A Invasão Da Indonésia No Timor-Leste
A Invasão Da Indonésia No Timor-Leste
A Invasão Da Indonésia No Timor-Leste
Resumo
O artigo tem como objetivo analisar a construo da percepo internacional sobre a
questo do Timor-Leste sob a perspectiva construtivista. Atravs de anlises internas
e sistmicas buscou-se elucidar os vrios fatores que influenciaram as diferentes
percepes sobre a questo. Observa-se que o contexto de Guerra Fria propiciou o
apoio necessrio para a invaso indonsia e que o fim do conflito bipolar possibilitou
uma nova percepo internacional a respeito da invaso. A perspectiva construtivista,
neste sentido, crucial para compreender o processo de construo destas percepes.
Palavras-chave
Timor-Leste; Indonsia; construtivismo.
Alabastro: revista eletrnica dos alunos da Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, So Paulo, ano 4, v. 1, n. 7, 2016, p. 31-45.
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Abstract
The article aims to analyze the construction of the international perception on the
question of East Timor under the constructivist perspective. Through internal
and systemic analysis we sought to elucidate the several factors that influenced the
construction of different perceptions on the issue. It is observed that the Cold War
context provided the necessary support to the Indonesian invasion and the end of
the bipolar conflict enabled a new international perception of the invasion. The
constructivist perspective, to that effect, proved to be crucial to understanding the
process of construction of these perceptions.
Keywords
East-Timor; Indonesia; constructivism.
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Introduo
A atual fragilidade do Timor-Leste, alm
de estar relacionada com a sua muito tardia
descolonizao, tambm se associa a invaso que o
pas sofreu de sua vizinha, Indonsia, logo aps sua
independncia. Alm da ocupao efetiva do territrio
timorense, a Indonsia realizou inmeras violaes
aos Direitos Humanos e por muito tempo no foi
repreendida pelos atores internacionais de destaque
(Organizao das Naes Unidas e seus membros do
Conselho de Segurana) que se recusavam a enxergar
a situao.
Neste trabalho objetivamos entender esse
conflito e analisar se ele pode ser compreendido
e estudado atravs de uma perspectiva terica
construtivista das Relaes Internacionais. Quanto aos
objetivos especficos, salientamos que cada subdiviso
do trabalho se trata da construo de um deles para
entendimento da meta principal do trabalho.
Para melhor compreenso do tema, na primeira
seo deste artigo realizada uma retrospectiva
histrica da invaso, comeando pelo processo de
busca de autonomia pelo Timor-Leste at a retirada
das foras indonsias do pas. Dentro desses anos
tambm so analisadas as relaes da Indonsia com
os pases da regio e com Organismos Internacionais,
como a Organizao das Naes Unidas (ONU) e
seus posicionamentos acerca do conflito.
A segunda parte fornece as bases tericas a
serem aplicadas na ltima seo, o estudo de caso.
realizada a descrio da teoria construtivista.
Como se trata de uma teoria j bastante consolidada
nas Cincias Sociais, necessrio esclarecer que
analisaremos a teoria construtivista dentro das
Relaes Internacionais. Desse modo, a base terica
1. Retrospecto histrico
indonsia no Timor-Leste
da
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invaso
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A Indonsia e o Timor-Leste tiveram seu
territrio invadido por diversas potncias imperialistas
(Portugal, Japo, Holanda), sendo que o controle
efetivo dessas localidades e de suas populaes foi
realizado, majoritariamente, por Portugal. A Indonsia
se desvencilhou do imperialismo portugus logo aps o
final da Segunda Guerra Mundial. A situao do TimorLeste se assemelha a outras colnias portuguesas, ou
seja, viveu uma descolonizao tardia.
Entretanto, diferentemente de Angola e
Moambique, no Timor-Leste, at a revoluo
portuguesa1, em 1974, como aponta Gomes (2010, p. 67)
no existia nenhum movimento de libertao nacional
que reivindicasse a descolonizao do territrio. A
mudana no regime poltico portugus, portanto, trouxe
tona a questo da autodeterminao dos timorenses.
Os timorenses se dividiram em trs posies
sobre seu possvel futuro, as quais foram representadas
por trs partidos polticos:
i) a Unio Democrtica Timorense (UDT), que
defendia a continuao da ligao a Portugal,
pelo menos durante alguns anos; ii) a Frente
Revolucionaria de Timor-Leste Independente
(FRETILIN), que defendia a independncia; iii)
a Associao Popular Democrtica Timorense
(APODETI), que defendia a integrao na
Indonsia (GOMES, 2010, p. 67).
Portugal, a princpio, esteve disposto a aceitar
qualquer escolha, desde que esta fosse a expresso
legtima da autodeterminao timorense e que no
resultasse em custos polticos e econmicos para a
ex-metrpole, devido ao seu contexto de instabilidade
poltica e crise econmica (GOMES, 2010). A diviso
entre a opinio pblica timorense, porm, no ofereceu
1 Refere-se a Revoluo dos Cravos. Originado de um movimento social, o
processo revolucionrio depe a ditadura existente em Portugal instituda
por Salazar.
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Portugal percebe a coalizo poltica em favor das
atrocidades indonsias e por isso limitou seu ativismo
poltico em torno da questo. Apesar disto, no deixou
[...] de continuamente denunciar a ocupao e de
defender o direito dos timorenses a autodeterminao
no comprometendo nunca, por atos ou omisses,
a sua posio de potncia administrante (GOMES,
2010, p. 76). Alm disso, afirmou em sua Constituio
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A manuteno da represso s manifestaes
populares que reivindicavam uma mudana na estrutura
poltica e socioeconmica do pas e s manifestaes
pela autodeterminao do Timor-Leste e de outras
regies do arquiplago (como Irian Jaya), somou-se a
crise econmica. Ao longo das dcadas de 1980 e 1990,
os preos do petrleo sofreram quedas, resultando em
dficits contnuos na balana de pagamentos. O governo
indonsio buscou abrir sua economia a investimentos,
principalmente do Japo e de Taiwan, mas no foi
possvel superar os dficits (VISENTINI, 2011).
Em 1997, o pas foi seriamente atingido pela crise
financeira asitica, a reverberao da crise japonesa.
4 O primeiro se refere ao massacre de mais de 300 manifestantes prindependncia do Timor-Leste realizado pelas tropas indonsias, no
cemitrio de Santa Cruz em Dli. O segundo fato foi o julgamento
de Xanana Gusmo, em 1993, um dos lderes do movimento pela
independncia Timor. Foi julgado pelo governo indonsio e condenado
a priso perptua. Posteriormente, devido a presses internacionais,
transferido para priso domiciliar e solto. O prmio Nobel da paz foi
entregue o bispo Ximenes Belo e a Jose Ramos-Horta em 1996 como um
reconhecimento pelos seus esforos em conseguir uma soluo pacfica
para o conflito entre o Timor-Leste e a Indonsia. Alm disso, foi um
apelo ao mundo para que uma soluo diplomtica, justa e pacfica ao
conflito fosse encontrada e os direitos do povo timorense respeitados.
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As foras de resistncia ocupao indonsia se
viram descontentes com a elite dominante que retornava
do exlio, e os pr-integrao tambm, por razes
bvias, no estavam satisfeitos com a nova configurao
poltica. Em 2008, o presidente Ramos-Horta foi
gravemente ferido em um atentado. Tambm foi alvo
de uma tentativa de golpe de Estado que gerou grande
instabilidade interna. A Austrlia interveio, sufocando a
instabilidade e salvando o governo. Desta maneira, [...]
o novo pas depende de ajuda externa, especialmente
da ONU, e se converteu numa espcie de protetorado
da poderosa vizinha, a Austrlia, que recebeu generosas
concesses de petrleo (VISENTINI, 2011, p. 169).
Embora, ainda hoje, dentro da academia de
Relaes Internacionais (RI), sejam preponderantes os
pensamentos liberais e realistas, eles seriam ainda mais
dominantes se no tivesse ocorrido a emergncia de
outras escolas de pensamento como as teorias crticas,
ps-modernas e ps-positivistas. Nesse contexto,
observa-se a emergncia da teoria Construtivista dentro
das RI. Esse contexto se refere dcada de 1990,
a qual vivenciou o fim da Guerra Fria, primeiro a
ambivalente e posteriormente a malevolente posio
hegemnica dos Estados Unidos, a propagao dos
micronacionalismos, ascenso do fundamentalismo
Entre 1999 e 2002 o Timor-Leste esteve sob religioso e o posterior terrorismo, sendo que esses
jurisdio da ONU, num processo de nation acontecimentos desafiaram a teorizao mainstream
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As definies de identidades e interesses so
necessrias para entender o que uma instituio,
que se trata de um conjunto relativamente estvel de
identidades e interesses. As instituies s existem
devido a socializao dos atores e da participao
do conhecimento coletivo. Desse modo, a
institucionalizao seria um processo de internalizao
de novas identidades e novos interesses. Assim, no
seria algo externo, mas interno se caracterizando como
um processo cognitivo, no somente comportamental
(WENDT, 2013, p. 432).
6 In Wendts analysis, interests presuppose identities because an actor
cannot know what it wants until it knows who it is, which in turn depends
on their social relationships. Therefore, identities become crucial in
constructivist analysis because they provide the basis for interests. States
do not have a portfolio of interests that they carry around independent
of social context; instead, they define their interests in the process of
defining situations. Constructivists focus on constitutive processes
and argue that identities are always in the process of being formed and
reformed (no original).
Logo, essas identidades e interesses podem ser
tanto cooperativos quanto conflituosos. O entendimento
do conceito de instituio tambm necessrio para a
compreenso do autor de que a autoajuda somente
uma delas entre as vrias estruturas de identidade e
interesse que podem existir sob a anarquia. Desse
modo, se ela existe atualmente, no por ser intrnseca
a um sistema anrquico. Considerar isso, como os
realistas fazem, considerar que os Estados j possuem
identidades e interesses egostas antes mesmo de ter
ocorrido interao entre eles. Portanto a autoajuda se
caracteriza como uma instituio, no uma caracterstica
intrnseca anarquia (WENDT, 2013, p. 436).
O que pode ser considerado anterior a interao,
para Wendt, so duas coisas. As capacidades intrnsecas,
que para o Estado seria seu aparelho organizacional
de governana e o desejo de sobreviver. O autor deixa
claro que esse interesse no gera necessariamente a
predao, pois no existem experincias anteriores que
indiquem que esse seja o melhor caminho. Poderiam ser
geradas tambm caractersticas de cooperao, j que
os Estados estariam realizando seus primeiros contatos.
Com esses argumentos, Wendt separa a intrnseca
relao entre autoajuda e anarquia to cara aos realistas.
Assim, como a famosa frase de Wendt afirma: a
anarquia o que os Estados fazem dela. Isso quer dizer
que o significado da anarquia construdo socialmente
e, portanto, entre os Estados com identidade negativa,
deve ocorrer o balanceamento de poder, enquanto,
entre aqueles com identidade positiva, deve ocorrer a
cooperao (SARFATI, 2005, p. 263).
Tendo como base a fala de Sarfati podemos
compreender o prximo tpico do artigo de Wendt.
Com a desmitificao da autoajuda e da anarquia, o
autor ir mostrar que as instituies que influem sobre
a segunda so todas socialmente construdas. dito
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Em relao ao construtivismo como um todo,
Adler (1999) diz que sua importncia est justamente
no fato de ser uma terceira via. E acredita que:
O construtivismo, em oposio ao realismo
Essas consideraes de Adler so fundamentais
para entendermos o estudo de caso seguinte. O
construtivismo ajuda a entender questes da poltica
internacional, como no exemplo, uma guerra de
predao realizada pela Indonsia e a aplicao prtica
da teoria.
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A autoajuda, como j explicada neste mesmo
trabalho, considerada como um interesse institucional,
baseada nos entendimentos e expectativas dos Estados
(WENDT, 2013, p. 435). Uma vez que no consequncia
da estrutura, e sim dos processos, a mudana de postura
indonsia quanto ao Timor-Leste (de 1945 a 1974 o pas,
em nenhum momento, demonstrou interesse em ocupar
o vizinho) pode ser explicada por uma alterao nas
expectativas e interesses da Indonsia, resultado direto
dos acontecimentos internacionais. Nesse momento o
pas tentava legitimar o desejo da dominao do vizinho
com o argumento de que o territrio timorense poderia
Baseando-se nessa definio, podemos
interpretar o papel da ONU no conflito timorense.
A falta de ao do organismo no que tange s
atrocidades cometidas ao povo do Timor-Leste
acabou, de certa forma, tornando natural e legitimando
internacionalmente a ocupao indonsia na regio.
A partir do final da Guerra Fria, as potncias
ocidentais mudam a postura quanto aos seus aliados
nos diversos continentes. Na sia, o modelo asitico
de desenvolvimento passa a sofrer duras crticas, que
visavam inserir a regio num modelo capitalista de
subordinao aos pases mais desenvolvidos. Dentre
essas crticas, estava o desrespeito aos Direitos Humanos
no caso indonsio de ocupao do Timor-Leste. Sobre
esses, Adler explica:
A questo interessante se e como as normas de
direitos humanos esto se tornando no apenas
injunes regulativas criadas para suplantar os
problemas da ao coletiva associados com a
escolha independente, mas tambm um reflexo
constitutivo e direto das identidades e da autocompreenso dos atores (ADLER, 1999, p.
218).
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A violao dos Direitos Humanos pelos
indonsios em territrio timorense aconteceu desde
o incio da ocupao, em 1975. Contudo, naquele
momento, era interessante para as potncias capitalistas
apoiar o regime ditatorial indonsio (ignorando os
Direitos Humanos), uma vez que este se apresentava
como um ente responsvel por conter o avano do
comunismo. Aps o fim da Guerra Fria, entretanto,
essa bandeira de luta abandonada e, somente a partir
da aquelas violaes passam a ser combatidas pelos
pases centrais.
Quanto ao nosso caso analisado, isso se mostra
como uma clara construo ocidental para barrar o
desenvolvimento econmico indonsio e a postura
autnoma deste pas no sistema internacional. A crtica
construtivista, ento, versa que os Direitos Humanos
tm que ser respeitados como um princpio humano
bsico, e no usado como instrumento dos interesses
dos pases desenvolvidos.
Frente a renncia do presidente Suharto na
Indonsia devido a crises internas e presses externas
e a chegada ao poder de seu vice, ocorre uma mudana
de postura do pas em relao a dominao do territrio
timorense. Com base nesse fato, tambm podemos
trazer princpios construtivistas a discusso:
Devido a mudanas no cenrio interno e externo,
os interesses indonsios foram modificados quanto
ao Timor-Leste. Em 1999, nas eleies organizadas
pela ONU, organismo que tambm modificou seus
interesses em relao ao conflito, o povo timorense
Assim, o interesse nacional pode ser
resumidamente definido como um acordo entre
um grupo que passa atribuir seus interesses a toda
coletividade nacional. Isso, ento, pode servir para
explicar a disputa interna timorense pelo poder no psindependncia, na qual certos grupos nacionais no
viam os objetivos da elite poltica como condizentes aos
seus.
Consideraes finais
Ao longo do nosso estudo pudemos
compreender, atravs do breve retrospecto histrico
sobre a invaso indonsia do Timor-Leste e sua
ocupao, como os interesses estratgicos dos EUA
e de seus associados, dentro da lgica da Guerra
Fria, viabilizaram a apropriao da ex-colnia e as
massivas violaes de direitos humanos por parte da
Indonsia (GOMES, 2010; RAMOS-HORTA, 1994;
VISENTINI, 2011).
Alm disso, tambm foram analisadas as
consequncias do final do conflito bipolar para a regio
asitica, em especial a busca pela desestruturao do
modelo asitico, aps o fim da importncia estratgica
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Referncias bibliogrficas
ADLER, Emanuel. O construtivismo no estudo das
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Artigos
t&pid=S180943412012000100013&lng=en&nrm=i
so>. Acesso em: 04 jan. 2015.
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