Falar Ler e Escrever Cap 3
Falar Ler e Escrever Cap 3
Falar Ler e Escrever Cap 3
Falar, Ler e Escrever apresenta um conjunto de estratgias pedaggicas que promovem o desenvolvimento
da linguagem e a descoberta da leitura e da escrita enquanto meios de comunicao e de acesso
ao conhecimento fundamentais para a construo slida dos pilares da literacia nas crianas em idade
pr-escolar.
nesse pressuposto que esta obra se constitui como um importante recurso didtico que poder apoiar os
educadores numa prtica pedaggica estruturada e estruturante decisiva para a formao das crianas
que dela beneficiarem.
PR-ESCOLAR
EDUCAO PR-ESCOLAR EDUCAO PR-ESCOLAR
EDUCAO
Coordenao de contedos:
Fernanda Leopoldina Viana
Iolanda Ribeiro
Apoios:
Isabel Ros
INtroduo 24
Algumas questes prvias sobre a escrita no jardim de infncia 25
De que falamos quando falamos de escrever na educao pr-escolar? 25
QUAL A PROPOSTA DE ESCRITA? 28
Das concees tericas prtica. Apresentao da situao
Os bailarinos da Hungria 29
Falar e pensar antes de escrever 29
Pensar, falar e planificar A planificao 32
Falar, pensar, ler e sistematizar A reformulao do texto tentado 36
Pensar, ler e escrever A textualizao 37
Falar, pensar, escrever e rever A reviso 40
Em sntese 41
Referncias bibliogrficas 43
ANEXOS 184
3
Inscrevo esta obra num conjunto de publicaes que apontam para o contri-
buto das metodologias (mais vulgarmente chamadas didticas) na clarificao e
operacionalizao daquilo que importante que o educador de infncia desenvolva
no respetivo domnio curricular. Ao apreciar as Orientaes Curriculares muitos edu-
cadores afirmaram que gostariam que elas fossem ainda mais concretas e especfi-
cas. Esta publicao contribui para responder a esse desejo apresentando uma pro-
posta de um programa de trabalho programa Falar, Ler e Escrever no Jardim
de Infncia destinado a crianas em idade pr-escolar e sua avaliao. Trata-se
de um programa que, evitando uma perspetiva normativa, ajuda os educadores
a imprimir intencionalidade s atividades que propem s crianas.
Gostaria ainda de sublinhar alguma terminologia que, para mim, nova e que
me parece altamente significativa: a ideia de palavras-armadilha, uma forma metaf-
rica de ajudar as crianas a entender a no correspondncia biunvoca fonema e
grafema, e a expresso texto tentado, que designa os textos propostos pelas crian-
as para serem escritos, o que implica apreenso das caractersticas do registo
escrito e das diferenas entre texto oral e texto escrito.
Teresa Vasconcelos
Professora Coordenadora Principal (aposentada)
Escola Superior de Educao
Instituto Politcnico de Lisboa
INTRODUO
O programa Falar, Ler e Escrever no Jardim de Infncia FLE-JI resultou da
integrao e atualizao de dois projetos de interveno no mbito da literacia
emergente Melhor Falar para Melhor Ler (Viana, 2001) e uma linha de ao do
projeto Litteratus (Ribeiro, 2007). Tem como objetivo proporcionar a educadores de
infncia um conjunto estruturado de atividades que contribuam para o desenvolvi-
mento das competncias de literacia emergente. A importncia de um trabalho sis-
temtico nesta rea justificada pelo impacto destas competncias na aprendizagem
da leitura e da escrita, e amplamente confirmado pela investigao (Coyne, McCoach
& Kapp, 2007; Haney & Hill, 2004; Kassow, 2006; Whitehurst & Lonigan, 1998). Trata-
-se de um programa desenvolvido no mbito de uma parceria entre a Universidade
do Minho e alguns jardins de infncia, produto de um trabalho de vrios anos que
alia os resultados da investigao sobre literacia emergente implementao e ava-
liao sistemticas das suas atividades. Neste captulo apresentam-se os objetivos,
as opes tomadas, a justificao das mesmas e, sempre que relevante, inclui-se
uma apreciao sobre o processo de implementao. Esta anlise complementada
com a avaliao sistemtica do programa, descrita no captulo 5.
44
Nos dois anos em que decorreu o projeto, a maioria das salas inclua crianas
de vrias idades, verificando-se que enquanto algumas educadoras desenvolviam
grande parte das atividades com todo o grupo (por exemplo, a leitura dos livros),
outras organizavam as salas em pequenos grupos de trabalho, procedendo a adap-
taes para as crianas mais novas. Reala-se, contudo, que as crianas de trs e
quatro anos mostravam uma elevada curiosidade pelo trabalho dos seus colegas
mais velhos, em particular quando se tratava de situaes de escrita.
Para cada uma das obras selecionadas foi desenvolvido um conjunto de ativi-
dades de acordo com os objetivos pr-definidos. A explorao de cada livro no se
completa, por isso, num nico momento, pressupondo, pelo contrrio, um trabalho
continuado no tempo. A experincia com a implementao do programa nos anos
letivos de 2010-2011 e 2011-2012 sugere que em cada ms possvel efetuar o traba-
lho com duas obras. A leitura e as atividades a ela associadas foram pensadas para
serem implementadas em grande grupo, em pequeno grupo e em pares.
A ttulo de exemplo, a leitura da obra A Toupeira Que Queria Saber Quem Lhe
Fizera Aquilo na Cabea permitiu aos educadores abordar os conceitos de nmero,
ordem, quantidade e formas geomtricas.
45
Objetivos
A definio dos objetivos decorreu da anlise detalhada das Orientaes Cur-
riculares para a Educao Pr-Escolar OCEPE (Ministrio da Educao, 1997) e
dos dados da investigao sobre literacia emergente (cf. reviso efetuada no cap-
tulo 1). As Metas de Aprendizagem MA7 (Ministrio da Educao, 2010) foram
igualmente consideradas, procurando-se relacionar as metas com as atividades deli-
neadas e inclu-las nas propostas de explorao das diferentes obras (cf. captulo 4).
A anlise conjunta das OCEPE e das MA mostra que nem todas as OCEPE rela-
tivas rea de contedo da Linguagem Oral e Abordagem Escrita foram contem-
pladas nas MA, tendo-se procurado neste programa promover de forma integrada
as diferentes linhas orientadoras sugeridas para a educao pr-escolar, indepen-
dentemente de estarem ou no contempladas nas MA. Assim, algumas das ativida-
des propostas contriburam para o desenvolvimento de competncias no previstas
nas metas. A ttulo de exemplo, podem referir-se as atividades que promovem a
intertextualidade. Esta competncia no abrangida pelas atuais metas. As mais
prximas poderiam ser a meta LOE 28, que se refere ao relato e recriao de expe-
rincias e papis, ou a meta LOE 29, que se associa narrao de histrias.
Por sua vez, algumas das metas (exemplo: LOE 001 a criana produz rimas
e aliteraes) englobam duas competncias diferentes, com nveis distintos de difi-
culdade, pelo que nestes casos se optou por dividir a meta em duas submetas. Para
o exemplo apresentado escreveu-se: a) a criana produz rimas; b) a criana produz
aliteraes. Uma segunda mudana introduzida prendeu-se com a alterao na for-
mulao de algumas metas. Por exemplo, a meta que refere a criana sabe orientar
rtulos sem desenhos foi alterada para a criana orienta corretamente textos
impressos sem imagens. De facto, a correta orientao do texto num rtulo no
6
Ver a descrio desta proposta frente, neste captulo.
7
http://www.metasdeaprendizagem.dge.pt/educacao-pre-escolar/metas-de-aprendizagem
46
Opes estruturantes
No captulo 1 foi analisado de modo detalhado o contributo da leitura de livros
no desenvolvimento das competncias de literacia emergente e no desenvolvimento
da motivao para a leitura e para a escrita.
Este programa foi desenvolvido a partir de onze contos, de dez obras de lite-
ratura para a infncia, cuja seleo obedeceu a critrios que atenderam s propostas
de especialistas em educao pr-escolar e literatura para a infncia (cf. quadro 5).
47
A Toupeira Que Queria Saber Quem Lhe Werner Holzwarth e Wolf Erlbuch Kalandraka
Fizera Aquilo na Cabea
O Macaco de Rabo Cortado conto Antnio Torrado e Maria Joo Lopes Civilizao
tradicional
In O Macaco de Rabo Cortado e Outras
Histrias
Histria da Carochinha e do Infeliz Joo Antnio Torrado e Maria Joo Lopes Civilizao
Rato conto tradicional
In O Macaco de Rabo Cortado e Outras
Histrias
48
A maior parte dos materiais que suporta a explorao das diferentes obras
disponibilizada nos anexos, nas ltimas pginas do livro, sendo autorizada a sua
reproduo8. Alm dos materiais disponibilizados, est prevista a construo, com
as crianas, de materiais especficos, como o caso do Ba do Tesouro e o da
rvore das Palavras.
Sequenciao e organizao
das atividades
A organizao das vrias atividades foi estruturada em funo de cinco dimen-
ses: leitura, explorao do texto, escrita, reflexo morfossinttica e conscincia
fonolgica (cf. figura 10). A separao em diferentes tpicos pode sugerir que as
atividades propostas so independentes entre si, o que no , de facto, o caso. Na
realidade, encontram-se estreitamente articuladas e uma mesma atividade pode
promover o desenvolvimento de vrias competncias.
8
A sua utilizao para outros fins, nomeadamente em publicaes, carece de autorizao expressa dos autores.
49
50
No captulo seguinte, o leitor encontrar, para cada uma das obras seleciona-
das, a operacionalizao destas orientaes em atividades especficas. Algumas das
atividades so apenas descritas neste captulo, como o caso do Ba do Tesouro,
da rvore das Palavras, do Livro das Rimas, dos Jogos de Conscincia Fonolgica
e dos Jogos Tradicionais. Trata-se de atividades transversais explorao de todos
os textos e que podem ser desenvolvidas sempre que o educador julgar oportuno
ou for solicitado pelas crianas, sem uma ligao especfica ao programa. O Livro
das Rimas integra um conjunto de propostas previstas para promover a conscincia
fonolgica. Contudo, e por implicar a escrita de palavras nas quais se devem con-
templar as orientaes gerais para a abordagem escrita com crianas em idade
pr-escolar, optou-se por efetuar a sua descrio na dimenso Escrita (cf. projeto de
escrita n.o 5). Por sua vez, a rvore das Palavras e os Jogos de Conscincia Fonol-
gica so descritos na seco em que se apresentam as propostas para trabalhar
a dimenso conscincia fonolgica.
Leitura
A planificao de atividades de leitura contempla um conjunto de propostas
a realizar antes, durante e aps a leitura. A leitura no jardim de infncia no pode ser
uma leitura de impulso ou de improviso. Neste contexto (e noutros) ouvir ler pela
voz dos outros uma operao de charme para criar leitores, pelo que a leitura no
pode perder de vista o carter ldico. Alm de ativar conhecimentos prvios, as ati-
vidades prvias leitura tm, sobretudo, de motivar, de seduzir e de dirigir a ateno.
51
A leitura pela voz de alunos de outros ciclos poder implicar um nvel mais exi-
gente em termos de organizao. Embora se faa referncia possibilidade de a
leitura poder ser realizada por outros, que no exclusivamente o educador, esta
uma opo que caber a cada educador tomar, tendo em conta o seu contexto
especfico de trabalho.
Para cada livro esto previstas leituras repetidas do mesmo, a efetuar com fina-
lidades especficas. Estas so detalhadas em cada um dos guies de proposta de
atividades. De salientar que no se pretende que os livros sejam utilizados como
pretexto para ensinar a ler, mas como meio de proporcionar momentos de prazer e
fruio da leitura, promovendo, em simultneo, o desenvolvimento de competncias
pr-litercitas (como a conscincia lingustica, a sensibilidade retrica, a compreen-
so da conotao, etc.).
52
Com exceo de trs obras, sugere-se que se inicie por uma leitura completa
do texto, passando, posteriormente, para uma leitura por segmentos, na qual o edu-
cador selecionar segmentos e poder propor atividades que impliquem: a repre-
sentao de mensagens contidas no texto (aes, emoes, interaes, entre outras)
atravs de expresso corporal; a repetio de frases; a dramatizao; a anlise de
palavras e de expresses; a formulao de perguntas; a anlise das reaes emocio-
nais ao texto; o uso de pistas contextuais para descobrir o significado de palavras
desconhecidas; as sinergias entre o texto e a ilustrao (http://www.planonacional-
deleitura.gov.pt/). A leitura inicial permite, por sua vez, o convite a antecipaes
sucessivas sobre os acontecimentos, gerando inferncias de previso.
Compreenso
A leitura pgina a pgina (aps a leitura integral) permite, por exemplo, ir colo-
cando questes ao longo da histria, ajudando a orientar a ateno das crianas
para determinados aspetos, relacionando o que acaba de ser lido com experincias
anteriores e/ou com pormenores da ilustrao, potenciando a intertextualidade e o
processamento hbrido dos textos e das imagens. O conjunto de perguntas que
proposto para a explorao de cada texto resulta, como foi referido anteriormente,
de uma seleo facultada pela prtica em contexto de jardim de infncia e da inte-
grao das orientaes tericas relativas ao ensino da compreenso da leitura
(Ribeiro et al., 2010; Viana et al., 2010) e para a promoo das competncias da lin-
guagem oral (Duarte, 2008; Lentin, 1976).
53
Quadro 6
(Continua)
9
Consultar Cadime (2011) para uma reviso de taxonomias de compreenso da leitura.
54
55
56
Vocabulrio
Na explorao do texto tambm se pretende promover a expanso do lxico
das crianas. A anlise de palavras novas, de palavras difceis, de palavras bonitas ou
de palavras da mesma famlia, bem como a classificao de palavras por campos
semnticos so exemplos possveis de atividades a realizar, tendo a prtica demons-
trado que, alm de desafiadoras, suscitam a adeso entusiasmada das crianas.
A aprendizagem de vocabulrio novo ou de novos sentidos uma preocupao
transversal a todo o programa. No entanto, ela ganha intencionalidade nas propos-
tas de leitura, pois algum do vocabulrio novo pode ser chave de compreenso e
permitir uma articulao natural com a linguagem escrita, j que as palavras novas
so escritas.
10
Embora o objetivo da ilustrao seja o de auxiliar de memria, a ilustrao de palavras que no representam objetos ou realidades
materiais complexa, exigindo que o educador a monitorize com cuidado para que a ilustrao no seja uma espcie de legenda
visual equvoca.
57
A explorao de uma palavra nova uma nica vez no assegura que esta passe
a integrar o lxico ativo das crianas, ou seja, que estas passem a utiliz-la na comu-
nicao. A escrita de palavras e a sua afixao no respetivo placar permitir que
possam ser convocadas noutras atividades e integradas no repertrio vocabular das
crianas. O ensino intencional e explcito de novas palavras uma via eficaz para col-
matar as diferenas ao nvel do domnio lexical das crianas oriundas de meios des-
favorecidos, promovendo o posterior sucesso escolar (Lubliner & Smetana, 2005).
Embora seja possvel antes da leitura apresentar s crianas palavras novas que
iro surgir no texto e que se antecipa no serem conhecidas, explorando o seu sig-
nificado (por exemplo, nas obras O Nabo Gigante e os Chibos Sabiches, exploraram-
-se os conceito de gigante e de sabicho, respetivamente), pode optar-se por efetuar
em primeiro lugar a leitura integral da histria, convidando posteriormente as crian-
as a inferir os significados destas palavras. Caso se inclua a posterior procura no
dicionrio, devem ler-se, em voz alta, as definies possveis e questionar as crianas
sobre a(s) mais adequada(s) ao contexto em causa. Esta atividade permite que as
crianas percebam a utilidade e a funo dos dicionrios e tambm verifiquem que
uma mesma palavra pode ter diversos significados, sendo necessrio escolher o que
mais se adequa situao.
Reconto oral
O reconto oral outro tipo de atividades proposto no FLE-JI, em virtude das
suas inmeras potencialidades em termos de desenvolvimento da linguagem e da
compreenso. Embora neste ponto apenas se contemple a modalidade oral, no pro-
grama, nomeadamente, no ponto dedicado escrita, sugere-se que o educador pro-
ceda escrita (e edio) dos recontos produzidos pelas crianas.
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Escrita
As propostas de escrita presentes neste programa tm como finalidade pro-
porcionar s crianas situaes que permitam contribuir para desenvolver o seu
conhecimento acerca das funes e das finalidades do cdigo escrito, bem como
das relaes entre linguagem oral e escrita. No se trata de ensinar formalmente a
escrever, mas de facultar contextos e situaes facilitadoras da emergncia de com-
portamentos pr-litercitos. As atividades propostas operacionalizam as OCEPE
(Ministrio da Educao, 1997) e integram os dados de investigao e das prticas
em educao pr-escolar (Cruz, 2010; Martins & Niza, 1998; Neuman & Dickinson,
2001; Viana & Teixeira, 2002) que salientam a importncia de criar um espao e um
tempo para a escrita inventada, mas tambm para registar o que as crianas relatam
11
Referncia obra O Elefante Cor-de-Rosa de Lusa Dacosta.
59
A escrita dever, portanto, ser efetuada quer pelas crianas (escrita inventada),
quer pelos educadores, cumprindo objetivos claros: permitir s crianas que se fami-
liarizem com o cdigo escrito, que percebam para que serve ler e escrever, motivar
para a imitao de letras, ajudar compreenso da estrutura segmental da lingua-
gem escrita, das normas de codificao escrita e das funes da escrita. Estes obje-
tivos esto presentes na construo do FLE-JI, mas foram includas outras propostas
decorrentes da investigao e que contribuem para operacionalizar o comporta-
mento e atitudes do educador durante a implementao do programa.
Como vimos no captulo 1, h que estimular a escrita das crianas, pois a escrita
inventada obriga a pensar sobre a escrita, eliciando o levantamento de hipteses
sobre o seu funcionamento e sobre a forma como representa a realidade. Todavia,
importante que elas percebam que a escrita um cdigo e que, como tal, tem regras.
60
Ba do Tesouro
O Ba do Tesouro assume-se como uma estratgia transversal que dever ser
estendida s diferentes atividades realizadas na sala e que se relacionem com a
explorao de vocabulrio novo.
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63
O suporte a usar na reescrita pode ser o papel ou digital, tal como na escrita do
reconto. A utilizao de um suporte digital tem a vantagem de permitir sucessivas
revises mantendo o texto limpo.
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Reflexo morfossinttica
A rapidez com que adquirimos a nossa lngua materna e o curto espao de tempo
necessrio para o seu domnio mostram que extramos, com relativa facilidade, as
regras de funcionamento da lngua (Sim-Sim, 1998). Muito cedo as crianas identificam,
por exemplo, que o morfema12 -s nas suas realizaes alomrficas <-s>, <-es> ou
<-is> o marcador mais frequente do plural em lngua portuguesa. Assim sendo,
dizem, por exemplo, dois *caracoles, ou dois *faroles, revelando conhecimento intuitivo
de um paradigma regular que, aplicado a palavras que no seguem este paradigma
flexional, resulta em sobregeneralizaes como as que foram apresentadas acima.
12
Os morfemas so as menores unidades lingusticas significativas (Cunha & Cintra, 1995).
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13
http://dt.dgidc.min-edu.pt
67
folha folhas
co ces
nuvem nuvens
farol faris
pincel pincis
gato gatos
lpis lpis
rapaz rapazes
14
O gnero de uma palavra pode mudar de acordo com a lngua [exemplo: na lngua portuguesa, a palavra manteiga do gnero
feminino (a manteiga); na lngua francesa, do gnero masculino (le beurre)].
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Quadro 8 Quadro 9
o a a o
Flexes verbais
Na fase de apresentao das propostas de explorao das vrias obras, as edu-
cadoras envolvidas consideraram que algumas delas possuam um elevado grau de
dificuldade. As propostas relativas sensibilizao para as flexes verbais apresen-
tam, de facto, um nvel de dificuldade elevado, na medida em que exigem a identifi-
cao do radical, da vogal temtica, dos afixos relativos ao modo, ao tempo e pes-
soa. Como bvio, este conhecimento explcito exige escolarizao formal. Todavia,
a manifestao de conhecimento implcito (exemplo: *rotou em vez de rompeu)
seguida de reformulao por parte do educador (exemplo: sim, a bola rompeu a
rede) permite que as crianas se apropriem de algumas irregularidades. Alis, algu-
mas delas, alm de corrigirem os colegas, relembram erros cometidos quando eram
mais novas [exemplo: Quando eu era pequenino eu dizia *j di. (em vez de j dei)].
Apesar do apoio adicional exigido, este tipo de atividade estimulante para as crianas.
69
Conscincia Fonolgica
Antes de procedermos abordagem das tarefas que visam promover o desen-
volvimento da conscincia fonolgica, impe-se uma (necessariamente) breve clari-
ficao de conceitos, j que a expresso conscincia fonolgica usada para deno-
minar nveis diferentes de conhecimento e de anlise [exemplo: identificao de rimas
e de aliteraes, identificao de slabas em palavras, contagem de slabas, supres-
so de slabas no incio, no meio ou no fim de palavras, categorizao de palavras
segundo um critrio silbico, recomposio de palavras dadas as componentes sil-
bicas, manipulao de slabas, identificao do fonema inicial ou final, manipulao
de fonemas (supresso, adio ou spoonerismos17)].
medida que nos movemos neste continuum, a natureza das tarefas vai-se
complexificando. Alm da diferenciao existente ao nvel da maior ou menor expli-
citao e controlo envolvidos na anlise das palavras e dos seus componentes fono-
lgicos, h ainda vrias formas de conscincia fonolgica: a conscincia silbica,
15
No sero aqui considerados os infixos nem os interfixos.
16
Os sufixos modificadores alteram o significado do morfema-base e os derivacionais criam palavras novas (ma macieira;
feliz felizmente).
17
Jogo de palavras onde se prope a criao de palavras novas ou pseudopalavras usando consoantes, vogais ou morfemas
de outras palavras dadas [exemplo: baleia, jiboia (jaleia, biboia)].
70
71
Quadro 10
(Continua)
72
Conscincia Perceo de que as slabas podem ser compostas por unidades menores
fonmica os fonemas
(Continua)
18
Muitas crianas, face pergunta Qual a palavra maior, joaninha ou vaca? respondem vaca, dado que esto a dirigir a sua
ateno para o tamanho do referente e no para o tempo que a palavra demora a dizer ou para o nmero de letras necessrio
para a escrever.
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Manipulao Habilidade S
uprimir o som final O
que fica se na palavra rolha
de fonemas para manipular de uma palavra. no disser o [R].
intencionalmente S
ubstituir sons iniciais O
que fica se a Sara
os fonemas e finais da palavra. acrescentarmos [l].
das palavras, A
dicionar sons ao incio
nomeadamente e fim da palavra.
com processos
de supresso,
substituio
e adio.
Jogos Tradicionais
Neste programa foram recuperados dois jogos tradicionais, introduzindo-lhes
algumas alteraes com o objetivo de promover a conscincia fonolgica e a aten-
o auditiva.
19
Uma descrio detalhada dos jogos tradicionais portugueses pode ser encontrada em http://www.cm-sbras.pt/NR/
rdonlyres/348768A2-97F5-405F-A61A-051E564E006E/0/JogosTradicionais_vfinal_lqp.pdf
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Em sntese
Ao longo deste captulo, procurou-se descrever as opes tomadas na constru-
o do programa, assentes quer nos dados da investigao sobre literacia emer-
gente, quer nos documentos que enquadram a educao pr-escolar.
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