A Língua Como Sistema de Signos - 9539-11754-1-PB
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Graphos
Revista da Ps-Graduao em Letras - UFPB
Joo Pessoa, Vol 6., N. 2/1, 2004 p. 101-110
RESUMO
No difcil encontrar autores que dizem que Saussure, atravs de seus estudos, faz a escolha do signo contra o
sentido. o caso, por exemplo, de Franois Dosse (1993), no livro Histria do estruturalismo. Entretanto,
desde a publicao dos primeiros manuscritos, por Godel, em 1957, estudiosos debruam-se sob manuscritos
do mestre da lingstica e de anotaes de aulas de alguns de seus alunos, rediscutindo questes primordiais
para a lingstica, entre elas a perspectiva de um trabalho com o sentido em Saussure e a necessidade do estudo
do sistema lingstico enquanto ponto nuclear para onde convergem todas as outras noes saussurianas,
inclusive a de signo lingstico e suas caractersticas. , portanto, baseado nesses estudos e no Curso de
Lingstica Geral, que nosso artigo discutir dois pontos tericos que constituem a base para a compreenso da
escolha do mestre genebrino pelo sentido, a saber: a escolha do sistema enquanto ponto de partida (contra a
idia da escolha pelo signo) e o funcionamento deste sistema atravs da noo de valor, enquanto sistema que
produz sentidos.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema. Sentidos. Ferdinand de Saussure.
INTRODUO
A idia de sistema sempre esteve presente para Saussure, em seus estudos (seja na
preparao para os cursos de lingstica geral, nos estudos dos anagramas ou nas lendas germnicas). Mas, ao mesmo tempo, e de forma insistente, Saussure est relacionado a uma abordagem do
signo como elemento isolado (significante/significado, arbitrariedade/linearidade).
Vejamos a idia de sistema presente, por exemplo, nas notas destinadas ao livro que
projetava sobre lingstica geral e que datam de 1894. Em uma delas, vemos Saussure dizer que
(apud FEHR, 2002, p. 68, nota 3): A lngua representa um sistema interiormente ordenado em
todas as suas partes.
Nos estudos sobre os anagramas, Saussure mostra que tambm de sistema que se trata.
Segundo ele:
Em um sistema onde nenhuma palavra poderia ser mudada sem
dificultar, a maior parte do tempo, muitas combinaes no que se refere
ao anagrama, em um tal sistema no se pode falar dos anagramas como
de um jogo acessrio da versificao, eles se tornam a base, quer o
versificador queira ou no (apud STAROBINSK, 1974, p.23).
Para a linguagem, por exemplo, eis a lei final, conforme Saussure:
A lei final da linguagem <se ousamos dizer> que no h nada, jamais,
que possa residir em um termo (...). a evidncia absoluta, mesmo a
priori, que no houve jamais um s fragmento de lngua que pudesse
estar fundado em outra coisa, como princpio ltimo, seno em sua no1
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Acredito, como Tullio de Mauro, que algumas pessoas leram ou lem apenas o captulo sobre a natureza do
signo lingstico e passam a falar do CLG como se o tivessem lido na sua totalidade.
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Portanto, partindo do sistema que Saussure explica que h duas maneiras de coordenar as
palavras entre si, cada uma delas geradora de uma certa ordem de valor: so as relaes
sintagmticas e associativas.
As relaes sintagmticas desenvolvem-se em uma extenso, em uma nica dimenso. H,
nelas, uma oposio espacial entre os termos, e este espao Saussure diz, conforme as anotaes de
Constantin (Komatsu e Harris, 1993), ser um espao de tempo. Elas tm comeo, meio e fim. O
mesmo no acontece com as relaes associativas. Nestas, uma palavra chama, de forma
inconsciente para o falante, uma srie de outras palavras que mantm com ela alguma semelhana.
Saussure enfatiza que a relao associativa bem diferente da sintagmtica, pois no tem
como suporte uma extenso no tempo espacial. Elas existem no crebro do falante, como uma
memria da lngua.
Uma concluso a que vemos Saussure chegar (apud. Komatsu e Harris, idem) a de que
qualquer que seja a relao da qual a palavra seja chamada a participar (e ela chamada a participar,
segundo Saussure, nos dois tipos de relaes), ela sempre membro de um sistema, solidria com as
outras palavras e esta a condio essencial para que o valor seja estabelecido, ou seja, a de que se
parta do sistema para chegar aos termos.
Essa preocupao de Saussure, constantemente repetida, para que se observe o sistema,
chegando-se, depois, aos seus termos, que pode fazer compreender algo que est no CLG, mas que
entendemos mais claramente atravs das anotaes de Constantin, ou seja, uma operao que
Saussure considerou delicada, mas fundamental: o sentido (significao) depende do valor mas, ao
mesmo tempo, distinto dele.
Se tomarmos o signo como termo isolado, podemos dizer que h nele um conceito
(significado/significao) que a contrapartida de uma imagem acstica. Por outro lado, se
pensarmos no sistema, veremos que os signos, relacionados uns aos outros, produzem um valor que
seria a contrapartida dos termos coexistentes na lngua. Portanto, Saussure faz a diferena entre
sentido (significao), como pertencendo idia de signo, isolado do sistema; e valor, enquanto
dependente do sistema.
Embora parea clara a diferena entre o signo visto de forma isolada e o signo dentro de
um sistema, Saussure alerta (apud. Komatsu e Harris, idem, p. 135) para o fato de que a significao
enquanto contrapartida de uma imagem acstica e o valor como contrapartida dos termos
coexistentes em um sistema se confundem, tornando difcil definir o que se entende por valor.
Mesmo assim, alertando para que se tenha precauo, Saussure passa a definir o que chama valor.
Definio um tanto difcil se nos detivermos nos seus detalhes, mas clara em um ponto que aparece
tanto nas notas de Constantin quanto no CLG, isto , o valor depende do sistema e, portanto, das
operaes que so nele efetuadas e elas so duas, como j vimos, as sintagmticas e as associativas.
Entretanto, se Saussure diz e podemos ver que ele o faz tanto nas anotaes de
Constantin quanto no CLG que as duas operaes do sistema so, cada uma delas, geradoras de
uma certa ordem de valor, devemos, ento, falar de valores, no plural, pensando, em separado, o
movimento que ocorre no paradigma e no sintagma. Ao mesmo tempo, sabemos que necessrio
ver o sistema lingstico como um todo, partindo no apenas do ponto de vista de cada relao em
separado, mas do que poderia ser considerado um resultado das duas. Neste caso, trata-se de valor,
no singular. Saussure usa a palavra tanto no singular quanto no plural, embora tenhamos que
destacar que o uso no plural mais freqente j que ele se dedica a explicar as relaes sintagmtica
e associativa separadamente e no chega a dizer como as duas funcionariam tendo em vista o
sistema lingstico como um todo. O que no significa que ele no enfatize a necessidade de se ver
o sistema como conjunto.
Nas anotaes de Constantin (Komatsu e Harris, idem), podemos ver Saussure dizendo que
as duas relaes so irredutveis e que agem, as duas, no sistema. Para explicar este seu ponto de
vista, utiliza a metfora das colunas de um edifcio, tambm presente no CLG.
Alm disso, ele diz que a palavra deve ser sempre considerada membro de um sistema,
participando das duas relaes, solidria com as outras palavras da lngua e que isto algo a ser
considerado para o que constitui o valor. Nas palavras anotadas por Constantin (Komatsu e Harris,
idem, p. 136):
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La valeur dun mot ne sera jamais dtermine que par le concours des termes coexistants qui le limitent; <ou
pour mieux appuyer sur le paradoxe relev: > ce qui est dans le mot nest jamais dtermin que par le
concours de ce qui existe autour de lui. (ce qui est dans le mot, cest la valeur) Autour de lui
syntagmatiquement ou autour de lui associativement.
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le signe est une ralit positive; cest--dire que le signe est une <entit concrte>. Mais cet aspect concret est
le rsultat dune opration complexe de systmatisation en (et de liasion de) classes abstraites des phonies et
des significations concrtes.
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non seulement ces deux domaines entre lesquels se passe le fait linguistique sont amorphes, <mais le choix du
lien entre les deux,> le mariage <(entre les deux)> qui crera la valeur est parfeitement arbitraire.
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Si ce nest pas arbitraire, il y aurait restreindre cette ide de la valeur, il y aurait un lment absolu. Sans
cela les valeurs seraient dans une certaine mesure absolues. Mais puisque ce contrat est parfaitement
arbitraire, les valeurs seront parfaitement relatives.
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Enfim, gostaramos de dizer que a nfase que estamos dando relatividade dos valores
deve-se ao fato de estarmos tratando valores como elementos que constituem o jogo de sentidos na
lngua. Em sendo assim, podemos dizer que o carter arbitrrio da lngua o que faz com que os
sentidos, fugindo de certa forma a uma escolha ou a uma determinao direta do sujeito, sejam
sempre susceptveis de serem outros, constitutivamente polissmicos.
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palavras com as outras que faz a palavra. Portanto, palavra que no existe antes de qualquer
relao, mas que entra em relao com outras, em um sistema.
Este mesmo paradoxo pode ser visto quando observamos Saussure questionar-se sobre a
origem dos fatos lingsticos, dizendo que no h, em lingstica, um nico termo que possa ser
definido em si. Portanto, nada existe a priori, no h origem determinada para os elementos da
lngua, toda sua existncia depende da relao que ele estabelece com os outros termos no sistema.
Entretanto, embora esteja claro que Saussure concebe a existncia das unidades apenas
dentro do sistema lingstico e que, nele, as relaes sintagmticas e paradigmticas esto presentes,
no h clareza quanto ao modo de funcionamento deste sistema que contm as duas relaes.
Opinio que compartilhamos com Amacker (idem, p. 139). Vejamos o que ele diz:
Saussure no indica, em nenhum lugar, que seja do meu conhecimento,
qual a relao lgica entre essas esferas, mas apenas que elas so completamente distintas; na realidade, ele as considera como simultneamente ativas e, portanto, em relao de condicionamento recproco7.
.
Parece-nos, de qualquer forma, que Saussure concebe o mecanismo lingstico como a
intercesso dos dois tipos de relaes. Vejamos o que diz Amacker (idem, p. 150):
A dualidade associaes/sintagmas permite retomar a questo das
unidades complexas (frases ou palavras) e de sua anlise em subunidades segmentais, segundo um mecanismo que associa estreitamente
as duas esferas e coloca em jogo uma operao elementar de aproximao parcial (toda aproximao de anlogos [ou: de semelhantes (?)]
implica a aproximao dos diferentes). Mais precisamente, Saussure
concebe o mecanismo como o cruzamento de duas atividades de
coordenao, a interseo do sintagma com o grupo de associao8.
Levando em considerao o mecanismo lingstico, podemos dizer que a significao se
produz, ao que tudo indica, nas relaes que aparecem em dois eixos diferentes: o eixo associativo
(das relaes paradigmticas) e o eixo da combinao (das relaes sintagmticas). claro que
apenas as combinaes so diretamente observveis, mas tambm claro que elas supem
combinaes in absentia.
Claudine Normand (idem.), por exemplo, acredita que a anlise sincrnica exige que se
leve em considerao, de forma igualitria, os dois eixos. Mas, que a anlise das relaes
paradigmticas , geralmente, desprezada, fruto do pensamento positivista da poca de Saussure,
que achava que se deveria levar em conta apenas os elementos concretos, formais.
A anlise sinttica, portanto, no pode ser feita sem que se proceda, tambm, anlise de
paradigma, o mecanismo lingstico exige que a duas relaes estejam juntas. Vejamos a posio de
Amacker (idem, p. 155):
A anlise do sintagma, atravs da compreenso do mecanismo que os
sujeitos falantes conhecem intuitivamente, no se determina atravs do
corte segmental em unidades concretas (pedaos do significante
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Saussure nindique nulle part, ma connaissance, quel est le rapport logique entre ces sphres, sinon
quelles sont tout fait distinctes; cest, en ralit, quil les considrait comme simultanment actives, et
donc en relation de conditionnement rciproque.
La dualit associations-syntagmes permet de reprendre la question des units complexes (phrases ou mots) et
de leur analyse en sous-unit segmentales, selon un mecanisme qui associe troitement les deux sphres
et met en jeu une opration lmentaire de rapprochememnt partiel (tout rapprochement des analogies
[ou: des analogues (?)] implique le repprochement des diffrences). Plus prcisment, Saussure conoit ce
mcanisme comme le croisement de deux activits de coordination, lintersection du syntagme avec le
groupe dassociation.
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Lanalyse du syntagme, par la mise en oeuvre consciente du mcanisme linguistique que le sujets parlants
connaisent intuitivement, ne se termine pas par le dcoupage segmental en units concrtes (tranches
du signifiant porteuses de signification), mais dbouche, par la force des choses(cest--dire par la force de
la nature mme du systme linguistique), sur des units dassociation, qui sont des lments abstraits
(nous faisons une abstraction, nous prenons comme unit quelque chose qui est dj un rsultat). Cest
parce que les segments peuvent (et sens doute doivent) reprsenter plusieurs lments abstraits, un pour
chacune des sries formant ltoile associative qui entoure le mot, que ces lments ne se laissent pas
dcrire mtalinguistiquement par simple citation de la tranche qui les supporte.
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on devra revenir la dlimitation des units dans la chane linaire du discours, afin de voir comment les
deux sphres de rapports entrent en collaboration lors de la production du procs linguistique
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memria de cada elemento, de cada termo, que pode, a qualquer momento, aparecer, causando o
que chamaramos de irrupo do paradigma no sintagma.
Haveria, portanto, na lngua, de forma constitutiva, um movimento de sentidos que,
partindo das noes de relaes sintagmticas e associativas e, assim, do que Saussure chama de
valor lingstico, funcionaria, para quem o est produzindo, na direo da formao do um, de um
nico sentido, visvel na cadeia linear, sintagmtica, mas que teve origem na escolha feita na
cadeia associativa. Para o analista, para aquele que interpreta, o trabalho aconteceria no movimento
contrrio ao da produo, isto , na direo da desconstruo dessa homogeneidade, passando pelo
sintagma e indo procura de paradigmas por ele silenciados.
Necessariamente, portanto, para a lingstica, a questo do sentido no deve estar colocada
a partir do bvio, do sentido que deu certo, ou melhor, do que est posto na cadeia sintagmtica,
mas no movimento contrrio, isto , nos momentos em que no sintagma a lngua escapa ao
locutor, revelando sua existncia. Ou, ainda, nos momentos em que algo do paradigma silenciado se
mostra presente, no sintagma, quebrando a linearidade da cadeia.
REFERNCIAS
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