Avaliação Como Ato de Amor PDF
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Aquaviva em 1599.
Com a Didtica Magna, Comenius tenta de criar a cincia da educao,
utilizando os mesmos mtodos das cincias fsicas e suas teorias educacionais
surpreendem por sua atualidade. Na prtica do ensino, este autor foi pioneiro na
aplicao de mtodos que despertassem o crescente interesse do aluno. Neste sentido,
Comenius aponta alguns padres das prticas de avaliao: A constante interrogao, a
Alm das duas prticas anteriores, Comenius recomenda a continua reviso, que
deve estar acompanhado do fator surpresa. A reviso surpresa deve servir para manter
sempre a constncia no estudo. Para isto, o professor tambm poder, de quando em
quando, olhar pessoalmente os cadernos deste ou daquele, sem ordem especfica, e
punir aquele que tiver sido negligente ou desatencioso (COMENIUS, 2002, p. 214).
Para Comenius, gerar o medo determina a ateno dos alunos nas atividades escolares.
Como podemos observar estas modalidades de avaliao so intempestivas,
perturbadoras e constrangedoras. Podem parecer efetivas para a aprendizagem, se temos
em conta s estatsticas ou resultados em curto prazo. Mas, se fazemos um balano
minucioso e consideramos as conseqncias na personalidade dos estudantes,
poderemos observar que estamos criando pessoas que tomam a dor causada pelos outros
como medidas naturais e necessrias para a aprendizagem. Esta concepo identifica a
educao com uma prtica desagradvel, escola com lugar torturante, mas necessrio
para quem quer aprender. De tal maneira que, chegam a fazer parte da cultura popular
ditados como: quem gosta de aprender quem gosta de sofrer.
O mais pernicioso desta prtica que as pessoas adotam essa cultura da
educao dolorosa, desagradvel e torturante como legtima e, ainda h alguns que
defendam esta prtica como natural e benfica para o ser humano. Estamos deformando
a natureza humana, criando uma mentalidade doentia. Aqui cabe uma reflexo
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russeaniana sobre a educao negativa, que antes de ensinar novos regras ou habilidades
deve subtrair os maus hbitos e preconceitos. Antes de mudar a avaliao devemos
retirar esses preconceitos de que a educao deve ser sofrida para ser eficaz.
Em relao dor, a medicina progrediu. No inicio, para preservar a vida os
mdicos recorriam a tratamentos completamente dolorosos e o paciente sobrevivia, mas
a um caro custo. Na educao a histria semelhante, a pessoa entrava na cultura da
sociedade com ritos cruis e sofridos, provocados pelo prprio sistema escolar. Mas,
como a medicina, a educao tambm avanou e procura preservar a dignidade humana,
isto , a qualidade de vida como um direito universal. E este direito extensivo a todos,
deste as crianas at os imortais da academia.
Nossa cultura est cheia do conceito de sofrimento como um recurso bom, que
dignifica nossos atos. A dor vista como necessria para progredir e se a dor no est
presente em nossas vidas significa que est muito medocre ou empobrecida. E
chegamos a medir a qualidade do aprendido com a quantidade de sofrimento que
causou.
Outra observao com relao s avaliaes e autoridade do professor. A
avaliao tambm serve para manter a disciplina, uma avaliao mais drstica e
assustadora gerar maior medo em relao ao avaliador. E a capacidade de gerar
respeito se confunde com a de gerar medo. O medo se impe e prprio dos tiranos, j
o respeito e a admirao se ganham e devem ser prprios dos mestres.
A avaliao produz um distanciamento entre o professor e o aluno, e um
instrumento de poder efetivo. Como instrumento de dominao e represso ela ameaa e
produz temor. Weber lembra que a vida social esta marcada pelas manifestaes de
dominao, ao fim de contas, o aluno esta na escola na procura de resultados
aprobatrios que a sociedade cobra. A dominao faz com que o indivduo obedea a
uma ordem acreditando que est realizando sua prpria vontade.
Na Ratio Studiorum, os jesutas enfatizam que Repetitio mater studiorum (a
repetio a me da aprendizagem). Mas, completamente compreensvel esta
proposta, dado que eles tinham como misso converter hereges e alimentar os cristos
vacilantes. Dado que o mtodo da Ratio Studiorum era predominantemente verbal e
constava da preleo, a contenda, a memorizao, a expresso e a imitao. O cuidado
para evitar qualquer distoro ou interpretao errada da doutrina era garantido com o
zelo na repetio e memorizao.
Nesta classificao obteremos uma hierrquica que vai crescendo durante toda a vida,
conforme o desenvolvimento do aluno. Este vai adquirindo mais poder e subindo na
escala hierrquica e obtendo maior poder, mais conhecimentos. Mas este poder para
que? Obviamente para dominar aos outros.
A avaliao cria o que Weber denominou de autoridade racional-legal, que
detentora do poder de maneira legtima e legal. Isto, em virtude da crena na validade
da avaliao que estabelece esta hierarquia. A autoridade desse tipo mantm seus
poderes determinados pelas esferas da competncia. Quando a autoridade racional-legal
envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma de estrutura burocrtica,
amplamente analisada por Weber. Claro que este tipo de poder constitui uma superao
do poder feudal, que era basicamente tradicional. Mas, mesmo assim, ele no isento de
graves erros que a prpria avaliao leva consigo.
Para Weber a burocracia a mais bem acabada forma de dominao legtima e
racional. A avaliao esta criando uma burocracia baseada na racionalidade de uma
ordem. A burocracia a forma mais eficaz de exercer a dominao e uma
conseqncia do processo de racionalizao da vida social moderna. Acreditamos que
mudar a avaliao um trabalho rduo e complicado, porque ela a que garante a atual
estrutura da sociedade, em sua grande parte. A avaliao criou a burocracia, que uma
forma de organizar o trabalho, um padro de regras para organizar o trabalho em
nossa complexa sociedade. A modernizao aconteceu com a passagem de uma
organizao tradicional e inculta para uma sociedade mais culta, com uma organizao
burocrtica e racional.
O modelo burocrtico, que legitimado por uma avaliao transparente e
justa, no se concebe sem um vencedor e um vencido ou grupo de vencidos. Os
reprovados so os excludos e tm um destino social: aqueles que so reprovados so
relegados s habilitaes pr-profissionais ou entram no mercado de trabalho aos 15-16
anos; por outro, os que avanam no curso e se orientam para os estudos aprofundados
(PERRENOUD, 1999, p. 13).
Por isso, este autor enfatiza que a avaliao est no mago [a parte mais ntima
ou fundamental; a essncia] das contradies do sistema educativo, constantemente na
articulao da seleo e da formao, do reconhecimento e da negao das
desigualdades (PERRENOUD, 1999, p. 10).
As notas possuem uma mensagem na sala de aula: as notas fazem parte de uma
negociao entre o professor e seus alunos ou, pelo menos de um arranjo. Elas lhe
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permitem faz-los trabalhar, conseguir seu silencio, sua concentrao, sua docilidade
em vista do objetivo supremo: passar de ano (PERRENOUD, 1999, p.12). Pois para
ele, a avaliao : em todos os casos, a avaliao no um fim em si. uma
engrenagem no funcionamento didtico e, mais globalmente, na seleo e na orientao
escolares. Ela serve para controlar o trabalho dos alunos e, simultaneamente, para gerir
os fluxos (PERRENOUD, 1999, p. 13).
Quando observamos que, grande parte da organizao de nossa sociedade esta
baseada na avaliao. No podemos deixar de refletir sobre a prtica e os critrios da
avaliao. Os resultados da avaliao so a garantia da burocracia, mas ela tambm
deveria orientar para que cada indivduo possa fazer aquilo que desempenha melhor, de
tal maneira que, o prprio trabalho lhe proporcione satisfao e prazer. Ningum deve
ser obrigado a fazer aquilo que no gosta. Todos devemos procurar aquela atividade na
qual nos sintamos mais aptos, para podermos desempenhar melhor e render melhores
frutos.
3. Avaliao formativa
Perrenoud afirma que a funo do professor na prtica da avaliao de
aprendizagem anloga do mdico e do artista. De maneira tal que, quando um artista
modela um objeto, no deixa de observar o resultado para ajustar seus gestos e, se
preciso for, corrigir o alvo, a arte de conduzir a ao pelo olhar, em funo de seus
resultados provisrios e dos obstculos encontrados. Cada professor dispe dela, como
todo mundo. (PERRENOUD, 1999, p. 14).
A tarefa do professor como mdico no sentido de nenhum mdico se
preocupa em classificar seus pacientes, do menos doente ao mais gravemente atingido.
Nem mesmo pensa em lhes administrar um tratamento coletivo. Esfora-se para
determinar, para cada um deles, um diagnostico individualizado, estabelecendo uma
ao teraputica sob medida (PERRENOUD, 1999, p. 15).
Com esta reflexo da avaliao, Perrenoud afirma que esta deve ser formativa
em uma pedagogia diferenciada. Mas chocam-se com obstculos materiais e
instituies numerosas. (PERRENOUD, 1999, p. 16). Com efeito:
1. o efetivo das turmas;
2. a sobrecarga de programas;
3. a concepo dos meios de ensino e de didticas, que quase no privilegiam a
diferenciao;
4. o horrio escolar;
5. a diviso do curso em graus;
6. a ordenao dos espaos so restries dissuasivas para quem no sente,
visceralmente a paixo pela igualdade.
Por isso, Perrenoud afirma que quando focalizamos a questo da avaliao
percebe-se uma situao entre duas lgicas: uma lgica de seleo e uma lgica
formativa:
Incontestavelmente, a lgica formativa ganhou importncia. Pouco a
pouco, denunciam-se os limites que lhe impem as lgicas de seleo.
Esquece-se que elas reinaram sozinhas, durante dcadas. A
democratizao do ensino e a busca de uma pedagogia mais
diferenciada fizeram emergir, e depois difundir, a lgica formativa, de
modo que hoje em dia as foras e a legitimidade de ambas esto mais
equilibradas. (PERRENOUD, 1999, p. 18).
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inclui e no divide. A tarefa do professor torna-se uma profisso sagrada, avaliar uma
prtica que produz reverncia.
Esta atitude de amor, Luckesi o encontra tambm em A Funo do Orgasmo de
Wilhelm Reich, marxista psicanalista (1897-1957). O ato amoroso obra de um homem
adulto e livre. A avaliao ato de homem bem constitudo, ela no se fundamenta nos
atos de mecanismos de defesa como estratgia de sobrevivncia, que so as atitudes
regressivas (muito primitivas) da condio humana. Na avaliao existe acolhimento,
uma cura e uma atitude que caracteriza o adulto, que um homem livre, reflexivo e
questionador.
Assim, Luckesi afirma que no ato da avaliao se mostra a integridade humana
do professor, como adulto (Reich) e sagrado (como Cristo). Na avaliao se deve
incluir, integrar e acolher e no julgar, afastar e selecionar. Avaliar um discente com
dificuldades criar a base do modo de como inclu-lo dentro do meio da aprendizagem;
o diagnstico permite a deciso de direcionar ou redirecionar aquilo ou aquele que est
precisando de ajuda.
4. Nem espontanesmo, nem autoritarismo na avaliao da aprendizagem
Luckesi enfatiza que a avaliao da aprendizagem tem dois objetivos: auxiliar o
educando no seu desenvolvimento pessoal pelo processo de ensino e aprendizagem, e
responder sociedade pela qualidade do trabalho educativo realizado. Estes dois
objetivos no podem dissociar-se no uso escolar da avaliao.
A avaliao tem por objetivo auxiliar o educando no seu crescimento e
integrao consigo mesmo como sujeito existencial e como cidado, ademais de ajudlo na apropriao dos contedos propostos. O diagnstico da avaliao permite a
tomada de deciso mais adequada, tendo em vista o autodesenvolvimento e o auxlio
externo para este processo: para no ser autoritria e conservadora, a avaliao tem a
tarefa de ser diagnstica, ou seja, dever ser o instrumento dialtico do avano, ter de
ser o instrumento da identificao de novos rumos (LUCKESI, 2000, p. 43)
A educao deve formar um cidado que tomar parte do espao pblico e todo
cuidado pouco. Como parte dos cuidados deve ser considerada a avaliao, esta deve
ajudar no desenvolvimento individual do aluno, no desencorajar nem desmotivar,
tampouco deve enganar s dando resultados excelentes. O processo educativo deve ter
por objetivo suscitar e desenvolver no educando os estados fsicos e morais que so
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atividades, que so felizes fazendo da melhor maneira aquilo que fazem. A avaliao
deve levar em conta a satisfao pessoal do avaliado.
Observar a avaliao como um ato de amor retirar aqueles preconceitos sobre a
educao e a avaliao. Significa tentar fazer da educao um ato prazeroso e generoso,
um verdadeiro ato de amor. Isto valoriza e dignifica ainda mais o papel do educador,
alm de dar maior satisfao aos envolvidos.
A problemtica mundial nos leva a tratar na escola temas como biodiversidade,
desenvolvimento sustentvel, incluso, educao ambiental, solidariedade etc, que so
problemas que atingem a todos e nossa participao consciente necessria. Mas, como
conseguir isto, obviamente incluir estes temas no currculo escolar de pouco pode
ajudar, se nosso sistema educativo no permite a educao da conscincia, a
colaborao, a solidariedade e integrao responsvel com a sociedade. Por isso,
acreditamos que a concepo de avaliao fundamenta para a formao do ser humano
e os efeitos desta avaliao esto refletidos na forma em que sociedade participa e se
envolve na problemtica global.
Referncias
COMENIUS. Didtica Magna. So Paulo, Martin Fontes, 2002.
DE ROSA, M. G. A histria da educao atravs dos textos. So Paulo: Cultrix,
1980.
HADJI, C. Avaliao desmistificada. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2001.
HOFFMANN, J. Avaliao Mediadora: uma prtica em construo da pr-escola
Universidade. 8. ed., Porto Alegre : Mediao, 1996.
LUCKESI, C. Avaliao da aprendizagem escolar. So Paulo: Cortez, 2000.
___________ Verificao ou Avaliao: O Que Pratica a Escola? Idias n. 8, So
Paulo: FDE, 1998. p. 133-140.
___________ Avaliao da aprendizagem na escola e a questo das representaes
sociais. Eccos Revista Cientfica, vol. 4, fac. 02, Universidade Nove de Julho, So
Paulo, 2002, p. 79-88.
LDKE, M. A. M.E.D A. pesquisa em educao: abordagens qualitativas. 6.ed., So
Paulo: EPU, 1986.
NUNES, R. A. C. Histria da educao no renascimento.So Paulo:Edusp, 1980.
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