Capítulo 6 - POR QUE O DIABO RI? - A Filosofoa Do Diabo
Capítulo 6 - POR QUE O DIABO RI? - A Filosofoa Do Diabo
Capítulo 6 - POR QUE O DIABO RI? - A Filosofoa Do Diabo
***
- Quem?
- Esquece. São para comemorações especiais, e hoje
devemos celebrar. Mas para tanto, ofereço-lhe meu
cachimbo da paz. – Epaminondas tirou de um recipiente
que estava em um canto da sala, o que parecia ser um
imenso charuto, acendeu e sentou-se em seu ‘trono’. -
Mas o que está esperando? – prosseguiu – sirva esse
delicioso vinho nessas taças que preparei especialmente
para você.
- Nessas taças?
****
- Se não pode ser você mesmo, seja o que você faz, que
remédio? Já lhe disse uma vez que não tenho pendores
para mestre, então não tente me seguir. Cada um é cada
um, de minha parte sofri uma grande ruptura com o
mundo lá fora e fiz deste limão uma laranjada! É da
minha índole, gosto dos desafios, quero sim ver quem é
mais forte do que eu. Nesta queda de braço sou mais eu.
Vivo na sombra, poderia despedaçar um sóbrio pegando
em seu pé e o puxando para baixo, para a escuridão;
seus gritos alucinados poderiam se fazer escutar em
todo o Planeta! Todos os demais, os ‘irmãozinhos no
infortúnio’ viriam em seu socorro, mas bastaria que eu
botasse meu rosto para fora e os fitasse com meus olhos
de fogo para que todos saíssem em disparada e
passassem o resto da noite agarrados em seus livros-
frauda. Agarrariam-se a todas essas chupetas que os
homens-nenês recorrem quando vêem fogo! Gosto de
fazer ‘buuuu’ e vê-los correr. Quem pode com meu fogo?
Cuspo fogo. Ejaculo fogo. Que sóbrio poderá comigo?
Minha imaginação desbrava mundos inimagináveis, vôo
acima de céus vermelhos, amarelos e de cores que ainda
não foram inventadas; assumo tamanho impensável,
engulo o universo. Não foram criadas ainda medidas
que possam mensurar o tamanho de minhas asas. Vejo
coisas com o lado de dentro do olho! Coisas
inimagináveis que só eu crio. Isto que você está vendo
não é nada, é só o que posso lhe mostrar sem que você
pire total! Como poderia levar um sóbrio para dentro da
minha imaginação sem enlouquecê-lo ou matá-lo?
Ademais, não tenho propensão a Vergílio. Este inferno é
só meu. E sendo meu, não é inferno, é paraíso! Meu caro
sóbrio, esse caminho não posso seguir por você, se não
tem condições de trilhar, refugie-se no dia a dia e era
isso. Reze com os demais e me esconjure, tenha medo
do escuro porque é lá que habito. E quando ver minhas
encarnações em pedra, papel, tela, seja lá como for,
apenas tenha a presença de espírito para dizer: - Porra,
mas esse cara está muito bonito com esses chifres
pagãos maravilhosos!
É pânico na multidão!
Assustando as coisas...
Que já são...
Tito olhava para Epaminondas como que hipnotizado.
As danças de ciganas daquelas palavras embriagadas
acalmaram a angústia do rapaz, que se sentia totalmente
oco. Tito sentia uma espécie de catarse e vergonha, não
sabia ao certo por que, porém sentia-se envergonhado
por não poder oferecer alguma troca com Epaminondas.
Não era também de estranhar que o negrão se exaltasse
algumas vezes com ele, pois parecia realmente meio
patético e fez colocações patéticas, era um sóbrio, agora
tinha certeza disso, e esta verdade crua o incomodava,
não queria sê-lo! Porém, por mais que olhasse para
dentro de si não encontrava nada. Um demônio quem
sabe? Unzinho! Até mesmo meio inofensivo, qualquer
coisa afinal, mas não, nada! Sentia que era e não era;
quem é Tito? Pensava. A sensação que experimentava
era de um bonifrate que de repente dá-se conta das
cordas que provocam seus movimentos e também de
que se as cortasse cairia no chão feito um amontoado
inútil de ripas de madeira. Agora, a força da presença do
velho diabo quase o esmagava contra a parede da razão
sóbria. Perdido, começava a sentir um leve bafejar de
desespero: quem é Tito? O que fazia ali? Por que estava
ali? Epaminondas acendeu serenamente um charuto,
colocou seu chapéu na cabeça e deu uma profunda
baforada – Não bebe mais, irmão? Este vinho está
delicioso – Tito rejeitou com um sinal negativo
qualquer, estava enjoado e totalmente perdido, a bebida
só complicaria mais as coisas. O negrão então
continuou: - Logo mais realizarei algumas práticas
infernais, mas gostaria que você não estivesse presente,
desta vez não, você não está em condições, não encontro
mais aquela alegria instintiva em seus olhos. A tristeza e
a melancolia não são bem vindas aqui, porém, não vou
ser cruel, pois a crueldade do diabo é puro preconceito,
he,he... se não tivessem lhe embaçado a visão com seus
preconceitos, talvez você tirasse de letra essa depressão.
Mas não é o caso, como eu disse, você é um sóbrio da
gema, é um produto finalizado para ser função, nem
demônios têm, caralho! É asséptico, tem alma, é branco
e meio transparente por dentro. Eu não! Sou feito de
sangue e carne! Sou carne! Amo o cheiro da carne! Do
sangue! Cuspo, ejaculo, defeco, mijo, peido, tenho
excreções corporais, transpiro pra caralho, irmão!
Tenho bafo de trago, tenho cheiro de humano, sou
Natureza, tenho fome, sede – e como! – gosto da
embriaguez dos sentidos; adoro sexo, adoro o cheiro das
carnes generosas e transpirantes de perfumes excitados,
amo a vida, amo estar vivo, amo o aqui e o agora. Sou o
causador, o mentor, o demolidor, o pensador de mim
mesmo! Também o criador de mundos, o engolidor de
demônios brincalhões, o festeiro, o homem que celebra;
amo as orgias, amo os sátiros e as ninfas! Amo o vinho,
sangue da existência embriagada! Tenho pêlos, tenho
dentes caninos, tenho orgulho de ser irmão dos animais!
Sou um animal e grito isso aos quatro ventos! Sou um
animal caçador, destruidor e criador ao mesmo tempo.
Crio rituais para meu deleite, me divirto muito! Crio
meu misticismo. Adoro rir, rio muito! Crio eventos para
meu prazer, sou um hedonista incorrigível! Delicio-me
com meus pensamentos, vou a lugares inimagináveis,
crio cenários incomparáveis, sou um artista! Crio tudo,
não há nada que eu queira que não possa achar em mim
mesmo! E se você, sóbrio, quer conhecer minha alma eu
lhe mostro – ato continuo, levantou-se, não sem alguma
dificuldade, agarrou sua imensa pica e sacudiu na frente
de um assustado Tito – esta é a minha alma! Eu pego
nela, posso tocar nela, está aqui! Cadê a sua, branquelo?
Mostre-me a sua, pegue nela, toque nela, vamos! Cadê
sua alma sóbria? Está ai dentro? Dentro do seu corpo, é
isso? Onde? Quem sabe escondida atrás de seu
esqueleto! Mas não há nada por dentro de seu corpo!
Queria que se olhasse no espelho agora, você é um
farrapo humano, assustado, seus olhos não dizem nada!
Estão mortos! Você está com medo, estático, sem
atitude, abatido, é isso uma alma? Ser oco é ter uma
alma? Vocês sóbrios são patéticos. Veja, o animal em
você está morto, de onde você vai tirar sua força? Ou
você não precisa ser forte para nada? Ou mesmo, quem
sabe, procurará encontrá-la nas ‘sábias palavras’ de
algum sóbrio picareta. Ah, sim, me esqueci, você é um
civilizado e os civilizados não precisam mais do animal;
têm até vergonha dele! Lembro-me muito bem do
quanto não precisam! Olho para você e meus instintos
assassinos afloram, porque sinto o cheiro do medo e isso
me excita – Tito olhava inerme para o negrão, sentia
agora um medo terrível, achou melhor apenas calar e
esperar passar a fúria verborrágica de Epaminondas,
porém, já imaginava alguma forma de defender-se de
uma possível investida – olhe para você: patético! Se eu
o matasse ninguém ficaria sabendo, você está agora na
boca do demônio, decidi: depende da minha vontade se
você vive ou não; é assim que se sentiu quando atirou no
vagabundo? Mas eu não sou você... não sou piedoso,
não tenho remorsos e detesto fraqueza. Quanto mais
débil lhe percebo mais vontade tenho de matá-lo, e se
não parar de decair vou fazê-lo, pode acreditar, eu não
minto. Vamos fazer uma brincadeira, pode chamar de
brincadeirinha do diabo, dependerá de você morrer ou
não, se demonstrar que pode ser mais forte do que esse
sujeito com cara de idiota no qual se transformou, irá
recuperar meu respeito e estará salvo, do contrário, já
era, irmão! – Tito não sabia o que fazer, Epaminondas
havia lhe quebrado o espírito e a agora queria perseguir
e pisar no que sobrou. Precisava de um plano, temia
realmente por sua vida, sabia que aquele homem era
totalmente imprevisível e precisava reagir, demonstrar
tranqüilidade e equilíbrio, então pela primeira vez
lembrou-se de Nina e no que ela havia dito sobre brincar
com fogo. Olhou para o chão e avistou a taça de crânio
que havia jogado contra a parede, tomou fôlego,
levantou-se, apanhou-a, foi à mesa e a encheu, tudo isso
sob o olhar curioso do velho diabo. Tremia de medo,
mas disfarçava relativamente bem, embora a
Epaminondas não escapasse nada. Retornou ao sofá e
num frêmito de coragem ergueu a taça para o negrão –
Um brinde, amigo, reconheço meus pecados, já estou
melhor! – disse, fingindo segurança.
***
Tito caminhava sob um intenso negrume, em direção a
uma luz que, tal qual o Sol, parecia nascer atrás do que
poderia ser a silhueta de enormes montes. O que lhe
impressionava era aquela escuridão intensa, temia
desabar em algum abismo, pois não tinha condições de
enxergar absolutamente nada que não fosse aquela
distante luz. Pela primeira vez decidiu que não sentiria
medo, queria muito tudo aquilo e seguiria adiante
acontecesse o que acontecesse, porém, desta vez estava
só, sem Epaminondas, seu anfitrião. Aos poucos
percebeu vozes que lhe acompanhavam pelo escuro,
risadas e deboches que se somavam à sua caminhada e
cada vez estavam mais perto. Sentiu um frio na espinha,
mas prosseguiu impassível; aos poucos reparou no
alarido de uma multidão de seres em completa
algazarra, já estava quase ensurdecedor tudo aquilo
quando a luz inofensiva que lhe servia de guia, explodiu
num estrondo fenomenal! Uma gigantesca bola de fogo
subiu aos céus das trevas iluminando tudo ao seu redor.
Pôde perceber então uma multidão de seres bizarros e
disformes, verdadeiramente apavorantes, que
copulavam ruidosamente, um deles ao passar por Tito
comentou, como que querendo lhe orientar: - Este aqui
é o mar de trevas, quando o diabo mergulha para seu
banho diário, ilumina estas profundezas, é normal; mas
você não parece um demônio, está assustado! Se
continuar assim vai se dar mal! – o rapaz então apenas
prosseguiu, mas não foi sem apreensão que percebeu
todo o horizonte começando a ficar delineado, e onde
sua vista podia alcançar, via uma claridade amarelada
que aos poucos ia tomando uma tonalidade vermelha;
para seu horror, percebeu tratar-se de chamas que
aumentavam assustadoramente de altura até clarear
novamente tudo. O calor se tornou insuportável e as
chamas atingiram altura inimaginável, quase cegando
um apavorado Tito. O diabrete insolente aproximou-se
de novo – E esse que aí vem, deixe que lhe apresente, é o
mar de fogo! - sim, não havia dúvidas, as terríveis e
gigantescas chamas começavam a descer lentamente
sobre a multidão exultante de seres sinistros, como uma
gigante onda marítima que quebra na praia. Apavorado
Tito corria para qualquer lugar, como se fosse realmente
possível encontrar algum abrigo. Seus pés nus agora
queimavam naquela areia escaldante em que se
transformara o piso; tudo isso sob os olhares, risos e
deboches daqueles seres, e o rapaz em pânico, clamou
por um segundo, um átimo de segundo, um buraco de
tempo em que pudesse mergulhar para escapar daquele
fogo que desabava das alturas, mas foi em vão, a massa
compacta de chamas inundou tudo. Tito deu um grito
lancinante do mais profundo pavor! Sentiu o impacto
tenebroso! Estava agora sendo devorado pelas chamas e
se debatia ardendo em dor infinita em meio ao amarelo
intenso, sem chances de mais nada, só a angustia
gritante da morte na dor inclemente! Era o que estava
acontecendo, sua mente se retorceu na dor, pôde ainda
ver, em meio ao holocausto, algumas partes do que
antes tinha revestido com carne em seu corpo, agora
podia divisar vagamente, entre labaredas, seu esqueleto
sendo calcinado, que se debatia automaticamente,
mesmo sem os nervos e músculos, no desespero de uma
morte nas chamas. De repente tudo cessou. Só
escuridão. Morte. De chofre, foi cuspido ao infinito. Não
contava com aquilo, pensou que estivesse morto,
deliciosamente morto. A morte fora um alivio para seu
martírio, no entanto, a sensação balsâmica durou
pouco; não morrera, agora percebia espantado que sua
saga continuava; caia no nada, numa sensação deliciosa
de desabar no que não existe, sentiu que estava em um
carrossel estonteante de acontecimentos bizarros. Foi
quando se deu conta de que dois demônios se
materializaram, e voando com suas imensas asas de
morcego lhe pegaram, cada um em um braço e
começaram a conduzi-lo, tal qual anjos das trevas; neste
momento deu-se conta com pavor, olhando para seus
braços, de que havia se transformado em um esqueleto
queimado; era o que lhe sobrou das chamas. Não
agüentando mais, quis acabar com aquilo: - Qnde está
Epaminondas? – gritou alucinado – Onde está? Não
agüento mais, foi um erro segui-lo em seu mundo!
Admito! Não farei mais! Onde está Epaminondas? – um
dos diabos alados olhou calmamente para o rapaz e
respondeu: - Está em todos os lugares, ou você já
esqueceu onde está? – Tito percebeu o olhar do velho
diabo no olhar daquele demônio, realmente, tudo ali
tinha as ‘impressões digitais’ de Epaminondas. Os
demônios então pararam, batendo suas imensas asas, à
frente de um espelho gigantesco com uma moldura
vermelha estilo rococó. Tito ficou então frente a frente
com o que sobrou de seu corpo e soltou um terrível grito
de pavor! Era um esqueleto preto, totalmente calcinado
pelas chamas, mas ainda mantinha seus olhos mesmo
que queimados. Veja – disse um dos demônios – você
nem deveria estar falando, não tem terminações
nervosas, carnes, músculos, cérebro, não tem nada além
de ossos queimados; você só o faz por licença poética do
criador! Então não reclame tanto; não pergunte onde
está Epaminondas, ele está em todos os lugares, ele é
tudo que acontece. Entre de boa nesta dança, amigo,
pois agora não tem mais volta! – dito isto, os diabos
seguiram em seu vôo levando o horrendo esqueleto. Tito
entrou e saiu de galerias bizarras, de tamanhos que
julgou infinitos, nada do que conhecera até então podia
emprestar alguma similitude para a avaliação consciente
daqueles lugares, voava através de um mundo novo com
formas novas, sua mente foi ficando cada vez mais
retorcida por tudo aquilo, ficou sem nenhuma noção das
coisas, a ponto de esquecer as palavras. Sem saber o que
dizer e o que pensar, virou algo amorfo, carregado por
demônios com imensas asas de morcego, demônios da
escuridão. Entrou em breus extremos e saiu destes para
imensidões impensáveis, apenas se deixava levar,
morto, diante de tanta vida que explodia em erupções de
infinitas cores. Mares transparentes eram acariciados
por calmas luzes prateadas onde uma infinidade de
seres submersa copulava alegremente, peixes imensos
saudavam esta orgia aquática com saltos alegres em que
se retorciam nos ares antes de caírem novamente
naquelas águas cristalinas. Alguns destes tinham asas e
acompanhavam por algum tempo os demônios e o
esqueleto, formando uma alegre comitiva prateada. No
topo de montanhas, imensas fogueiras clareavam tudo
ao redor delas e deixavam às claras bacanais infernais
embalados por muita musica advinda de flautas
ruidosas; seres dos mais diversos exerciam suas
incontidas alegrias instintivas. Tudo isto passava diante
dos olhos abertos, porém, de janelas fechadas do
esqueleto. Finalmente se aproximaram de uma fogueira,
a maior de todas, tão imensa que podia iluminar
possivelmente num raio de centenas de quilômetros. Os
demônios então soltaram o esqueleto, despencando este
de uma altura espetacular, vindo a espatifar-se contra o
solo, voaram ossos para todos os lados atingindo
distancias imensas. No centro do descomunal fogaréu,
um homem de complexão gigantesca que parecia ser
feito de larva incandescente, gargalhava sentado; suas
gargalhadas faziam estremecer tudo ao redor; ele então
se curvou para melhor divisar aquele ínfimo punhado de
ossos espatifados. Tinha chifres gigantescos e presas
assustadoramente proeminentes, eram as feições de
Epaminondas num rosto exótico e extremamente belo.
Só a caveira do esqueleto sobrou na frente do diabo; o
rapaz então aos poucos foi retomando a consciência e
enxergou pasmado o gigantismo daquele ser, entrando
em seguida em pânico ao perceber que sua cabeça
estava caída no solo, e não passava de uma reles caveira.
O gigante fez um sinal qualquer e uma estranha e
assustadora figura com rabo de dragão aproximou-se
trazendo nas mãos o que parecia ser uma imensa lança,
em seguida pegou a caveira cravou-a na ponta afiada da
lança trespassando-lhe o crânio e a outra ponta cravou
nas areias escaldantes, afastando-se em seguida. O
rapaz, ou o que sobrou dele, sentia-se meio morto, meio
vivo, e os farelos de memória que pode ainda ajuntar
formaram o quadro do arrependimento. Era agora
apenas um crânio estaqueado no chão. Já não podia
falar, era só um pedaço de osso, só restava esperar a
hora fatal. Quem era ele? O que fazia ali? Como fora
parar naquele lugar? Uma coisa não deixava duvidas,
estava na frente do diabo! E este se curvava em sua
direção, queria falar-lhe. E falou: - Você é um grande
cabeça dura, não? Dei-lhe uma amostra do meu lar, mas
você, impertinente, quis mais. – a caveira não sabia do
que o diabo estava falando, e este prosseguiu – Agora
veja! É o que dá vir aqui sem ser convidado, entrar pela
porta dos fundos. Isto aqui não é qualquer brincadeira!
Quando lhe trouxe, sabia até onde podia levá-lo sem que
se machucasse – a caveira não sabia do que ele estava
falando – agora me diga, como se sente sem seu corpo?
– a caveira não sabia do que ele estava falando – veja
que falta faz a carne! Digo-lhe, na minha opinião não
são quatro, mas cinco, os elementos da Natureza; a
saber: Fogo, Água, Terra, Ar e... Carne! Por que
esqueceram da Carne? Por que odeiam tanto a Carne?
Olhe para você! O que restou? Digo-lhe o que restou:
restou a mortalha de sua ‘eternidade’; sim, eis o que é
seu e seguirá pelos longos tempos vindouros, esse seu
crânio patético que jaz empalado na minha frente. Mas
quero dar-lhe as minhas boas vindas, pois tenho a
intenção de ser bom anfitrião. – o diabo fez um sinal, e
uma mulher de longos cabelos negros, linda e
estonteante em sua silhueta de contornos voluptuosos,
saiu do meio daqueles seres e nua, começou a dançar
danças sensuais à frente da caveira estaqueada. Retirou
o crânio da estaca e o segurando com uma das mãos, a
acariciava com a outra; caricias sensuais que iam
aumentando assim como o ritmo frenético daquela
dança. A mulher então se deitou naquelas areias brancas
que dançavam ao crepitar da imensa fogueira, abriu
suas pernas e enfiou a caveira entre elas, começou a
esfregar sua boceta no macabro artefato que, indefeso,
transformara-se em objeto de fetiche e gozo na lascívia
da dançarina. Agora a mulher parecia um ‘frango
assado’, esfregando o crânio em sua xoxota
extremamente molhada, a excitação fazia com que
soltasse ganidos agudos e revirasse os olhos se
contorcendo no chão. Uma multidão de seres bizarros
acompanhava em volta copulando e se masturbando
ruidosamente; urros, gritos e gargalhadas
acompanhavam uma trilha sonora composta por alegres
flautistas que dançavam e pulavam ao redor da cena. O
demônio acompanhava tudo sentado em seu trono de
fogo e também caprichava numa punheta dos infernos!
Finalmente a mulher atingiu o êxtase, emitindo gritos
alucinados e realizando movimentos frenéticos com o
objeto morto, parecia mesmo que queria agora enfiá-lo
inteiro em sua boceta empapada. Enquanto gozava, a
dançarina era atingida por centenas de jorros de prazer,
ejaculados em oferenda, por assistentes ensandecidos
na mais alegre volúpia! Mulheres rolavam pelo chão,
esfregando-se e produzindo uma sinfonia de gritos e
gemidos. De repente, a garota levantou-se, atirou a
caveira para longe e saiu correndo, no que foi
acompanhada por todos os participantes da orgia numa
interrupção abrupta da satisfação, abrindo uma imensa
clareira como se já soubessem que algo estava para
acontecer, algo habitual e conseqüente, resultante
daquela viva festa. Ato contínuo, o gigante
incandescente levantou-se com seu descomunal pênis
na mão punheteira e com gestos cada vez mais rápidos e
determinados atingiu um gozo infernal! Urrou como
um leão lascivo, expelindo extensos jorros de fogo que
voavam para longe e clareavam como relâmpagos o
horizonte de trevas onde eles caiam como mísseis; mas
mísseis de alegria, pois era possível escutar ao longe a
algazarra e festa das multidões de demônios que eram
agraciadas com seu sêmen incandescente e criador. A
caveira por sua vez, atirada a esmo, a tudo observava
sem saber nada, escutava, mas não ouvia, enxergava,
mas não via, apenas presenciava aquelas orgias e
folguedos, quieta em algum lugar, de olhos abertos,
queimada, lambuzada e... morta. A gigantesca entidade
de fogo então se agachou e olhando zombeteira para o
ínfimo objeto de osso inerte no chão, deu uma grande
gargalhada e disse: - Vai, meu filho, vai... volte para sua
prisão ou aprenda a ser diabo! Encarna! Encarna!
Encarna! filho da puta!Leva o mel dessa boceta consigo,
o mel da vida! Encarna! Caveira de merda! Caveira
inútil! Ossos mortos! Veste a vida! – deu então um
pequeno peteleco no crânio, e este voou como um grão
de areia atirado ao infinito.