Ictericia
Ictericia
Introdução
A icterícia neonatal é o sinal mais freqüente na prática clínica diária em Neonatologia, pois
80% dos recém-nascidos (RN) podem apresentar algum grau de icterícia4. Embora, na maioria
destes, ela seja classificada como fisiológica ou "própria" desta fase da vida, algumas delas
podem-se apresentar como sintoma de uma doença, além disso, o RN é, em particular,
susceptível aos efeitos tóxicos da hiperbilirrubinemia3,8.
Icterícia fisiológica
Algumas particularidades do metabolismo da bilirrubina ocorrem no período neonatal,
justificando a ocorrência da icterícia fisiológica, entre elas1,3:
1. Maior produção de bilirrubina: por apresentar menor vida média das hemáceas; maior
volume eritrocitário por kg de peso; aumento da bilirrubina de pico precoce, por eritropoese
ineficaz e proveniente também, do catabolismo de outras enzimas.
2. "Imaturidade" hepática: com menor capacidade de captação, conjugação e excreção de
bilirrubina.
3. Maior reabsorção intestinal: devido à ausência de flora bacteriana nos primeiros dias de
vida e, pela presença de altas concentrações da enzima ß-glicuronidase, que desconjuga a
bilirrubina direta na luz intestinal, formando-se assim, grande quantidade de bilirrubina
indireta, podendo ser novamente absorvida para a corrente sangüínea, criando-se então, a
circulação enterohepática da bilirrubina.
Tratamento da hiperbilirrubinemia
Atualmente, existem na literatura inúmeras publicações experimentais, sugerindo que a
bilirrubina possa ter um efeito protetor sobre as células, principalmente em relação à ação
oxidante dos radicais livres, porém, a hiperbilirrubinemia indireta ainda é temida pelo seu
efeito lesivo sobre o sistema nervoso central (SNC), promovendo a encefalopatia bilirrubínica
(EB)8,16,23.
As medidas específicas para se combater a hiperbilirrubinemia indireta consistem em: remoção
mecânica, pela exsangüíneo-transfusão (EXT) ou aumento de sua excreção, através da
fototerapia17.
O tratamento da icterícia ainda repousa nos níveis de bilirrubina indireta, com uma tendência a
sermos mais agressivos na fototerapia, ou seja, indicá-la com níveis menores de bilirrubina
total, utilizando-se uma irradiância maior e não se usando doses homeopáticas de irradiância
para se tratar uma icterícia de qualquer intensidade13. Já no que concerne à EXT, os níveis de
sua indicação em RN de termo e saudável foram elevados, porém em RN com hemólise
acentuada ou prematuros, ainda somos mais conservadores, indicando a EXT na vigência de
menores níveis6,27. Porém, como existem estudos sugerindo que níveis não exagerados de BI
podem levar a deficiências do desenvolvimento neuropsicomotor e da audição, mesmo na
ausência de um quadro de EB9, recomenda-se cautela para mudanças radicais na abordagem
do RN ictérico, ressaltando-se que nunca se deve subestimar uma icterícia importante, mesmo
em RN de termo saudáveis13,14.
Nos RN pré-termo, como estes são considerados como de maior risco para a EB,
principalmente por apresentarem, em concomitância, situações que poderiam alterar a
permeabilidade da barreira hemato-encefálica, como por exemplo: asfixia, infecções, distúrbios
metabólicos, hipoalbuminemia, somadas à própria prematuridade, que por si poderia
apresentar maior permeabilidade de tal barreira8,20, ainda indicamos a EXT com níveis de Bl
maiores ou iguais a 1% do peso de nascimento, até o peso de 1800g, permanecendo o nível
de 18 mg/dl para os prematuros maiores6,19. Ainda tendemos a diminuir mais estes níveis, em
vigência de fatores de risco, porém existe uma grande dificuldade para se avaliar, interpretar e
mensurar tais fatores20.
Exasangüíneo-transfusão
Este método é um dos mais eficazes para o tratamento da hiperbilirrubinemia indireta
neonatal. Ele é fácil de ser realizado, desde que feito por profissional habilitado, que domine a
técnica e com os devidos cuidados. Deve ser lembrado ainda, que ele não é totalmente isento
de riscos, porém suas complicações são infreqüentes6,7.
Apesar de existirem três tipos de EXT, dependendo do fluido utilizado, atualmente, a que usa
sangue total reconstituído é a mais indicada e deve ser realizada preferencialmente pela veia
umbilical. A artéria umbilical ou outras veias de grande calibre também podem ser utilizadas7.
O volume trocado é de duas volemias (uma volemia em RN de termo, 80ml/kg e em RN pré-
termo, 100ml/kg) e, com isto, troca-se 85% do sangue, o que é suficiente para se obter uma
boa eficácia no processo7,21.
Para a seleção do sangue a ser trocado, seguimos a seguinte orientação7,26.
1. Hiperbilirrubinemia não imune: hemáceas e plasma compatíveis com o RN;
2. Incompatibilidade Rh:
a) sangue preparado antes do nascimento: tipo O Rh negativo compatível com o plasma
materno;
b) sangue preparado após o nascimento: hemáceas compatíveis com as do RN, Rh negativo e
plasma compatível com o materno;
3. Incompatibilidade ABO: sangue O Rh negativo ou Rh compatível com a mãe e o RN, com
baixos títulos de Anti-A e/ou Anti-B (hemáceas O podem ser utilizadas com plasma AB, para se
ter segurança quanto à ausência de Anti-A e Anti-B).
4. Outras doenças hemolíticas aloimunes: sangue desprovido do antígeno sensibilizante,
compatível com o materno.
Em relação ao anticoagulante, o sangue tratado com ácido-fosfato-dextrose (CPD) é o de
eleição para o período neonatal. Ressaltamos também, que o sangue deve ser o mais fresco
possível, de preferência com idade inferior a 48 horas7.
Técnica do procedimento6,7,26,27
- iniciá-lo retirando sangue do RN e utilizá-lo para as determinações laboratoriais;
- retirar e injetar alíquotas pequenas, de 1 a 5ml, lentamente;
- completá-lo injetando sangue e, a seguir colher nova bateria de exames do RN (marco zero
do procedimento);
- manter o catéter umbilical com infusão de soro glicosado, por no máximo 12 horas;
- manter o RN em fototerapia após o procedimento;
- coletar sangue para determinação de bilirrubinas, hematócrito, hemoglobina, cálcio e
gasometria, 6 e 12 horas após o procedimento;
- monitorização da glicemia sangüínea com 3, 6 e 12 horas após o procedimento.
Dentre as principais complicações, destacamos: embolias; tromboses; arritmias por
sobrecarga de volume, podendo inclusive ocorrer parada cardíaca; distúrbios acido-básicos,
hidroeletrolíticos e metabólicos; trombocitopenia, levando a sangramentos; infecções e
hipotermia6.
A realização da EXT em ambiente asséptico e com técnica correta diminui bastante as chances
de complicações6,7. Em relação à trombocitopenia, decorrente da própria patologia do RN, ou
devido à troca por um sangue com concentração reduzida de plaquetas, levou-nos a preconizar
a transfusão de concentrado de plaquetas após a realização do procedimento, evitando-se
assim, sangramentos, principalmente a nível do SNC6.
Nas primeiras 24 h de vida, a indicação da EXT é mais precisa, levando-se em conta o quadro
clínico, exames laboratoriais e o aumento da Bl; portanto, indicamos este procedimento nas
seguintes condições (Quadro 1)6,17:
Fototerapia
Outra maneira de tratamento da hiperbilirrubinemia indireta consiste na colocação do RN sob
efeito de uma fonte de luz que emita energia na faixa de 400-450nm, correspondente à faixa
azul5.
A energia luminosa transforma a molécula da BI em formas hidrossolúveis, facilitando sua
excreção. Podem ocorrer três reações químicas: a foto-oxidação e as isomerizações,
configuracional e estrutural. Este último isômero, a lumirrubina, é o principal fotoproduto,
sendo excretado pelo fígado e rins1,5.
A eficácia da fototerapia depende do comprimento da onda de luz utilizada e, uma maior
intensidade desta, leva à fomação mais rápida dos fotoderivados5. Esta intensidade é
mensurada pela irradiância, que é a quantidade de luz emitida sobre uma superfície e é
medida em watts/cm2/nm5.
Vários tipos de lâmpadas são utilizadas para este procedimento, a saber: luz branca, azul e as
halogênicas1. A fototerapia convencional usa seis a oito lâmpadas fluorescentes brancas e/ou
azuis, dispostas 40 a 50 cm acima do RN. A irradiância que se objetiva atingir é de
12uw/cm2/nm5,11.
Eventualmente, para se conseguir tal irradiância, é necessária a utilização de mais de um
aparelho de fototerapia11. Nesta modalidade, o RN recebe a luz igualmente distribuída nas
diferentes partes do corpo2,10.
A fototerapia com fonte de luz halogênica utiliza lâmpadas que emitem uma irradiância bem
maior, atingindo 50uw/cm2/nm24. O campo central iluminado pela luz halógena recebe
irradiância maior que a periferia e o RN não recebe a luz de forma igual nas diversas partes do
corpo10.
Existem também outras modalidades de fototerapia, como por exemplo,com cobertores de
fibra ótica e através do biliberço, que ainda não se mostram superiores à fototerapia com
lâmpada halogênica2,10,24.
Dentre os efeitos colaterais causados pela utilização da fototerapia podemos citar:
aumento da perda hídrica insensível, exantema máculo-papular e aumento do número de
evacuações, com fezes amolecidas5. Algumas complicações poderão surgir com o uso da
fototerapia: genotoxicidade, efeitos sobre a retina, desidratação, hipertermia e síndrome do
bebê bronze5. Para se evitá-las, preconizamos a proteção ocular e dos genitais, a elevação da
oferta hídrica e um cuidado maior na vigência de icterícia que se acompanhe de elevação dos
níveis de bilirrubina direta5. A fototerapia ou banho de luz é a primeira opção, na maioria
dos casos. Deve ser realizada no hospital, de preferência no alojamento conjunto. A indicação
dependerá dos níveis séricos de bilirrubina, do tipo de icterícia (hemolítica ou não) e das
características do RN (idade gestacional, peso de nascimento e fatores de risco para
Kernicterus). Este tratamento consiste na utilização de energia luminosa na transformação da
bilirrubina em produtos mais hidrossolúveis, através da fotoisomerização e fotooxidação.
A fotoisomerização é a mais importante, causando a transformação de bilirrubina em
lumirrubina, sendo esta solúvel em água, rapidamente excretada pela bile e urina sem
necessidade de conjugação. A molécula de bilirrubina absorve energia luminosa emitida no
comprimento de onda entre 425-475 µm. A eficácia da fototerapia dependerá da sua
irradiância (a mínima considerada eficaz é de 4µw/cm²/nm.
Existem alguns tipos de aparelhos de fototerapia, podendo ser citados a fototerapia
comum (aparelho com 6 a 7 lâmpadas fluorescentes brancas na maioria dos serviços, sendo
que o ideal é de 7 a 8 lâmpadas), fototerapia com lâmpadas azuis (irradiância 2 a 3 vezes
maior que as lâmpadas brancas), fototerapia de fibra óptica-Biliblanket (consiste num colchão
de 13x10cm, no qual a luz trafega em um cabo de fibra óptica se espalhando através do
mesmo), fototerapia halógena-Bilispot (constitui-se de um foco de 20cm de diâmetro com uma
lâmpada de halogênio-tungstênio e filtro para ultra-violeta e infravermelho) e bili-berço (berço
de acrílico com 5 lâmpadas fluorescentes brancas no fundo).
Para realização deste tipo de tratamento, devem-se ter os devidos cuidados com o RN:
• Estar totalmente despido;
• Usar protetor ocular;
• Aumentar a ingesta, se possível, oral;
• Temperatura deverá ser medida de 4/4h.
Quando e Quais exames laboratoriais devem ser colhidos para investigação da Icterícia
Neonatal?
Devemos colher exames para investigação da icterícia toda vez que suspeitarmos de icterícia
patológica, ou seja, icterícia de aparecimento antes de 24 horas de vida, aumento da
bilirrubina acima de 5 mg/dL/dia, duração da icterícia acima de 10 dias no RN termo e 21 dias
no prematuro, bilirrubina total acima de 13mg/dL no RN termo e 10 mg/dL no prematuro.
Os exames laboratoriais a serem colhidos na investigação da icterícia patológica
compreendem: dosagem de bilirrubina total e frações, tipagem sanguínea da mãe e recém-
nascido, coombs direto do RN, coombs indireto da mãe se Rh negativo, pesquisas de anti-A e
anti-B se mãe O e RN A ou B, hematócrito e hemoglobina, hematoscopia, reticulócitos e
esferócitos, dosagem de glicose-6-fosfato desidrogenase.
Nível Sérico de Bilirrubina Total (mg/dL) para indicação de fototerapia
( UNIFESP –EPM, 2004)
Peso ao Nascer - Fototerapia
Fototerapia Simples
gramas Dupla
Profilática entre 12 e 24
≤ 1000 8
horas de vida
1001-1500 6 10
1501-2000 10 13
2001-2500 13 15
>2500 ou termo 15 17