Paul Valéry - O Cemitério Marinho

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

[www.dEsEnrEdoS.com.

br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

O Cemitrio Marinho1
Paul Valry
Traduo de Eric Ponty

Alma minha, no aspires vida imortal,


Todavia a exausto do possvel.
PNDARO, Pticas III, ep. 3

Este teto repousado - prado de pombas


do palpitar dos pinheiros entre jazidos.
O meridiano sol perpetrou-se no brio,
O mar, o sempre recomeo deste mar,
oferta da recompensa do pensamento,
da espaosa placidez do olhar dos deuses!

Esplendorosa luz, exmio presumido


extenso diamante de impalpvel espuma,
do qual da ideada paz pura ento se idie!
Quando doirada luz do sol sobre abismo,
da pura lide eterna da causa exilada,
o tempo de sonhar tempo de saber.

Firme tesouro do templo de Minerva,


da imponente calma, da visria reserva,
de rumorosa gua, de asilada viso,
deslumbrada labareda do grado sonho.
Oh, silenciosa manso de pascida alma,
recoberto doirado das mil telhas. Teto!

Traduo em dodecassilabos brancos em portugus do original francs alexandrino de Paul


Valry. Primeira verso, 1997, A Voz do Lenheiro Editora, So Joo del-Rei. Verso atual
revista em 2009

[www.dEsEnrEdoS.com.br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

O Templo do tempo egrgio do suspiro!


Ascendo-me candidez do cume e afeio,
ao meu ocenico olhar puro a abranger,
das divindades, da mais perfeita oferenda,
pacificada cintilao esparzida,
desdouro nestas soberanas alturas.

sumo deleite liquefeito da fruta,


deformada delcia distrada da boca,
perpetrando-se dos contornos ausentados.
Feneo-me da minha futura fumaa,
cu cantarola sumo trespassada alma,
das inquietaes estrondosas neste cais.

Vero cu formoso sinto transfigurei!


Aps tanto orgulho, tantos estranhos cios
sobrecarregado ainda plenos domnios,
da embevecida cavidade ao renunciar
casas dos mortos, a sombra minha perpassa
domesticando-se neste frgil mover.

As tochas de solstcio da alma desvendada,


sustento-te eu, na luz de admirvel justia
das artilharias sem piedade, devolvo-as;
modesto hbito elementar. Pressinto-as.
No obstante... Oferto-me todas as claridades
cridas em serem avejes meio embasados!

para mim, para mim s, e eu tambm


aconchegado corao - foz do poemado xito candidez da vcua bravura
interna confiana do meu rumor: da fosca
amarga cisterna ressoada de mim
neste continuo vcuo do futuro d alma.

[www.dEsEnrEdoS.com.br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

Falso, o Sbio habitante da ramagem,


do golfo devorador das folhagens dbeis,
-sigiloso do xtase sentidos meus-,
corpo arrasta-me ao rematar pesaroso,
da fronte, sseo solo, aliciar-me tanto?
Na centelha medito-me dos meus ausentes.

Sacrlego, do pleno fogo sem matria;


do fragmento terrestre dedicado luz
Agrada-me do local alto do Brando,
ouro, dos pedregosos cedros saturados,
do vasto mrmore fulgido avejes;
Oh mar leal acalmado das minhas tumbas!

Idlatra afasta a cadela presunosa!


Quando sorridente pastor to solitrio,
apascenta-nos dos carneiros misteriosos,
cndido gado das minhas serenas tumbas,
quanto das ajuizadas pombas repudiem,
elusivos sonhos, dos anjos curiosos!

Visto daqui a calmaria do futuro,


ntido inseto aniquilou a secura;
neste ar sofrido, exauridas derrotas,
no possuo mais desta sigilosa essncia.
A vasteza da vida liberta presena,
o doce amargo, claro o esprito.

Os falecidos encravados do terreno,


infrutfero mistrio ainda resguarda,
elevado meio-dia, pousada superfcie,
meditando-se a si prprio se harmoniza,
da fronte cabal, diadema irretocvel,

[www.dEsEnrEdoS.com.br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

do interior sou a sua mais secreta mudana.

Ao temor seu mais intimo, s eu domino!


Arrependimento prprio das minhas dvidas,
efeitos contornados do grado diamante...
Do anoitecer fez-se opressivo mrmore,
vaga povo seu entre as razes dos cedros,
tomaram a si do partido lentamente.

Fundidos ficaram eles da espessa ausncia


da rubra argila embebida desta alva espcie,
da Ddiva de viver transps-se as flores!
Donde mortos postados das frases mais ntimas,
da arte reservada, das almas singulares?
A Larva depositada fundiu-se das lgrimas.

Dos Alaridos irados da moa irritada


olhos, dentilhes, das plpebras encharcadas,
dos cintilantes gratos seios dos seus ardores,
dos lbios abrasados rubros que a renderam,
da extrema ddiva, acudiram-na aos dedos,
debaixo do solo tudo mescla ao jogo.

Da sua alma graduada, devaneio casual


da esperana franca destas nuanas do engano,
olhar funesto fingiu nesta onda dourada?
Ter sido cntico do ar? Oh admire!
Tudo escuta! Minha presena porosa
nesta sagrada impacincia tambm se perece!

Ah Magra imortalidade sombria doirada,


laureada consoladora to maternal,
do aprazvel ardil devotada argcia,
do carpido da morte fez-se seio fatal!

[www.dEsEnrEdoS.com.br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

Quem no reconhece, quem no lhe desarrima,


esbranquiado crnio sorriso eterno.

Os pais profundos de cabeas to ermas,


carpidas ao peso nestas largas pazadas,
da terra fizeram-se confundidos passos,
o roedor certeiro, verme irrefutvel,
daro lugar amortecidos nesta tbua,
essencial da vida, no desfigura mais.

Quem sabe do amor, se dio de mim prprio?


To prximo a mim mais encoberto dente,
dos quais vrios seus nomes podem nominar!
envolve-nos! Observa, aspira, sonha, alcana,
minha carne manta resguardada o leito,
pertence-me alguma coisa da sua vida!

Zeno, Inumano Zeno! Zeno de Elia!


Faz-me da trespassada flechada adejada,
vibrar voeja, contudo nunca retorna!
O rudo engendrou sua flecha assassina.
Ah! O sol! Qual sombra da tartaruga Aquiles,
d alma, entorpecido est aos longnquos passos!

No! No!... De p! Nestas sucessivas eras!


A Brisa verve-me de forma absorta frgil!
O Peito nesta nascente da aragem solve-me!
O frescor do oceano exalou do corpo,
reprimindo-me alma... Oh pujana salgada!
Corramos ao marouo arriba vivo!

Oh sim! Imenso mar dotado de delrios,


pele de pantera de chambre perfurado
dos mil de quilades dolos do sol;

[www.dEsEnrEdoS.com.br - ISSN 2175-3903 - ano I - nmero 03 - teresina - piau - novembro dezembro 2009]

Hidra absoluta da carne bebida azul,


ao mordiscar-me foi da cintilante cauda
fazendo o alarido tecido silncio.
Alados ventos! Fugaz tentar durar!
Ar imenso acende enclausurado livro,
O p finrio ousou-se misturar rochas!
Voem pginas minhas todas espraiadas!
Ondas irrompam-se das guas jubilosas.
do repousado teto, faiscados focos!

Eric Ponty poeta e escritor. Nascido em So Joo del-Rei. Colaborador das revistas Poesia
Sempre, rion (Brasil/Portugal), Poesia Para Todos, Dimenso, Babel, DiVersos (Portugal) e O
Achamento de Portugal (Brasil/Portugal), entre outras publicaes. Est na coletnea A Poesia
Mineira no Sculo XX, organizada por Assis Brasil pela Editora Imago. Publicou o livro de
poemas infanto-juvenis O Menino Retirante Vai ao Circo de Brodowski (Musa Editora, com
reprodues das pinturas de Cndido Portinari), PNLD 2006. Tem no prelo o livro em prosa
potica A Baleia Azul, que ser lanado pela Cortez Editora de So Paulo.
Blogs: http://ericponty.blogspot.com/
http://tradupontyanas.blogspot.com/

Você também pode gostar