culte des grands
hommes. Paris: Fayard, 1998.
CEZAR, Temstocles. Lcriture de lhistoire au
Brsil au XIXe sicle. Essai sur une rhtorique de
la nationalit: le cas Varnhagen. 2002. 639 p.
Tese (Doutorado sob orientao de Franois
Hartog) EHESS, Paris.
COUSIN, Victor. Huitime leon. 12 juin
1828. Cours de lhistoire de la philosophie,
Cours de Philosophie. Introduction lhistoire
de la philosophie (1828). Paris: Fayard, 1991a.
COUSIN, Victor. 10e Leon. 26 juin 1828.
Cours de lhistoire de la philosophie, Cours
de Philosophie. Introduction lhistoire de la
philosophie. Paris: Fayard, 1991b. p. 250-276.
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