Fundamentos Da Matemática

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Disciplina: Fundamentos da Matemtica

Prof. Dr. Antnio de Andrade e Silva UFPB Tutor de EAD


Curso de Matemtica UFPBVIRTUAL
[email protected]
Ambiente Virtual de Aprendizagem: Moodle www.ead.ufpb.br
Site do Curso: www.mat.ufpb.br/ead
Site da UFPBVIRTUAL: www.virtual.ufpb.br
Telefone UFPBVIRTUAL (83) 3216 7257
Carga horria: 60 horas

Crditos: 04

Ementa
O Mtodo Axiomtico, Conjuntos, Conjuntos Parcialmente Ordenados, Axioma da Escolha e
Aplicaes, Nmeros Naturais, Nmeros Cardinais.

Descrio
Esta disciplina tem como objetivo levar o aluno a compreender os axiomas da Teoria dos Conjuntos,
segundo Zermelo-Fraenkel, a ponto de aplic-los em diferentes contextos tais como o axioma da escolha,
modelagem de situaes-problema envolvendo o princpio do mximo de Hausdorff, Lema de Zorn,
conjuntos bem ordenados, construo dos nmeros naturais, nmeros cardinais.
O programa da disciplina divide-se em seis unidades, das quais a primeira responsvel pela
introduo do mtodo axiomtico e resultados utilizados em todo o texto. Em cada estudo especfico, buscase a caracterizao do objeto por meio de propriedades que possibilitem ao estudante estabelecer
correspondncias entre determinadas situaes-problema da vida real e a espcie de funo focalizada,
objetivando sua utilizao na construo de uma traduo matemtica da respectiva situao.

Objetivos
Uniformizar o conhecimento da Teoria dos Conjuntos via mtodos axiomticos e aplicar os mesmos
ao estudo dos conjuntos, axioma da escolha e nmeros. Assim, servir como ferramenta importante em outras
disciplinas tais como lgebra, Anlise e Equaes Diferenciais. Alm disso, tem como finalidade
desenvolver habilidades e atitudes no aluno que lhe permitam acompanhar e se adaptar ao desenvolvimento
no mbito da educao, cincia e tecnologia.

Objetivos Especficos
Ao final do curso, espera-se que o aluno esteja apto a:
Construir os axiomas da Teoria dos Conjuntos, compreender as suas diferentes representaes e
aplic-los a problemas relacionados;
Construir o conceito de relao de ordem, ter ideia clara das suas diferentes representaes e
aplic-lo a problemas relacionados;
Interpretar o Axioma da Escolha e utiliz-lo nas aplicaes;
Compreender o conceito de nmeros naturais;
Construir via o mtodo axiomtico o conjunto dos nmeros naturais;
Ler, interpretar e comunicar ideias matemticas.

Conhecimentos Prvios
Noes Bsicas de Conjuntos, Relaes e Funes, Conjuntos Enumerveis e No-Enumerveis.

Unidade I

O Mtodo Axiomtico

Introduo Histrica
O Mtodo Axiomtico
Caractersticas de um Sistema de Axiomas
Independncia de um Sistema de Axiomas
Unidade II

Conjuntos

Introduo Histrica
Conjunto
Grfico e Famlias
Funes
Unidade III

Conjuntos Parcialmente Ordenados

Ordem
Isomorfismos
Elementos Notveis e Dualidade
Conjuntos Bem Ordenados
Unidade IV

Axioma da Escolha e Aplicaes

Axioma da Escolha
Aplicaes, Princpio do Mximo de Hausdorff e Lema de Zorn
Princpio da Boa Ordenao
Unidade V

Nmeros Naturais

Nmeros Naturais
Aritmticas dos Nmeros Naturais
Unidade VI

Nmeros Cardinais

Conjuntos Equipotentes
Nmeros Cardinais
Aritmticas dos Nmeros Cardinais

Unidade I O Mtodo Axiomtico


1. Situando a Temtica
Quando falamos que um objeto pertence a outro objeto, queremos dizer, simplesmente, que o
primeiro deles depende do segundo. Situaes de pertinncia fazem-se presentes constantemente em nossa
vida. Por exemplo, um ponto pertence a uma reta.
A partir de agora, voc est convidado a nos acompanhar neste passeio pelo mundo dos axiomas e
postulados. Juntos analisaremos detalhadamente as caracterizaes de um sistema de axiomas e a
independncia de um axioma.

2. Problematizando a Temtica
No nosso dia-a-dia, os axiomas e postulados aparecem com mais frequncia na Geometria Plana.
Considere, por exemplo,
Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ngulos interiores no mesmo lado
menor do que dois ngulos retos, as duas linhas retas, se prolongadas indefinidamente se interceptaro no
lado em que a soma menor que dois ngulos retos.
Este e outros axiomas da Geometria Plana sero tratados nesta unidade.

3. Conhecendo a Temtica
3.1 Introduo Histrica
Nesta seo apresentaremos um pouco da histria do surgimento do mtodo axiomtico na
matemtica. O leitor interessado em mais detalhes pode consultar Wilder, R. L., [6].
Nos textos de Geometria Plana, visto no ensino fundamental, encontramos dois grupos fundamentais
de afirmaes, um chamado de axiomas e outro chamado de postulados. Formalmente:
Um axioma uma afirmao que dispensa explicao, ou seja, uma verdade universal.
1.
2.
3.

Exemplo 1.1.
O todo maior do que cada uma de suas partes.
O todo a soma de suas partes.
Coisas iguais a uma outra coisa so iguais entre si.
Um postulado um fato geomtrico simples e bvio que podemos supor sua validade.

1.
2.
3.
P.

Exemplo 1.2.
Dois pontos distintos determinam uma e somente uma reta.
Uma reta pode ser estendida indefinidamente.
Se r uma reta e P um ponto fora de r, ento existe uma nica reta s paralela reta r e passando por
Um teorema uma verdade que no se torna evidente seno por meio de uma prova.

Observao 1.3. Um teorema composto de duas partes:


Hiptese - o conjunto de suposies.
Tese - a consequncia que o raciocnio deduz da hiptese, por meio de verdades j conhecidas.
Exemplo 1.4. A soma dos ngulos internos de um tringulo vale dois ngulos retos.
Um corolrio uma proposio que uma consequncia de um teorema previamante provado.

Esses agrupamentos de axiomas e postulados j eram conhecidos em Aristteles (384-321, a. C.) e


em Euclides (330-260, a. C.) como noes comuns e postulados. A partir dessas afirmaes e de um certo
nmero de definies, Euclides demonstrou 465 teoremas em uma sequncia lgica. Por exemplo, o quinto
postulado de Euclides, em sua forma original, foi enunciado como:

E5 - Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ngulos interiores no mesmo
lado menor do que dois ngulos retos, as duas linhas retas, se prolongadas indefinidamente se interceptaro
no lado em que a soma menor que dois ngulos retos.
Proclus (Proclus Lycaeus, 412-485, d. C, filsofo grego) descreveu a controvrsia que estava se
formando com relao a esse postulado mesmo nessa poca, sendo ele prprio a favor da eliminao do
postulado por classific-lo de ingnuo, plausvel e sem carter de necessidade lgica.
No perodo Renascentista inciou-se novo perodo de controvrcias com relao ao quinto postulado a
partir dos outros postulados, ou seja, domonstr-lo a partir dos outros postulados e axiomas da geometria
usando princpios da lgica.
Duas retas distintas r e s, em Geometria Plana, so chamadas de paralelas se elas no se
interceptam, isto , r s = . Assim, atualmente, o quinto postulado de Euclides enunciado como:

E5 - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma reta s que contm P e
parelela reta r.

Figura 1. Geometria Euclidiana.


Note que esse postulado afirma que retas paralelas existem.
No sculo dezenove, Lobachevsky (Nikolai Ivanovich Lobachevsky, 1792-1856, matemtico russo)
em 1820, Gauss (Carl Friedrich Gauss 1777-1855, matemtico alemo) e Bolyai (Jnos Bolyai, 1802-1860,
matemtico hngaro) em 1823, descobriam que poderiam obter uma teoria matemtica "consistente"
partindo de um postulado que afirma a existncia de infinidade de retas paralelas contendo P.
Postulado de Lobachwsky-Gauss-Bolyai - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existem pelo
menos duas retas s e t que contm P e so paralelas reta r.

Figura 2. Geometria Hiperblica.


Riemann (Georg Friedrich Bernhard Riemann, 1826-1866, matemtico alemo), descobriu uma nova
geometria partindo de um postulado que nega a existncia de retas paralelas.
Postulado de Riemann - Duas retas nunca so paralelas.

Figura 3. Geometria Esfrica.


Com esses postulados temos trs tipos de geometrias. Em cada uma dessas geometrias claro que
precisamos de muitos outros postulados.
Hilbert (David Hilbert, 1862-1943, matemtico alemo), em 1899, no seu clebre trabalho
Fundamentos da Geometria, apresenta a ideia de que apenas um nome - axiomas - deve ser usado com
relao s proposies fundamentais, e que certos termos bsicos como ponto e reta so deixados
completamente indefinidos.
Embora esse trabalho de Hilbert seja reconhecido por muitos como sendo o primeiro a tratar de
mtodo axiomtico em sua forma moderna, devemos reconhecer que ideias anlogas tambm apareceram em
trabalhos de outros estudiosos da poca.
Em 1882 apareceu a primeira edio do livro de Pasch (Moritz Pasch, 1843-1930, matemtico
alemo) Vorlesungen ber Neuere Geometrie. Pasch baseou seu tratamento da geometria em um pequeno
nmero de conceitos nucleares e proposies nucleares que so introduzidas respectivamente sem
definio e sem demonstraes, mas que ele acredita ter uma base comum de aceitao pela nossa
experincia. Depois que o sistema bsico de proposies (axiomas) introduzido, a deduo lgica das
outras proposies do sistema so obtidas de forma rigorosa. Suas ideias foram descritas por ele mesmo
como segue:
Na realidade, se a geometria deve ser dedutiva, a deduo deve ser independente do significado dos
conceitos geomtricos, da mesma forma que deve ser independente de diagramas; somente as relaes
especificadas nas proposies e definies empregadas podem ser usadas. Durante a demonstrao til e
correto, mas de modo algum necessrio, pensar no significado dos termos; alis, se for necessrio proceder
desse modo a ineficincia da prova est clara. Se, entretanto, um teorema rigorosamente derivado de um
conjunto de proposies (os axiomas), a demonstrao tem um valor que transcende o objetivo inicial. Pois
se substituirmos os termos geomtricos nos axiomas por outros termos certos, proposies verdadeiras sero
obtidas, ento fazendo substituies anlogas nos teoremas obteremos um novo teorema sem termos que
repetir a demonstrao.
3.2 O Mtodo Axiomtico
Nesta seo apresentaremos alguns modelos axiomticos que sero necessrios para o
desenvolvimetos destas notas.
O modelo axiomtico organiza as matrias (teorias) de um modo sistemtico a partir de proposies
primitivas e definies, procedendo ao desenvolvimento por via dedutiva.
Um sistema de axiomas uma coleo formada pelos termos indefinidos, axiomas e "teoremas."
Agora, apresentaremos um sistema "parcial" de axiomas como uma amostra do modelo axiomtico.
Exemplo 2.1. O sistema de axiomas S da Geometria Euclidiana (plana):
Termos indefinidos: Ponto e Reta.
E1 - Toda reta uma coleo de pontos.

E2 - Existem pelo menos dois pontos.


E3 - Se P e Q so pontos distintos, ento existe uma e somente uma reta contendo P e Q.
E4 - Se r uma reta, ento existe um ponto fora de r.
E5 - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma reta s que contm P e parelela
reta r.

1.

Observao 2.2. O sistema de axiomas S da Geometria Plana (Euclidiana):


Ponto e reta desempenham o mesmo papel que as variveis em equaes algbricas, por exemplo,

( x + y ) 2 = x 2 + xy + yx + y 2 ,
com x e y representando qualquer objeto (nmero, matriz, etc.) de um certo conjunto especificado.
2. Note que o axioma E1 estabelece uma relao entre os termos indefinidos ponto e reta.
3. Vamos provar, com um exemplo, que o sistema de axiomas S no adequado para a Geometria
Plana. Seja C um cidade com duas bibliotecas distintas

C = {b1 , b2 },
Em que os termos indefinidos so: livro = ponto e biblioteca = reta. Note que, o axioma E3 no
satisfeito, enquanto os outros o so.
4. Seja Z uma comunidade (um tetraedro) formada de quatro pessoas ( vrtices)

Z = {a, b, c, d }

e seis clubes (arestas)


ab, ac, ad, bc, bd e cd,
onde os termos indefinidos so:pessoa = ponto e clube = reta. Ento todos os axiomas so satisfeitos.
Teorema 2.3. Todo ponto pertence a pelo menos duas retas distintas.
Prova. Seja P um ponto qualquer. Pelo axioma E2 existe um ponto Q distinto de P. Pelo axioma E3 existe
uma e somente uma reta r contendo P e Q. Alm disso, pelo axioma E4 existe um ponto R fora de r.
Novamente, pelo axioma E3 existe uma reta s contendo P e R. Finalmente, pelo axioma E1 temos que

r s , com r s = {P} .

Figura 4. Esboo da Prova


Corolrio 2.4. Toda reta contm pelo menos um ponto.
Prova. Pelo axioma E2 existe um ponto P e pelo Teorema 2.3 existem duas retas distintas r e s contendo P.
Agora, suponhamos, por absurdo, que exista uma reta t sem pontos. Ento, por definio, r e s so paralelas
reta t. Como P est fora de t temos, pelo axioma E5 , que existe uma e somente uma reta u contendo P e
paralela reta t, o que uma contradio.

Teorema 2.5. Toda reta contm pelo menos dois pontos.


Prova. Seja r uma reta qualquer. Pelo Corolrio 2.4, r contm um ponto P e pelo Teorema 2.3, existe uma
reta s distinta de r contendo P. Logo, existe um ponto Q tal que

(Q r e Q s) ou (Q r e Q s ).
Se Q r , o Teorema est provado. Se Q s , ento, pelo axioma E4 existe um ponto R fora de s. Assim,
temos duas possibilidades: se R r , o Teorema est provado. Se R r , ento, pelo axioma E5 existe uma

e somente uma reta t contendo R e paralela reta s.


Afirmao. r t .
De fato, se r t = , , ento a reta t paralela reta r. Logo, r e s so retas contendo P e paralelas reta t, o

que contradiz o axioma E5 . Seja X r t . Ento X distinto de P, pois P t . Portanto, r contm pelo
menos dois pontos P e X.

Figura 5. Esboo da Prova.


Corolrio 2.6. Toda reta fica completamente determinada por quaisquer dois de seus pontos que
sejam distintos.
Prova. Seja r uma reta qualquer. Ento, pelo Teorema 2.5, a reta r contm dois pontos distintos P e Q.
Portanto, pelo axioma E3 , a reta r completamente determinada pelos pontos P e Q.

Teorema 2.7. Existem pelo menos quatro pontos distintos.


Prova. Pelo axioma E2 existem pelo menos dois pontos distintos P e Q. Pelo axioma E3 existe uma nica
reta r contendo P e Q. Alm disso, pelo axioma E4 existe um ponto R fora de r e, pelo axioma E5 , existe
uma reta s contendo R e paralela reta r. Finalmente, pelo Teorema 2.5, s contm um ponto X distinto de R.
Portanto, existem pelo menos quatro pontos P, Q, R e X.

Figura 6. Esboo da Prova.


Teorema 2.8. Existem pelo menos seis retas distintas.
Prova. Pela prova do Teorema 2.7, existe uma reta r contendo P e Q; uma reta s paralela reta r contendo
pontos distintos R e S. Logo, pelo axioma E3 existem retas u e v contendo Q e S; P e R, respectivamente.
Note que, Q v , pois se Q v, ento v = r e R r , o que impossvel. De modo inteiramente anlogo,
prova-se que S v e P, R u. Novamente, pelo axioma E3 existem retas t e x contendo P e S; Q e R,
respectivamente. Observe que Q t e S x. Portanto, r, s, t, u, v e x so retas distintas.

Figura 7. Esboo da Prova.


Note, nas provas dos resultados acimas, que as Figuras nos ajudam a memorizar os vrios smbolos

(r , P, Q,) bem como, seus significados de maneira mais fcil. No obstante, nenhum significado especial
foi dado aos termos ponto e reta, e, consequentemente, so vlidas se substituirmos pessoas por pontos e
duas pessoas por reta. Alm disso, claro que no provamos acima todos os teoremas possveis.
Finalizaremos esta seo apresentado mais um exemplo de sistema de axiomas para definirmos um
corpo.
Exemplo 2.9. O sistema axiomas F formado por um conjunto no vazio K de objetos (estruturas
algbricas).
Termos indefinidos: Elementos.
O conjunto K munido com duas operaes binrias:

+:KK K
( a, b) a + b

: K K K
(a, b) a b,

chamadas adio e multipicao, tais que os seguintes axiomas so satisfeitos:


F1 - Sejam a, b, c, d K . Se a = c e b = d , ento a + b = c + d e a b = c d , isto , as operaes + e
esto bem definidas.
F2 - a + (b + c) = (a + b) + c, para todos a, b, c K .

F3
F4
F5
F6
F7
F8

- Existe 0 K tal que a + 0 = 0 + a = a, para todo a K .


- Para cada a K , existe a K tal que a + ( a) = ( a ) + a = 0.
- a + b = b + a, para todos a, b K .
- a (b c) = (a b) c, para todos a, b, c K .
- Existe 1 K tal que a 1 = 1 a = a, para todo a K .
- O elemento 0 diferente do elemento 1, isto , K contm pelo menos dois elementos.

F9 - Para cada a K {0} existe a 1 K . tal que a a 1 = a 1 a = 1,


F10 - a b = b a, para todos a, b K .
F11 - a (b + c) = a b + a c, para todos a, b, c K .
F12 - (a + b) c = a c + b c, para todos a, b, c K .
Teorema 2.10. Sejam a, x K . Ento a + x = a x = 0 e a 0 = 0 a = 0 .

F4 , 0 = (a ) + a. Logo, 0 = ( a) + (a + x). Assim, pelo axioma F2 ,


0 = (a ) + (a + x) = (( a ) + a ) + x e pelos axiomas F4 e F3 , 0 = 0 + x = x. Finalmente, pelo axioma F3 ,
1 = 1 + 0. Logo, pelo axioma F1 , a 1 = a (1 + 0). Assim, pelos axiomas F11 e F7 , a = a + a 0.

Portanto, a 0 = 0.

Prova. Pelo axioma

3.3 Caracterizao de um Sistema de Axiomas


Quando os termos indefinidos e os axiomas forem selecionados, como poderemos garantir que o
sistema de axiomas obtido adequado aos propsitos para que foi estabelecido? Se, por exemplo, ele foi
estabelecido para servir de base para os fundamentos da Geometria Plana, ento desejaramos saber de
alguma maneira se de fato os axiomas estabelecidos so suficientes. Outra questo que poderamos abordar,
sobre a independncia dos axiomas; algum dos axiomas pode ser provado a partir dos outros, e caso isto
ocorra, no deveramos enunci-lo como um teorema para ser depois demonstrado?
A experincia tem mostrado, entretanto, que uma questo mais fundamental a seguinte: o sistema
implica teoremas contraditrios? Se isto ocorre, ento claro que alguma coisa est errada, e teremos ento
que eliminar este defeito antes de abordarmos qualquer outro aspecto. Consideraremos portanto esta questo
em primeiro lugar.
Seja um sistema de axiomas. Diremos que consistente se ele no implicar teoremas
contraditrios. Caso contrrio, diremos que inconsistente.
Observao 3.1. Como cada axioma implicado pelo sistema, temos, em particular, que um sistema
de axiomas consistentes no pode ter axiomas contraditrios.
Exemplo 3.2. Se acrescentarmos o axioma, E6 - Existe no mximo trs pontos, ao sistema de
axiomas S, ento o sistema S inconsistente, pois, contradiz o Teorema 2.7, Existem pelo menos quatro
pontos.
Seja um sistema de axiomas. Uma interpretao de uma atribuio de significados aos termos
indefinidos do sistema, de modo que os axiomas se tornem simultaneamente proposies verdadeiras para
todos os valores variveis (por exemplo, pontos e retas no sistema S).
Exemplo 3.3. O conjunto Z de quatro moedas (de vrtices de um tetraedro) uma interpretao
para o sistema S da Observao 2.2, onde moeda = ponto e par de moedas = reta (vrtice = ponto e aresta
= reta).
Exemplo 3.4. O conjunto dos nmeros reais uma interpretao para o sistema F do Exemplo
2.9.
Seja um sistema de axiomas. Um modelo para o resultado de uma interpretao. Assim, o
conjunto dos nmeros reais um modelo do sistema de axiomas F, e a coleo de quatro moedas (vrtices)
Z tambm um modelo para o sistema S. Em geral, quando fazemos uma interpretao I de um sistema de
axiomas , o modelo resultante da interpretao ser representado por M(I).
Para alguns modelos de um sistema de axiomas , alguns axiomas do sistema podem ser verdadeiros
por vacuidade, isto , axiomas da forma se ..., ento ... ( p q ), que chamaremos de axiomas
condicionais, podem ser verdadeiros quando interpretados simplesmente, porque a parte condicional se ...
no satisfeita pelo modelo.
Exemplo 3.5. Sejam p a sentena dois ngulos opostos pelo vrtice e q a sentena dois ngulos
congruentes. Ento comprove intuitivamente a tabela da sentena p q sendo verdadeira se pudermos
desenhar o diagrama dos ngulos, caso contrrio falsa.
p
V
V
F
F

q
V
F
V
F

pq
V
F
F
V

(-p) q
V
F
V
V

Seja um sistema de axiomas. Diremos que satisfatrio se ele admitir uma interpretao.

Exemplo 3.6. Os sistemas de axiomas S e F da Observao 2.2 e do Exemplo 2.9, respectivamentes,


so satisfatrios.
Vamos determinar um mtodo de verificarmos a consistncia de um sistema de axiomas . Para isso,
vamos relembrar dois princpios da lgica clssica (Aristoteliana). Seja p uma sentena (ou proposio).
Ento:
1. Princpio da contradio. Se p verdadeira, ento p falsa, isto , dadas duas proposies
contraditrias uma delas falsa.
2. Princpio do terceiro excludo. p ou p sempre verdadeira, isto , dadas duas proposies
contraditrias uma delas sempre verdadeira.
Exemplo 3.7. Seja p a proposio hoje quarta-feira. O princpio da contradio vale, pois hoje
no pode ser ambos quarta-feira e quinta-feira. O princpio do terceiro excludo afirma p ou p sempre
verdadeira.
Exemplo 3.8. Seja A um conjunto e P(x) uma propriedade a qual significativa para cada
elemento x em A. O princpio do terceiro excludo afirma ou existe um x A tal que P(x) verdadeira ou
ao contrrio, para todo x A , P(x) falsa.
Seja um sistema de axiomas. Uma -proposio uma proposio que pode ser expressa com
base nos termos indefinidos e universais de .
Exemplo 3.9. Os axiomas e teoremas de so -proposio.
Vamos enunciar mais dois princpios da lgica aplicados ao sistema de axiomas .
I.
II.

Todas as proposies implicadas pelos axiomas de , so verdadeiras para todos os modelos de .


O princpio da contradio se aplica a todas as proposies sobre um modelo de , desde que elas
sejam -proposies cujos termos tcnicos tenham os siginificados dados na interpretao.

Sejam um sistema de axiomas e I uma interpretao de . Uma (,I)-proposico o resultado de


atribuirmos aos termos tcnicos em uma -proposio seus significados em I. Assim, os princpios (I) e (II)
podem ser enunciados como seguem:
I.

Toda (,I)-proposio, tal que a correspondente -proposio implicada por , verdadeira para
M(I).
II.
(,I)-proposies contraditrias no podem ser ambas verdadeiras para M(I).
Teorema 3.10. Seja um sistema de axiomas. Se satisfatrio, ento ele consistente.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que seja inconsistente. Ento existem duas -proposies contraditrias
em . Logo, pelo princpio (I), essas proposies podem ser vistas como (,I)-proposies e so ambas
verdadeiras para M(I), o que contradiz o princpio (II). Portanto, um sistema consistente.

Observao 3.11. Seja um sistema de axiomas. A existncia de uma interpretao em garante a


sua consistncia.
Exemplo 3.12. A interpretao garante a consistncia do sistema de axiomas F do Exemplo 2.9.
Sejam um sistema de axiomas satisfatrio e A1 , , An os axiomas de . Diremos que um axioma

Aj independente em se o sistema de axiomas

( Aj ) + ( Aj ), j = 1, , n,
for satisfatrio.

10

Observao 3.13. Sejam um sistema de axiomas e A1 , , An os axiomas de . Se Aj for provado


pelo sistema de axiomas Aj , ento Aj no independente. Neste caso, todo modelo que satisfaa

Aj satisfaz necessariamente Aj (prove isso!). Portanto, no podemos achar uma interpretao para
Aj , que no seja interpretao de Aj .
Exemplo 3.14. O axioma E5 do sistema de axiomas S da Observao 2.2 independente.
Soluo. Seja E6 o seguinte axioma: existe uma reta r e um ponto P fora de r tal que no existe nenhuma
reta s contendo P e paralela reta r.
Afirmao. E6 = E5 e (S - E6 ) + ( E6 ) um sistema de axiomas satisfatrio.
De fato, seja T o conjunto dos vrtices de um tringulo equiltero, onde vrtice = ponto e aresta = reta.
Ento T uma interpretao para (S - E6 ) + ( E6 ) . Portanto, (S - E6 ) + ( E6 ) um sistema de axiomas
satisfatrio e E5 independente em S.

Exemplo 3.15. O axioma F9 do sistema axiomas F do Exemplo 2.9 independente.


Soluo. Sejam F13 o axioma: para cada a K {0} , no existe a 1 K tal que a a 1 = a 1 a = 1 .
Afirmao. F13 = F9 e (F - F13 ) + ( F13 ) um sistema de axiomas satisfatrio.
De fato, o conjunto dos nmeros inteiros , com as operaes usuais de adio e multiplicao, uma
interpretao para (F - F13 ) + ( F13 ) . Portanto, (F - F13 ) + ( F13 ) um sistema de axiomas satisfatrio e

F9 independente em F.

Exemplo 3.16. O axioma F5 do sistema axiomas F do Exemplo 2.9 no independente.


Soluo. Vamos desenvolver (a + b)i(1 + 1) de duas maneiras: Pelos axiomas F11 , F7 e F2 , obtemos
(a + b)(1 + 1) = (a + b)1 + (a + b)1 = (a + b) + (a + b) = a + (b + a) + b.
Por outro lado, pelos axiomas F12 , F7 e F2 , obtemos
(a + b)(1 + 1) = a(1 + 1) + b(1 + 1) = (a + a) + (b + b) = a + (a + b) + b.
Logo,
a + (b + a) + b = a + (a + b) + b.
Portanto, pelos axiomas F3 , F4 e F2 , obtemos

a + b = [0 + (a + b)] + 0 = ( a) + [a + (a + b) + b] + (b)
= (a ) + [a + (b + a) + b] + (b) = [0 + (b + a)] + 0 = b + a,

que o resultado desejado.

Sabemos que com o sistema axiomas S no podemos provar todos os teoremas da Geometria Plana
(Euclidiana). Na realidade vimos uma interpretao para o sistema S com apenas um nmero finito de
pontos. claro que isto no deveria ocorrer se fosse um sistema adequado para o estudo da Geometria Plana.
Agora, vamos iniciar a noo de completividade de um sistema de axiomas, com a ideia de serem os
axiomas desses sistemas suficientes para provarmos todos os teoremas, podemos afirmar que se
encontrarmos um teorema tal que, tanto ele como sua negao no podem ser provados no sistema, ento
esse teorema um candidato a um novo axioma do sistema.
Seja um sistema de axiomas. Diremos que independente se todos os axiomas de o so.
Exemplo 3.17. O sistema axiomas F do exemplo 2.9 no independente.
Seja um sistema de axiomas. Diremos que completo se no existir uma -proposio p tal que
11

p seja um axioma independente em + p, isto , os sistemas de axiomas + p e + p sejam satisfatrios.


Observao 3.18. Seja um sistema de axiomas. Vimos que completo se for impossvel
adicionar-lhe um novo axioma independente. Neste caso os termos indefinidos devem permanecer os
mesmos.
Exemplo 3.19. O sistema de axiomas S da Observao 2.2 no completo. Pois se E6 o axioma:
existem no mximo quatro pontos, ento S + E6 e S + ( E6 ) so satisfatrios, um vez que, o primeiro
admite a interpretao das quatro moedas e o segundo admite a interpretao da Geometria Plana.
Sejam um sistema de axiomas e M 1 , M 2 dois modelos para . Diremos que M 1 isomorfo a

M 2 se existir uma funo bijetora de M 1 sobre M 2 que preserva as -proposies.


Exemplo 3.20. Seja S = S + E6 um sistema de axiomas, onde S o sistema de axiomas da
Observao 2.2. Ento os modelos M 1 = M( I1 ) e M 2 = M( I 2 ), onde I1 = vrtices do tetraedro e I 2 =
coleo de quatro moedas, para S so isomorfos.
Com a definio de isomorfismo nossa disposio, podemos determinar um mtodo que nos
permita verificar a completividade de um sistema de axiomas. Este mtodo baseia-se no seguinte conceito:
Seja um sistema de axiomas. Diremos que categrico se quaisquer dois modelos para so
isomorfos com relao a .
Teorema 3.21. Seja um sistema de axiomas. Se categrico, ento ele completo.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que no seja completo. Ento existe uma -proposio p tal que + p e
+ (p) sejam satisfatrios. Logo, existe uma interpretao I1 para + p e I 2 para + (p),
respectivamente. Como categrico, temos que existe uma funo bijetora

: M ( I1 ) M ( I 2 )

que preserva -proposies, o que uma contradio, pois p verdadeira em M( I1 ) e falsa em M( I 2 ).

4. Avaliando o que foi construdo


Vimos, nesta unidade, que o mtodo axiomtico possui as seguintes vantagens: primeiro a
economia que obtemos quando um sistema de axiomas possui muitos modelos em diferentes ramos da
matemtica; pois um nico teorema em fornece um teorema em cada intepretao; sem que seja necessrio
uma prova especial uma vez que o teorema foi provado no sistema . Outra grande vantagem do mtodo
axiomtico que merece especial ateno o carter de definio implcita. Embora a origem e o
desenvolvimento matemtico podem ocorrer por linhas inteiramente diversas, uma vez o conceito
estabelecido, a sua caracterizao axiomtica extremamente vantajosa. Por exemplo, o desenvolvimento do
sistema de nmeros reais, que forma os fundamentos da moderna Anlise, evoluiu vagarosamente durante
muitos sculos.
Atualmente, como veremos neste texto, podemos dar uma definio axiomtica precisa e estudarmos
suas propriedades atravs de teoremas baseados nos axiomas. Muitos outros conceitos matemticos se
desenvolveram de modo anlogo.

No Moodle
Pois . Voc precisa visitar o espao reservado disciplina Fundamento da Matemtica na plataforma
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revisar, testar e enriquecer seus conhecimentos. Lembre-se de que somos parceiros nos estudos e,
portanto, eu no pretendo seguir adiante sem que voc me acompanhe. Aguardo voc no MOODLE!

12

Unidade II

Conjuntos

1. Situando a Temtica
A teoria avanada dos conjuntos foi desenvolvida por volta do ano 1872 por Cantor (Georg
Cantor, 1845-1918, matemtico alemo) e aperfeioada no incio do sculo XX por outros
matemticos, entre eles, Zermelo (Ernst Zermelo, 1871-1956, matemtico alemo), Skolem (Thoralf
Albert Skolem, 1887-1963, matemtico noruegus), Fraenkel (Adolf Fraenkel, 1891-1965, matemtico
alemo), Gdel (Kurt Gdel, 1906-1978, matemtico austraco), von Neumann (John von Neumann,
1903-1957, matemtico hngaro), entre outros.
O que se estuda deste assunto no ensino fundamental, to somente uma introduo
elementar teoria dos conjuntos, base para o desenvolvimento de temas futuros, a exemplo de
relaes, funes, anlise combinatria, probabilidades, etc.
Nesta unidade vamos nos dedicar ao estudo dos conjuntos via mtodo axiomtico.

2. Problematizando a Temtica
comum na Teoria dos Conjuntos, se ouvirem frases como:
(...) um conjunto qualquer coleo, dentro de um todo de objetos definidos e distinguveis,
chamados de elementos ou membros, de nossa intuio ou pensamento.
G. Cantor (1895).
(...) por conjunto nada mais do que um objeto do qual se sabe no mais e quer-se saber no mais
do que aquilo que se segue dos postulados.
J. von Neumann (1928).
Esta e outras afirmaes sobre definies de conjuntos vo ser contornadas via mtodo axiomtico,
em que conjunto um termo indefinido.

3. Conhecendo a Temtica
3.1 Introduo Histrica
importante observar que o matemtico usa a palavra definio em um sentido diferente daquele
do dicionrio, ou seja, quando um matemtico d uma definio, pretende-se que no ser um mero
sinnimo que o leitor possa saber o significado, mas um critrio para identificao; uma caracterizao da
coisa definida.
Um paradoxo ou antinomia uma contradio entre duas proposies ou princpios. Tomando
uma abordagem informal ou ingnua que qualquer coleo de objetos um conjunto, podem ocorrer os
seguintes fatos:
1)
2)
3)
4)

Se A o conjunto de todos os animais da terra, ento A A .


Se o conjunto de todos os nmeros naturais, ento N N .
Se B o conjunto de todas as coisas abstratas, ento B B .
Se C o conjunto de todos os conjuntos, ento C C .

Vamos apresentar os paradoxos de Russell (Bertrand Arthur William Russell, 1872-1970,


matemtico e filsofo ingls).
Paradoxo Lgico (1902). Seja

R = { A C : A A} .

13

Ento:
1. R R .
2. R R .
Soluo. (1) R R impossvel, pois se R R , ento, por definio, R R , o que uma contradio. (2)
R R impossvel, pois se R R , ento, por definio, R R , o que uma contradio. Portanto,
RR RR ,
o que contradiz o princpio do terceiro excludo.

Paradoxo Semntico (1906, atribudo por Russell a G. G. Berry). Seja T = {x : x um nmero


inteiro positivo que pode ser descrito por uma frase com menos de vinte palavras da lngua portuguesa}.
Ento existe um inteiro positivo x0 tal que
1.

x0 T .

2.

x0 T .

Soluo. Suponhamos que as palavras da lngua portuguesa estejam catalogadas em um dicionrio. Ento T
finito, pois um dicionrio contm apenas um nmero finito de palavras e o nmero de frases envolvendo
menos de vinte palavras finito. Assim, existem inteiros positivos que so maiores do que todos os outros
inteiros positivos de T. Portanto, existe um menor inteiro positivo x0 que maior do que todos os inteiros
positivos de T. Ento x0 T . Por outro lado, como x0 = menor inteiro positivo que no pode ser
descrito por uma frase com menos de vinte palavras da lngua portuguesa (19 palavras) temos que
x0 T , o que contradiz o princpio do terceiro excludo.

Com o surgimento dos paradoxos houve muita controvrsia por parte dos matemticos da poca.
Mas, com o trabalho de Dedekind (Julius Wilhelm Richard Dedekind, 1831-1916, matemtico alemo) em
1888 mostrando que os nossos nmeros naturais podem ser construdos por meio da teoria elementar dos
conjuntos:
0 = , 1 = {}, 2 = {,{}}, ,
a teoria passou a ser aceita.
Enunciaram-se, em 1905, vrias correntes para contornar os paradoxos, as quais podemos classificar
em trs grupos: Axiomtico, Logicista e Intuicionista.
A primeira axiomatizao da Teoria dos Conjuntos foi dada por Zermelo em 1908, com certas
modificaes em 1922 devidas a Skolem e Fraenkel. No sistema de axiomas ZF os termos indefinidos e
relaes indefinidas so: Conjunto e Pertinncia.

3.2 Conjuntos
Embora a ideia intuitiva de conjunto dada, no curso de Matemtica Elementar, seja suficiente para
os nossos propsitos, uma exposio geral da Teoria dos Conjuntos requer mais preciso, pois a no
axiomatizao da Teoria dos Conjuntos nos leva a vrias contradies. Sendo assim, nesta seo iniciaremos
o estudo formal da Teoria dos Conjuntos segundo Zermelo-Fraenkel.
Intuitivamente um conjunto uma coleo de objetos A tal que dado qualquer objeto X possvel
determinar se X A ou se X A .
As letras a,b,c, sero usadas somente para indicar elementos e A, B, C, elementos ou conjuntos.
Assim, se x um conjunto e existe um conjunto A tal que x A , diremos que x um elemento. Alm disso,
uma sentena do tipo
x y z : p ( x, y , z ) .
L-se para cada x existe um y tal que, para cada z, p(x,y,z) verdadeira, sua negao
x y z : p ( x, y , z ) .
L-se existe um x para cada y tal que, existe z, p(x,y,z) falsa. Note que na negao mantivemos a ordem
das variveis.

14

Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B so iguais se, e somente se, eles tm os mesmos
elementos. Em smbolos,
A = B x [ x A x B e x B x A] .
Esta definio implica a seguinte propriedade:
[ x A e A = B] x B .
Essa propriedade nosso primeiro axioma.

ZF1 - Axioma da extenso. [ x A e x = y ] y A .


Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A est contido em B ou A um subconjunto de B se
qualquer elemento de A um elemento de B, em smbolos,
A B x [ x A x B] .
Neste caso, A = B significa que A B e B A .
Se A B e A B ( A = B ), diremos que A est contido propriamente em B ou A um
subconjunto prprio de B e denotaremos por A B .
Teorema 2.1 Sejam A, B e C trs conjuntos. Ento:

1.
2.
3.
4.
5.
6.

A= A.
A= B B = A.
A= B eB=C A=C.
A A.
A B e B A A= B
A B e BC AC .

Prova. Vamos provar apenas o item (3).

A = B x [ x A x B e x B x A]

B = C x [ x B x C e x C x B] .

Pela primeira e terceira dessas afirmaes, obtemos

x [x A x C] A C .

Pela segunda e quarta dessas afirmaes, obtemos

x [ x C x A] C A .

Portanto, A = C .

ZF2 - Axioma da construo de conjuntos. Seja P(x) uma propriedade ou uma afirmao com relao a
x, a qual pode ser expressa inteiramente em termos dos smbolos

, , , , , , , colchetes e variveis livres x, y, z, A, B, C ,

Ento existe um conjunto C que consiste de todos os elementos x que satisfazem P(x) e denotaremos por

C = {x : P( x)}

e l-se: o conjunto de todos os elementos x que satisfazem a propriedade P(x).

1.

2.

3.

Observao 2.2.
O axioma ZF2 tambm conhecido como Axioma da separao, Axioma da compreenso, ou ainda,
Axioma de especificao. Esse axioma na verdade uma famlia de axiomas, pois para cada
propriedade P(x) temos um axioma.
Note que o axioma ZF1 , garante que o conjunto C unicamente determinado, pois se D o conjunto de
todos os elementos x que satisfazem P(x), ento qualquer elemento de C um elemento de D e viceversa. Portanto, C = D .
Em geral, a propriedade P(x) uma frmula.

15

4.

5.

O axioma ZF2 nos permite formar o conjunto de todos os elementos x que satisfazem P(x), mas no
o conjunto de todas os conjuntos x que satisfazem P(x). Assim, eliminamos todos os paradoxos
lgicos.
O axioma ZF2 admite somente as afirmaes P(x) que podem ser escritas inteiramente em forma de
smbolos

, , , , , , , colchetes e variveis livres x, y, z, A, B, C ,

Assim, eliminamos todos os paradoxos semnticos.


Sejam A e B dois conjuntos. A unio ou a reunio de A e B o conjunto de todos os elementos que
pertencem a A ou a B ou a ambos. Em smbolos,
A B = {x : x A ou x B} .
Assim,
x [ x A B x A ou x B] .
A interseo de A e B o conjunto de todos os elementos que pertencem a ambos os conjuntos A e B. Em
smbolos,
A B = {x : x A e x B} .
Assim,
x [ x A B x A e x B] .
Note que pelo axioma ZF2 , os conjuntos AB e AB, esto bem definidos.
O conjunto universal U um conjunto que tem a propriedade de conter como subconjuntos todos
os conjuntos em pauta.
O conjunto vazio o conjunto sem nenhum elemento. A existncia do conjunto vazio ser dada
pelo axioma ZF9 . Note que se existem dois conjuntos A e B sem elementos, ento A = B . De fato,

x [ x A x B] ,
uma afirmao verdadeira, pois uma implicao com um antecedente falso (confira Exemplo 3.5 da
unidade I). De modo inteiramente anlogo, prova-se a outra incluso.
Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B so disjuntos se eles no tm elementos em comum.
Em smbolos,
A B = .
O complementar de A o conjunto de todos os elementos que no pertencem a A. Em smbolos,
A = {x : x A} .
Assim,
x [ x A x A] .
A diferena de A e B o conjunto de todos os elementos de A que no pertencem a B. Em smbolos,
A B = {x : x A e x B} .
Assim,
x [ x A B x A e x B] .
Note que A B = A B e, pelo axioma ZF2 , o conjunto A B est bem definido.
instrutivo observar que o relacionamento entre os conjuntos pode ser representado graficamente
por meio de uma linha fechada e no entrelaada, quando a linha fechada um crculo, chamaremos de
diagrama de Venn.
Teorema 2.5. Sejam A, B e C trs conjuntos. Ento:

1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.

A e AU .
A A B e B A B .
A B A e A B B ,
A B A B = B A B = A
A ( A B) = A e A ( A B) = A .
( A B) = A B e ( A B) = A B . (Lei de De Morgan)
A ( B C ) = ( A B) C e A ( B C ) = A B C

16

Prova. Vamos provar apenas uma afirmao do item (6).

x [ x ( A B) x ( A B) x A ou x B x A e x B x ( A B )] ,

que o resultado desejado.

3.3 Grficos e Famlias


Seja a um elemento. Ento, pelo axioma ZF2 , obtemos o conjunto

{a} = {x : x = a} .
Assim, a o nico elemento do conjunto {a} .
Sejam a e b elementos. Ento, pelo axioma ZF2 , obtemos o conjunto
{a, b} = {x : x = a ou x = b} .
De modo inteiramente anlogo, obtemos os conjuntos

{a, b, c}, {a, b, c, d }


e, assim por diante. Isto motiva o axioma.

ZF3 - Axioma do par (no ordenado). Se a e b so elementos, ento {a, b} um elemento.

1.

Observao 3.1
O axioma ZF3 equivalente a: dados dois conjuntos quaisquer existe um conjunto ao qual eles
pertencem. Mais precisamente, dados dois conjuntos quaisq uer A e B, existe um conjunto C tal que

2.

x [ x C x = A ou x = B]
claro que {a, a} = {a} . Assim, fazendo a = b no axioma ZF3 , obtemos se a um elemento, ento
{a} um elemento, ou seja, existem conjuntos unitrios. Em particular, e {} so conjuntos

3.
4.

distintos. Neste caso, existe uma infinidade de conjuntos.


Note que a A se, e somente se, {a} A .
Se A um conjunto, ento
{x : x A} = A .
Teorema 3.2. Se {x, y} = {u , v} , ento [ x = u e y = v] ou [ x = v e y = u ] .

Prova. H dois casos a serem considerados:


1.o Caso . Se x = y , ento, pelo axioma ZF1 , {x, y} = {x} . Portanto, por hiptese, x = u = v = y .

2.o Caso . Se x y , ento, pelo xioma ZF1 , [ x = u ou x = v] e [ y = u ou y = v] . Se x = u e


y {u , y} = {u, v} , ento y = v , pois x y . Se x = v e y {v, y} = {u, v} , ento y = u , pois x y .
Portanto, em qualquer caso, [ x = u e y = v] ou [ x = v e y = u ] .

Sejam a e b elementos. O conjunto {{a},{a, b}} chama-se par ordenado. Em smbolos,

(a, b) = {{a},{a, b}} .


Observao 3.3. (b, a) = {{b},{b, a}} = {{b},{a, b}} . Neste caso, fica clara a distino entre os
pares ordenados (a, b) e (b, a ) .
Teorema 3.4. Se (a, b) = (c, d ) , ento a = c e b = d .
Prova. Por definio, obtemos

{{a},{a, b}} = {{c},{c, d }} .

Ento, pelo Teorema 3.2,

17

[{a} = {c} e {a, b} = {c, d }] ou [{a} = {c, d } e {a, b} = {c}] .


Se {a} = {c} e {a, b} = {c, d } , ento a = c e, pelo Teorema 3.2, [a = c e b = d ] ou [a = d e b = c] .
Assim, a = c e b = d ou b = c = a = d . Se {a} = {c, d } e {a, b} = {c} , ento a = c = d , pois
c, d {c, d } . Por outro lado, b = c , pois b {a, b} . Portanto, a = b = c = d .

Sejam A e B dois conjuntos. O produto cartesiano de A e B o conjunto de todos os pares


ordenados (a, b) , onde a A e b B . Em smbolos,
A B = {(a, b) : a A e b B} = {x : x = (a, b), para algum a A e b B} .
Teorema 3.5. Sejam A, B, C e D quatro conjuntos. Ento:

1.
2.
3.

A ( B C ) = ( A B) ( A C ) .
A ( B C ) = ( A B) ( A C ) .
( A B) (C D) = ( A C ) ( B D) .

Prova. Vamos provar apenas o item (3).

( x, y ) [( x, y ) ( A B) (C D) ( x, y ) A B e ( x, y ) C D
( x A e y B) e ( x C e y D)
( x A e x C ) e ( y B e y D)
x A C e y B D ( x, y ) ( A C ) ( B D)],

que o resultado desejado.

Um grfico qualquer conjunto de pares ordenados ( x, y ) de U U , isto , qualquer subconjunto


de U U . Se G um grfico, ento o grfico inverso G 1 de G definido como
G 1 = {( y, x) : ( x, y ) G} .
O domnio do grfico G o conjunto
Dom(G ) = {x : y tal que ( x, y ) G} .
E a imagem do grfico G o conjunto
Im(G ) = { y : x tal que ( x, y ) G} .
Note que se A e B so conjuntos, ento AB um grfico.
Sejam G e H dois grficos. Ento o grfico G H definido como

G H = {( x, y ) : z tal que ( x, z ) H e ( z , y ) G} .

Teorema 3.6. Sejam G, H e J trs grficos. Ento:

1.
2.
3.
4.
5.

G ( H J ) = (G H ) J .
(G 1 ) 1 = G .
(G H ) 1 = H 1 G 1 .
Dom(G ) = Im(G 1 ) e Im(G ) = Dom(G 1 ) .
Dom(G H ) Dom( H ) e Im(G H ) Im(G ) .

Prova. Vamos provar apenas o item (3).

( x, y ) [( x, y ) (G H ) 1 ( y, x) G H z tal que ( y, z ) H e ( z , x) G
z tal que ( x, z ) G 1 e ( z , y ) H 1 ( x, y ) H 1 G 1 ],

que o resultado desejado.

Seja I um conjunto no vazio. Se a cada elemento i I associarmos um conjunto A i , ento o


conjunto

{ A i }iI = { A i : i I } ,

18

chama-se famlia de conjuntos (indexada), e I chama-se conjunto de ndices para a famlia. Observe que
qualquer conjunto C cujos elementos so conjuntos pode ser convertido para uma famlia de conjuntos pelo
autondice, ou seja, usaremos o conjunto C ele prprio como conjunto de ndices e associaremos a cada
elemento do conjunto o conjunto que o representa. Em smbolos,
{ A}AC = { A : A C} .
Note que a famlia de conjuntos

{1, 2},{3, 4},{5, 6}, ,{2n 1, 2n},

pode ser considerada como uma famlia de conjuntos indexada pelo conjunto dos nmeros naturais N , em
que A n = {2n 1, 2n} , para todo n N . Portanto,

{ A n }nN = { A n : n N}
Observao 3.7. Formalmente, uma famlia { A i }iI um grfico G, cujo Dom(G ) = I e

A i = {x : (i, x) G} .
Exemplo 3.8. Se I = {1, 2} , A 1 = {a, b} e A 2 = {c, d } , ento

{ A i }iI = G = {(1, a), (1, b), (2, c), (2, d )} .


Seja { A i }iI uma famlia de conjuntos. A unio dos conjuntos A i o conjunto de todos os
elementos que pertencem a pelo menos um conjunto A i da famlia. Em smbolos,

ou ainda,

iI

iI

A i = {x : i I , com x A i } ,

A i = {x : x A i , para algum i I } .

A interseo dos conjuntos A i o conjunto de todos os elementos que pertencem a todas os conjuntos A i
da famlia. Em smbolos,
ou ainda,

iI

iI

A i = {x : i I , x A i } ,

A i = {x : x A i , para todo i I } .

ZF4 - Axioma de subconjunto. Qualquer subconjunto de um conjunto um conjunto.


Observao 3.9. Sejam A e B dois conjuntos. J vimos, no item (3) do Teorema 2.5, que
A B A . Portanto, pelo axioma ZF4 , A B um conjunto.

ZF5 - Axioma da unio. Se C um conjunto de conjuntos, ento

AC

A = {x : x A, para algum A C}

um conjunto.
Observao 3.10. Sejam A e B dois conjuntos. Ento, pelo axioma ZF3 , { A, B} um conjunto.
Assim, por definio,
X = {x : x X , para algum X { A, B}} = A B .
X { A, B}

Portanto, pelo axioma ZF5 , A B um conjunto.


Exemplo 3.11. Seja G um grfico. Mostre que se G um conjunto, ento Dom(G ) e Im(G ) so
conjuntos.

19

(a, b) . Seja

x Dom(G ) . Ento existe y tal que ( x, y ) G . Logo,


( x, y ) G , pois os elementos de G so conjuntos. Em particular, {x} G . De modo inteiramente
anlogo, x (G ) . Portanto, Dom(G ) (G ) , ou seja, Dom(G ) um conjunto.

Soluo. Primeiro note que a, b

Seja A um conjunto. O conjunto das potncias de A o conjunto de todos os subconjuntos de A.


Em smbolos,
P( A) = 2 A = { X : X A} .
Note que pelo axioma ZF4 , P( A) o conjunto de todos os subconjuntos X que satisfazem a propriedade

X A . Portanto, pelo axioma ZF2 , o conjunto P( A) est bem definido.


ZF6 - Axioma das potncias. Se A um conjunto, ento P( A) um conjunto.
Exemplo 3.12. Se A = {1, 2} , ento P( A) = {,{1},{2}, A} um conjunto.
Observao 3.13. Se A um conjunto, ento, pelo axioma ZF4 e ZF2 ,

B = { X : X A e P( X )} .
um conjunto. Assim, se X B , ento X P( A) . Logo, B P( A) . Portanto, pelos axiomas ZF6 e
ZF4 , B um conjunto, ou seja, se A um conjunto e P( X ) uma propriedade de X, ento o conjunto de
todas os subconjuntos de A um conjunto.
Teorema 3.14. Se A e B so conjuntos, ento A B um conjunto.
Prova. Note, pelos axiomas ZF5 e ZF6 , que P( A B ) um conjunto. Novamente, pelo axioma ZF6 ,

P(P( A B)) um conjunto.


Afirmao. A B P(P( A B)) . Portanto, pelo axioma ZF4 , A B um conjunto.
De fato, seja ( x, y ) A B . Ento x A B e y A B . Logo, {x} A B e {x, y} A B .
Assim, {x},{x, y} P( A B) . Portanto,
{{x},{x, y}} P(P( A B)) ( x, y ) P(P( A B)) ,
ou seja, A B P(P( A B )) .

Observao 3.15. Se A e B so conjuntos, ento, pelo axioma ZF4 , qualquer grfico G de A B


um conjunto.

3.4 Funes
O conceito de funo um dos mais bsicos em toda a Matemtica. Assim, nesta seo, vamos
apresentar formalmente o conceito de funo via grfico.
Sejam A e B dois conjuntos. Uma funo de A em B um subconjunto f de A B que satisfaz s
seguintes condies:

F1 - Para cada x A , existe y B tal que ( x, y ) f .


F2 - Se ( x, y1 ) f e ( x, y2 ) f , ento y1 = y2 .
Notao: f : A B e ( x, y ) f y = f ( x) ou x
y . Neste caso, diremos que y = f ( x) o
valor que f assume no elemento (no ponto) x. Alm disso, a imagem de f pode, tambm, ser denotada por
{ f x : x A} ou { f x }xA , em outras palavras, uma funo f uma famlia de conjuntos, em que A o
conjunto de ndices.

20

Observao 4.1. Cada x A possui uma imagem unicamente determinada por y B . Alm disso,
a condio F2 afirma que a funo f est bem definida, ou seja, elementos iguais possuem imagens iguais.
Teorema 4.2. Sejam A e B dois conjuntos e f um grfico. Ento f : A B uma funo se, e
somente se,
1. A condio F2 est satisfeita.
2.
3.

Dom( f ) = A .
Im( f ) B .

Prova. Suponhamos que f : A B seja uma funo. Ento, por definio, F2 est satisfeita. Alm disso,

x [ x Dom( f ) y tal que ( x, y ) f ( x, y ) A B x A] .


Por outro lado,

x [ x A y B tal que ( x, y ) f x Dom( f )] .

Logo, Dom( f ) = A . Finalmente,

y [ y Im( f ) x tal que ( x, y ) f ( x, y ) A B y B] .


Assim, Im( f ) B .
Reciprocamente,

( x, y ) [( x, y ) f x Dom( f ) e y Im( f ) x A e y B ( x, y ) A B] .
Portanto, f A B . Agora, dado x Dom( f ) = A , existe y tal que ( x, y ) f . Como y Im( f ) B

temos que y B . Portanto, a condio F1 est satisfeita, ou seja, f : A B uma funo.


Corolrio 4.3. Seja f : A B uma funo e C um conjunto qualquer tal que Im( f ) C .Ento
f : A C uma funo.
Prova. Suponhamos que f : A B seja uma funo. Ento a condio F2 est satisfeita e Dom( f ) = A .
Alm disso, Im( f ) C implica que f : A C uma funo.
Sejam f : A B e g : B C duas funes quaisquer. Diremos que o diagrama

comuta se h = g

1.
2.

Figura 8. Diagrama de flechas.

f .

Teorema 4.4. Sejam A e B dois conjuntos e f : A B uma funo. Ento:


F : P( A) P( B) definida por F ( X ) = f ( X ) uma funo, com

f ( X ) = { y : y = f ( x), para algum x X } B


G : P( B) P( A) definida por G (Y ) = f 1 (Y ) uma funo, com
f 1 (Y ) = {x : f ( x) Y } A

Em particular, se f bijetora, ento F bijetora, com inversa G.


Prova. Vamos provar apenas o item (1). Primeiro lembramos que: para cada X A e Y B , obtemos

f ( X ) = { y : y = f ( x), para algum x X } B


e

f 1 (Y ) = {x : f ( x) Y } A .
Assim,
21

X [ X Dom( F ) Y tal que ( X , Y ) P( A) P( B) X P( A)] .


Por outro lado,

X [ X P( A) Y = F ( X ) = f ( X ) B tal que ( X , Y ) F X Dom( F )]


Logo, Dom( F ) = P( A). claro que Im( F ) P( B ) . Finalmente,
( X , Y1 ) F e ( X , Y2 ) F Y1 = Y2 ,
pois

y [ y Y1 = f ( X ) x X tal que y = f ( x) y Y2 = f ( X )] .

Portanto, F : P( A) P( B ) uma funo.

Sejam { A i }iI uma famlia de conjuntos e

A = iI A i .
O produto cartesiano dos A i o conjunto

iI

A i = { f : f uma funo de I em A, onde f (i ) A i , i I }

conveniente representar os elementos f do produto cartesiano por f = {a i }iI ou f = (a i )iI , em que

a i = f (i ) , para todo i I . Note que se A = A i , para todo i I , ento

iI

A i simplesmente o

conjunto de todas as funes com domnio I e contradomnio A.


Observao 4.5. Se A j = , para algum j I , ento

iI

Ai = ,

pois no existe funo f : I A tal que f ( j ) A j = .

Exemplo 4.6. Se I = {1, 2} , A 1 = {a, b} e A 2 = {c, d } , ento

iI

A i = { f : f uma funo de {1,2} em {a, b, c, d }, onde f (1) A 1 e f (2) A 2 } .

Logo,
i
1
2

f(i)
a
c

i
1
2

f(i)
a
d

i
1
2

Portanto, podemos identificar o produto cartesiano

iI

f(i)
b
c

i
1
2

f(i)
b
d

A i com os quatro pares ordenados

{(a, c), (a, d ), (b, c), (b, d )}.


Neste caso,

Se

iI

A i = A1 A 2

f = {a i }iI iI A i ,

diremos que A i a i-sima componente do produto cartesiano

iI

A i e a i A i a i-sima

coordenada da famlia.
A i . Para cada j I fixado, definimos uma funo p j de A em A j por
Seja A =
iI

p j ( f ) = p j ({a i }iI ) = a j , f = {a i }iI A .


A funo p j chama-se j-sima projeo de A sobre A j . Em particular, se cada A i , ento cada p j
uma funo sobrejetora.

22

Teorema 4.7 (Existncia do Produto Cartesiano). Seja { A i }iI uma famlia de conjuntos. Ento
existe um conjunto P e uma famlia de funes { p i : A A i }iI com a seguinte propriedade universal:
dados qualquer conjunto C e qualquer famlia de funes {g i : C A i }iI , existe uma nica funo

f : C P tal que p i f = g i , para todo i I . Alm disso, P unicamente determinado, a menos de


bijeo.
Prova. (Existncia) Sejam P =

iI

A i e p i as projees cannicas sobre as i-simas componentes.

Ento dado um conjunto C e as funes g i : C A i , definimos f : C P por f (c) = g c , em que

g c (i ) = g i (c) A i , para todo i I . Assim,


( p i f )(c) = p i ( f (c)) = p i ( g c ) = g i (c), i I ,
f = gi , para todo i I .
Agora, seja g : C P outra funo tal que pi g = gi , para todo i I . Ento, para um c C
fixado, obtemos por definio de pi ,
g (c)(i) = p i ( g (c)(i )) = ( p i g )(c) = g i (c) = g c (i ) = f (c)(i ), i I .
Logo, g (c) = f (c) , para todo c C . Portanto, f = g , ou seja, f nica.
(Unicidade) Sejam Q um conjunto qualquer e {h i : Q A i }iI uma famlia de funes com a
ou seja, pi

mesma propriedade universal. Ento vamos primeiro considerar o diagrama abaixo.

Figura 9. Unicidade do produto cartesiano


No diagrama (a) fizemos C = Q e no diagrama (b) fizemos C = P . Logo,

p i f = h i e h i g = pi .
Assim,

pi = h i g = ( p i f ) g = p i ( f g ) .
Mas, pela comutatividade do diagrama (c), temos que I P : P P a nica funo tal que

pi I P = p i , i I .
Portanto, f

g = I P . Por um argumento simtrico, prova-se que g f = I Q .

Sejam A e B conjuntos quaisquer. Vamos denotar por B A ou F ( A, B ) o conjunto de todas as


funes com domnio A e contradomnio B, isto ,
B A = { f : f uma funo de A em B} .
Vamos denotar o conjunto {0,1} por 2 = {0,1} . Sejam A um conjunto e B um subconjunto de A. A funo
caracterstica de B em A a funo B : A 2 definida por

0, se x B
1, se x B.

B ( x) =

Note que a funo caracterstica sobrejetora se, e somente se, B e B A , pois A = B ( A B ) .

23

Teorema 4.8. Se A um conjunto, ento existe uma correspondncia biunvoca entre P( A) e 2 A .


Portanto, 2 A um conjunto. Confira o axioma ZF7 .
Prova. Consideremos a funo F : P( A) 2 A definida por F ( B ) = B . Note que F est bem definida,
pois dados B, C P( A) ,

B = C B = C F ( B) = F (C ) .
A funo F injetora, pois dados B, C P( A) ,
F ( B) = F (C ) B = C {x A : B ( x) = 0} = {x A : C ( x) = 0} B = C .
Finalmente, a funo F sobrejetora, pois dado f 2 A , existe

B = f 1 (0) = {x A : f ( x) = 0} P( A)
tal que f = B = F ( B ) .

Note que se B um conjunto qualquer e se todo elemento de B for substitudo por um objeto de um
domnio qualquer A, ento B continua sendo um conjunto ou, equivalentemente, se alguma regra f, quando
aplicada ao conjunto A, tem a cara de uma funo, ento existe um conjunto f ( x) . Mais precisamente
temos o seguinte axioma.

ZF7 - Axioma da substituio. Seja P ( x, y ) a seguinte afirmao: para qualquer x existe um nico y tal
que P ( x, y ) verdadeira. Ento para qualquer conjunto A, existe um conjunto B tal que, para qualquer
x A , existe y B para que P ( x, y ) seja verdadeira.

1.

Observao 4.9.
O axioma ZF7 equivalente a: para qualquer conjunto A, existe uma funo f tal que Dom( f ) = A e

y = f ( x) , para todo x A , ou seja, a partir de um conjunto velho criamos um conjunto novo f ( A) .


Note que
2.

Se { A i }iI

f ( x) = { y B : P ( x, y ) verdadeira} .
uma famlia de conjuntos, ento a funo f : I { A i }iI definida por f (i ) = A i

claramente sobrejetora. Logo, pelo axioma ZF7 , { A i }iI um conjunto. Portanto, pelo axioma ZF6 ,

A = iI A i um conjunto.
3.

Se I e A so dois conjuntos e f : I A uma funo, ento, pelo axioma ZF4 , f um conjunto, pois f
um subconjunto de I A . Isto prova que nossa definio de funo legtima.
Teorema 4.10. Seja { A i }iI uma famlia de conjuntos. Ento o produto cartesiano

P = iI A i
um conjunto.
Prova. Pelo item (3) da Observao 4.9, a funo

f : I A = iI A i

um conjunto. Como P P( I A) temos, pelos axiomas ZF6 e ZF4 , que P um conjunto.

5. Avaliando o que foi construdo


Vimos nesta unidade que o enfoque axiomtico da Teoria dos Conjuntos tem como objetivo
contornar os paradoxos. Introduzimos os elementos bsicos da Teoria dos Conjuntos atravs dos sete
primeiros axiomas. Alm disso, definimos as operaes com conjuntos: unio, interseo, complementar,
diferena, grficos, famlias, produto cartesiano e algumas propriedades algbricas.

24

No Moodle
No perca tempo. V plataforma MOODLE e dedique-se resoluo das tarefas relacionadas
ao assunto desta unidade. Saiba que o aprendizado em Matemtica deve ser sequencial, continuado e o
sucesso no estudo axiomtico da Teoria dos Conjuntos que viro pela frente depende dos conhecimentos
dos axiomas apresentados nesta unidade.
Rena-se com colegas para discutir temas estudados. Procure os Tutores para esclarecer algum
tpico que no tenha sido bem assimilado. Comunique-se!

25

Unidade III Conjuntos Parcialmente Ordenados


1. Situando a Temtica
Com os conhecimentos dos axiomas bsicos da Teoria dos Conjuntos estudaremos os problemas de
aplicaes ordinrias de matemtica tais como: relao de ordem, conjuntos parcialmente ordenados,
elementos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e nfimo de um conjunto. Alm disso,
estudaremos reticulados e conjuntos bem ordenados.
J vimos que a ideia intuitiva de uma coleo ordenada de elementos era significativa para
qualquer coleo A quando A era um conjunto. Nesta unidade, porm, estaremos interessados nos conceitos
formais de conjuntos parcialmente ordenados e suas consequncias.

2. Problematizando a Temtica
Da mesma forma que o conjunto de todos os nmeros reais R o modelo para todos os conceitos
nos cursos de Anlise Real, o conceito de conjuntos parcialmente ordenados pode ser utilizado como
eficiente ferramenta de modelagem em diversas situaes-problema, principalmente aquelas que possuem
como objetivo a limitao de determinados conjuntos. Vejamos um exemplo de uma situao dessa natureza.
Mostraremos a Lei Arquimediana (Archimedes de Syracuse, 287 a. C.-212 a. C., matemtico, fsico,
engenheiro, inventor e astrnomo grego):
Supondo que o conjunto de todos os nmeros reais R , com a ordem usual, seja completo,
mostraremos que dados a, b R , com a > 0 , existe n Z tal que na > b .
Em bem pouco tempo estaremos aptos a efetuar os clculos necessrios obteno da resposta a essa
questo.

3. Conhecendo a Temtica
3.1 Ordem
Seja A um conjunto. Diremos que uma relao sobre A uma pr-ordem se as seguintes
condies so satisfeitas:
1. x x , para todo x A . (reflexividade)
2. Se x y e y z , ento x z , para todos x, y, z A . (transitividade)
Se uma pr-ordem sobre A satisfaz a condio:
3. Se x y e y x , ento x = y , (antissimtrica)
diremos que uma ordem (parcial) sobre A.
Se uma pr-ordem sobre A satisfaz a condio:
4. x y ou y x , para todos x, y A , (x e y so comparveis)
diremos que uma ordem total (ordem linear) sobre A.
Notaes:
y x significa que x y .
x < y significa que x y e x y .
y > x significa que x < y .
A notao x y l-se x menor do que ou igual a y ou x precede y.
Exemplo 1.1. Seja Q o conjunto de todos os nmeros racionais. Dados r , s Q , diremos que r
divide s em Q se existir n Z tal que s = nr . Para r , s Q , definimos
r s , se e somente se, r divide s.
Ento uma pr-ordem sobre Q , mas no uma ordem, pois r r e r r , com r r .

26

Um conjunto parcialmente ordenado (poset partially ordered set) um conjunto A munido de


uma ordem , em smbolos, o par ordenado ( A, ) .
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Ento A induz uma ordem parcial sobre B do seguinte
modo:
x, y B [ x y x y sobre A] .
Ou, equivalentemente, se R uma ordem sobre A, ento

R0 = R ( B B )

uma ordem sobre B. Neste caso, diremos que R0 a ordem induzida por R.
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Diremos que B um subconjunto totalmente
ordenado ou uma cadeia de A se a ordem induzida por A for total. Em particular, se quaisquer dois
elementos de A so comparveis, isto , x y ou y x , para todos x, y A , diremos que A um
conjunto totalmente ordenado ou ordenado linearmente. Assim, um conjunto A totalmente ordenado se
uma e apenas uma das condies ocorre:
x, y A [ x < y , x = y ou x > y ] (Lei da Tricotomia).
Observao 1.2. O conjunto de todos os nmeros reais R , com a ordem usual, totalmente
ordenado. Consequentemente, os subconjuntos N , Z e Q , com a ordem induzida, so totalmente
ordenados. Em particular, se N munido com a ordem r divide s em N , ento o conjunto

C = {2 0 , 2 1 , 2 2 ,}
uma cadeia de N (prove isto!).
Exemplo 1.3. Sejam A um conjunto e P( A) o conjunto das potncias. Para X , Y P( A) ,
definimos
X Y X Y .
Mostre que uma ordem sobre P( A) , chamada ordenao pela incluso. Note que esta ordem no
total. No entanto, se C uma cadeia de P( A) , ento X Y ou Y X , para todos X , Y C .
Soluo. Para provar que uma ordem, confira o Teorema 2.1 da Unidade II. Finalmente, se
X = {x} P( A) e Y = { y} P( A) , com x y , ento X e Y no so comparveis.

Sejam A um poset e a, b A fixados. O segmento inicial de A determinado por a o conjunto

S a = {x A : x < a} .
O segmento final de A determinado por a o conjunto

S a = {x A : a < x} .
O intervalo aberto de A determinado por a e b o conjunto

]a, b[= {x A : a < x < b} = S a S b .


O intervalo fechado de A determinado por a e b o conjunto

[a, b] = {x A : a x b} .

Teorema 1.4. Seja A um poset. Se P um segmento inicial de A e Q um segmento inicial de P, ento


Q um segmento incial de A.
Prova. Note, pela hiptese, que existem a A e b P tais que

P = {x A : x < a} e Q = {x P : x < b} ,

respectivamente. Seja

S b = {x A : b < x}
Ento, por definio, S b um segmento inicial de A.
Afirmao. Q = S b .
De fato, claro que Q S b . Por outro lado, se x S b , ento x A e x < b . Como b P temos que

27

x P , pois b < a . Assim, x Q , pois x < b e x P . Portanto, S b Q .

Seja A um poset. Um corte de A um par ordenado (E, D) de subconjuntos no vazios de A com as


seguintes propriedades:
1. E D = e A = E D .
2. Se a E e x a , ento x E .
3. Se a D e a x , ento x D .
Seja A um poset. Diremos que A um poset finito se o conjunto A for finito. A cardinalidade do
conjunto A chama-se comprimento do poset.
Seja A um poset finito. Um diagrama de linha ou um diagrama de Hasse, (Helmut Hasse, 18981979, matemtico alemo) para o conjunto A um digrama em que os elementos de A so representados por
vrtices e as comparaes entre dois elementos a, b A representado por uma aresta, com a seguinte
conveno: um elemento a est abaixo de um elemento b, se e somente se, a < b e no existe c {a, b} tal
que a < c < b .
Exemplo 1.5. Sejam A = {a, b, c, d , e, f } e B = {1, 2,3, 4,5, 6} dois conjuntos ordenados, pelos
diagramas de Hasse, confira Figura 10. Ento:
1. Os subconjuntos {a, b, c} e {a, b, e, f } so cadeias de A, pois quaisquer dois elementos so
comparveis, enquanto o subconjunto {1, 2,3, 4, 6} no uma cadeia de B, por exemplo, 2 e 3 no so
comparveis.
2. Note que S e = {a, b, d } um segmento inicial de A. Enquanto, S 5 = {1} um segmento inicial de B.
3. Se E = {a, b, c} e D = {d , e, f } , ento (E, D) um corte de A.

Figura 10. Diagrama de Hasse.


Exemplo 1.6 (Poset Coroa). Seja A = {1, 2, , 2n} , com n > 1 , um conjunto. Dado a A ,
definimos
a a + n e a + 1 a + n, a {1, 2, , n 1}, n 2n e 1 2n .
Mostre que A um poset, mas no totalmente ordenado. Confira diagrama de Hasse dado pela Figura 11,
com n = 5 :

Figura 11. Diagrama de Hasse.

28

3.2 Isomorfismos
importante lembrar que todos os resultados sobre funes vistos no curso de Matemtica
Elementar podem ser usados em tudo que segue.
Sejam A, B dois posets e f : A B uma funo. Diremos que f crescente ou preserva ordem se
x, y A [ x y f ( x) f ( y )] .
Diremos que f estritamente crescente se
x, y A [ x < y f ( x) < f ( y )] .
Diremos que f um isomorfismo se f for bijetora e crescente:
x, y A [ x y f ( x) f ( y )] .

1.

2.

Exemplo 2.1. Seja R o conjunto de todos os nmeros reais com a ordem usual. Ento:
A funo f : R R definida por f ( x) = 3 x + 4 um isomorfismo, pois f claramente bijetora e
x, y R [ x y 3x 3 y 3x + 4 3 y + 4 f ( x) f ( y )] ,
ou seja, f preserva ordem.
A funo f : R R definida por f ( x) = 3 x + 4 no um isomorfismo, pois f claramente bijetora,
mas
x, y R [ x y 3x 3 y 3x + 4 3 y + 4 f ( x) f ( y )] ,
ou seja, f no preserva ordem.
Teorema 2.2. Sejam A, B dois posets e f : A B uma funo. Se f um isomorfismo, ento
x, y A [ x < y f ( x) < f ( y )] .

Prova. Dados x, y A , se x < y , ento x y . Logo, por hiptese, f ( x) f ( y ) . Portanto,


f ( x) < f ( y ) , pois se f ( x) = f ( y ) , ento, pela injetividade de f, x = y , o que impossvel.
Reciprocamente, se f ( x) < f ( y ) , ento f ( x) f ( y ) . Logo, por hiptese, x y . Portanto,
x < y , pois se x = y , ento, pela definio de funo, f ( x) = f ( y ) , o que impossvel.

Teorema 2.3. Sejam A, B dois posets e f : A B uma funo bijetora. Ento f um isomorfismo
se, e somente se, f e f

so funes crescentes.

Prova. Como f bijetora temos que

x A [( f 1 f )( x) = x] .
Agora, dados z , w B , existem nicos x, y A tais que z = f ( x) e w = f ( y ) . Logo,
z w x y ( f 1 f )( x) = x y = ( f 1 f )( y ) f 1 ( z ) f 1 ( w) .
Logo, f 1 crescente.
Reciprocamente, como f crescente temos que

x, y A [ x y f ( x) f ( y )] .

Por outro lado, dados x, y A , obtemos

f ( x) f ( y ) x = ( f

f )( x) ( f

f )( y ) = y .

Portanto, f um isomorfismo.

1.

Teorema 2.4. Sejam A, B e C trs posets:


A funo identidade I A : A A um isomorfismo.

2.
3.

Se f : A B um isomorfismo, ento f 1 : B A um isomorfismo.


Se f : A B e g : B C so isomorfismos, ento g f : A C um isomorfismo.

29

Prova. Vamos provar apenas o item (3). fcill verificar que g

f uma funo bijetora.


x, y A [ x y f ( x) f ( y ) g ( f ( x)) g ( f ( y )) ( g f )( x) ( g f )( y )] .
Portanto, g f um isomorfismo.

Sejam A e B dois posets. Diremos que A e B so isomorfos se existir um isomorfismo f : A B e


denotaremos por A B . O Teorema 2.4, prova que a relao ser isomorfo uma relao de equivalncia.
Note que os conjuntos A e B dados no Exemplo1.5, no so isomorfos, pois eles tm diagramas de
Hasse diferentes. No entanto, fcil exibir uma correspondncia biunvoca entre eles. Portanto, pertinente
lembrar de que apenas a existncia de uma funo bijetora entre dois posets, em geral, no suficiente para
concluirmos que os conjuntos so isomorfos.
Exemplo 2.5. O conjunto de todos os nmeros reais R , com a ordem usual, e o intervalo aberto

I =] 1,1 [ , com a ordem induzida de R , so isomorfos.


Soluo. fcil verificar que as funes f : I R e f

: R I definidas por
x
x
e f 1 ( x) =
f ( x) =
1 x
1+ x
so crescentes. Portanto, pelo Teorema 2.3, R e I so isomorfos.

3.3 Elementos Notveis e Dualidade


Seja A um poset. Um elemento M A chama-se um elemento maximal de A se nenhum dos
elementos de A estritamente maior do que M. Em smbolos,
x A [ M x M = x] .
Ou, equivalentemente, no existe elemento x A , com M < x . Analogamente, um elemento m A
chama-se um elemento minimal de A se nenhum dos elementos de A estritamente menor do que m. Em
smbolos,
x A [ x m m = x] .
Ou, equivalentemente, no existe elemento x A , com x < m .
Exemplo 3.1. Seja A = {2,3, 4,5, 7,8,9,12,15,16, 24} um conjunto ordenado pelo diagrama de
Hasse (confira Figura 12). Ento 7, 9, 15, 16 e 24 so elementos maximais, enquanto 2, 3, 5 e 7 so
elementos minimais.

Figura 12. Diagrama de Hasse.

30

Exemplo 3.2. Sejam A um conjunto no vazio e B = P( A) {, A} ordenado pela incluo. Ento


os elementos minimais de B so os subconjuntos unitrios, enquanto os elementos maximais de B so os
subconjuntos A {a} , para todo a A . Quando A = {a, b, c} , por meio do diagrama de Hasse, verifique o
resultado.
Seja A um poset. Um elemento M A chama-se o maior elemento de A se
x A [x M ] .
Analogamente, um elemento m A chama-se o menor elemento de A se
x A [m x] .
Observe que, se o maior ou o menor elemento, existir, ele nico. Alm disso, todo menor (maior) elemento
um elemento minimal (maximal), mas no reciprocamente.
Exemplo 3.3. O conjunto A do Exemplo 3.1 no tem maior e nem menor elemento.
Exemplo 3.4. Seja A = {2,3, 4,5, , n,} , ordenado por x divide y em A. Ento A no tem menor
elemento, pois 2 no divide 3, mas tem infinitos elementos minimais, a saber, os nmeros primos. Note que A
no tem maior elemento e nem elementos maximais.
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Uma cota superior de B em A um elemento a A
tal que

x B [ x a] .
Analogamente, uma cota inferior de B em A um elemento a A tal que
x B [ a x] .
Denotaremos por
e

1.
2.

S ( B) = {a A : a uma cota superior de B}

s ( B) = {a A : a uma cota inferior de B} .


Observao 3.5.
Note que cada elemento b B uma cota superior de s ( B) , pois x b , para todo x s ( B ) .
Analogamente, cada elemento c B uma cota inferior de S ( B ) , pois c x , para todo x S ( B)
importante notar a diferena entre menor (maior) elemento de B e cota inferior (superior) de B, pois
o primeiro deve pertencer a B, enquanto o segundo no necessita pertencer a B.

Sejam A um poset e B uma subconjunto de A. O supremo de B em A o elemento b A que


satisfaz as seguintes condies:
1. b S ( B ) . (b uma cota superior de B)
2. Se x S ( B ) , ento b x . (b a menor das cotas superiores de B)
Analogamente, o nfimo de B em A o elemento a A que satisfaz as seguintes condies:
1. a s ( B ) . (a uma cota inferior de B)
2. Se x s ( B) , ento x a . (a a maior das cotas inferiores de B)
Denotaremos o supremo de B em A por sup A ( B) ou simplesmente sup( B ) e o nfimo de B em A por

inf A ( B) ou simplesmente inf( B) . Note que, se o supremo (o nfimo) existir, ele nico.
Exemplo 3.6. Sejam A o conjunto do Exemplo 3.1 e B = {2,3, 4,8,12} um subconjunto de A. Ento
S ( B) = {16, 24} , mas sup( B ) no existe em A. Agora, sejam C = {2,3, 4,8,12,16} e

D = {2,3, 4,8,12, 24} subconjuntos de A. Ento sup C ( B) = {16} e sup D ( B) = {24} . Portanto, o supremo
(nfimo) depende do conjunto.

31

Exemplo 3.7. Sejam P( A) o conjunto das partes de A, ordenado pela incluso, B = {B i }iI um
subconjunto de P( A) . Mostre que sup( B) =
Soluo. claro que

iI

iI

B i e inf( B) = iI B i .

B i S ( B) , pois cada B i iI B i . Por outro lado, se C qualquer elemento

de S ( B) , ento B i C , para todo i I . Logo,


superiores. Portanto, sup( B) =

iI

iI

B i C . Assim,

iI

B i a menor das cotas

Bi .

Exemplo 3.8. Sejam A um poset. Mostre que s () = A .


Soluo. claro que s () A . Por outro lado,

y [ x A x y ] ,
caso contrrio,

y tal que x y.
o que impossvel. Portanto, A s () e inf() o maior elemento de s () . Assim, se A possui um
maior elemento a A , ento a = inf() . De modo anlogo, se A possui um menor elemento b A , ento
b = sup( A) .

Seja A um poset. Se R uma ordem sobre A, ento fcil verificar que R 1 tambm uma ordem
sobre A, a qual chamada de ordem inversa. Neste caso, existe um isomorfismo entre o conjunto de todas
as ordens R sobre A e o conjunto de todas as ordens inversas R 1 sobre A.
Se intercalarmos e ; R e R 1 ; A e , etc., em qualquer afirmao sobre conjuntos, a nova
afirmao chamada de dual da original. Este conceito de dualidade de grande importncia ecnomica na
prova dos teoremas, pois provando um teorema sabemos que o dual do teorema tambm verdadeiro.
Teorema 3.9. Sejam A poset e B um subconjunto de A. Ento B S ( s ( B)) . Afirmao dual:
B s( S ( B)) .
Prova. Dado x B , obtemos y x , para todo y s ( B) . Portanto, por definio, x S ( s ( B)) , ou seja,
B S ( s( B)) .

Lema 3.10. Sejam A poset e B um subconjunto de A. Suponhamos que s ( B) tenha um supremo em


A. Ento B tem um nfimo em A e inf( B ) = sup( s ( B )) . Afirmao dual: Suponhamos que S ( B) tenha um
nfimo em A. Ento B tem um supremo em A e sup( B) = inf( S ( B)) .
Prova. Pondo a = sup( s ( B)) em A. Seja b B . Ento x b , para todo x s ( B) . Logo, b uma cota
superior de s ( B) . Assim, por definio, a b . Portanto, a uma cota inferior de B, pois b arbitrrio. Por
outro lado, se d qualquer cota inferior de B, ento d s ( B) e d a , pois a = sup( s ( B)) . Portanto,
a = inf( B) .

Seja A um poset. Diremos que A (condicionalmente) completo se qualquer subconjunto no vazio


B de A que limitado superiormente ( S ( B) ) tem um supremo em A.

1.
2.

Teorema 3.11. Seja A um poset. Ento as seguintes condies so equivalentes:


Qualquer subconjunto no vazio de A que limitado superiormente possui um supremo em A.
Qualquer subconjunto no vazio de A que limitado inferiormente possui um nfimo em A.

Prova. (1 2) Seja B uma subconjunto no vazio de A que seja limitado inferiormente. Ento s ( B) .

32

Como cada elemento de B uma cota superior de s ( B) temos que s ( B) limitado superiormente. Assim,
por hiptese, s ( B) possui um supremo em A. Portanto, pelo Lema 3.10, B possui um nfimo em A.
A recproca a afirmao dual.

Exemplo 3.12 (Lei Arquimediana). Suponhamos que o conjunto de todos os nmeros reais R ,
com a ordem usual, seja completo. Mostre que dados a, b R , com a > 0 , existe n Z tal que na > b .
Soluo. Suponhamos, por absurdo, que na b , para todo n Z . Ento

B = {na : n Z}

um subconjunto no vazio e limitado superiormente em R . Logo, por hiptese, c = sup( B) existe.


Assim, na c , para todo n Z , de modo que (m + 1)a c , para todo m Z . Portanto,
ma c a, m Z ,

o que uma contradio, pois c a < c .


Observao 3.13. O Exemplo 3.12, prova que

R = [na, (n + 1)a [ ,
nZ

uma unio disjunta de intervalos, onde a R , com a > 0 . Neste caso, dado b R , existe (um nico)
q Z tal que
b = qa + r , com 0 r < a .
Seja A um poset. Diremos que A um reticulado se sup{a, b} e inf{a, b} existem, para todos
a, b A . Quando lidamos com reticulados conveniente escrevermos sup{a, b} = a b e
inf{a, b} = a b .
Exemplo 3.14. Seja P( A) o conjunto das partes de A, ordenado pela incluso. Mostre que P( A)
um reticulado.
Soluo. Dados X , Y P( A) , fcil verificar que sup{ X , Y } = X Y e inf{ X , Y } = X Y . Portanto,
P( A) um reticulado.

1.
2.
3.
4.

Proposio 3.15. Sejam A um reticulado e a, b, c, d A . Ento:


a ab e b ab.
ab a e ab b .
Se a c e b c , ento a b c .
Se d a e d b , ento d a b .

Prova. Vamos provar apenas o item (3). Se a c e b c , ento c S ({a, b}) . Logo, a b c , pois
a b a menor das cotas superiores do conjunto {a, b} .

1.
2.
3.
4.

Teorema 3.16. Sejam A um reticulado e a, b, c, d A . Ento:


a a = a e a a = a . (Idempotncia)
a b = b a e a b = b a . (comutatividade)
a (b c) = (a b) c e a (b c) = (a b) c . (associatividade)
( a b) a = a e ( a b) a = a .

Prova. Vamos provar apenas os itens (3) e (4): (3) Como


a a (b c) e b (b c) a (b c)
temos que

33

(a b) a (b c) e c (b c) a (b c)
Assim, (a b) c a (b c) . Por um argumento simtrico, prova-se que a (b c) (a b) c .
(4) Devemos provar que a = inf{a, a b} . claro que a uma cota inferior de {a, a b} , pois
a a b . Por outro lado, seja c qualquer cota inferior de {a, a b} . Ento c a . Assim, a a maior das

cotas inferiores de {a, a b} . Portanto, (a b) a = a .


Teorema 3.17. Sejam A um conjunto munido de duas operaes e satisfazendo as condies
do Teorema 3.16. Para a, b A , definimos
a b ab =b.
Ento uma ordem sobre A e A um reticulado.
Prova. Como a a = a temos que a a . Dados a, b A e suponhamos que a b e b a . Ento, por
definio, a b = b e b a = a . Assim, pelo item (2), obtemos a = b a = a b = b . Agora, dados
a, b, c A e suponhamos que a b e b c . Ento, por definio, a b = b e b c = c . Assim, pelo (3),
obtemos
a = a b (a b) c = a (b c) = a c a c .
Portanto, uma ordem sobre A. Finalmente, dados a, b A , devemos provar que a b = sup{a, b} .
Como

a ( a b) = ( a a ) b = a b

temos, por definio, que a a b . Por um argumento simtrico, obtemos b a b , ou seja, a b uma
cota superior de {a, b} . Por outro lado, seja c qualquer cota superior de {a, b} . Ento a c e b c .
Assim, por definio,
ac = c e bc = c .
Logo, pelo item (3),

(a b) c = a (b c) = a c = c
e, por definio, a b c . Portanto, a b a menor das cotas superiores de {a, b} , isto ,
a b = sup{a, b} . De modo inteiramente anlogo, prova-se que a b = inf{a, b} .

Sejam A um reticulado e B um subconjunto de A. Diremos que B um sub-reticulado de A se


a b B e a b B , para todos a, b B . Diremos que A um reticulado completo se todo
subconjunto de A possui um supremo.

1.
2.

Teorema 3.18. Seja A um poset. Ento as seguintes condies so equivalentes:


Qualquer subconjunto de A possui um supremo em A.
Qualquer subconjunto de A possui um nfimo em A.

Prova. (1 2) Suponhamos que qualquer subconjunto de A tenha um supremo em A. Ento A possui um


supremo, o qual necessariamente o maior elemento de A. Pelo Exemplo 3.9, o conjunto possui um
supremo, o qual necessariamente o menor elemento de A. Sejam M e m o maior e menor elemento de A,
respectivamente, e B um subconjunto qualquer de A. Se B = , ento inf( B ) = M . Se B , ento B
limitada inferiormente por m. Assim, pelo Teorema 3.11, B possui um nfimo em A.
A recproca a afirmao dual.

Exemplo 3.19. Sejam A um conjunto qualquer e R o conjunto de todas as relaes de equivalncias


sobre A, ordenado pela incluso. Mostre que R um reticulado completo.
Soluo. Antes de provarmos o exemplo vamos lembrar a definio de relao de equivalncia sobre A.
Diremos que uma relao sobre A uma relao de equivalncia se as seguintes condies so
satisfeitas:
1. x x , para todo x A . (reflexividade)
2. Se x y , ento y x , para todos x, y A . (simetria)

34

3. Se x y e y z , ento x z , para todos x, y, z A . (transitividade)


claro que
I A = {( x, x) : x A} , ou seja, x y x = y ,
o menor elemento de R e A A o maior elemento de R. Alm disso, se

R 1 = {R i }iI

um subconjunto qualquer de R, ento

iI

R i R e inf( R 1 ) = iI R i .

Portanto, R um reticulado completo.

3.4 Conjuntos Bem Ordenados


O principal objetivo desta seo provar os Princpios de Indues Transfinitas e a Frmula de
Recorrncia.
Seja A um poset. Diremos que A um conjunto bem ordenado se qualquer subconjunto no vazio
de A contm um menor elemento.
Notao. CBO - significa conjunto bem ordenado.

1.
2.

Observao 4.1.
Todo CBO A totalmente ordenado.
Todo CBO A um reticulado completo.

Sejam A um CBO e a A . Diremos que b A um sucessor imediato de a se a < b e no existir


c A tal que a < c < b . Neste caso, diremos que a um predecessor imediato de b.
Exemplo 4.2. Se A um CBO, ento qualquer elemento de A, exceto o maior elemento, se existir,
possui um sucessor imediato.
Soluo. Se a A e a no o maior elemento de A, ento a conjunto
S = {x A : a < x} .
Logo, por hiptese, S contm um menor elemento, digamos b S . Portanto, fcil verificar que b o
sucessor imediato de a.

Note que se A um CBO, ento A contm um menor elemento, digamos x 1 . Se x 1 no o maior


elemento de A, ento x 1 possui um sucessor imediato, digamos x 2 . Se x 2 no o maior elemento de A,
ento x 2 possui um sucessor imediato, digamos x 3 , e assim sucessivamente. Neste caso,

x1 < x 2 < x 3 <


Exemplo 4.3. O conjunto de todos os nmeros naturais N , com a ordem usual, um CBO.
Enquanto, os conjuntos Z , Q e R , com a ordem usual, no so CBO, pois nenhum deles possui menor
elemento.
Exemplo 4.4. O conjunto

n 1
1
n 1
1
n 1
1

A = 0, , ,
, ; 1,1 + , ,1 +
, ; 2, 2 + , , 2 +
, ;
n
2
n
2
n
2

n 1

= m +
: m, n Z + , n > 1 ,
n

com a ordem induzida por R , um CBO.

35

Exemplo 4.5. Seja R o conjunto de todos os nmeros reais , com a ordem usual. Mostre que dados
a, b R , com a < b , existe r Q tal que a < r < b . Neste caso, diremos que Q denso em R .
Soluo. Como b a > 0 temos, pelo Exemplo 3.12, que existe n N tal que

n(a b) > 1 ou
Consideremos o conjunto

1
< a b.
n

S = {k N : na < k} .

Novamente, pelo Exemplo 3.12, S . Logo, S contm um menor elemento, digamos m S , pois N
um CBO. Assim,

na < m a
Portanto,

r=

m 1
.
n

m m 1 1
=
+ < a + (b a ) = b ,
n
n
n

ou seja, existe r Q tal que a < r < b .

Observao 4.6. Qualquer nmero real o supremo de algum conjunto de nmeros racionais. De
fato, dado a R . Consideremos o segmento inicial

m
m

S a = Q : < a .
n
n

Ento, pelo Exemplo 4.5, fcil verificar que a = sup( S a ) .


Seja A um poset. Diremos que um subconjunto B de A uma seo de A se
x A [ y B e x y x B] .
Exemplo 4.7. Seja A = R o conjunto de todos os nmeros reais, com a ordem usual. Ento, para um

a A fixado, o conjunto

B = {x A : x < a}

uma seo de A.
Teorema 4.8. Seja A um CBO. Ento B uma seo de A se, e somente se, B = A ou B um
segmento inicial de A.
Prova. Suponhamos que B seja uma seo de A. Se B = A , nada h para ser provado. Se B A , ento
A B . Logo, por hiptese, A B contm um menor elemento, digamos m A B .
Afirmao. B = S m .
De fato, se x S m , ento x < m . Logo, x A B , isto , x B . Portanto, S m B . Por outro lado,
dado x B , devemos provar que x < m . Se x m , ento m B . Assim,
m B ( A B) = ,
o que impossvel. Portanto, x < m e B S m , ou seja, B = S m .

A recproca clara.

Exemplo 4.9. Seja A = {3, 4,8,10} , com a ordem induzida por N , ento S 3 = , {3} , {3, 4} ,

{3, 4,8} e A so todas as sees de A.


Sejam N o conjunto de todos os nmeros naturais, com a ordem usual, e E = {2, 4, 6,8,} o
conjunto de todos os nmeros naturais pares, com a ordem induzida de N . Ento a funo f : N E
definida por f ( x) = 2 x claramente um isomorfismo. Alm disso, ela satisfaz a propriedade:

36

x N [ x f ( x)] .
Mais geralmente, temos o seguinte resultado.
Lema 4.10. Sejam A um CBO e f : A A um isomorfismo de A sobre um subconjunto de A. Ento
x A [ x f ( x)] .
Prova. Seja

S = {x A : x > f ( x)} .

Suponhamos, por absurdo, que S . Ento, por hiptese, S contm um menor elemento, digamos m S .
Em particular, f (m) < m . Logo,
f ( f (m)) < f (m) < m .

Assim, f (m) S , o que contradiz a minimalidade de m. Portanto, S = .


Lema 4.11. Seja A um CBO. Ento no existe um isomorfismo de A sobre um subconjunto de um
segmento inicial de A.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que exista uma isomorfismo f : A B , em que B S a , para algum

a A . Ento, pelo Lema 4.10, x f ( x) , para todo x A . Em particular,


a f (a) f (a) S a ,
o que uma contradio, pois. f (a ) B S a .

Corolrio 4.12. Nenhum CBO isomorfo a um de seus segmentos iniciais.

Prova. Fica como um exerccio.

Lema 4.13. Sejam A e B dois CBO. Se A isomorfo a um segmento inicial de B, ento B no


isomorfo com qualquer subconjunto de A.

f : A S b , para algum b B , seja um isomorfismo e que exista um


isomorfismo g : B C , em que C um subconjunto de A. Ento g : B A uma funo. Alm disso, f e
g so injetoras e crescentes. Logo, f g : B S b injetora e crescente. Assim, f g um isomorfismo
Prova. Suponhamos que

de B sobre uma subconjunto de S b (prove isto!), o que impossvel, pelo Lema 4.11.

Lema 4.14. Seja A um CBO. Se a, b A e a b , ento S a no isomorfo a S b .


Prova. Como a b temos, por hiptese, que a < b ou a > b . Assim, basta considerar o caso a < b .
Logo, S a uma seo de S b , pois para um x S b fixado,

yS a e x y x a xS a .
Assim, pelo Teorema 4.6, S a uma seo de um segmento inicial de S b e, pelo Corolrio 4.12, S a no

isomorfo a S b .

Lema 4.15. Sejam A e B dois CBO. Se S a A isomorfo a um segmento inicial de B, ento S a


isomorfo a um nico segmento inicial S b de B.
Prova. Suponhamos que S a

Sb e Sa

S c , onde b, c B . Ento, pelo Teorema 2.4, S b

pelo Lema 4.13, b = c .

S c . Assim,

37

Lema 4.16. Sejam A e B dois CBO tais que cada segmento inicial S a de A isomorfo a um
segmento inicial S b de B. Ento cada segmento inicial de S a isomorfo a um segmento inicial de S b , ou
seja,

xaSx

S y , em que y b .

Alm disso, se f : S a S b um isomorfismo, ento g = f

: S x S y um isomorfismo, com

S y = f (S x ) .
Prova. Seja y = f ( x) . Ento fcil verificar que g injetora e crescente. Logo, S x

f ( S x ) . Por outro

lado, como f um isomorfismo, obtemos

x<y f ( x) < y e a S x a < x f (a) < y f (a) S y .


Portanto, f ( S x ) = S y , isto , S x

Sy.

Lema 4.17. Sejam A, B dois CBO e C o conjunto de todos os elementos x em A tal que S x

Sy,

para algum y B . Ento C uma seo de A.


Prova. Para um x A , a C e x a , obtemos x C , pois, pelo Lema 4.15, S x isomorfo a um

segmento inicial de B. Portanto, C uma seo de A.


Lema 4.18. Sejam A, B dois CBO, C o conjunto de todos os elementos x em A tal que S x
para algum y B e D o conjunto de todos os elementos y em B tal que S y

Sy,

S x , para algum x A . Ento

D.

Prova. Dado x C , pelo Lema 4.15, existe um nico y B tal que S x

S y e vice versa. Vamos definir

f : C D por y = f ( x) . claro pela definio que f bijetora. Dados x 1 , x 2 C , suponhamos que


x 1 x 2 , em que y 1 = f ( x 1 ) e y 2 = f ( x 2 ) . Ento devemos provar que y 1 y 2 . Logo, por definio,
S x1

S y1 e S x 2

S y 2 . Suponhamos, por absurdo, que y 2 < y 1 . Ento S y 2 um segmento inicial de

S y 1 . Como S x 1 S x 2 temos as seguintes possibilidades:

1.a Possibilidade. S x 2

S y 2 isomorfo a um segmento inicial de S y 1 .

2.a Possibilidade. S y 1

S x 1 isomorfo a um segmento inicial de S x 2 ,

o que impossvel, pelo Lema 4.13.

Teorema 4.19. Sejam A e B dois CBO. Ento exatamente uma e apenas uma das afirmaes a
seguir pode ocorrer:
1. A B .
2. A isomorfo a um segmento inicial de B..
3. B isomorfo a um segmento inicial de A..
Prova.. Sejam C e D os conjuntos definidas no Lema 4.18. Ento C
Teorema 4.8, existem quatro possibilidades:
1.a Possibilidade. Se C = A e D = B , ento A B .
2.a Possibilidade. Se C = A e D = S y B , ento A S y .

3.a Possibilidade. Se C = S x A e D = B , ento S x

B.

4.a Possibilidade. Se C = S x A e D = S y B , ento S x

38

Sy.

D . Assim, pelo Lema 4.17 e

No que a quarta possibilidade no pode ocorrer, caso contrrio, x C = S x , o que impossvel.

Corolrio 4.20. Seja A um CBO. Ento qualquer subconjunto de A isomorfo a A ou a um segmento


inicial de A.

Prova. Fica como um exerccio.

Teorema 4.21 (Primeiro Princpio de Induo Transfinita). Sejam A CBO e S um subconjunto de


A com as seguintes propriedades:
1. a 0 S (menor elemento de A).
2.

Se a A e S a S , ento a S . (Princpio de Induo Transfinita - PIT)

Ento S = A .
Prova. Suponhamos, por absurdo, que S A . Ento T = A S . Logo, por hiptese, T contm um
menor elemento t 0 . Assim, x < t 0 , para todo x S t 0 , isto implica que x T , ou seja, S t 0 S . Logo,
pela propriedade (2), t 0 S . Portanto, t 0 S T = , o que uma contradio, ou seja, S = A .

Observao 4.22. Note que a propriedade (1) uma consequncia da propriedade (2), pois
= S a0 S a0 S .
Teorema 4.23 (Segundo Princpio de Induo Transfinita). Sejam A CBO e P ( x) uma afirmao
que verdadeira ou falsa para cada x A . Suponhamos que a seguinte propriedade satisfeita:
Se P ( y ) verdadeira para cada y, com y < x , ento P ( x) verdadeira. (PIT)
Ento P( x) verdadeira, para todo x A .
Prova. Consideremos o conjunto

S = {x A : P ( x) falsa}

Suponhamos, por absurdo, que S . Ento, por hiptese, S contm um menor elemento, digamos m .
Como P ( y ) verdadeira para cada y, com y < m , temos, pela propridade PIT, que P(m) verdadeira, o
que contradiz a escolha de m. Portanto, P ( x) verdadeira para todo x A .

Seja X um conjunto qualquer. Consideremos o conjunto X

de todas as funes f : I n X , com

I n = {k N : k < n + 1} , ou seja,
X n = {( x 1 , x 2 , , x n ) : x i X } .
Seja

F = nN X n .

Ento, dada uma funo qualquer g : F X , existe uma nica funo f : A X tal que

n N [ f (n + 1) = g ( f

) = g ( f n )] ,

onde f n = ( x 1 , x 2 , , x n ) X n . Mais geralmente, temos o seguinte teorema.


Teorema 4.24 (Frmula de Recorrncia). Sejam A um CBO, X um conjunto qualquer e F a
famlia de todas as funes f a : S a X , para cada a A , ou seja,

F = aA X

Seja g : F X uma funo qualquer. Ento existe uma nica funo f : A X tal que

a A [ f (a) = g ( f

39

) = g ( f a )] .

Prova. (Existncia) Seja C o conjunto de todos os subconjuntos B de A X tais que


(c, f a (c)) B (a, g ( f a )) B, c S a e a A .
Ento C , pois A X C . Pondo

f = BC B ,
fcil verificar que f C . Assim, basta provar que f a funo desejada. Para isto, seja S o conjunto de
todos os elementos c A tal que exista no mximo um x X , com (c, x) f . Logo, devemos provar que
se S a S , ento a S . Note que S a S significa que se c < a em A, ento existe um nico elemento

x X tal que (c, x) f . Assim, a correspondncia c

x define uma funo f a : S a X tal que

f a f . Suponhamos, por absurdo, que a S . Ento (a, y ) f , para algum y Y , com y g ( f a ) .


Afirmao.

f {(a, y )} C ou, equivalentemente, se b A e

f b f {(a, y )} , ento

(b, g ( f b )) f {(a, y )} .
De fato, se a = b , ento f a = f b . Logo, (b, g ( f b )) f {(a, y )} , pois y g ( f a ) = g ( f b ) . Assim,

f {(a, y )} C e
f f {(a, y )} , o que uma contradio. Se a b , ento
(b, g ( f b )) f {(a, y )} , pois f C e a b . Assim, f {(a, y )} C e f f {(a, y )} , o que
uma contradio. Portanto, S = A .
(Unicidade) Suponhamos que h : A X seja uma funo tal que
a A [h(a ) = g (h S ) = g (h a )] .
a

Consideremos o conjunto

T = {b A : f (b) = h(b)} .
Suponhamos que a A e S a T , ento a T , pois
f (a) = g ( f

) = g ( h S ) = h(a ) .
a

Portanto, T = A e f = h .

Exemplo 4.25. Sejam N o conjunto dos nmeros natunais e {x n }nN uma famlia em R . Mostre
que existe uma nica funo f : N R tal que

f (1) = x 1 , f (2) = x 1 x 2 , e f (n + 1) = f (n) x n +1 , n N .


Em particular, se x n = a, para todo n N, ento a n +1 = a n a, isto , definimos a potncia n-sima de a.
Soluo. Primeiro note que A = N , X = R e F = R . Seja x : N R a funo definida por

x ( n) = x 1 x 2

x n , para todo n N . Ento, pelo Teorema 4.25, existe uma nica funo f : N R com

as propriedades desejadas. Mais precisamente, seja g : R R a funo definida por g ( x) = xx n +1 . Ento


nossa funo f definida por f (n + 1) = g ( x(n)) = f (n) x n +1 .

5. Avaliando o que foi construdo


Nesta unidade vimos como aplicar os conhecimentos de conjuntos parcialmente ordenados na
definio de funes crescentes, elementos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e nfimo
e completude, semelhantes ao corpo dos nmeros reais. Alm disso, com a definio geral de conjunto bem
ordenado, generalizamos os princpios de induo finita e a frmula de recorrncia, vistos no curso de
Matemtica Elementar.
Vimos tambm, nesta unidade, que induo pode ser usada no somente como um mtodo de prova,
mas tambm como um mtodo de definio.

40

No Moodle
A transformao de todo este contedo em conhecimento s se dar com a sua participao
efetiva nas atividades propostas no MOODLE. Portanto, programe-se. Planeje seus estudos. J h muito
que estudar sobre este assunto.

41

Unidade IV Axioma da Escolha e Aplicaes


1. Situando a Temtica
Zermelo, em 1904, em uma anlise mais criteriosa da prova da conjectura de Cantor, "todo conjunto
pode ser bem ordenado," observou que uma suposio que foi usada implicitamente na prova no era
consequncia dos postulados da matemtica ou da lgica. Assim, ele tomou como um axioma e chamou de
Axioma da Escolha, dentotado por ZF8 .
Gdel, em 1935, mostrou que se os axiomas da Teoria dos Conjuntos ZF eram consistentes, ento
ZF + ZF8 era consistente. Assim, natural que este resultado de Gdel deixe aberta a possibilidade de ZF8
ser derivado de outros axiomas. Mas, Cohen (Paul Joseph Cohen, 1934-2007, matemtico americano), em
1963, mostrou que ZF + ( ZF8 ) era consistente se ZF tambm o era. Portanto, ZF8 independente de
ZF .
Nesta unidade apresentaremos o axioma da escolha e suas principais consequncias.

2. Problematizando a Temtica
Uma forma do axioma da escolha pode ser enunciada como: seja P um conjunto no vazio, de
subconjuntos no vazios de um conjunto dado A. Ento existe um subconjunto B de A tal que, para todo
C P , C B um conjunto unitrio.
Da mesma forma que o Princpio da Boa Ordenao, o Axioma da Escolha pode ser utilizado como
eficiente ferramenta de modelagem em diversas situaes-problema, principalmente aquelas que possuem
como objetivo a existncia de determinados objetos. Vejamos um exemplo de uma situao dessa natureza.
Mostre que qualquer espao vetorial possui uma base.
Em bem pouco tempo estaremos aptos a responder esta e outras questes semelhantes.

3. Conhecendo a Temtica
3.1 Axioma da Escolha
Nesta seo discutiremos um conceito que um dos mais importantes, e ao mesmo tempo um dos
mais controversos, princpios da matemtica.

ZF8 - Axioma da escolha. Seja { A i }iI uma famlia de conjuntos no vazios. Ento
A = iI A i .
Observao 1.1. Sejam { A i }iI uma famlia de conjuntos no vazios e A =

iI

Ai .

1.

Um elemento de A chama-se uma funo escolha para a famlia { A i }iI .

2.
3.

Intuitivamente, o axioma ZF8 diz que podemos simultaneamente escolher algum elemento de cada
subconjunto no vazio de um conjunto.
Se A i = B , para todo i I , ento A simplesmente o conjunto de todas as funes f : I B .

4.

Se I um conjunto finito, ento no h a necessidade de usar o axioma ZF8 , para provar que A .
De fato, se A 1 e A 2 , ento existe x 1 A 1 e x 2 A 2 . Logo, ( x 1 , x 2 ) A 1 A 2 e

A 1 A 2 . Agora, use induo sobre n, com I = {1, 2, , n} . Portanto, o axioma ZF8


5.

significativo se I for um conjunto infinito.


Se cada A i um grupo G i , com elemento identidade e i , ento podemos definir a funo

f : I iI A i

42

por f (i ) = e i , sem usar ZF8 . No obstante, se escolhermos a i A i , ento a funo

g : I iI A i
definida por g (i ) = a i , pode no estar bem definida, pode no ser injetora.
6.

Se cada A i um CBO, ento podemos definir a funo

h : I iI A i
por h(i ) = min{ A i } , sem usar ZF8 .
Sejam A um conjunto qualquer e P( A)* = P( A) {} . Uma funo escolha para A uma funo

r : P( A)* A
tal que

r ( B) B, B P( A)* .
Observao 1.2. Se r B = r ( B ) , diremos que r B um representante de B.
Exemplo 1.3. Seja A = {a, b, c} . Ento uma funo escolha para A dada pela tabela. Note que
existem 24 tais funes.
B
A
{a, b}
{a, c}
{b, c}
{a}
{b}
{c}

r(B)
a
a
a
b
a
b
c

Exemplo 1.4. Seja A um CBO. Ento uma funo escolha r : P( A)* A para A dada por
r ( B) = min{B} .
Teorema 1.5. As seguintes condies so equivalentes:
1. Vale o axioma da escolha ZF8 ;
2.

F 1 - Qualquer conjunto possui uma funo escolha.

Prova. Sejam A qualquer conjunto no vazio, I = P( A)* e X =

BI

B . Ento, por hiptese, X .

Assim, existe f X , com f ( B ) B , para todo B I , isto , f uma funo escolha para A. Portanto, F 1
est satisfeita.
Reciprocamente, sejam { A i }iI uma famlia no vazia de conjuntos no vazios e

A = iI A i .
Ento, por hiptese, existe uma funo escolha r : P( A)* A para A, isto , r ( B ) B , para todo

B A . Em particular, r ( A i ) A i , para todo i I . Vamos definir a funo f : I P( A)* por


f (i ) = A i . Assim, a funo g = r f : I A satisfaz
g (i ) = (r f )(i ) = r ( f (i )) = r ( A i ) A i .
Logo,

g iI A i iI A i .
43

Portanto, o axioma ZF8 est satisfeito.

Consideremos a seguinte afirmao: F 2 - Sejam { A i }iI uma famlia no vazia de conjuntos no


vazios, disjuntos aos pares. Ento existe um conjunto C que consiste de exatamente um elemento de cada
A i , com i I , isto ,

C A i = {a i }, i I .
O conjunto C chama-se conjunto escolha da famlia { A i }iI .
Exemplo 1.6. Sejam A um CBO e P = {x : x A} uma partio de A. Mostre que

C = {x A : x = min( y ), para alguma y P}


um conjunto escolha para A. De fato, claro que P uma famlia de conjuntos no vazios e disjuntos aos
pares. Logo, fcil verificar que
C x = {x}, x A .
Note que no houve a necessidade de usar o axioma ZF8 para provar a existncia de C . Em particular, se

A = {1, 2,3, 4} , com a ordem induzida de N , e P = {{1, 2},{3, 4}} uma partio de A, ento C = {1,3}
um conjunto escolha para A.
Teorema 1.7. As afirmaes F 1 e F 2 so equivalentes.
Prova. Sejam { A i }iI uma famlia no vazia de conjuntos no vazios, disjuntos aos pares e

A = iI A i .
Ento { A i }iI P( A) . Assim, por hiptese, existe uma funo escolha r : P( A)* A para A tal que
*

r ( B) B, B P( A)* .
Logo, o conjunto C = r ({ A i }iI ) tem as propriedades desejadas, pois

C A i = {a i }, i I .
Reciprocamente, sejam A um conjunto no vazio, B A e
X B = {( B, x) : x B} .
Ento X

X C = se B C = . Assim, { X B }BP ( A)* uma famlia de conjuntos no vazios,

disjuntos aos pares, pois

X B P( A) A { X B }BP ( A)* P(P( A) A)


e pelos axiomas ZF3 , ZF6 e o Teorema 3.14 da unidade II, a famlia { X B }BP ( A)* um conjunto. Logo,
existe um conjunto escolha C para a famlia { X B }BP ( A)* , isto ,

CX

= {( B, x)}, B P( A)* .

Assim, a funo r : P( A)* A definida por r ( B ) = x B , com C X

= {( B, x)} , uma funo

escolha para A.

Consideremos a seguinte afirmao: F 3 - Seja { A i }iI uma famlia no vazia de conjuntos no


vazios. Ento existe uma funo

f : I iI A i ,

tal que f (i ) A i , para todo i I . A funo f chama-se funoo escolha para a famlia { A i }iI .
Note que a afirmao F 2 equivalente a afirmao F 3 . De fato, se { A i }iI uma famlia no
vazia de conjuntos no vazios, ento a famlia

44

F = { A i {i} : i I }
no vazia de conjuntos no vazios e disjuntos aos pares. Assim, existe um conjunto escolha C tal que
C ( A i {i}) = {(a i , i )}, i I .
Portanto, a funo

f : I iI A i

definida por f (i ) = a i A i em que

(a i , i ) C ( A i {i}) ,
tem as propriedades desejadas. Reciprocamente, se { A i }iI uma famlia no vazia de conjuntos no vazios
e disjuntos aos pares. Ento existe uma funo

f : I iI A i

tal que f (i ) A i , para todo i I . Portanto, fcil verificar que C = f ( I ) um conjunto escolha da
famlia { A i }iI .
Exemplo 1.8. Consideremos a famlia

{ A n }nN = { A n : n N}

em que A n = {2n 1, 2n} . claro que { A n }nN uma famlia no vazia de conjuntos no vazios e
disjuntos aos pares. Ento existe uma funo escolha

f : N nN A n

tal que f (n) = 2n , para todo n N . Portanto, fcil verificar que

C = f (N) = {2, 4, 6,}


um conjunto escolha da famlia { A n }nN .
Teorema 1.9. 0 axioma da escolha equivalente a afirmao F 3 .

Prova. Fica como um exerccio.

Exemplo 1.10. Seja A um conjunto infinito. Mostre que existe uma funo injetora f : N A ,
com N o conjunto de todos os nmeros naturais. Em particular, A contm um subconjunto enumervel.
Soluo. Como A , podemos escolher x 1 A . Novamente, como A um conjunto infinito temos que

A {x 1} , de modo que podemos escolher x 2 A {x 1} , e assim sucessivamente. Portanto, a funo


f : N A definida por f (1) = x 1 e f (n) = x n claramente injetora. Mas nada garante que ela esteja
bem definida. Para contornarmos esta situao vamos usar a afirmao F 2 . Consideremos o conjunto no
vazio

B n = A {x 1 , x 2 , , x n 1} ,
pois A um conjunto infinito. Agora, Seja

F = { A n }n = {( B n , x) : x B n }n .
Ento F uma famlia de conjuntos no vazios e disjuntos aos pares. Assim, pela afirmao F 2 , existe um
conjunto escolha C para F , isto ,

C = {( B n , x n ) : x n B n } .
Agora, vamos definir f : N A por f (1) = x 1 e f (n) = x n B n , em que

(B n , x n ) C A n .

Portanto, f est bem definida e injetora.

45

Exemplo 1.11. Sejam A um conjunto e f : A B uma funo. Mostre que f sobrejetora se, e
somente se, existe uma funo g : B A tal que f

g = I B . Em particular, f sobrejetora se, e somente

se, g injetora.
Soluo. Suponhamos que f : A B seja uma funo sobrejetora. Ento X b = f 1 (b) um subconjunto
no vazio de A, para todo b B . Seja

r : P( A)* A
uma funo escolha para A. A funo g : B A definida por g (b) = r ( X b ) X b , para todo b B , tem
as propriedades desejadas, pois

( f g )(b) = f ( g (b)) = b = I B (b) .


Reciprocamente, suponhamos que exista uma funo g : B A tal que f

g = I B . Ento, dado

y B , temos que existe x = g ( y ) A tal que


y = I B ( y ) = ( f g )( y ) = f ( g ( y )) = f ( x) ,
isto , f uma funo sobrejetora. Alm disso, fcil verificar que g : B A uma funo injetora.
Finalmente, se g : B A injetora. Ento g : B C bijetora, com C = Im( g ) A . Assim,
g 1 : C B uma funo. Seja b B fixado. Ento f : A B definida por
g 1 ( x), se x C
f ( x) =
se x C.
b,
uma funo sobrejetora, pois dado y B , existe x C tal que y = g 1 ( x) , ou seja, existe x C A
tal que f ( x) = g 1 ( x) = y .

3.2 Aplicaes
Nesta seo provaremos, como consequncia do axioma da escolha ZF8 , os princpios maximais.
Alm disso, provaremos que eles so equivalentes a ZF8 .
Com o objetivo de provarmos o Lema de Zorn primeiro provaremos o seguinte teorema.
Teorema 2.1. Seja A um poset satisfazendo as seguintes condies:
1.
A contm um menor elemento p.
2.
Qualquer cadeia de A tem um supremo em A.
Ento existe xA sem sucessor imediato.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que qualquer elemento x A tenha um sucessor imediato. Ento o
conjunto
T x = { y A : y um sucessor imediato de x} ,
pois qualquer elemento de A tem um sucessor imediato. Logo, pelo axioma ZF8 , existe uma funo escolha
r para A tal que r (T x ) T x . Vamos definir uma funo f : A A por f ( x) = r (T x ) . Ento claro que

f ( x) um sucessor de x, isto , x < f ( x) .


Um subconjunto B de A uma p-sequncia ou uma torre ou admissvel de A se as seguintes
condies so satisfeitas:
1. p B .
2. Se x B , ento f ( x) B . ( f ( B ) B )
3. Se C uma cadeia de B, ento sup(C ) B .

46

Observao 2.2. Note que p-sequncias existem. Por exemplo, A uma p-sequncia.
Lema 2.3. A interseo qualquer de p-sequncias uma p-sequncia.
Prova. Seja

P = B A B

a interseo de todas as p-sequncias de A. Ento P , pois p P . Se x P , ento x B , para todo


B A . Logo, f ( x) B , para todo B A . Portanto, f ( x) P . Finalmente, se C uma cadeia de P,
ento C uma cadeia de B, para todo B A . Logo, sup(C ) B , para todo B A . Portanto,
sup(C ) P .

Sejam P a interseo de todas as p-sequncias de A e x P . Diremos que x um elemento normal


ou uma escolha extrema se
x y ou y x , y P , ou seja, x comparvel com qualquer elemento de P .
Lema 2.4. Suponhamos que x P seja um elemento normal, y P e y < x . Ento f ( y ) x .
Prova. Como P uma p-sequncia e y P temos que f ( y ) P . Assim, por hiptese,
f ( y ) x ou x < f ( y ) .
Se x < f ( y ) , ento y < x < f ( y ) , o que impossvel. Portanto, f ( y ) x .

Lema 2.5. Suponhamos que x P seja um elemento normal e

B x = { y P : y x ou y f ( x)} .
Ento B x uma p-sequncia.
Prova. Como p o menor elemento de A temos que p B x . Se y B x , ento devemos provar que

f ( y ) B x . Sendo y B x temos y x ou y f ( x) . Assim, h trs casos a serem considerados:

1.o Caso . Se y < x , ento, pelo Lema 2.3, f ( y ) x . Logo, f ( y ) B x .


2.o Caso . Se y = x , ento f ( y ) = f ( x) . Assim, f ( y ) f ( x) e f ( y ) B x .
3.o Caso Se y f ( x) , ento f ( y ) > f ( x) , pois y < f ( y ) . Logo, f ( y ) B x
Finalmente, se C uma cadeia de B x e m = sup(C ) , ento devemos provar que m B x . Dado y B x ,
obtemos y x ou y f ( x) . Se existir y C tal que y f ( x) , ento m f ( x) , pois m y . Logo,

m B x . Caso contrrio, y x , para todo y C . Portanto, m x e m B x .

Corolrio 2.6. Suponhamos que x P seja um elemento normal. Ento y x ou y f ( x) , para


todo y P .
Prova. Como P a interseo de todas as p-sequncias temos, pelo Lema 2.4, que P B x . Mas, por
definio, B x P . Portanto, P = B x . Portanto, y x ou y f ( x) , para todo y P .

Lema 2.7. O conjunto de todos os elementos normais uma p-sequncia.


Prova. Seja

B = {x P : x um elemento normal} .
Ento p B , pois p y , para todo y A , em particular, para todo y P . Se x B , ento, pelo
Corolrio 2.5, y x ou y f ( x) , para todo y P . Logo, y f ( x) ou y f ( x) . Portanto f ( x) B .
47

Finalmente, se C uma cadeia de B e m = sup(C ) , dado y P , se existir x C tal que y x , ento


y m , pois x m . Caso contrrio, x y , para todo x C . Logo, m y . Portanto, m B .

Corolrio 2.8. P um conjunto totalmente ordenado.


Prova. Como

B = {x P : x um elemento normal} .
uma p-sequncia temos que P B . Assim, P = B . Portanto, qualquer elemento de P um elemento

normal, isto , P conjunto totalmente ordenado.

Finalmente, para completarmos a prova do teorema, seja m = sup( P ) . Ento m P , pois P uma
p-sequncia e uma cadeia. Logo, f (m) P , pois P uma p-sequncia. Portanto,
f ( m) m ,
o que uma contradio, pois m < f (m) .

Teorema 2.9 (Princpio do Mximo de Hausdorff). Qualquer poset possui uma cadeia maximal.
Prova. Sejam A um poset no vazio e

F = {C A : C uma cadeia de A}

Dados C 1 , C 2 F , definimos

C1 C 2 C1 C 2
Ento F um poset e contm um menor elemento . Agora, seja C qualquer cadeia de F e
M = CC C .
Afirmao. M F .
De fato, dados x, y M . Ento existem C 1 , C 2 C tais que x C 1 e y C 2 . Como C uma cadeia
temos que C 1 C 2 ou C 2 C 1 , digamos C 1 C 2 . Logo, x, y C 2 . Neste caso, x y ou y x ,
pois C 2 uma cadeia. Portanto, M uma cadeia. fcil verificar que M = sup(C ) . Assim, pelo Teorema
2.8, existe C F sem sucessor imediato, isto , no existe x F C tal que C {x} seja uma cadeia de
A. Portanto, C uma cadeia maximal de A.

Seja A um poset. Diremos que A um conjunto indutivamente ordenado se toda cadeia de A tem
uma cota superior em A.
Exemplo 2.10. Sejam A uma cadeia e S = {x 1 , , x n } um subconjunto de A. Mostre que existe x j ,
com 1 j n , tal que x i x j , para todo x i S . Portanto, qualquer subconjunto finito de uma cadeia
possui uma cota superior.
Soluo. Vamos usar induo sobre n. Se n = 1 , nada h para ser provado. Sejam
S = {x 1 , , x n , x n +1} e T = {x 1 , , x n } .
Ento, pela hiptese de induo, existe x j , com 1 j n , tal que x i x j , para todo x i T . Como A
uma cadeia temos que x j x n +1 ou x n +1 x j . Portanto, em qualquer caso, existe x j , com 1 j n + 1 ,
tal que x i x j , para todo x i S .

Apresentaremos a seguir um dos teoremas mais importante em Matemtica sobre a existncia de


objeto que pertece a um dado conjunto e satisfaz certas propriedades.
Teorema 2.11 (Lema de Zorn). Qualquer conjunto indutivamente ordenado possui pelo menos um
elemento maximal.

48

Prova. Seja A um conjunto indutivamente ordenado. Ento, pelo Teorema 2.9, A contm uma cadeia
maximal C. Assim, por definio, C contm uma cota superior m.
Afirmao. m um elemento maximal de A.
De fato, suponhamos, por absurdo, que exista x A tal que m < x . Ento x C , mas y < x , para todo
y C . Assim, C {x} uma cadeia de A com C C {x} , o que contradiz a maximalidade de C.
Portanto, m um elemento maximal de A.

Lema 2.12. Sejam V um espao vetorial sobre um corpo F e um subconjunto de vetores LI em V.


Ento u V [ ] se, e somente se, {u} um conjunto de vetores LI em V, em que [ ] o subespao
gerado por .
Prova. Sejam u 1 , , u m vetores distintos em e x 1 , , x m , y escalares em F tais que

x 1u 1 +

+ x mu m + yu = 0 .

Ento y = 0 , pois se y 0 , ento

o que impossvel. Assim, y = 0 e

x1
u = u 1 +
y

xm
+
y

x 1u 1 +

u m u ,

+ x mu m = 0 .

Logo, por hiptese,

x1 =

= xm =0.

Portanto, {u} um conjunto de vetores LI em V.


A recproca clara.

Teorema 2.13. Qualquer espao vetorial possui uma base. Mais geralmente, qualquer subconjunto
de vetores LI de um espao vetorial parte de uma base.
Prova. Seja V um espao vetorial sobre um corpo F. Se V = {0} , ento uma base de V. Se V {0} ,
ento a famlia
F = { : um subconjunto LI de V } .
Dados , F , definimos
.
Logo, F um poset. Sejam C qualquer cadeia de F e

L = C .
Afirmao. L F
De fato, sejam u 1 , , u n vetores distintos de L e x 1 , , x n escalares de F tais que

x 1u 1 +

+ x nu n = 0 .

Como u i L temos que existe i C tal que u i i . Logo, pelo Exemplo 2.10, existe j , com

1 j n , tal que i j , para todo i = 1, , n . Assim, u 1 , , u n j . Portanto,


x1 =

= xn = 0.

claro que L uma cota superior de C. Assim, pelo Lema de Zorn, F contm um elemento maximal,
digamos M. Portanto, pelo Lema 2.12, M uma base de V.

3.3 Princpio da Boa Ordenao


Nesta seo vamos provar que, se A um conjunto qualquer, ento existe pelo menos uma relao
de ordem R sobre A tal que A, ordenado por R, um conjunto bem ordenado.

49

Exemplo 3.1. Qualquer conjunto finito bem ordenado. Por exemplo, se A = {a, b, c} , ento
a < b < c , b < c < a , c < a < b , b < a < c , a < c < b e c < b < a so ordenaes diferentes de A.
Exemplo 3.2. Qualquer conjunto contvel A pode ser bem ordenado, pois se f : A N uma
bijeo qualquer, ento existe uma ordem sobre A definida por
x, y A [ x y f ( x) f ( y )] .
Em particular, se A = Z , ento as funes f : A N e g : N A definidas por

n
se n um nmero par
2 ,
2
a
,
se
a
>
0

f (a) =
e g ( n) =
2a + 1, se a 0
1 n , se n um nmero mpar
2
so inversas. Neste caso, obtemos a boa ordenao para Z ;
{0,1, 1, 2, 2, , n, n,} .
Por exemplo, 1 < 2 0 = g (1) < g (2) = 1 e 2 < 3 1 = g (2) < g (3) = 1 , etc.
Exemplo 3.3. Sejam B um conjunto bem ordenado e a A , onde a B . fcil verificar que
B {a} ordenado por b a , para todo b B , um conjunto bem ordenado.
Exemplo 3.4. O intervalo fechado I = [0,1] com a ordem induzida de R no bem ordenado, pois
o intervalo ]0,1] um subconjunto no vazio de I sem menor elemento.
Seja A um conjunto qualquer. Consideremos o par ordenado ( B, R) , com B A e R uma relao
de ordem sobre B que bem ordena B. Seja F a famlia de todos os pares ( B, R ) , com esta propridade. Note
que F , pois qualquer subconjunto contvel de A pode ser bem ordenado, confira Exemplo 3.3. Dados
( B 1 , R 1 ), ( B 2 , R 2 ) F , definimos

(B 1, R 1) (B 2 , R 2 )
se, e somente se, as seguintes condies so satisfeitas:
1.

B1 B 2 .

2.

R1 R 2 . ( R1 = R 2

B1

3. Se x B 1 e y B 2 B 1 , ento ( x, y ) R 2 . ( B 1 uma seo de B 2 )


Ento fcil verificar que uma ordem sobre F (prove isto!).
Lema 3.5. Sejam

C = {( B i , R i ) : i I } .
uma cadeia de F ,

B = iI B i e R = iI R i .
Ento ( B, R) F , em que

( B, R) = iI ( B i , R i ) .
Prova. Como B A , basta provar que R bem ordena B. fcil verificar que R uma ordem sobre B (prove
isto!). Agora, seja S B , com S . Ento existe i I tal que
S i = S Bi .
Como S i B i temos, por hiptese, que S i contm um menor elemento m em ( B i , R i ) , isto ,

50

(m, y ) R i , y S i .
Afirmao. m o menor elemento de S em ( B, R) .
De fato, dado x S . Se x B i , ento x S . Logo, (m, x) R i R . Se x B i , ento existe j I tal
que x B j . Logo,

B j B i e (B j , R j ) (B i , R i ) .
Assim, por hiptese,

(B i , R i ) (B j , R j ) .
Como m B i e x B j B i temos que (m, x) R j R . Portanto, m o menor elemento de S em

( B, R ) .
Lema 3.6. Sejam C, B e R definidos no Lema 3.5. Ento ( B, R ) uma cota superior de C.

Prova. Seja ( B i , R i ) C . Ento B i B e R i R . Se x B i e y B B i , ento existe j I tal que

y B j . Logo,
B j B i e (B j , R j ) (B i , R i ) .
Assim, por hiptese,

(B i , R i ) (B j , R j ) .
Como x B i e y B j B i temos que ( x, y ) R j R . Portanto,

( B i , R i ) ( B, R ) ,

ou seja, ( B, R ) uma cota superior de C.


Teorema 3.7 (Princpio da Boa Ordenao). Qualquer conjunto pode ser bem ordenado.
Prova. Sejam A um conjunto qualquer e

F = {( B, R) : B A e R() uma boa ordenao de B}


Ento, pelos Lemas 3.5 e 3.6, F um conjunto indutivamente ordenado. Logo, pelo Lema de Zorn, F
contm um elemento maximal ( B, R ) .
Afirmao. A = B .
De fato, suponhamos, por absurdo, que A B . Ento existe x A tal que x B . Logo, y x , para
todo y B . Sejam
B* = B {x} e R* = R {( y, x) : y B}
Ento ( B* , R* ) F , com
( B, R ) ( B * , R * )
o que contradiz a maximalidade de ( B, R) .

1.
2.
3.
4.

Teorema 3.8 . Seja A um conjunto qualquer. Ento as seguintes condies so equivalentes:


O axioma da escolha;
O Princpio Maximal de Hausdorff;
O Lema de Zorn;
O Princpio da Boa Ordenao.

Prova. Resta provar que (4 1) . Suponhamos que A seja um conjunto bem ordenado. Ento a funo

r : P( A)* A definida por r ( B) = min( B ) uma funo escolha para A.

51

Exemplo 3.9. Seja A um conjunto infinito. Mostre que A possui uma cobertura contvel disjunta,
isto , existe uma famlia { A i }iI de conjuntos contveis disjuntos aos pares tal que

A = iI A i .
Soluo. Consideremos a famlia

F = {( B, C ) : B A e C uma cobertura contvel disjunta de B} .


Ento, pelo Exemplo 1.10, F , pois ( E ,{E}) F , com E um subconjunto contvel de A. Agora confira

a prova do Teorema 3.7.

5. Avaliando o que foi construdo


Nesta unidade vimos as formulaes clssicas do axioma da escolha dada por Zermelo e suas
principais consequncias. Portanto, use os resultados e tcnicas desenvolvidos nesta unidade no estudo das
definies e provas de problemas de existncia que viro pela frente.

A transformao de todo este contedo em conhecimento s se dar com a sua participao


No Moodle
efetiva nas atividades propostas no MOODLE.
Portanto, programe-se. Planeje seus estudos. J h muito que estudar sobre a Teoria dos
Conjuntos.

52

Unidade V Nmeros Naturais


1. Situando a Temtica
Com o objetivo de desenvlover a Matemtica dentro da ferramenta da Teoria Axiomtica dos
Conjuntos construiremos, nesta unidade, um conjunto de objetos, chamados nmeros naturais, o qual ser
munido com todas as propriedades que so associadas com os nmeros naturais do nosso pensamento.
Alm disso, com o axioma da infinidade completaremos a Teoria Axiomtica dos Conjuntos,
segundo Zermelo, ou seja, so os axiomas apresentados menos os axiomas ZF7 e ZF8 .

2. Problematizando a Temtica
A importncia da construo dos nmeros conjuntos infinitos refletida por frases como:

() a conquista do infinito atual pode ser considerada uma expanso do nosso horizonte cientfico no
menos revolucionria do que o sistema Copernicano ou do que a teoria da relatividade, ou mesmo da teoria
quntica e da fsica nuclear. ()
A. A. Fraenkel, 1966.
Alm disso, provaremos os axiomas de Peano para o conjunto dos nmeros naturais N (Giuseppe Peano,
1858-1932, matemtico italiano) como consequncia do axioma da infinidade.

Em bem pouco tempo estaremos aptos para enunciar o axioma da infinidade.

3. Conhecendo a Temtica
3.1 Nmeros Naturais
Seja A um conjunto qualquer. O sucessor de A definido como
A + = A { A} .
Definimos

0=
1 = 0 + = {} = {} = {0}
2 = 1 + = {} {{}} = {,{}} = {0,1}
3 = 2 + = {,{}} {{,{}}} = {,{},{,{}}} = {0,1, 2}

A ideia simplesmente definir um nmero natural n como o conjunto de todos os nmeros naturais
menores, isto ,
n = {0,1, 2, , n 1} .
Mas essa definio ainda deficiente. Por isso, vamos obter uma definio mais precisa, devida a von
Neumann.
Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A um conjunto sucessor ou um conjunto indutivo se
ele satisfaz s seguintes condies:
1. A .
2. Se x A , ento x + A .

ZF9 - Axioma da infinidade. Existe um conjunto sucessor.

53

Observao 1.1. O axioma ZF9 garante a existncia do conjunto vazio . Portanto, se = 0 for
um conjunto, ento, pelo axioma ZF5 ,

n + = n {n} = {0,1, , n}
um conjunto e denotaremos por n + = n + 1 . Alm disso, claro que todo conjunto sucessor contm os
nossos nmeros naturais, os quais so construdos a partir do conjunto vazio.
Seja { A i }iI uma famlia de conjuntos sucessores. Ento

A = iI A i
um conjunto sucessor. De fato, 0 A , pois 0 A i , para todo i I . Se x A , ento x A i , para todo

i I . Assim, x + A i , para todo i I . Portanto, x + A . Neste caso, A o maior conjunto sucessor


contido em cada A i . Em particular, seja F a famlia de todos os conjuntos sucessores. Ento

B = AF A
um conjunto sucessor. Seja C qualquer conjunto sucessor. Ento C F e B C . Portanto, B o menor
conjunto sucessor.
Definio 1.2. O conjunto de todos os nmeros naturais definido como a interseo de todos
conjuntos sucessores e denotado por .
Observao 1.3.
1. Note que definido como um elemento do conjunto recursivo minimal.
2. A notao dos nmeros naturais por para diferenciar do nosso nmeros naturais N construdo via
os axiomas de Peano.
3. Qualquer elemento de chama-se nmero natural. Neste caso, cada nmero natural de igual a
n = {0,1, , n 1} .
Alm disso, pelo axioma ZF9 existe um conjunto sucessor A e, pela Definio 1.2, A . Assim, pelo
Axioma ZF3 , um conjunto. Portanto, todo nmero natural um conjunto.
Teorema 1.4. n + 0 , para todo n .
Prova. Como n + = n {n} , para todo n , temos que n n + , para todo n . Portanto, n + 0 .

Teorema 1.5 (Primeiro Princpio de Induo Finita) Seja S um subconjunto de e suponhamos


que S tenha as seguintes propriedades:
1. 0 S .
2. Se n S , ento n + S . (PIF)
Ento S = .
Prova. As condies (1) e (2) implicam que S um conjunto sucessor. Logo, pela Definio 1.2, S .
Portanto, S = .

Exemplo 1.6. Mostre que se n , ento n = 0 ou n = k + , para algum k .


Prova. Seja

S = {n : n = 0 ou n = k + , para algum k }
Ento 0 S . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Ento
n + = n + 1 = k + + 1 = (k + ) + ,
para algum k . Portanto, n + S e S = .
54

Lema 1.7. Sejam m, n . Se m n + , ento m n ou m = n .


Prova. Se m n + , ento, por definio, m n ou m {n} . Logo, m n ou m = n .

Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A um conjunto transitivo se x A , para todo


x A , isto , se y x A , ento y A .
Exemplo 1.8. O conjunto 3 = {0,1, 2} um conjunto transitivo, pois 0 = 3 , 1 = {} 3 e
2 = {,{}} 3 .
Lema 1.9. Qualquer nmero natural um conjunto transitivo.
Prova. Seja

S = {n : n um conjunto transitivo} .
Ento 0 S , pois se 0 no fosse um conjunto transitivo, ento existiria y 0 tal que y 0 , mas isto
impossvel, uma vez que 0 = . Agora, suponhamos que n S . Ento devemos provar que n + S . Dado
m n + , temos, pelo Lema 1.7, que m n ou m = n . Se m n , ento m n . Logo, m m + , pois
n n + . Se m = n , ento m n + , pois n n + . Portanto, n + S . Assim, pelo Princpio de Induo
Finita, S = .

Teorema 1.10. Sejam m, n . Se m + = n + , ento m = n . Em particular, a funo f :


definida por f (n) = n + injetora.
Prova. Suponhamos que m + = n + . Ento n m + e m n + . Logo, pelo Lema 1.7, temos duas
possiblidades: ( n m ou m = n ) e ( m n ou m = n ). Se m = n , nada h para ser provado. Se m n ,

ento n m e m n . Assim, pelo Lema 1.9, n m e m n , isto , m = n , o que impossvel.


Teorema 1.11 (Axiomas de Peano) Seja o conjunto dos nmeros naturais. Ento:
1. 0 .
2. Se n , ento n + .
3. n + 0 , para todo n .
4.
Se S tal que
a. 0 S .
b. Se n S , ento n + S . (PIF)
Ento S = .
5.
Se m, n e m + = n + , ento m = n .

Prova. Fica como um exerccio.

Teorema 1.12 (Frmula de Recorrncia) Sejam A um conjunto qualquer, c A um elemento


fixado e g : A A uma funo qualquer. Ento existe uma nica funo f : A tal que as seguintes
condies so satisfeitas:
1. f (0) = c .
2.

f (n + ) = g ( f (n)) , para todo n .

Prova. Note que n + = S n = {0,1, , n} um segmento inicial e confira a prova do Teorema 4.24 da

unidade III.

55

Corolrio 1.13. Sejam c, g e f


c Im( g ) , ento f injetora.

como na Frmula de Recorrncia. Se g for injetora e

Prova. Devemos provar que se dados m, n , f (m) = f (n) , ento m = n . Para provar isso, vamos usar
induo sobre m. Se m = 0 e n = 0 , nada h para provar. Se n 0 , ento, pelo Exemplo 1.6, existe k
tal que n = k + . Assim,
c = f (0) = f (m) = f (n) = f (k + ) = g ( f (k )) c Im( g ) ,
o que impossvel. Portanto, m = 0 = n .
Suponhamos, como hiptese de induo, que o resultado seja vlido para algum m . Seja
+
f (m ) = f (n) . Se n = 0 , ento j vimos que f (m + ) = f (0) impossvel. Assim, n 0 e, pelo
Exemjplo 1.6, existe k tal que n = k + . Logo,

g ( f (m)) = f (m + ) = f (n) = f (k + ) = g ( f (k )) f (m) = f (k ) .


pois g injetora. Pela hiptese de induo, m = k . Portanto, m + = k + = n .

Observer que a definio de potncia de um nmero real qualquer a R usualmente definida


como:
1. a 0 = 1 .
2. a n +1 = a n a , para todo n .
As condies (1) e (2) segnificam que a 0 = 1 , a 1 = a , a 2 = aa , etc. Esta definio intuitiva
formalmente como segue: sejam R o conjunto de todos os nmeros reais, g : R R uma funo definida
por g ( x) = xa e c = 1 uma constante real. Ento existe uma nica funo f : R definida por

f (n) = a n tal que


1. f (0) = 1 .
2. f (n + ) = g ( f (n)) , para todo n .
Outro exemplo, definindo g : R R por g ( x) = x 2 e c = 2 , existe uma nica funo f : R tal que
a. f (0) = 2 .
b.

f (n + ) = g ( f (n)) , para todo n .

Neste caso, fcil verificar que f ( n) = 2 2 .


n

Exemplo 1.14. Sejam A um conjunto, B um subconjunto de A e g : A B uma funo injetora.


Mostre que A possui um subconjunto D tal que h : D bijetora.
Soluo. Como g injetora temos, pelo Corolrio 1.13, que existe uma nica funo injetora f : A .
Pondo D = f ( ) = Im( f ) , obtemos a funo h : D definida por h(n) = f (n) , com as propriedades
desejadas.

3.2 Aritmtica dos Nmeros Naturais


Veremos nesta seo uma das mais importante aplicaes da Frmula de Recorrncia, que o seu
uso nas definies de adio e multiplicao de nmeros naturais.
Seja m fixado. Ento, pelo Teorema 1.12, existe uma nica funo f m : tal que
1.

f m (0) = m .

2.

f m (n + ) = [( f m (n))] + , para todo n .

Note que a funo g : definida por g ( x) = x + e c = m .

56

Dados m, n , definimos a adio sobre como sendo

m + n = f m ( n) .
Assim, as condies (1) e (2), podem ser reescritas como:
1.
2.

m+0= m.
m + n + = ( m + n) + .
Lema 2.1. n + = 1 + n , em que 1 = 0 + , para todo n .

Prova. Seja

S = {n : n + = 1 + n} .
Ento 0 S , pois pela condio (1) 0 + = 1 = 1 + 0 . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n,
isto , n S . Ento, pela condio (2),
1 + n + = (1 + n) + = (n + ) + .

Portanto, n + S e S = .
Lema 2.2. 0 + n = n , para todo n , ou seja, 0 o elemento neutro da adio sobre .
Prova. Seja

S = {n : 0 + n = n} .
Ento 0 S , pois pela condio (1) 0 + 0 = 0 . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto
, n S . Ento, pela condio (2),
0 + n + = (0 + n) + = n + .
Portanto, n + S e S = .

Lema 2.3. m + (n + k ) = (m + n) + k , para todo m, n, k , ou seja, a adio sobre


associativa.
Prova. Para dois m e n fixados, seja

S = {k : m + (n + k ) = (m + n) + k} .

Ento 0 S , pois pela condio (1)

m + (n + 0) = m + n = (m + n) + 0 .
Suponhamos que o resultado seja vlido para algum k, isto , k S . Ento, pela condio (2),
m + (n + k + ) = m + (n + k ) + = [m + (n + k )] + = [(m + n) + k ] + = (m + n) + k + .
Portanto, n + S e S = .

Lema 2.4. m + n = n + m , para todo m, n , ou seja, a adio sobre comutativa.


Prova. Para um m fixado, seja

S = {n : m + n = n + m} .

Ento 0 S , pois pela condio (1) e o Lema 2.2

m+0 = m = 0+m.
Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Ento, pela condio (2) e os Lemas
2.1 e 2.3,
m + n + = (m + n) + = (n + m) + = 1 + (n + m) = (1 + n) + m = n + + m .
Portanto, n + S e S = .

Seja m fixado. Ento, pelo Teorema 1.12, existe uma nica funo f m : tal que

57

1.

f m (0) = 0 .

2.

f m (n + ) = m + f m (n) , para todo n .

Note que a funo g : definida por g ( x) = m + x = x + m e c = 0 .


Dados m, n , definimos a multiplicao sobre como sendo

m n = f m (n) .
Assim, as condies (1) e (2), podem ser reescritas como:
1.
2.

m0 = 0.
mn+ = m+ mn .

Com o objetivo de simplificar a notao usaremos mn ao invs de m n .


Lema 2.5. 0 n = 0 , para todo n .
Prova. Seja

S = {n : 0 n = 0} .
Ento 0 S , pois pela condio (1) 0 0 = 0 . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto ,
n S . Ento, pela condio (2) e o Lema 2.2,
0n+ = 0+ 0n = 0+ 0 = 0.
Portanto, n + S e S = .

Lema 2.6. 1n = n , para todo n , ou seja, 1 o elemento neutro da multiplicao sobre .


Prova. Seja

S = {n : 1 n = n} .
Ento 0 S , pois pela condio (1) 10 = 0 . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto ,
n S . Ento, pela condio (2),
1n + = 1 + 1n = 1 + n + .

Portanto, n + S e S = .
Lema 2.7. Dados m, n, k ,
1. m(n + k ) = m n + m k .
2. (m + n)k = m k + n k ,
ou seja, a adio e a multiplicao sobre so distributivas.
Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para m e n fixados, seja

S = {k : m(n + k ) = m n + n k} .

Ento 0 S , pois pelo Lema 2.2 e a condio (1),

m(n + 0) = m n = m n + 0 = m n + m 0 .
Suponhamos que o resultado seja vlido para algum k, isto , k S . Ento, pela condio (2) e o Lema 2.4,
m(n + k + ) = m(n + k ) + = m + [m(n + k )] = (m n + m k ) + m = m n + (m k + m) = m n + m k + .
Portanto, k + S e S = .

Lema 2.8. m(n k ) = (m n)k , para todo m, n, k , ou seja, a multiplicao sobre


associativa.
Prova. Para m e n fixados, seja

58

S = {k : m(n k ) = (m n)k} .
Ento 0 S , pois pela condio (1)

m(n 0) = m 0 = 0 = (m n)0 .
Suponhamos que o resultado seja vlido para algum k, isto , k S . Ento, pela condio (2) e o Lema 2.7,
m( n k + ) = m( n + n k ) = m n + m( n k ) = m n + ( m n ) k = ( m n ) k + .
Portanto, k + S e S = .

Lema 2.9. m n = n m , para todo m, n , ou seja, a multiplicao sobre comutativa.


Prova. Para m fixado, seja

S = {n : m n = n m} .

Ento 0 S , pois pela condio (1) e o Lema 2.5

m0 = m = 0m .

Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Ento, pela condio (2) e os Lemas
2.6 e 2.7,
m n + = m + m n = m + n m = 1 m + n m = (1 + n)m = n + m .
Portanto, n + S e S = .

Teorema 2.10. Para m, n , definimos


Ento uma relao de ordem sobre .

m n m n ou m = n .

Prova. Como m = m , para todo m , temos que m m . Dados m, n , se m n e n m , ento


m = n ou m n e n m . Assim, se m n e n m , ento m n e n m . Logo, m = n .
Finalmente, dados m, n, p , se m n e n p , ento [ m = n ou m n ] e [ n = p ou n p ].
Assim, h quatro possibilidades a serem consideradas:
1.a Possibilidade. Se m = n e n = p , ento m = p .

2.a Possibilidade. Se m = n e n p , ento m p .


3.a Possibilidade. Se m n e n = p , ento m p .
4.a Possibilidade. Se m n e n p , ento m n e n p . Logo, m p .
Portanto, em qualquer possibilidade, m p , ou seja, uma relao de ordem sobre .

Lema 2.11. Se n , ento n 0 .


Prova. Seja

S = {n : n 0} .

Ento 0 S , pois 0 0 Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Ento
nn+ n n+ .
Portanto, n + S e S = .

Lema 2.12. Sejam m, n . Se m < n , ento m + n .


Prova. Para m fixado, seja

S = {n : m < n m + n} .
Ento 0 S , pois se 0 S , ento m < 0 e m + 0. Assim, m 0 e m + 0, o que impossvel.
Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Se m < n + , ento m n + . Logo, pelo
Lema 1.6, m n ou m = n . Se m = n , ento m + = n + e n + S . Se m n , ento m < n . Portanto,
n + S , pois m + n < n + , e S = .

59

Teorema 2.13. um conjunto bem ordenado. Em particular, um conjunto totalmente


ordenado.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que contenha um subconjunto A diferente do conjunto vazio sem
menor elemento. Seja
S = {n : n m, m A} .
Ento, pelo Lema 2.11, 0 S . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Se
n = k , para algum k A , ento k seria o menor elemento de A, que uma contradio. Assim, n < m ,
para todo m A . Logo, pelo Lema 2.12, n + m , para todo m A , ou seja, n + S . Portanto, S = .
Como S A = , pois A no tem menor elemento, temos que A = , o que uma contradio.

Exemplo 2.14. Mostre que se um subconjunto no vazio B de possui uma cota superior, ento ele
possui um maior elemento.
Soluo. Seja

S = {k : k uma cota superior de B} .

Ento S . Assim, pelo Teorema 2.13, S contm um menor elemento, digamos n S . Neste caso,
n = sup( B) .
Afirmao. n B .
De fato, suponhamos, por absurdo, que n B . Ento n > m , para todo m B . Logo, n 0 , pois B ,
e pelo Exemplo 1.6, n = k + = k + 1 , para algum k . Assim, pelo Lema 2.12, k m , para todo m B .

Portanto, k uma cota superior de S com k < n , o que contradiz a minimalidade de n.


Teorema 2.15 (Segundo Princpio de Induo Finita). Seja P(n) uma afirmao, para cada
n . Suponhamos que a seguinte propriedade satisfeita:
Se P(m) verdadeira para cada m, com m < n , ento P(n) verdadeira (PIF).
Ento P(n) verdadeira, para todo n .

Prova. Fica como um exerccio.

1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.

Se
Se
Se
Se
Se
Se
Se
Se
Se

Exemplo 2.16. Sejam k , m, n . Mostre que:


m = n , ento m + k = n + k .
m = n , ento m k = n k .
m < n , ento m + k < n + k .
m + n = m + k , ento n = k .
m < n , ento km < kn , com k 0 .
m k = m k e k 0 , ento m = n .
m n , ento existe um nico p tal que n = m + p .
m + k < n + k , ento m < n .
m k < n k , ento m < n .

Soluo. Vamos provar apenas os itens (1) e (5): (1) Para m, n fixados, seja
S = {k : m = n m + k = n + k} .
Ento 0 S Suponhamos que o resultado seja vlido para algum k, isto , k S . Ento

m + k + = m + (k + 1) = (m + k ) + 1 = (n + k ) + 1 = n + (k + 1) = n + k + .
Portanto, k + S e S = .
(5) Para m, n fixados, consideremos a afirmao P (k ) :
m < n km < kn , para cada k , com k 0 .
Ento P (1) verdadeira, pois 1 m = m < n = 1 n . Suponhamos que a afirmao P (k ) seja verdadeira.
Ento, pelo item (3),

60

k + m = (1 + k )m = m + km < n + km < n + k n = (1 + k )n = k + n .
Logo, P (k + ) verdadeira. Portanto, P (k + ) verdadeira, para todo k .

Exemplo 2.17. Seja n . Mostre que se n < 1 , ento n = 0 . Conclua que no existe k tal
que n < k < n + .
Soluo. Seja

S = {n : 0 < n < 1} .
Ento S = . Caso contrrio, pelo Teorema 2.13, existe n 0 S tal que n 0 n , para todo n S . Como
n 0 S temos que
0 < n 0 < 1 0 < n 02 < n 0 < 1 ,

Logo, n 02 S , o que contradiz a minimalidade de n 0 . Portanto, n = 0 .

Seja m fixado. Ento, pelo Teorema 1.12, existe uma nica funo f m : tal que
1.

f m (0) = 1 .

2.

f m (n + ) = f m (n)m , para todo n .

Note que a funo g : definida por g ( x) = xm e c = 1 .


Dados m, n , definimos a potenciao sobre como sendo

m n = f m ( n) .
Assim, as condies (1) e (2), podem ser reescritas como:
1. m 0 = 1 .
2. m n +1 = m n m .
Lema 2.18. Sejam k , m, n . Mostre que:
n+k

m = m nm k .
(mn) k = m k n k .
3. (m n ) k = m nk .
1.
2.

Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para m, n fixados, seja

S = {k : m n + k = m n m k } .
Ento 0 S . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum k, isto , k S . Ento
+

m n + k = m n + k +1 = m ( n + k )+1 = m ( n + k ) m = (m n m k )m = m n (m k m) = m n m k +1 = m n m k .
Portanto, k + S e S = .

Finalizaremos esta seo com mais uma aplicao da Frmula de Recorrncia. Observe, pelo
Teorema 3.14 da unidade II, que um conjunto, pois um conjunto. Agora, consideremos a
funo g : definida por

se n = 0
(0, m + 1),
g (m, n) =
(m + 1, n 1), se n 0.
Ento g injetora e (0, 0) Im( g ) , pois dados (m, n), ( p, q ) , se g (m, n) = g ( p, q) = (r , s ) , ento
h dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se r = 0 , ento por definio n = 0 = q . Logo,
(0, s) = g (m, n) = (0, m + 1) e (0, s) = g ( p, q) = (0, p + 1) .

Assim, s = m + 1 e s = p + 1 , ou seja, m = p.

61

2.o Caso. Se r 0 , ento


(r , s) = g (m, n) = (m + 1, n 1) e (r , s) = g ( p, q) = ( p + 1, q 1) .
Assim, r = m + 1 e r = p + 1 ; s = n 1 e s = q 1 , ou seja, m = p e n = q .
Portanto, em qualquer caso, (m, n) = ( p, q) . Logo, pelo Corlrio 1.13, existe uma nica funo
injetora f : tal que
1. f (0) = (0, 0) .
2. f (n + ) = g ( f (n)) , para todo n .
A funo f sobrejetora, pois dado ( p, q) , vamos usar induo sobre p + q para provar que
existe n tal que f (n) = ( p, q ) . Se p + q = 0 , ento p = q = 0 e f (0) = (0, 0) . Suponhamos que o
resultado seja vlido para todo k, com 0 k < p + q e que p + q = r + 1 = r + . Ento h dois casos a serem
considerados:
1.o Caso. Se p = 0 , ento por definio ( p, q) = g (q 1, 0) . Pela hiptese de induo, existe m
tal que (q 1, 0) = f (m) . Assim,

( p, q) = g (q 1, 0) = g ( f (m)) = f (m + ) .
2.o Caso. Se p 0 , ento por definio ( p, q) = g ( p 1, q + 1) . Pela hiptese de induo, existe
n tal que ( p + q 1, 0) = f (n) . Assim,
f (n + 1) = g ( f (n)) = g ( p + q 1, 0) = (0, p + q ),
f (n + 2) = (1, p + q 1), , f (n + p + 1) = ( p, q ).
Portanto, em qualquer caso, dado ( p, q) , existe n tal que f (n) = ( p, q ) , ou seja, f
uma funo bijetora. Neste caso, obtemos a boa ordenao para ;
{(0, 0), (0,1), (0, 2), (1,1), (2, 0), (0,3),} .
Note que qualquer nmero racional r Q pode ser escrito de modo nico sob a forma
m
r = , onde m, n Z , n > 0 e mdc(m, n) = 1 .
n
*
Assim, a funo f : Q + definida por
g (r ) = (m, n)
claramente injetora. Portanto, pelo axioma ZF 4 , Q*+ um conjunto. Consequentemente, pelo axioma
ZF 5 ,
Q = Q*+ {0} Q*
um conjunto. Na prxima unidade provaremos que existe uma correspondncia biunvoca entre 2 e R .
Portanto, pelo axioma ZF 6 , os nmeros reais R um conjunto. Neste caso, os nmeros complexos C um
conjunto, pois R R um conjunto.

4. Avaliando o que foi construdo


Nesta unidade apresentamos o conceito formal do conjunto dos nmeros naturais . Alm disso,
vimos que este conjunto satisfez todas as propriedades do conjunto dos nmeros naturais N . Por exemplo, o
primeiro princpio de induo finita.
No Moodle
Se voc quiser saber como utilizar, por exemplo, a Frmula de Recorrncia, procure acompanhar
as discusses e tarefas propostas na plataforma MOODLE sobre este e outros contedos relacionados.
Leia, releia, pratique, discuta.

62

Unidade VI Nmeros Cardinais


1. Situando a Temtica
A definio de Dedekind, de conjunto infinito, usada na discusso de propriedades de conjuntos
infinitos e de conjuntos finitos. demonstrado, dentre outras coisas, que conjuntos enumerveis so os
menores, em tamanho, dentre os conjuntos infinitos. Alm disso, apresentaremos propriedades e exemplos de
conjuntos enumerveis e de conjuntos no enumerveis. Portanto, toda a matemtica clssica trabalha apenas
com duas "medidas" de conjuntos infinitos, a saber, os conjuntos equipotentes a e os conjuntos
equipotentes a 2 . A potncia 2 frequentemente chamada de potncia do contnuo.

2. Problematizando a Temtica
Seja A um conjunto qualquer. J vimos, na unidade II Teorema 4.8, que existe uma correspondncia
biunvoca entre os conjuntos P( A) e 2 A . Nesta unidade caracterizaremos todos os conjuntos com esta
propriedade. Alm disso, provaremos o seguinte teorema Cantor:
No existe funo bijetora entre os conjuntos A e P( A) .
A grande importncia deste teorema o seguinte resultado: se fizermos
A 1 = , A 2 = P( A 1 ), A 3 = P( A 2 ), ,
ento obtemos uma famlia (sequncia) estritamente crescente de conjuntos infinitos

A1 < A 2 < A 3 <


3. Conhecendo a Temtica
3.1 Conjuntos Equipotentes
Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A e B so equipotentes ou tm a mesma potncia se
existir uma funo bijetora f : A B e denotaremos por A B . Note que ser equipotente uma relao
de equivalncia.
Exemplo 1.1. Os conjuntos [0,1] e [a, b] , com a b , so equipotentes. Em particular, os
conjuntos ]0,1 [ e ] 1,1 [ so equipotentes.
Soluo. Vamos provar que a funo f : [0,1] [a, b] definida por

f ( x) = a + (b a) x
bijetora. Dados x, y [0,1] , se f ( x) = f ( y ) , ento
a + (b a ) x = a + (b a) y (b a ) x = (b a ) y x = y ,
pois a b . Logo, f injetora. Agora, dado y [a, b] , obtemos
ya
a y b 0 ya ba 0
1.
ba
Assim, dado y [a, b] , existe
ya
x=
[0,1]
ba
tal que y = f ( x) . Portanto, f sobrejetora.
Exemplo 1.2. Os conjuntos [0,1] e ]0,1 [ so equipotentes.
Soluo. Primeiro note que

1 1 1

1 1 1
[0,1] = 0,1, , , , A e ]0,1 [= , , , A ,
2 3 4

2 3 4

63

com

1 1 1

1 1 1
A = [0,1] 0,1, , , , = ]0,1 [ , , ,
2 3 4

2 3 4
Agora, vamos definir a funo f : [0,1] ]0,1 [ por
1
se x = 0
2,

1
1
f ( x) =
,
se x =
n
n+2

1
x, se x 0 e x n ,
para todo n {0} . Ento fcil verificar que f bijetora.

Observao 1.3. J vimos, no Exemplo 2.5 da unidade III, que os conjuntos R e ] 1,1 [ so
equipotentes. Portanto, o conjunto dos nmeros reais e todos os intervalos no degenerados so
equipotentes, por exemplo, a funo f : ] 0, + [ ]0,1 [ definida por

f ( x) =
bijetora, pois

lim f ( x) = 0 e lim f ( x) = 1

x 0+

x +

x
1+ x

( lim f
x 0+

( x) =

1 x

( x) = 0 e lim f
x 1

( x) = + .

Exemplo 1.4. Os conjuntos

B 1 (O) = {( x, y ) R 2 : x 2 + y 2 < 1} e B r ( A) = {( x, y ) R 2 : ( x a) 2 + ( y b) 2 < r}


so equipotentes, em que r > 0 , O = (0, 0) e A = (a, b) .
Soluo. Basta observar que a funo f : B 1 (O) B r ( A) definida por

f ( x, y ) = (a, b) + r ( x, y ) = (a + rx, b + ry )

bijetora.

Exemplo 1.5. Os conjuntos , Z e so equipotentes, pois a funo f : Z definida


por

2a 1, se a > 0
f (a) =
2a, se a 0
claramente bijetora e a funo g : definida por g (0, 0) = 0 e g (m, n) = 2m (2n + 1)
bijetora, pois cada a {0} , pode ser escrito de modo nico sob a forma a = 2m (2n + 1) .
Exemplo 1.6 (Princpio de Dirichlet). m, n so equipotentes se, e somente se, m = n Em
particular, se f : n n uma funo injetora, ento f sobrejetora (bijetora).
Soluo. Para um m fixado, seja

S = {n : m n m = n}
Ento 0 S , pois se m 0 , ento existe uma funo bijetora f : m 0 . Como 0 = temos que
m = = 0 . Suponhamos que o resultado seja vlido para algum n, isto , n S . Sejam f : m n + uma
funo bijetora e k = f (m 1) . Consideremos a funo g : n + n + definida por

64

x=k
n, se

g ( x) = k , se
x=n
x, se x {k , n}.

Se k = n , ento

g = I n + . Se k n , ento g g = I n + . Logo, g uma funo bijetora e

h = g f : m n + uma a funo bijetora tal que h(m 1) = n , isto , h aplica m 1 sobre n . Assim,
por hiptese, m 1 = n . Logo,
m = {0,1, , m 1} = {0,1, , n} = n + 1 = n + ,

ou seja, n + S . Portanto, S = .
Sejam A e B dois conjuntos. Diremos que A de uma potncia menor do que B se existir uma
funo injetora f : A B e denotaremos por A B . Finalmente, diremos que A de uma potncia
estritamente menor do que B se existir uma funo injetora f : A B e no existir g : A B
sobrejetora. Denotaremos por A B .
Teorema 1.7 (Teorema de Cantor). Seja A um conjunto qualquer. Ento A P( A) .
Prova. Primeiro note que a funo j : A P( A) definida por j ( x) = {x} claramente injetora. Portanto,
A P( A) . Agora, suponhamos, por absurdo, que exista uma funo f : A P( A) sobrejetora. Para
cada x A , temos que f ( x) A . Assim, x f ( x) ou x f ( x) . Consideremos o conjunto
S = {x A : x f ( x)} .
Ento S P( A) . Logo, por hiptese, existe y A tal que f ( y ) = S . Como S A temos que y S ou
y S . Se y S , ento y f ( y ) = S , o que uma contradio. Se y S , ento y f ( y ) = S , o que

uma contradio. Portanto, A P( A) .

1.
2.

Corolrio 1.8. Seja A um conjunto qualquer. Ento:


Se B um subconjunto de A, ento B P( A) .
Se P( A) um subconjunto de D, ento A D .

Prova. Fica como um exerccio.

Seja A um conjunto. Diremos que A um conjunto infinito se ele for equipotente com um
subconjunto prprio ou, equivalentemente, existir uma funo f : A A injetora tal que f ( A) A . Caso
contrrio, ele um conjunto finito.
Exemplo 1.9. O conjunto dos nmeros naturais infinto, pois a funo
por f (n) = 2n (ou f (n) = 2n + 1) claramente injetora.

1.
2.

f : definida

Teorema 1.10. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Ento:


Se B um conjunto infinito e B A , ento A um conjunto infinito.
Se A um conjunto finito e B A , ento B um conjunto finito.

Prova. Vamos provar apenas o item (1). Como B um conjunto infinito temos que existe uma funo
f : B B injetora tal que f ( B ) B . Seja g : A A a funo definida por

f (a ), se a B
g (a) =
se a B.
a,

Ento g injetora e g ( A) A , pois A = B ( A B ) . Portanto, A um conjunto infinito.

65

Teorema 1.11. Sejam A conjunto infinito qualquer e a 0 A fixado. Ento A {a 0 } um conjunto


infinito. Conclua que se B um subconjunto no vazio finito de A, ento A B um conjunto infinito.
Prova. Como A um conjunto infinito temos que existe uma funo f : A A injetora tal que
f ( A) A . Assim, h dois casos a serem considerados:

1.o Caso. Se a 0 f ( A) , ento existe a 1 A tal que f (a 1 ) = a 0 . Neste caso, a funo

g : A {a 0 } A {a 0 } definida por
se
x a1
f ( x),
g ( x) =
b, se x = a 1 A {a 0 },
em que b um elemento qualquer de A f ( A) fixado, tem as propriedades desejadas.

2.o Caso. Se a 0 f ( A) , ento a funo g : A {a 0 } A {a 0 } definida por g ( x) = f ( x) tem as


propriedades desejadas.
Portanto, em qualquer caso, A {a 0 } um conjunto infinito.

Exemplo 1.12. Mostre que o conjunto


finito, para todo n .

I n = {k : k < n + 1} = {0,1, , n}

Soluo. Vamos usar induo sobre n. Se n = 0 , nada h para ser provado. Suponhamos que o resultado seja
vlido para algum n. Consideremos o conjunto
I n +1 = {k : k < n + 2} = I n {n + 1} .
Ento I n +1 um conjunto finito. Caso contrrio, pelo Teorema 1.11, I n +1 {n + 1} = I n um conjunto
infinito, o que contradiz a hiptese de induo. Portanto, I n um conjunto finito, para todo n .

Lema 1.13. Sejam x ] 0,1 [ e d , com d 2 . Ento para cada n existe uma nica
expresso

x=
onde os a i satisfazem

a1
d

a2
d

0 ai < d e 0 qn <

an
dn

+qn,

1
.
dn

Prova. (Existncia) Primeiro note que para cada x R + , obtemos

x x < x + 1, em que x = max{m : m x} .


Assim, se m = x , ento

x = m + q, onde q [0,1 [ Q .

Agora, sejam x ] 0,1 [ e m = xd n . Ento m e existe q n [0,1 [ tal que x = m + q n . J vimos,

pelo Algoritmo da Diviso, que existem nicos c i , n tais que

m = c 0 d 0 + c 1d 1 +

+ c nd n ,

onde os c i satisfazem

0 c i < d e n = log d m .
Portanto, dividindo a expresso de m por d n , obtemos

66

x=
onde a i = c n i satisfazem

a1

a2
d

an
dn

+qn,

1
.
dn

0 ai < d e 0 qn <
(Unicidade) Seja

x=
onde b i satisfazem

b1

b2
d

bn
dn

+ rn ,

0 b i < d e 0 rn <

1
dn

outra expresso para x. Ento

a1

a2

d2

an

dn

+qn =

b1
d

b2

bn

+ rn .
d2
dn
Assim, pela unicidade da representao na base d, obtemos a i = b i e q n = r n .
d

Exemplo 1.14. Os conjuntos 2 e R so equipotentes.


Soluo. Pela Observao 1.3, basta provar que os conjuntos 2 e I =] 0,1 [ so equipotentes. Pelo Lema
1.13, cada x I pode ser escrito de modo nico sob a forma

x=

x1
2

x2
2

x3
23

onde x i {0,1} . Assim, para cada x I fixado, obtemos uma funo x : {0,1} definida por

x i , se i 0
0, se i = 0,

x (i ) =

ou seja, x 2 , para todo x I . Logo, a funo f : I 2 definida por f ( x) = x claramente


bijetora. Portanto, os conjuntos 2 e R so equipotentes.

Exemplo 1.15. Os conjuntos R R e R so equipotentes.


Soluo. Seja I =] 0,1 [ . Ento basta observar que a funo f : I I I definida por

f (0, x 1 x 2 x 3 ; 0, y 1 y 2 y 3 ) = (0, x 1 y 1 x 2 y 2 x 3 y 3 )

bijetora.

Finalizaremos esta seo com o seguinte comentrio: Seja A um conjunto qualquer. Ento, pelo
Teorema 4.8 da unidade II, os conjuntos P( A) e 2 A so equipotentes. Portanto, A 2 A . Agora, se
fizermos
A 1 = , A 2 = P( A 1 ), A 3 = P( A 2 ), ,
ento obtemos uma famlia (sequncia) estritamente crescente de conjuntos infinitos

A1 < A 2 < A 3 <

Consideremos

B 1 = i A i +1

Ento P( A i +1 ) B 1 , pois A i +1 B 1 , para todo i . Assim, pelo item (2) do Corolrio 1.8,

A i +1 B 1 , i .
Logo, se fizermos

67

B 2 = P( B 1 ), B 3 = P( B 2 ), B 4 = P( B 3 ), ,
ento obtemos uma sequncia estritamente crescente de conjuntos infinitos

A1 < A 2 < A 3 <

< B1 < B 2 < B 3 <

Portanto, de modo intuitivo, existem mais "medidas" de conjuntos infinitos que diferentes "medidas" de
conjuntos finitos. No entanto, toda a matemtica clssica, trabalha apenas com duas "medidas" de conjuntos
infinitos, a saber, os conjuntos equipotentes a e os conjuntos equipotentes a 2 . A potncia 2
frequentemente chamada de potncia do contnuo.
3.2 Nmeros cardinais
J vimos que a relao entre conjuntos

A B

uma relao de equivalncia. Assim, esta definio nos permite comparar medidas de conjuntos, mas no
explica o que significa a medida. De fato, a essncia da medida mais filosfica do que matemtica, ou
seja, intuitivamente, a medida de um conjunto A a propriedade que comum a todos os conjuntos que so
equipotentes a ele. Formalmente, temos o seguinte axioma.

ZF10 - Axioma dos nmeros cardinais. Existe uma classe de conjuntos C , chamada de nmeros
cardinais, com as seguintes propriedades:
1. Se A um conjunto qualquer, ento existe um nmero cardinal tal que A .
2. Se A um conjunto e , so nmeros cardinais, ento A e A implicam = .
Notaes: = # A , = card( A) ou = A .
Observao 2.1. Infelizmente, a classe de nmeros cardinais C no um conjunto. De fato,
suponhamos, por absurdo, que C seja um conjunto. Ento, pelo axioma ZF5 ,

K = C
um conjunto. Assim, pelo axioma ZF6 , P( K ) um conjunto. Logo, pelo item (1) do axioma ZF10 , existe
um nmero cardinal tal que P( K ) , o que uma contradio, pois K e K P( K ) .
Definimos os cardinais finitos como

0=
1 = {0}
2 = {0,1}
Alm disso, denotaremos

0 =
1 = P( )
2 = P(P( ))
Finalmente, denotaremos c = R . Neste caso, pelo Exemplo 1.14, c = R = 2 = P( ) = 1 .
Sejam , nmeros cardinais e A, B conjuntos tais que = A e = B . Diremos que que
menor do que ou igual a , em smbolos, , se A B , ou seja, se existir uma funo injetora
f : A B . fcil verificar que uma pr-ordem entre os nmeros cardinais.
Notao: < significa que e .

68

Lema 2.2. Seja f : A B uma funo sobrejetora. Ento B A .


Prova. Pelo Exemplo 1.11 da unidade IV, existe uma funo g : B A tal que f

g = I A . Agora, fcil

verificar que g uma funo injetora. Portanto, B A .

Lema 2.3. Sejam A, B conjuntos quaisquer. Se A B , ento

A {a} B {b} , para todo

a A e bB .
Prova. Seja f : A B uma funo injetora. Vamos definir g : A {a} B {b} por

f ( x), se x a e b f (a)
g ( x) =
f (a), se x a e b = f (a).
Ento fcil verificar que g uma funo injetora e Dom( g ) = A {a} .

Lema 2.4. Sejam A conjunto qualquer e B um subconjunto de A. Se existir uma funo injetora
f : A B , ento A = B .
Prova. (R. H. Cox) Se A = B , nada h para ser provado. Suponhamos que B A . Ento A B .
Consideremos o conjunto
C = n f n ( A B ) A ,

em que f ( A B) = ( A B) e f ( x) = f ( f
que
n

n 1

( x)) , para todo x A e n , confira a Figura 13. Note

A B C e f (C ) C .
Alm disso, para cada m, n , com m n , obtemos
f m ( A B) f n ( A B) = ,
pois se m < n e
f m ( A B) f n ( A B) ,
ento existem x, y A B tais que
f m ( x) = f n ( y ) f n m ( y ) = x B .
Logo, x B ( A B) = , o que impossvel. Agora, vamos definir a funo g : A B por
f ( x), se x C
g ( x) =
se x C.
x,
Ento, por definio, g injetora. Como ( A X ) Y = ( A Y ) ( X Y ) temos que
g ( A) = ( A C ) f (C )

(
= (A
= ( A

) (
( A B) ) (
( A B) ) (

= A n f n ( A B) f
n

n +1

)
( A B) )

f n ( A B)
n +1

f n ( A B) n f

n +1

( A B)

= A ( A B)
= B.
Portanto, g sobrejetora e A = B .

69

Figura 13. Esboo da prova do Lema.


Teorema 2.5 (Schrder-Bernstein). Sejam A, B conjuntos quaisquer. Se A B e B A ,
ento A = B .
Prova. Sejam X um subconjunto de A e Y um subconjunto de B tais que A Y e B X . Ento existem
funes bijetoras f 1 : A Y e g 1 : B X . Logo, f = g 1 f 1 : A X uma funo injetora. Assim,
pelo Lema 2.4, existe uam funo bijetora h : A X . Portanto, a funo g 11 h : A B bijetora e

A= B.

Observao 2.6. J vimos que era uma pr-ordem entre os nmeros cardinais. Portanto, pelo
Teorema 2.5, uma ordem entre os nmeros cardinais. Pode ser provada que para quaisquer nmeros
cardinais e uma e apenas uma das condies ocorre:
< , = ou > (Lei da Tricotomia).
Exemplo 2.7. Os conjuntos ] 0,1 [ e [0,1] so equipotentes.
Soluo. A funo j : ] 0,1 [ [0,1] definida por j ( x) = x claramente injetora. Por outro lado, a funo
f : [0,1] ] 0,1 [ definida por

f ( x) =

1
1
x+
2
4

claramente injetora. Portanto, pelo Teorema 2.5, os intervalos so equipotentes.

Exemplo 2.8. Os conjuntos e Q so equipotentes. Conclua que todos os conjunto enumerveis


so equipotentes.
Soluo. A funo j : Q definida por j ( x) = x claramente injetora. Por outro lado, comoqualquer
nmero racional r Q pode ser escrito de modo nico sob a forma

r=

m
, onde m, n Z , n > 0 e mdc(m, n) = 1
n

temos que a funo f : Q definida por

2n3m , se m 0
g (r ) = n m
2 5 , se m < 0
injetora. Portanto, pelo Teorema 2.5, os conjuntos e Q so equipotentes.

70

Finalizaremos esta seo com o seguinte resultado:


Hiptese do Contnuo. No existe nenhum nmero cardinal tal que 0 < < c , em que

0 = e c = 2 .
3.3 Aritmtica dos Nmeros Cardinais
Nesta seo provaremos que os nmeros cardinais possuem quase todas as propriedades
algbricas dos nmeros naturais.
Lema 3.1. Sejam f : A X e g : B X funes quaisquer tais que

f ( A B) = g ( A B) .
Ento existe uma nica funo h : A B X tal que h A = f e h B = g .
Prova. (Existncia) Dado x A B , vamos definir h( x) = f ( x) se x A e h( x) = g ( x) se x B .
Assim, se x A B , ento por hiptese h( x) = f ( x) = g ( x) . Portanto, h est bem definida e h A = f e

h B=g.
(Unicidade) Seja h 1 : A B X outra funo tal que h 1 A = f e h 1 B = g . Ento dado

x A B , obtemos x A ou x B ou x A B , por exemplo, se x A , ento


h 1 ( x ) = f ( x ) = h( x ) .
Portanto, em qualquer caso h 1 ( x) = h( x) , ou seja, h 1 = h .

Teorema 3.2. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer tais que A B = e C D = . Se

A C e B D , ento A B C D .

Prova. Suponhamos que A C e B D . Ento existem funes bijetoras f : A C e g : B D .


Assim, pelo Corolrio 4.3 da unidade II, f : A C D e g : B C D so funes tais que

f ( A B) = g ( A B) .
Logo, pelo Lema 3.1, existe uma nica funo h : A B C D tal que h A = f e h B = g . Por outro
lado, pelo Corolrio 4.3 da unidade II, f

1
1

: C A B e g 1 : D A B so funes tais que


(C D ) = g 1 (C D) .

Logo, pelo Lema 3.1, existe uma nica funo k : C D A B tal que k C = f

e k D = g 1 .

Agora, dado x A B , obtemos x A ou x B , por exemplo, se x A , ento


(k h)( x) = k (h( x)) = k ( f ( x)) = f 1 ( f ( x)) = x .
Portanto, k h = I

A B

. De modo inteiramente anlogo, prova-se que h k = I C D . Assim, h uma funo

bijetora e A B C D .

Sejam , nmeros cardinais e A, B conjuntos disjuntos tais que = A e = B . Definimos a


adio sobre os nmeros cardinais como sendo

+ = A B .

1.
2.

Observao 3.3.
Pelo Teorema 3.2 esta operao bem definida.
Note que se A e B so dois conjuntos quaisquer, ento A equipotente A {1} e B equipotente B {2} ,
com
71

( A {1}) ( B {2}) = ,
mesmo que A e B no sejam disjuntos. Portanto,

+ = ( A {1}) ( B {2}) ,
em que = A e = B . Assim, a definio da adio de nmeros cardinais pode ser substiuda por esta.
3.

Note que se A = {a, b, c} e B = {1, 2,3, 4,5} , ento

3 + 5 = A B = {a, b, c,1, 2,3, 4,5} = 8 .


Neste caso, a adio dos nmeros cardinais coincide com a adio usual dos nmeros naturais.

1.
2.
3.
4.
5.

Teorema 3.4. Sejam , , e nmeros cardinais. Ento:


+ ( + ) = ( + ) + .
0 + = .
+ = + .
+ .
Se e , ento + +

Prova. Vamos provar apenas o item (1). Basta observar que A ( B C ) = ( A B) C , para todos os
conjuntos A, B e C.

Observao 3.5. Sejam , , e nmeros cardinais. Ento + = + no implica que


= , pois

0 + 0 = 0 = 0 + 1 , mas 0 1 ,
confira exemplo a seguir. Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto dos nmeros naturais, mas no
nos nmeros cardinais.
Exemplo 3.6. Sejam p = {0, 2, 4, 6,} e i = {1,3,5, 7,} , ento pelo Exemplo 1.9,

p = 0 = i . Em particular,
0 + 0 = p i = = 0 .
Teorema 3.7. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A C e B D , ento A B C D .
Prova. Suponhamos que A C e B D . Ento existem funes bijetoras f : A C e g : B D .
Assim, a funo h : A B C D definida por

h( x, y ) = ( f ( x), f ( y ))
claramente bijetora. Portanto, A B C D .
Sejam , nmeros cardinais e A, B conjuntos que = A

e = B . Definimos a

multiplicao sobre os nmeros cardinais como sendo

= A B .

1.
2.

Observao 3.8.
Pelo Teorema 3.7 esta operao bem definida.
Note que se A = {a, b, c} e B = {1, 2,3} , ento

3i3 = A B = {(a,1), (a, 2), (a,3), (b,1), (b, 2), (b,3), (c,1), (c, 2), (c,3)} = 9 .
Neste caso, a multiplicao dos nmeros cardinais coincide com a multiplicao usual dos nmeros
naturais.

72

1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.

Teorema 3.9. Sejam , , e nmeros cardinais. Ento:


( ) = ( ) .
1i = .
= .
( + ) = + .
, se > 0 .
Se e , ento .
+ = 2i .
+ i , se > 1 .

Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (4) e (7): (1) A funo f : A ( B C ) ( A B) C definida
por

f ( x, ( y, z ) = (( x, y ), z )

claramente bijetora.
(4) Basta observar, pelo Teorema 3.5 da unidade II, que ( A B) C = ( A C ) ( B C ) , para
todos os conjuntos A, B e C.
(7) Se = A , ento 2i = {1, 2} A . Por outro lado, como

{1, 2} A = ({1} {2}) A = ({1} A) ({2} A)


temos que {1, 2} A = + . Portanto, + = 2i .

Observao 3.10. Sejam , , e nmeros cardinais. Ento = no implica que


= , pois pelo Exemplo 1.5

0 0 = = = 0 = 0 i1 , mas 0 1 .
Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto dos nmeros naturais, mas no nos nmeros cardinais.
Exemplo 3.11. Mostre que 0 c = c .
Soluo. A funo f : Z [0,1 [ R definida por f (n, x) = x + n , pela Observao 3.13 da unidade III,
bijetora. Portanto, 0 c = c .

Teorema 3.12. Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A C e B D , ento B A D C .


Prova. J vimos, na unidade II, que Y X representa o conjunto de todas as funes com domnio X e
contradomnio Y. Agora, suponhamos que A C e B D . Ento existem funes bijetoras f : A C e

g : B D . Seja F : B A D C a funo definida por F (k ) = h , onde h D C tal que


h( f ( z )) = g (k ( z )), z A ,
ou seja, h = g 1 k f , confira o diagrama. Ento F claramente bijetora. Portanto, B A D C .

Sejam , nmeros cardinais e A, B conjuntos tais que = A e = B . Definimos a


potenciao sobre os nmeros cardinais como sendo

= BA ,

73

Observao 3.13. Pelo Teorema 3.12 esta operao bem definida. Convencionamos 0 = 0 e
0 = 1.
Teorema 3.14. Sejam , , e nmeros cardinais. Ento:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.

= + .

( )

= .

( ) = .
, se > 0 .
, se > 1 .
Se e , ento .
= 2 .

Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (2) e (7): (1) Sejam A, B e C conjuntos tais que = A , = B
e = C , em que B C = . Primeiro note que se f : B A e g : C A so funes quaisquer,
ento, pelo o diagrama,

fcil verificar que existe uma nica funo h tal que h f 1 = f e h g 1 = g . Agora, a funo

F : A B C A B A C definida por
F ( h) = ( h f 1 , h g 1 )
tem as propriedades desejadas. Portanto, A B C A B A C .
(2) Sejam f : B C A uma funo qualquer e y C fixado. Ento f

f y ( x) = f ( x, y ) claramente uma funo. Neste caso, F : C A

: B A definida por

definida por F ( y ) = f

uma

( )

funo (note que [ F ( y )]( x) = f y ( x) = f ( x, y ), x B e y C ). Agora, a funo G : A BC A B

definida por G ( f ) = F tem as propriedades desejadas, por exemplo, dados . f , g A BC , obtemos


f ( x, y ) = [ F ( y )]( x) = g ( x, y ), ( x, y ) B C .

( )

Logo, f = g , ou seja, G injetora. Portanto, A BC A B

Finalmente, para provar (7), basta observar que

iI

A i = A1 A 2 ,

em que I = {1, 2} .

4. Avaliando o que foi construdo


Nesta unidade apresentamos o conceito de conjuntos equipotentes e o conceito formal de nmeros
cardinais via mtodo axiomtico. Alm disso, vimos que o conjunto dos nmeros cardinais possui quase
todas as propriedades algbricas do conjunto dos nmeros naturais.
No apresentamos o conceito de nmeros ordinais, pois este tema est alm dos objetivos deste
texto. O leitor interessado neste tema pode consultar Lipschutz, S., [3].

74

No Moodle
Voc pode procurar a plataforma MOODLE para trabalhar no desenvolvimento de resultados
relacionados. Voc ainda ter oportunidade de por em prtica seus conhecimentos nas aplicaes
elaboradas sobre o tema.

Prepare-se para grandes descobertas!

5. Referncias Bibliogrficas
1.

Da Costa, N. C. A. - Introduo aos Fundamentos da Matemtica, Editora Hucitec, 1977.

2.

Halmos, P. R. - Naive Set Theory, Princeton, N.J., Van Nostrand, 1960.

3.

Lipschutz, S. - Teoria dos Conjuntos, Coleo Schaum, McGraw-Hill, 1978.

4.

Pinter, C. C. - Set Theory, Addison-Wesley, 1971.

5.

Silva, A. A. - Notas de Aula, Departamento de Matemtica, UFPB.

6.

Wilder, R. L. - Introduction to the Foundation of Mathematics, John Wiley & Sons, 1965.

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