Constitucionalismo Abusivo, Flavio Martins
Constitucionalismo Abusivo, Flavio Martins
Constitucionalismo Abusivo, Flavio Martins
Flávio Martins*
Pós-doutorando em Direito Público pela Universidade de Santiago de Compostela
Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
SUMÁRIO
Prolegômenos
Movimentos de erosão democrática
Constitucionalismo abusivo
Como conter o constitucionalismo abusivo?
Bibliografia
1. Prolegômenos
1 Por essa razão, afirma Jorge Miranda: «Com perto de 200 Estados formalmente soberanos na atua-
lidade, todos com os seus ordenamentos particulares e quase todos revestidos de Constituições escritas,
não é fácil surpreender um quadro suficientemente largo e preciso não só das múltiplas formas e institui-
ções como das grandes coordenadas do Direito Constitucional, das tendências comuns e das aproxima-
ções possíveis para lá das dessemelhanças inevitáveis.» Miranda (2009), p. 109.
2 Como afirmamos no nosso Curso de Direito Constitucional, «o antigo liberalismo não poderia resolver
os problemas gravíssimos das camadas mais pobres da sociedade. A liberdade, por si só, era um remédio
inócuo aos famintos e oprimidos. O Estado deveria abandonar sua postura passiva, negativa e assumir um
papel positivo, ativo, a fim de que a igualdade jurídico-formal apregoada nos textos constitucionais fosse,
de fato, concretizada. Desse novo pensamento nasce o “constitucionalismo social”, que tem como mar-
cos históricos a Constituição do México, de 1917, e a Constituição alemã de Weimar, de 1919». Martins
(2018), p. 104.
3 Segundo Luís Roberto Barroso, «o marco histórico do novo Direito Constitucional, na Europa con-
tinental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a
Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. […] O marco
filosófico do novo Direito Constitucional é o pós-positivismo». Barroso (2009), p. 247.
4 Segundo Pedro Brandão, em obra específica sobre o tema, «o Novo Constitucionalismo, ao mesmo
tempo que absorve alguns comandos do Neoconstitucionalismo, notadamente a impregnação da Consti-
tuição no ordenamento jurídico, ostenta como preocupação central a legitimidade democrática da Consti-
tuição, garantindo que só a soberania popular pode determinar a alteração da Constituição, a participação
política e os direitos fundamentais, inclusive os sociais e econômicos». Brandão (2015), p. 67.
5 Canotilho (2012), p. 51. Em preciosa síntese, Jorge Miranda afirma que «o constitucionalismo como
movimento revolucionário de vocação universal é na França que triunfa em 1789. A Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão não se dirige apenas aos franceses e o seu art. 16.º contém uma noção de
Constituição em sentido material (e, implicitamente, em sentido formal). O exemplo inglês, não obstante lhe
levar um século de antecedência, não teve o mesmo efeito no século xix. Já no século xx quer as vicissitu-
des políticas da própria França quer as dos demais países levariam a uma diluição de influência. Quanto
aos Estados africanos saídos da descolonização francesa são as maiores diferenças em relação à França
do que a dos Estados latino-americanos frente aos Estados Unidos». Miranda (2010), p. 112.
6 Canotilho (2012), p. 51.
7 Landau (2013), p. 1.
8 Tushnet (2015), p. 1.
9 Varol (2015), p. 1.
10 Não obstante, como afirma Gustavo Müller, ese proceso de «democratização» dos países do Leste
europeu não é homogéneo. Segundo ele, «enquanto os países recém-incluídos na União Europeia apre-
sentam um nível elevado de democratização do proceso eleitoral, […] as ex-Repúblicas Soviéticas apre-
sentam níveis críticos. Uma segunda observação relevante a ser feita, ainda em relação aos dois grupos de
países acima citados, é que os novos membros da União Europeia demonstram uma tendência geral de
consolidação da esfera eleitoral. Já no caso dos países ex-soviéticos, a tendência é de forte corrosão da
arena eleitoral, o que significa um distanciamento da democracia e uma aproximação dos autoritarismos».
Müller (2011), p. 15.
11 Como afirma Jorge González Jácome, «desde finais da década dos anos oitenta, diferentes países
da América do Sul reformaram suas constituições no marco de transições de ditaduras militares a regimes
modelados ao estilo das democracias liberais». Jácome (2015), p. 18.
12 Como afirmou Marina Feferbaum, em obra específica sobre a proteção dos direitos humanos no
sistema africano, «a fragilidade do modelo estatal africano é um dos principais fatores que comprometem
os direitos humanos na África. A forma da colonização africana, certamente, foi um dos responsáveis. E a
emergência de governos autoritários não só impediu o desenvolvimento do continente, como também
colocou a África em um círculo vicioso de estagnação, um moto-contínuo de violações dos direitos huma-
nos. Dois processos, porém, têm tentado quebrar a inércia da África pós-colonial: o processo de demo-
cratização e o processo de integração econômica. Com o objetivo de fortalecer as instituições estatais, a
implantação de democracias e de comunidades econômicas tem apresentado potencial para fomentar o
desenvolvimento e os direitos humanos no continente». Feferbaum (2012), p. 131.
13 Projeto criado pelo CSP (Center for Systemic Peace), instituição norte-americana fundada em 1997 e
que monitora o comportamento político nos principais Estados do mundo (cuja população seja superior a
500 mil habitantes). Todos os dados de suas pesquisas estão disponíveis no site www.systemicpeace.org.
14 A palavra «anocracia» é um neologismo, oriundo do inglês «anocracy». Consiste num regime de
governo marcado por instabilidade política e ineficácia governamental, tendo em vista a existência de um
regime democrático, com traços autocráticos. Comumente, uma anocracia é um tipo de regime em que o
poder não está investido apenas em instituições públicas, mas se espalha entre grupos de elite que estão
constantemente competindo entre si pelo poder. «Anocracias» são consideradas um regime intermediário
entre a autocracia e a democracia. Por ser um regime intermediário, é natural que haja uma transição
gradual à «anocracia», partindo de uma democracia ou de uma autocracia, como afirma Marcelo Valença,
segundo o qual é comum «a mudança do regime do Estado de autocracias para democracias, de auto-
cracias para “anocracias” (nível intermediário de liberdade política) ou de “anocracias” para democracias».
Valença (2006), p. 570. No mesmo sentido, Colomer, Banerjea e Mello afirmam que «a democratização tem
sido associada a transições relativamente curtas de regimes autocráticos. No entanto, 40 das 89 demo-
cracias existentes atualmente não foram estabelecidas por meio de uma transição direta ou curta de um
regime autocrático, mas por um processo de abertura de um regime intermediário ou “híbrido” de longa
duração, também chamado de «anocracia”. Esse tipo de regime tipicamente envolve liberdade significa-
tiva, juntamente com direitos limitados ao sufrágio, restrições à competição eleitoral ou responsabilização
restrita dos governantes eleitos. Uma anocracia não é uma breve situação de transição, mas um tipo de
regime que tende a viver tanto quanto as democracias ou as ditaduras autocráticas». Colomer, Banerjea e
Mello (2016), p. 2.
15 As manifestações deram ensejo à queda de três chefes de Estado: o Presidente da Tunísia, Zine El
Abidine Bel Ali, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, que renunciou em 11 de fevereiro de 2011, após
vários dias de protesto, e também na Líbia, com a morte em tiroteio do presidente Muammar al-Gaddafi.
3. Constitucionalismo abusivo
26 Tushnet (2015), p. 438. O mesmo autor entende que tais modelos de constitucionalismo abusivo ou
autoritário são instáveis. Segundo ele, «a instabilidade pode ser resolvida em duas direções. Um consti-
tucionalismo autoritário pode perder sua característica autoritária e se transformar num regime completa-
mente constitucionalista, ou pode perder o constitucionalismo e se tornar puramente autoritário» (p. 455).
27 Bernal (2016), p. 125.
28 Segundo o autor, «una cláusula de reemplazo, antes bien que efectos jurídico-normativos, pueden
tener efectos sociológicos o psicológicos en las expectativas de los ciudadanos y, por tanto, pueden alterar
las prácticas de una manera útil para reducir las probabilidades de que se presente una ruptura destructi-
va». Bernal (2016), p. 126.
Bibliografia