Gramsci e A Educação No Brasil Capítulo Livro Anita

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GRAMSCI E A EDUCAO NO BRASIL: PARA UMA TEORIA

GRAMSCIANA DA EDUCAO E DA ESCOLA1

O referido texto foi publicado no livro: SCHLESENER, Anita Helena (org.). Filosofia,
poltica e educao: leituras de Antonio Gramsci. Curitiba: UTP, 2014.
Dermeval Saviani2

Como se sabe, a difuso das obras de Gramsci no Brasil se deveu a um amplo e


ambicioso projeto de iniciativa de Carlos Nelson Coutinho em parceria com Leandro
Konder, materializada pela Editora Civilizao Brasileira, do Rio de Janeiro, com a
publicao, em 1966 de Concepo dialtica da histria e Cartas do crcere, seguidas,
em 1968, de Maquiavel, a Poltica e o Estado Moderno; Os intelectuais e a
organizao da cultura; e Literatura e Vida Nacional.

Naquele momento, entretanto, o contexto poltico desfavorvel no propiciou a


efetiva circulao dessas publicaes, tanto assim que meu primeiro contato com
Gramsci deu-se no incio dos anos de 1970 por meio do livro El materialismo histrico
y la filosofia de Benedetto Croce. Buenos Aires, Nueva Visin, 1971. E s tomei
conhecimento da edio brasileira, lanada em 1966 com o ttulo de Concepo
dialtica da histria, mais tarde, j no final da dcada de 1970.

No campo da educao uma das primeiras referncias a Gramsci no Brasil


provavelmente veio por meio de Althusser, com a difuso de seu Ideologia e Aparelhos
Ideolgicos do Estado que, na Nota 1, registra:

Segundo o que conhecemos, Gramsci foi o nico que se aventurou nesta via.
Teve a ideia singular de que o Estado no se reduzia ao aparelho (repressivo) de
Estado, mas compreendia, como ele dizia, certo nmero de instituies da sociedade
civil: a Igreja, as Escolas, os sindicatos, etc. Gramsci no chegou infelizmente a
sistematizar estas instituies que permaneceram no estado de notas perspicazes, mas
parciais [cf. Gramsci: Oeuvres Choisies, Ed. Sociales, pp. 290-291 (nota 3), 293, 295,
436. Cf. Lettres de Prison, Ed. Sociales, p. 313]. (ALTHUSSER, s/d., p.42).
1
Este texto articula dois trabalhos anteriores, a saber: a conferncia proferida em
19 de outubro de 2009, na abertura do Seminrio Gramsci e a educao,
realizado na Unicamp e a conferncia de abertura do Seminrio Gramsci no limiar do sculo
XXI, proferida no dia 31 de maio de 2010, na UNEB, em Salvador.
2
Professor Emrito da UNICAMP, Pesquisador Emrito do CNPq e Coordenador Geral
do HISTEDBR.

1
Em 1977 Brbara Freitag publicou Escola, Estado e Sociedade, cuja anlise incide
fundamentalmente sobre a educao brasileira no perodo de 1964 a 1975. A autora se
prope as seguintes perguntas: por que na ltima dcada passa-se a valorizar a
educao, desenvolvendo-se uma poltica em que ela vista como um dos agentes de
institucionalizao e fortalecimento do modelo brasileiro? Quais as causas mais
profundas dessa valorizao? Quais as intenes (explcitas e implcitas) que tal
poltica persegue? (p. 7). E antecipa que somente uma anlise estrutural mais ampla
das condies econmicas, polticas e sociais da sociedade brasileira permite responder
satisfatoriamente a essas perguntas (ibidem).

O livro foi organizado em quatro captulos, sendo que o primeiro foi reservado
exposio do quadro terico e o quarto, s concluses. O corpo do livro se compe,
portanto, de dois captulos: um trata dos antecedentes do objeto escolhido para estudo,
fazendo uma retrospectiva histrica da poltica educacional (Cap. 2); o outro dedicado
anlise propriamente dita do objeto central do livro, ou seja, a poltica educacional de
1964 a 1975, abordada nos nveis da legislao, do planejamento e em confronto com a
realidade (Cap. 3).

Na exposio do quadro terico (Cap. 1), postulando que o estudo sociolgico


da educao brasileira exige que se leve em conta o referencial terico produzido nos
mbitos da sociologia e da economia da educao, a autora apresenta as principais
teorias da educao oriundas desse campo epistemolgico. Comea por Durkheim,
passa por Parsons, Dewey, Manheim e Bourdieu/Passeron, expe a perspectiva da
economia da educao com Becker, Schultz, Edding e Solow e desemboca em
Althusser, Poulantzas e Establet, os quais teriam realizado uma anlise radicalmente
crtica tanto das teorias educacionais como da realidade que elas alegam descrever
(FREITAG, 1975, p. 26). Na sequncia, Freitag aponta os limites da teoria de Althusser,
uma vez que nessa teoria a superao das estruturas capitalistas se decide nas instncias
econmica e poltica e no na instncia dos Aparelhos Ideolgicos do Estado. E conclui
que com Gramsci que o referido limite superado pois, para ele, a escola juntamente
com as outras instituies da sociedade civil vai cumprir dialeticamente a dupla funo
estratgica de conservar e minar as estruturas capitalistas.

A partir da, a autora mostra que, como terico das superestruturas, Gramsci rev
o conceito marxista de Estado que, alm do momento da represso e da violncia

2
representado pela sociedade poltica, abrange tambm a sociedade civil que constitui o
momento da persuaso e do consenso, extraindo a seguinte concluso:

Os conceitos de sociedade civil e de hegemonia permitem pensar no problema


da educao a partir de um novo enfoque: permitem elaborar um conceito
emancipatrio de educao, em que uma pedagogia do oprimido pode assumir fora
poltica, ao lado da conceituao da educao como instrumento de dominao e
reproduo das relaes de produo capitalistas (idem, p. 31).

No obstante esse encaminhamento do captulo primeiro no qual a autora se


posiciona pela superao dos limites de Althusser por meio de Gramsci, a perspectiva
terica que enforma a anlise de fundo althusseriano (teoria da escola enquanto
aparelho ideolgico do Estado). Aps a leitura do livro a concluso a que cheguei que
a autora, em lugar de superar Althusser por meio de Gramsci, acabou fazendo uma
leitura althusseriana de Gramsci. Alis, tal leitura j podia ser percebida na prpria
exposio do quadro terico como o ilustra a sua concluso:

A anlise crtica da escola ou do sistema educacional como AIE, i. , como


mecanismo de dominao pelo consenso, realmente s aparece em todas as suas
dimenses, quando demonstrada sua vinculao dialtica com a poltica educacional do
Estado. Somente a atuao desta nas trs instncias, atravs da manipulao do AIE
escolar, torna compreensvel a multifuncionalidade do sistema de ensino nas diferentes
instncias da formao capitalista. O Estado atravs de sua poltica educacional s o
ator e a causa central do funcionamento do moderno sistema de educao capitalista,
aparentemente. Em verdade seu papel o de mediador dos interesses da classe
dominante. Esses interesses se concentram na base do sistema, a produo de mais-
valia, ou seja, manter as relaes de explorao da classe subalterna (p. 37).

Pode-se perceber que a prpria terminologia (trs instncias) tomada de


Althusser (instncias econmica, poltica e social que, no texto Ideologia e aparelhos
ideolgicos de Estado, correspondem respectivamente infra-estrutura econmica,
sociedade poltica e sociedade civil). No entanto, deve-se destacar no apenas a
clareza didtica, a consistncia e a capacidade de sntese que permitiu autora situar em
poucas pginas a abordagem da escola por parte das principais teorias de carter
sociolgico. Alm desse aspecto, digno de nota o fato, de certo modo pioneiro, de
introduzir, como perspectiva de superao, o referencial gramsciano.

3
Aps o estudo sistemtico de Gramsci no mbito da disciplina Teoria da
Educao ministrada para a primeira turma do Doutorado em Educao da PUC-SP no
primeiro semestre de 1978, fato j amplamente conhecido, a circulao de Gramsci no
campo educacional se expandiu consideravelmente.

Em 1980 publiquei o livro Educao: do senso comum conscincia filosfica


reunindo estudos escritos entre 1971 e 1979. O ltimo texto, A orientao educacional
no atual contexto brasileiro, que resultou da conferncia proferida no dia 10 de
novembro de 1979 no II Encontro Estadual de Orientao Educacional, em So Paulo,
de certo modo se inspirou em Gramsci ao tratar do contexto brasileiro distinguindo o
aspecto estrutural (movimento orgnico) e o conjuntural. Ainda que esse texto e
apenas ele possa ser considerado de inspirao gramsciana, o conjunto do livro no
tem essa marca. Contudo, na Introduo, para esclarecer a razo de ter nomeado o livro
com a referncia passagem do senso comum conscincia filosfica, me servi de
vrias citaes de Gramsci. Tal fato ensejou a interpretao de que, nessa obra, se
procurava fazer uma leitura de Gramsci. A isso respondi, no prefcio segunda edio
redigido em dezembro de 1981, nos seguintes termos:

[...] trata-se de uma interpretao que incide sobre o texto introdutrio, que
recebeu o mesmo ttulo do livro, tomando-o isoladamente e considerando-o como sendo
uma leitura de Gramsci. O objetivo do texto era muito simples e despretensioso.
Pretendia to somente justificar o ttulo dado ao conjunto de ensaios reunidos nesta
obra. Se foram feitas diversas citaes de Gramsci, isto ocorreu simplesmente porque a
temtica concernente relao entre senso comum e filosofia constante e central no
pensamento gramsciano. E, ainda que eu tenha me preocupado com essa problemtica
independentemente da influncia do vigoroso pensador italiano, no senti necessidade
de o proclamar, preferindo, ao contrrio, realar a relevncia do tema, pondo em
evidncia que tais preocupaes j estavam fortemente presentes num autor hoje
considerado clssico.

Ademais, os leitores familiarizados com os meus trabalhos sabem que no a


erudio, isto , a dissecao dos discursos anteriormente produzidos, a sua marca
distintiva. No que eu despreze a erudio; ao contrrio, cultivo-a. Subordino-a, porm,
ao objetivo de dar conta das questes concretas postas pela prtica histrica. Entendo,
pois, que a erudio no o objetivo do discurso filosfico, mas um instrumento que
possibilita a esse discurso constituir-se como filosfico. Da a minha resistncia aos
chamados estudos monogrficos centrados na obra de determinado pensador. No

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entanto, no caso especfico de Gramsci, a partir dos estudos sistemticos e relativamente
exaustivos que fiz sobre a obra do pensador italiano, penso estar em condio de efetuar
uma leitura, talvez original, de sua obra, organizando-a em torno da questo da
superao do senso comum em direo elaborao filosfica. Seria, em suma, uma
leitura que tomaria como fio condutor o visceral antielitismo que atravessa de ponta a
ponta a produo intelectual do autor em referncia. Entretanto, no foi isso o que
pretendi fazer no texto em pauta. No se trata, pois, a, de uma leitura de Gramsci
(SAVIANI, 2009, p. xvi-xvii).

De fato, vrios dos conceitos que elaborei se revelaram, a posteriori, em


surpreendente afinidade com conceitos elaborados por Gramsci. Menciono apenas um
exemplo: a diferena entre os significados de filosofia de vida, ideologia e
filosofia com os quais trabalhei em minha tese de doutorado defendida em 1971 e que
incorporei ao texto A filosofia na formao do educador, escrito em 1973 como texto
didtico para os alunos da disciplina Filosofia da Educao I do Curso de Pedagogia da
PUC-SP, foi elaborada na anlise da situao concreta vivida por ocasio da tomada da
PUC-SP pelos alunos em 1968. No entanto, esses conceitos guardam estreita afinidade
com as noes de senso comum, ideologia e filosofia trabalhadas por Gramsci
nos Cadernos do Crcere.

Em 1981 a Revista Reflexo, da PUC de Campinas, publicou no n. 19, jan./abril,


o dossi Antonio Gramsci: intelectual e militante com quatro artigos: de Srgio
Miceli, Gramsci: ideologia, aparelhos do Estado e intelectuais; Jlio Csar Tadeu
Barbosa, A filosofia da prxis em Gramsci; Maria do Carmo Marangoni, A noo de
bloco histrico; e Betty Antunes de Oliveira, A educao nos escritos de Gramsci.

O artigo de Betty Oliveira derivou de sua tese de doutoramento defendida na


PUC-SP em 1978 e publicada em livro em 1980 com o ttulo O Estado autoritrio
brasileiro e o ensino superior. Nesse trabalho ela utilizou o referencial gramsciano para
analisar a poltica de formao de professores do ensino superior durante o regime
militar, entre 1972 e 1978. A partir dos documentos oficiais, mostrou que as diretrizes
formuladas pela sociedade poltica, isto , pelo aparelho governamental, geram, na
sociedade civil, resultados contraditrios, a saber:

A formao de docentes como agentes (conscientes ou no) dos interesses


dominantes (resultado desejado, mas no necessariamente proclamado) e a formao de
docentes conscientes da situao scio-poltico-econmico-cultural do Brasil com uma

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postura crtico-reflexiva frente a essa situao (resultado no necessariamente desejado,
embora proclamado) (OLIVEIRA, 1980, p. 36).

Assim, a ps-graduao, refletindo as contradies da sociedade brasileira,


acabou se constituindo num espao importante para o desenvolvimento de uma
tendncia crtica que, embora no predominante, gerou estudos consistentes e
significativos sobre a educao. Tais estudos, em boa parte, tiveram Gramsci como
referncia.

Entretanto, parece que os estudos gramscianos no campo da educao que se


desenvolveram ao longo dos anos de 1980 estendendo-se, mas com menos intensidade,
pelos anos de 1990, podem ser agrupados em dois tipos: aqueles que se propem a
explicitar aspectos da concepo pedaggica de Gramsci e aqueles que tomam Gramsci
como referncia terica para analisar aspectos da educao brasileira. Os estudos do
segundo tipo correspondem, via de regra, s dissertaes, teses e ensaios que tm
Gramsci como uma de suas principais referncias. Penso que a esse quadro que se
reportou Nosella (2004, p. 193) ao observar que mais de 40% das Dissertaes e Teses
de Ps-Graduao em Educao produzidas nos anos 80 citavam o nome de Gramsci.
Entre os estudos do primeiro tipo podemos incluir os trabalhos de Antonio Tavares de
Jesus, Educao e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci (JESUS, 1989) e O
pensamento e a prtica escolar de Gramsci (JESUS, 1998); de Luna Galano
Mochcovitch (1988), Gramsci e a escola; de Paolo Nosella (2004), A escola de
Gramsci, 3 ed.; de Rosemary Dore Soares (2000), Gramsci, o Estado e a escola; de
Carlos Eduardo Vieira (1999), Historicismo, cultura e formao humana no
pensamento de Antonio Gramsci.
Mas h uma terceira maneira de relacionar Gramsci com a educao brasileira
que se traduziria pelo empenho na linha da formulao de uma pedagogia inspirada nas
idias de Gramsci, constituindo uma pedagogia contra-hegemnica que nos permitisse
orientar a organizao da educao e a prtica do ensino nas condies brasileiras.

Na dcada de 1980, enquanto se constatava uma intensa mobilizao dos


educadores e o pensamento crtico parecia hegemonizar a educao brasileira tendo em
vista sua difuso nos meios acadmicos, a organizao do ensino em todos os nveis e
em todo o territrio nacional era dominada pela concepo produtivista. Esta se
expressou no que Brbara Freitag (Op. Cit., p. 23) classificou como os dois modelos

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clssicos da economia da educao: o modelo do investimento e o modelo da demanda.
O primeiro modelo enfatiza a racionalidade traduzida na busca do mximo de resultados
com o mnimo de dispndio. O segundo busca o equilbrio entre a oferta e a demanda de
mo-de-obra no mercado de trabalho. No primeiro modelo est em causa a alocao dos
investimentos educacionais no oramento pblico. No segundo busca-se converter as
escolas em fbricas de mo-de-obra. Ao planejamento educacional atribuiu-se a tarefa
de executar na prtica o que os dois modelos referidos formulavam na teoria.

A essa tendncia no plano da poltica educacional e na organizao das escolas


se associou, de forma um tanto contraditria, a adoo crescente do construtivismo no
plano didtico.

Quando consideramos as teorias pedaggicas contra-hegemnicas que se


manifestaram na dcada de 1980, identificamos quatro formulaes: a pedagogia
libertadora, cuja matriz terica remete s idias de Paulo Freire; a pedagogia da
prtica, de inspirao libertria estando, pois, em consonncia com os princpios
anarquistas; a pedagogia crtico-social dos contedos, voltada democratizao da
escola pblica pela via do acesso de todos os educandos aos contedos culturais
universais que vieram a se constituir em patrimnio comum da humanidade; e a
pedagogia histrico-crtica que, sendo tributria da concepo dialtica na verso do
materialismo histrico, entende a educao como mediao no seio da prtica social
global.

Embora Brbara Freitag tenha utilizado para se referir teoria educativa


derivada da concepo gramsciana a denominao pedagogia do oprimido, expresso
associada concepo de Paulo Freire, certo que Gramsci no figura entre as
referncias tericas da pedagogia libertadora, o mesmo se podendo dizer da
pedagogia da prtica. Igualmente a pedagogia crtico-social dos contedos em
nenhum momento se reporta a Gramsci em sua fundamentao. Diferentemente, a
pedagogia histrico-crtica tem Gramsci como uma de suas principais referncias,
tanto que elegeu a categoria gramsciana da catarse como o momento culminante do
processo pedaggico.

Se projetarmos essas pedagogias contra-hegemnicas da dcada de 1980 para os


anos subsequentes at nossos dias, veremos que os movimentos de educao popular,
tributrios da pedagogia libertadora, perderam boa parte do vigor e entusiasmo que

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demonstravam na dcada de 1980. Provavelmente sua manifestao mais sistematizada
e de maior visibilidade na dcada de 1990 foi a proposta denominada Escola Cidad,
formulada por iniciativa do Instituto Paulo Freire, em 1994, e elaborada pelos seus
diretores, os professores Jos Eustquio Romo e Moacir Gadotti (ROMO e
GADOTTI, 1994). De certo modo, possvel observar que essa proposta procura inserir
a viso da pedagogia libertadora e os movimentos de educao popular no novo clima
poltico (neoliberalismo) e cultural (ps-modernidade). Como esclarece Romo num
trabalho posterior, a referida proposta articula o Relatrio Jacques Delors, publicado
no livro Educao: um tesouro a descobrir, o livro de Edgar Morin, Sete saberes
necessrios educao do futuro e o livro de Paulo Freire, Pedagogia da autonomia:
saberes necessrios prtica docente (ROMO, 2002b). Esther Pillar Grossi tambm
busca situar-se no novo contexto conciliando Piaget com Paulo Freire e introduzindo
elementos de Wallon e Vigotski numa proposta que denomina de ps-construtuvismo
(GROSSI E BORDIN, 1993).

Do campo da pedagogia da prtica emergiu, tambm em 1994, a Escola


Plural, concepo que, sob a coordenao de Miguel Gonzalez Arroyo, foi elaborada e
implementada na Rede Municipal de Ensino da Prefeitura de Belo Horizonte. Conforme
indica Maria Cres, que exerceu o cargo de secretria da educao do municpio de
Belo Horizonte entre 1997 e 2000, a Escola Plural configura uma nova concepo de
educao que atribui escola, entre outras funes, a de propiciar o desenvolvimento
das aprendizagens fundamentais: aprender a aprender, aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver, aprender a ser (CASTRO, 2000, p. 7). Retornam, a, os
quatro pilares da educao (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver,
aprender a ser), constantes do Relatrio Jacques Delors (2006, p. 89-102), tambm
invocados pela Escola cidad. V-se, pois, que tambm a Escola Plural, verso mais
recente da pedagogia da prtica, no deixa de flertar com as perspectivas atualmente
hegemnicas inseridas no clima ps-moderno.

Jos Carlos Libneo deu sequncia, na dcada de 1990, aos seus estudos e
atividades nos campos da pedagogia e da didtica no retomando, pelo menos de forma
explcita, a pedagogia crtico-social dos contedos. Mas seu livro, A democratizao
da escola pblica, no qual a proposta foi divulgada continuou sendo reeditado, tendo
atingido, em 2002, a vigsima edio.

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Como o demonstram as sucessivas edies dos livros Escola e democracia e
Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes, alm de vrios trabalhos
publicados por diferentes estudiosos, a pedagogia histrico-crtica permaneceu atuante,
ainda que na forma de resistncia onda neoconservadora revestida de roupagem ultra
avanada em virtude do apelo ufanista s novas tecnologias.

Desde os primeiros estudos sistemticos de Gramsci no Programa de Doutorado


em Educao da PUC-SP manifestei preocupao com a elaborao de uma pedagogia
de inspirao gramsciana. Formulei, ento, um esquema datado de 1979 em que procurei
organizar as principais categorias que compem os Cadernos do Crcere em torno da
pergunta: o que poderia ser uma teoria gramsciana da educao e, mais especificamente, da
escola?

Na elaborao do referido esquema tomei como ponto de partida o conceito de


homem que se manifesta historicamente na diviso em classes que entram em relao de
foras compondo um bloco histrico; este, cimentado pela hegemonia se materializa no
Estado ampliado pela incluso da sociedade civil, cujo elemento central constitudo
pela figura do intelectual. Como organizador da classe o intelectual implica o partido
que, tambm considerado em sentido ampliado, no se limita ao aspecto poltico
abrangendo igualmente o componente ideolgico. E aqui ns encontramos a escola que
se configura como um partido ideolgico, cuja funo precpua elaborar intelectuais
de diversos nveis, tarefa que se cumpre pela disciplina coroada pela catarse.

Retomei essa questo recentemente ao proferir a conferncia de abertura do


Seminrio Gramsci e a educao em 19 de outubro de 2009. Nessa conferncia
procurei detalhar o esquema de uma possvel teoria gramsciana da educao e da escola
articulando onze categorias: homem; relaes de fora; bloco histrico; hegemonia;
Estado ampliado; intelectual; partido ampliado; revoluo; reforma intelectual e moral;
educao; escola.

A seguir apresento o resultado do referido detalhamento sintetizando o


significado das mencionadas categorias analticas.

1. Conceito de homem
Podemos considerar como consensual a ideia de que a educao se identifica
com o processo de formao humana. Por isso tambm consensual que o conceito de

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educao varia na medida em que varia a concepo de homem, isto , o tipo de homem
que se quer formar. Consequentemente, para apreendermos a concepo gramsciana de
educao devemos partir da viso gramsciana de homem.

Que coisa o homem? Eis a pergunta que Gramsci se coloca. Na busca da


resposta ele comea pelo entendimento comum e corrente que reporta o homem ao
indivduo, para observar que, na verdade, no nos interessa saber o que cada indivduo,
isto , cada homem singular , em cada momento singular. Quando pensamos na
questo o que o homem, de fato estamos interessados em saber em que o homem
pode tornar-se, o que o homem pode vir a ser. Em suma, queremos saber se o homem
pode dominar seu destino, fazer-se a si mesmo, criar sua prpria vida. Portanto, o
homem um processo e precisamente o processo de seus atos (GRAMSCI, 1975a
[Q. 10], vol. II, p. 1344).

Em seguida mostra a insuficincia da concepo catlica de homem para


concluir que preciso reformar o conceito de homem, ou seja, necessrio conceber o
homem como uma srie de relaes ativas (um processo) no qual se a individualidade
tem a mxima importncia, no , porm, o nico elemento a considerar (idem, p.
1345). E prossegue afirmando que a humanidade que se reflete em cada
individualidade composta de diversos elementos: 1) o indivduo; 2) os outros homens;
3) a natureza (idem, ibidem).

O indivduo entra em relao com os outros homens no ocasionalmente,


mecanicamente, mas organicamente, por meio de organismos de diferentes tipos. E
entra em relao com a natureza no simplesmente pelo fato de ser ele prprio natureza,
mas ativamente por meio do trabalho e da tcnica. Enfim, para Gramsci o homem o
conjunto das relaes sociais, relaes essas que implicam ao mesmo tempo a
sociedade das coisas, isto , o grau de domnio da natureza pelo homem (Marx diria o
grau de desenvolvimento das foras produtivas) e a sociedade dos homens, ou seja, o
grau de organizao social desenvolvido pela humanidade numa determinada etapa
histrica.

2. Relaes de fora
Na etapa histrica na qual se encontrava Gramsci que, fundamentalmente, a
mesma em que nos encontramos, as relaes sociais se definem, concretamente, como
relaes de classe que assumem a forma capitalista. Nessa sociedade distinguem-se duas

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classes sociais fundamentais antagnicas: a burguesia e o proletariado, que entram em
relaes de fora.

Gramsci distingue trs nveis de relaes de fora:

a) relaes de fora sociais que correspondem prpria estrutura da sociedade.


Constituem, pois, um dado objetivo, independente da vontade dos homens, que pode
ser medido com os sistemas das cincias exatas ou fsicas (idem [Q. 13], vol. III, p.
1583). Configuram-se a as classes sociais que desempenham certa funo e ocupam
determinada posio no processo de produo, sobre a base do grau de desenvolvimento
das foras produtivas materiais. Gramsci utiliza a expresso realidade rebelde para se
referir a esse nvel das relaes de fora porque dizem respeito a dados que no podem
ser modificados, mas que precisam ser levados em conta tais como se apresentam: o
nmero de estabelecimentos rurais e o nmero das cidades com suas respectivas
populaes so dados com os quais se tem de trabalhar e que no podem ser
modificados pela vontade e capacidade de iniciativa dos grupos que lutam entre si.

b) O segundo nvel o das relaes de foras polticas, a saber, a avaliao do


grau de homogeneidade, de autoconscincia e de organizao atingido pelos vrios
grupos sociais (idem, ibidem).

Distinguem-se neste nvel trs momentos: o primeiro o econmico-corporativo


no qual se manifesta a solidariedade entre os membros da mesma profisso ou
corporao.

O segundo o momento em que se atinge a conscincia dos interesses de todos


os membros da classe no ultrapassando, porm, o nvel econmico. A questo do
Estado j emerge, mas apenas visando atingir uma igualdade jurdico-poltica com os
membros do grupo dominante. Busca-se reformar as instituies permanecendo, porm,
no quadro da estrutura social vigente.

Enfim, o terceiro momento aquele propriamente poltico em que se passa


conscincia de uma classe cujos interesses s sero satisfeitos com o atendimento das
reivindicaes de todas as profisses e de todos os agrupamentos que integram a
referida classe social. Isto implica a mudana da organizao social vigente, a superao
da estrutura dominante e a implantao de uma nova hegemonia. Com efeito, nesse
momento a luta se expressa num plano universal em que um grupo social fundamental

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exerce a hegemonia sobre um conjunto de grupos subordinados. Gramsci adverte que na
histria real esses momentos se interpenetram reciprocamente observando, ainda, que as
relaes de fora no interior de um Estado-nao se entretecem com as relaes
internacionais provocando novas combinaes.

c) O terceiro nvel das relaes de fora o das foras militares em que se


distinguem o mbito propriamente militar ou tcnico-militar e o poltico-militar. No
primeiro caso trata-se do prprio aparato blico envolvendo armamentos, tcnicas de
combate etc. O segundo implica o trabalho do partido na conquista de apoio popular
para a guerra de movimento a ser travada tendo em vista a conquista da sociedade
poltica. Gramsci ilustra esse aspecto com a luta pela independncia poltica de uma
nao dominada por um Estado estrangeiro: a relao no puramente militar, mas
poltico-militar e de fato um tal tipo de opresso seria inexplicvel sem o estado de
desagregao social do povo oprimido e a passividade da sua maioria; portanto, a
independncia no poder ser conseguida com foras puramente militares, mas militares
e poltico-militares (Idem [Q. 13], vol. III, p. 1586).

Gramsci conclui suas observaes sobre as relaes de fora frisando que a


anlise concreta dessas relaes no deve ser um fim em si mesmo. Deve servir para
justificar uma ao prtica mostrando os pontos de menor resistncia para onde a
vontade deve ser dirigida, indicando as tticas a serem seguidas, como deve ser
conduzida a agitao poltica e mobilizada a populao etc.

3. Bloco histrico
No quadro das relaes de fora, quando uma classe (um grupo social
fundamental) se torna hegemnica, isto , se impe sobre o conjunto da sociedade,
configura-se um bloco histrico que solda a unidade da estrutura com a superestrutura.
Nesse bloco o elemento econmico e o elemento ideolgico mantm relao de
reciprocidade e interdependncia, o que afasta o privilgio de um (economicismo) e de
outro (ideologismo).

Na efetivao da referida unidade Gramsci destaca o papel dos intelectuais que,


agindo no nvel superestrutural, estabelecem o vnculo orgnico entre os dois aspectos
constitutivos do bloco histrico. Nessa tarefa os intelectuais orgnicos da classe
progressiva articulam, sob sua direo, os intelectuais tradicionais compondo um bloco
ideolgico que controla a sociedade civil obtendo o consenso dos grupos subalternos.

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Isso significa que, ao constituir um bloco histrico, a classe dirigente, no exerccio da
hegemonia, apresenta seus prprios interesses na forma de interesses do conjunto da
sociedade convertendo sua concepo, de expresso de seus interesses particulares, em
viso universal. Gramsci traduz essa ideia por meio da frmula a filosofia se torna um
novo senso comum.

4. Hegemonia
O conceito de hegemonia , pois, uma categoria central da concepo de
Gramsci e, portanto, tambm da teoria gramsciana da educao, pois toda relao de
hegemonia necessariamente uma relao pedaggica (Idem [Q. 10], vol. II, p. 1331).
Como tal, a relao pedaggica no se limita s relaes especificamente escolares, mas
se estende por toda a sociedade materializando-se nas relaes de cada indivduo com
os outros indivduos, entre camadas intelectuais e no intelectuais, entre governantes e
governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e
corpos de exrcito (idem, ibidem).

5. Estado teoria do Estado ampliado


O bloco histrico viabilizado pelo exerccio da hegemonia se institucionaliza na
forma do Estado que, em Gramsci, adquire um sentido ampliado abrangendo no apenas
a sociedade poltica, mas tambm a sociedade civil. Portanto, Estado = sociedade
poltica + sociedade civil (idem [Q. 6], vol. II, p. 763-764). Considerando-se que a
sociedade poltica corresponde ao aparelho governamental propriamente dito, isto , o
Estado em sentido estrito, que detm o monoplio da coero aceita socialmente como
legtima; e que a sociedade civil compreende o conjunto dos aparelhos privados de
hegemonia, o conceito de Estado ampliado sintetizado por Gramsci na frmula
hegemonia revestida de coero (idem, p. 764). O termo Estado exprime, portanto,
a unidade dialtica entre sociedade poltica e sociedade civil. Ou seja, a unio orgnica
entre as funes de dominao e de hegemonia. No mbito da sociedade civil cria-se o
consenso necessrio para que a sociedade poltica seja dotada de legitimidade, o que a
exime de estar constantemente recorrendo coero. A sociedade civil , pois, o lugar
por excelncia do exerccio da hegemonia, cujos agentes primordiais so os intelectuais.

6. Intelectuais
Gramsci rompe com a diviso recorrente entre trabalho manual e intelectual.
Considera ele que toda atividade humana requer sempre a interveno do crebro,

13
implicando o ato de pensar e, assim, no deixa de conter ingredientes intelectuais. Por
isso, para ele, todos os homens so intelectuais. Acrescenta, porm, que, se todos os
homens so intelectuais, nem todos exercem, na sociedade, a funo de intelectuais.

Pode-se dizer que, para Gramsci, o conceito de intelectual ocupa o lugar mais
importante em sua construo terica tanto assim que programou uma vasta pesquisa
voltada para a elucidao desse tema. E, entre as vrias categorias de intelectuais
detectadas em sua investigao histrica, destaca as duas seguintes como as principais:
intelectuais orgnicos (i) e intelectuais tradicionais (ii). Eis como Gramsci os descreve:

(i) Todo grupo social, nascendo sobre o terreno originrio de uma funo
essencial no mundo da produo econmica, cria junto a si, organicamente, uma ou
mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e conscincia da prpria
funo no apenas no campo econmico, mas tambm no campo social e poltico
(Idem [Q. 12], vol. II, p. 1513). E exemplifica com o empreendedor capitalista que cria
consigo o tcnico da indstria, o cientista da economia poltica, o organizador de uma
nova cultura, de um novo direito, etc. etc. (ibidem). Acrescenta, ainda, que o prprio
empreendedor capitalista tambm revela capacidade dirigente e tcnica que, por sua
vez, j representa uma funo intelectual.

(ii) Mas todo grupo social essencial emergindo na histria a partir da estrutura
econmica precedente e como expresso do desenvolvimento dessa estrutura encontrou,
ao menos na histria at agora transcorrida, categorias sociais preexistentes e que
apareciam como representantes de uma continuidade histrica no interrompida mesmo
pelas mais complicadas e radicais mudanas das formas sociais e polticas (idem, p.
1514). Mostra, em seguida, que os eclesisticos so a mais tpica dessa categoria dos
intelectuais tradicionais que, no modo de produo feudal, era organicamente ligada
aristocracia fundiria.

V-se, ento, que o que define uma categoria de intelectuais como tradicional o
fato de terem pertencido a um modo de produo anterior no qual tinham carter
orgnico. Uma vez superado aquele modo de produo, eles subsistem na nova forma
social na condio de tradicionais. Vivendo com esprito de corpo sua ininterrupta
continuidade histrica e sua qualificao especfica, os intelectuais tradicionais se
assumem como autnomos e independentes do grupo social dominante.

14
Assim, se os intelectuais orgnicos gozam de uma autonomia relativa em relao
classe dominante e dirigente a que esto vinculados, os intelectuais tradicionais se
sentem portadores de uma autonomia por assim dizer absoluta. Na verdade, a autonomia
dos intelectuais orgnicos relativa porque exercida dentro dos limites necessrios para
que possam apresentar como universais os interesses particulares da classe que
representam qual, de fato, permanecem organicamente ligados, alis, como sua
prpria adjetivao o indica; so eles orgnicos em dois sentidos: porque gerados pelo
prprio organismo constitutivo da classe dominante e porque desempenham, perante
ela, a funo de organiz-la, de conferir-lhe unidade, coerncia e homogeneidade; numa
palavra, desempenham a funo de dar organicidade classe qual se encontram
umbilicalmente ligados.

Diferentemente, os intelectuais tradicionais no se sentem e de fato no tm


qualquer ligao orgnica com o grupo essencial dominante. Por isso eles devem ser
conquistados, devem ser articulados, de forma subordinada, aos intelectuais orgnicos.
Nessa condio, no mbito da correlao de foras, eles so objeto de disputa entre os
intelectuais orgnicos do grupo essencial dominante no interior do bloco histrico
instalado e os intelectuais orgnicos do grupo essencial dominado, mas que aspira e luta
para se tornar dominante e instalar um novo bloco histrico.

Em suma, pode-se considerar que os intelectuais orgnicos desempenham quatro


funes fundamentais: a) organizar a funo econmica provendo os quadros tcnicos,
economistas, tecnocratas e similares; b) organizar as concepes heterclitas dos
membros e setores da classe que representam e do conjunto do corpo social numa viso
de mundo coerente e homognea; c) favorecer o consenso espontneo das grandes
massas da populao classe hegemnica na medida em que estabelecem a
correspondncia entre a referida concepo de mundo coerente e orgnica e a direo
que sua classe imprime vida social; d) assegurar legalmente a disciplina social atuando
como funcionrios da sociedade poltica (aparelho governamental) nos postos de
ministros, juzes, militares, parlamentares etc. (GRISONI & MAGGIORI, 1973, p.
209).

7. Partido
A funo organizadora, prpria dos intelectuais, assume expresso objetiva no
partido. Nas condies prprias da estrutura social de classes, a sociedade encontra-se

15
dividida em uma multiplicidade de grupos com interesses no apenas diferentes, mas
antagnicos; este o caso dos grupos sociais fundamentais, nascidos no terreno
originrio de uma funo essencial no mundo da produo econmica. Em
consequncia, as organizaes constitutivas da sociedade civil assumem
dominantemente a forma de partidos. Isso porque se trata, efetivamente, de partes da
sociedade que constituem agrupamentos com interesses comuns que se organizam para
a defesa e a ampliao de seus interesses. E aqui tambm, semelhana do que ocorreu
com o conceito de Estado, Gramsci entende o partido em sentido ampliado,
distinguindo entre partidos polticos e partidos ideolgicos.

O partido poltico constitui uma organizao prtica (ou tendncia prtica), ou


seja, um instrumento para a soluo de um problema ou de um grupo de problemas da
vida nacional e internacional (GRAMSCI, 1975a, [Q. 10], vol. II, p. 1352). Em
contrapartida, o partido ideolgico o partido como ideologia geral, superior aos
vrios agrupamentos mais imediatos (idem, p. 1353). Dessa forma, sob o conceito de
partido ideolgico se agrupa o conjunto dos aparelhos e organizaes intelectuais, tais
como a imprensa, as editoras, crculos, clubes, igrejas, associaes culturais,
profissionais ou comunitrias, entidades de benemerncia, assim como as escolas
pblicas e privadas de diferentes tipos e nveis. Essas duas modalidades de partido
poltico e ideolgico se unificam no partido revolucionrio, a saber, o partido
comunista como partido do proletariado.

8. Revoluo
A revoluo , com efeito, a questo prtica por excelncia que moveu toda a
elaborao terica de Gramsci. Como se pode ver por sua manifestao no Ordine
Nuovo de 5 de junho de 1920, sua concepo de revoluo se baseava no prefcio
Contribuio para a crtica da economia poltica, especificamente na passagem em que
Marx chama a ateno para a contradio entre as foras produtivas e as relaes de
produo. Estas, de formas de desenvolvimento das foras produtivas, a partir de
determinado estdio transformam-se em seu entrave abrindo-se, ento, uma poca de
revoluo social. Gramsci entendia que o capitalismo j havia entrado nesse estdio e
concebia a revoluo como um ato que consiste num esforo destinado a destruir
violentamente os esquemas oficiais, um esforo dirigido a quebrar a mquina do
Estado burgus e a constituir um tipo de Estado em cujos esquemas as foras produtivas
liberadas encontrem a forma adequada para o seu ulterior desenvolvimento
16
(GRAMSCI, 1975b, p. 123). Esse outro tipo de Estado, tal como ele j havia indicado
em 15 de novembro de 1919, consistiria na ditadura do proletariado encarnada num
sistema de Conselhos operrios e camponeses (Idem, p. 307).

9. Reforma intelectual e moral


Essa viso tinha como referncia a revoluo bolchevique realizada em 1917 na
Rssia sob a liderana de Lnin. No entanto, a partir do fracasso do levante operrio na
Itlia em 1922, seguido de um mesmo revs na tentativa semelhante ocorrida na
Alemanha em 1923, Gramsci introduz novas precises quela ideia de revoluo. Foi a
partir dessas experincias que elaborou a teoria do Estado ampliado com a
correspondente viso, tambm ampliada, do partido. A percepo do importante papel
desempenhado pela sociedade civil na sustentao do bloco histrico burgus nas
sociedades de tipo ocidental o levou a colocar no centro de suas elaboraes tericas o
conceito de hegemonia. E o tema da revoluo passou a ser tratado a partir da reforma
intelectual e moral. Eis porque o partido revolucionrio foi definido como o organismo
privilegiado de difuso da concepo de mundo da classe proletria, o arauto e
organizador de uma reforma intelectual e moral, o que, em sntese, significa criar o
terreno para um ulterior desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular visando
realizao de uma forma superior e total de civilizao moderna (GRAMSCI, 1975a
[Q. 13], vol. III, p. 1560).

10. Educao
Essa primeira funo ligada reforma intelectual e moral se desdobra na tarefa
da educao das massas. Esta, por sua vez se liga funo de hegemonia que implica a
difuso, por seus intelectuais, da concepo de mundo correspondente aos interesses do
proletariado. Gramsci trabalha tambm essa questo a partir do prefcio contribuio
crtica da economia poltica considerando a concepo de mundo como as formas
ideolgicas pelas quais os homens tomam conscincia do conflito entre as foras
produtivas materiais e as relaes sociais de produo levando-o s suas ltimas
consequncias. Para ele a concepo de mundo se manifesta em diferentes nveis, desde
o senso comum e o folclore passando pela religio, ideologia, cincia e filosofia.

Como j foi destacado, a concepo de mundo hegemnica aquela que, em


funo de sua expresso universalizada e seu alto grau de elaborao, obteve o consenso
das diferentes camadas sociais convertendo-se em senso comum. Nessa forma, isto , de

17
modo difuso, a concepo dominante atua sobre a mentalidade popular articulando-a em
torno dos interesses da classe dominante impedindo, ao mesmo tempo, a expresso
elaborada dos interesses populares, o que concorre para inviabilizar a organizao das
camadas subalternas como classe para-si. O senso comum , pois, contraditrio, dado
que se constitui num amlgama integrado por elementos implcitos na prtica
transformadora do homem de massa e por elementos superficialmente explcitos
caracterizados por conceitos herdados da tradio ou veiculados pela concepo
hegemnica e acolhidos sem crtica (Idem [Q. 11], vol. II, p. 1385).

As relaes entre senso comum e filosofia assumem, para o proletariado, o


carter de uma luta hegemnica que se expressa na forma de um processo de
desarticulao-rearticulao: trata-se de desarticular dos interesses dominantes aqueles
elementos que esto articulados em torno deles, mas no so inerentes ideologia
dominante e rearticul-los em torno dos interesses populares, dando-lhes a consistncia,
a coeso e a coerncia de uma concepo de mundo elaborada, isto , de uma filosofia.

A educao se constitui, pois, num instrumento de luta: luta para estabelecer


uma nova relao hegemnica que permita constituir um novo bloco histrico sob a
direo da classe fundamental dominada da sociedade capitalista o proletariado. A
importncia fundamental da educao na luta pela hegemonia reside na elevao
cultural das massas. Essa tarefa implica dois momentos simultneos e articulados entre
si: um momento negativo que consiste na crtica da concepo dominante (a ideologia
burguesa); e um momento positivo que significa trabalhar o senso comum buscando
extrair o seu ncleo vlido (o bom senso) para lhe dar expresso elaborada com vistas
formulao de uma concepo de mundo adequada aos interesses populares.

11. Escola
A funo educativa que permeia toda a estrutura social adquire especificidade ao
ser organizada na forma escolar. Gramsci em 27 de junho de 1919 j se manifestava
sobre a importncia da escola, entendendo-a como um problema tcnico e poltico ao
mesmo tempo e considerando que no Estado parlamentar-democrtico, isto , no
Estado burgus, o problema da escola insolvel poltica e tecnicamente: os ministros
da Instruo pblica so investidos no cargo porque pertencentes a um partido poltico,
no porque capazes de administrar e dirigir a funo educativa do Estado (GRAMSCI,
1975b, p. 255). E acrescentava, incisivo:

18
No se pode afirmar, em s conscincia, que a classe burguesa faa uso da
escola para fins de sua dominao; se isso acontecesse, significaria que a classe
burguesa tem um programa escolar a ser cumprido com energia e perseverana; a escola
seria uma coisa viva. Isso no acontece: a burguesia, como classe que controla o Estado,
desinteressa-se da escola, deixa que os burocratas faam dela o que quiserem, que os
ministros da Instruo pblica sejam escolhidos segundo os caprichos da concorrncia
poltica, pela intriga das faces, para alcanar o feliz equilbrio dos partidos na
composio dos gabinetes. Em tais condies, o estudo tcnico do problema escolar
puro exerccio de lucubrao mental, ginstica intelectual, no contribuio sria e
concreta soluo do problema propriamente dito: quando no lamentao tediosa e
reiterao de banalidades abusivas sobre a excelncia da funo educativa do Estado,
sobre os benefcios da instruo etc. (idem, p. 255-256).

Em contraposio a essa incria do Estado burgus, Gramsci assegura que no


Estado dos Conselhos, a escola representar uma das mais importantes e essenciais
atividades pblicas (idem, ibidem).

Depois, em suas elaboraes do perodo do crcere, Gramsci ir tratar do


problema da escola em articulao com a questo dos intelectuais. Discute, ento, vrios
aspectos ligados ao modo como a escola se articula com o desenvolvimento da
sociedade, aborda criticamente os movimentos de inovao escolar e analisa a escola
clssica mostrando suas virtudes e seus limites.

Em sua investigao sobre o princpio educativo reafirma a convico sobre a


importncia da escola para os trabalhadores como um instrumento para elaborar
intelectuais de diversos nveis e tambm para elevar o nvel cultural e intelectual das
massas, atuando decisivamente no processo de reforma intelectual e moral, na luta pela
hegemonia e na construo do novo bloco histrico.

Para atender ao relevante papel que cabe escola no desenvolvimento humano-


social, Gramsci concebe a escola unitria de carter pblico, isto , sob inteira
responsabilidade do Estado. Contra a tendncia em voga de abolir todo tipo de escola
desinteressada e formativa, ele pensa a escola unitria exatamente com sentido
desinteressado, ou seja, voltada para a formao cultural e no diretamente
profissionalizante. Diz ele:

19
A escola unitria ou de formao humanstica (entendido este termo,
humanismo, no sentido amplo e no s no sentido tradicional) ou de cultura geral,
deveria propor-se o objetivo de inserir na atividade social os jovens depois de t-los
conduzido a um certo grau de maturidade e capacidade de criao intelectual e prtica e
de autonomia na orientao e na iniciativa (GRAMASCI, 1975a [Q. 12], vol. III, p.
1534).

Podemos, pois, considerar que para Gramsci a educao um processo que


busca fazer com que os educandos passem da anomia autonomia pela mediao da
heteronomia.

Eis porque ele conferia papel central ao corpo docente entendendo que, na
escola, o nexo instruo-educao s pode ser representado pelo trabalho vivo do
professor, pois o professor tem conscincia dos contrastes entre o tipo de sociedade e de
cultura que ele representa e o tipo de sociedade representado pelos alunos (idem, p.
1542). Por estar consciente desse contraste entre seu lugar e o lugar do aluno no
processo educativo, o professor tem conscincia tambm de que sua tarefa acelerar e
disciplinar a formao da criana conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior
(ibidem). Conclui, ento, que com um corpo docente deficiente afrouxa-se a ligao
entre instruo e educao e o ensino degenera em mera retrica que exalta a
educabilidade do ser humano em contraste com um trabalho escolar esvaziado de
qualquer seriedade pedaggica.

Em consonncia com o movimento que vai da anomia autonomia pela


mediao da heteronomia, Gramsci prope a organizao da escola unitria comeando
pelo primeiro grau elementar com a durao de trs a quatro anos abrangendo o ensino
das noes instrumentais relativas leitura, escrita, clculo, histria e geografia e as
noes de direitos e deveres. Por direitos e deveres ele entende os elementos
primordiais de uma nova concepo do mundo que entra em luta contra as concepes
dadas pelos diversos ambientes sociais tradicionais, concepes essas que podem ser
chamadas de folclricas (idem, p. 1535). Do ponto de vista didtico ser necessrio
resolver o problema da orientao dogmtica que no pode deixar de existir nesses
primeiros anos.

A sequncia dos estudos da escola unitria envolver mais cerca de seis anos,
completando-se quando os jovens se aproximam da idade de dezesseis anos, momento

20
em que se atinge a autonomia intelectual e a autonomia moral. Assim, a escola unitria,
como escola ativa atinge seu ponto culminante com a escola criadora:

Na primeira fase (da escola unitria) tende-se a disciplinar, portanto tambm a


nivelar, a obter certa espcie de conformismo que se pode chamar de dinmico; na
fase criativa, sobre o fundamento atingido de coletivizao do tipo social, tende-se a
expandir a personalidade tornada autnoma e responsvel, mas com uma conscincia
moral e social slida e homognea (idem, p. 1537).

Mas Gramsci adverte que escola criadora no significa escola de inventores e


descobridores. Trata-se de uma fase e de um mtodo de investigao e de
conhecimento e no de um programa predeterminado com a obrigao de
originalidade e de inovao a todo o custo (ibidem).

Gramsci considera que o advento da escola unitria significa o incio de novas


relaes entre trabalho intelectual e trabalho industrial no somente na escola, mas em
toda a vida social, pois o princpio unitrio se refletir em todos os organismos de
cultura, transformando-os e dando-lhes um novo contedo (idem, p. 1539).

Podemos, enfim, considerar que a teoria gramsciana da escola se estrutura em


torno de dois conceitos centrais: disciplina e catarse.

Pela disciplina se adquire o hbito do estudo sistemtico, superando os


inconvenientes do autodidatismo e se trava a luta contra a concepo mgica do mundo
e da natureza que a criana absorve do ambiente (idem, p. 1540); contra as tendncias
barbrie individualista e localista (ibidem); contra o folclore, contra todas as
sedimentaes tradicionais de concepes do mundo (ibidem). Ainda pela disciplina se
faz adquirir os hbitos de diligncia, de exatido, de compostura tambm fsica, de
concentrao psquica (idem, p. 1544); em suma, os hbitos psicofsicos apropriados
ao trabalho intelectual. Gramsci tinha conscincia plena de que, se no se deve cansar o
aluno alm do necessrio, no se pode ignorar que a aprendizagem implica sempre certo
grau de fadiga, obrigando-se o aluno a um tirocnio psicofsico traduzido em privaes e
limitaes do movimento fsico. Por isso, dizia ele:

preciso convencer a muita gente que tambm o estudo um trabalho, e muito


cansativo, com um seu especial tirocnio, alm de intelectual, tambm muscular-

21
nervoso: um processo de adaptao, um hbito adquirido com esforo,
aborrecimento e tambm com sofrimento (idem, p. 1549).

Pela catarse o processo educativo atinge seu pice propiciando aos educandos
atingir uma concepo superior, liberta de toda magia e bruxaria. Pela catarse d-se a
passagem do nvel puramente econmico ao momento tico-poltico. Igualmente, pela
catarse d-se a elaborao superior da estrutura em superestrutura na conscincia dos
homens. Ou seja, ocorre a assimilao subjetiva das condies objetivas permitindo a
passagem da condio de classe-em-si para a condio de classe-para-si. , enfim, pela
catarse que tudo aquilo que era objeto de aprendizagem se incorpora no prprio modo
de ser dos homens operando uma espcie de segunda natureza que transforma
qualitativamente sua vida integralmente, isto , no plano das concepes e no plano da
ao.

Concluso

guisa de concluso poderamos destacar que a grande contribuio da teoria


gramsciana da educao e da escola consiste na superao das dicotomias que vm
marcando, de forma esterilizadora, o debate pedaggico contemporneo.

Contra a dicotomia instruo versus educao, Gramsci afirma que no


completamente exato que a instruo no seja igualmente educao, observando que a
insistncia nessa distino foi um grave erro da pedagogia idealista. E, ao fazer a anlise
da escola clssica baseada no grego e no latim, destaca que, com essas lnguas se
estudava a histria dos povos que as falavam, assim como a histria dos livros escritos
nessas lnguas. Com esse estudo mergulhava-se na histria, o que os fazia adquirir uma
intuio historicista do mundo e da vida que os jovens incorporavam na forma de uma
segunda natureza. Portanto, esse estudo educava porque instrua.

Contra a dicotomia dogmatismo versus criticismo-historicismo, Gramsci mostra


que a nova pedagogia quis destruir o dogmatismo precisamente no campo da instruo,
da aprendizagem de noes concretas, isto , precisamente no campo em que um certo
dogmatismo praticamente imprescindvel, somente podendo ser reabsorvido e
dissolvido no inteiro ciclo do curso escolar (idem, p. 1548).

Contra as dicotomias automatismo versus criatividade, coero versus liberdade,


heteronomia versus autonomia, Gramsci mostra que s possvel ser criativo a partir do

22
momento em que so incorporados determinados mecanismos; s possvel ser livre
quando so absorvidas as imposies naturais e culturais que caracterizam a vida em
sociedade; s se atinge a autonomia quando, ajudados pelos adultos no mbito da
sociedade e pelos professores no interior das escolas, as crianas e jovens superam o
estado de anomia.

Contra a dicotomia entre escola mecnica e escola ativa Gramsci pondera que
ainda nos encontramos na fase romntica da defesa da escola ativa na qual os
elementos da luta contra a escola mecnica e jesutica se dilataram morbidamente por
causa do contraste e da polmica. E conclui que necessrio entrar na fase clssica,
racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os mtodos e as
formas.

Ora, entendo que justamente essa fase romntica que, de certo modo, explica
a polemizao do campo pedaggico expressa nas dicotomias em que se enredam as
teorias pedaggicas cujas denominaes consubstanciam o seguinte elenco:
pedagogia conservadora versus pedagogia progressista, pedagogia catlica
(espiritualista) versus pedagogia laica (materialista), pedagogia autoritria versus
pedagogia da autonomia, pedagogia repressiva versus pedagogia libertadora, pedagogia
passiva versus pedagogia ativa, pedagogia da essncia versus pedagogia da existncia,
pedagogia bancria versus pedagogia dialgica, pedagogia terica versus pedagogia
prtica, pedagogias do ensino versus pedagogias da aprendizagem. E, dominando todo o
panorama e, em certo sentido, englobando as demais oposies, pedagogia tradicional
versus pedagogia nova.

Cumpre, pois, conforme a indicao de Gramsci, ultrapassar essa fase romntica


e entrar na fase clssica. Com efeito, a partir dos fins da educao que devemos
elaborar os processos e as formas, isto , encontrar a teoria justa que nos permita
conduzir o processo educativo numa viso crtica historicamente fundamentada.

nessa direo que tem caminhado a pedagogia histrico-crtica. Atualmente


essa tendncia continua em desenvolvimento, do que do mostras a realizao, em
dezembro de 2009, do Seminrio Pedagogia histrico-crtica: 30 anos na UNESP de
Araraquara (MARSIGLIA, 2010) e o Congresso Pedagogia Histrico-Crtica e
Educao Infantil, realizado na Universidade Federal do Esprito Santo em junho de
2012.

23
A vitalidade da pedagogia histrico-crtica revelada pelos eventos mencionados
vem, ainda, se manifestando em novas produes. Constitui, de fato, um trabalho
coletivo desenvolvido por pesquisadores de diferentes instituies espalhadas pelas
vrias regies e estados do pas. Tal trabalho incide sobre aspectos propriamente
tericos compreendendo os fundamentos histrico-filosficos, psicolgicos e didticos
da pedagogia histrico-crtica assim como sobre aspectos prticos explicitando as
contribuies da pedagogia histrico-crtica para o desenvolvimento da educao nos
diferentes nveis e modalidades de ensino.

A base terica da pedagogia histrico-crtica parte do entendimento da


formulao contida no mtodo da economia poltica (MARX, 1973, P. 228-240).
Nesse texto o movimento que vai da sncrese (a viso catica do todo) sntese (uma
rica totalidade de determinaes e relaes numerosas) pela mediao da anlise (as
abstraes e determinaes simples) constitui uma orientao segura tanto para o
processo de descoberta de novos conhecimentos (o mtodo cientfico) como para o
processo de transmisso-assimilao de conhecimentos (o mtodo de ensino).

Com base nessa orientao a pedagogia histrico-crtica procurou construir uma


metodologia que, encarnando a natureza da educao como uma atividade mediadora no
seio da prtica social global, tem como ponto de partida e ponto de chegada a prpria
prtica social. O trabalho pedaggico se configura, pois, como um processo de
mediao que permite a passagem dos educandos de uma insero acrtica e
inintencional no mbito da sociedade a uma insero crtica e intencional. A referida
mediao se objetiviza nos momentos intermedirios do mtodo, a saber:
problematizao, que implica a tomada de conscincia dos problemas enfrentados na
prtica social; instrumentao, pela qual os educandos se apropriam dos instrumentos
tericos e prticos necessrios para a compreenso e soluo dos problemas detectados;
e catarse, isto , a incorporao na prpria vida dos alunos dos elementos constitutivos
do trabalho pedaggico. Ora, o termo catarse, que denomina o quarto passo do
mtodo proposto, constitui o momento culminante do processo pedaggico, sendo
entendido na acepo gramsciana de elaborao superior da estrutura em
superestrutura na conscincia dos homens (GRAMSCI, 1978, p. 53).

Portanto, as fontes especficas da pedagogia histrico-crtica se reportam s


matrizes tericas do materialismo histrico representadas, basicamente, por Marx e

24
Gramsci. Desde sua primeira formulao, na virada dos anos de 1970 para 1980 at o
momento atual, essa corrente vem seguindo a orientao gramsciana que toma o
marxismo em termos ortodoxos, conforme o entendimento de que a filosofia da prxis
uma filosofia integral, uma teoria completa que dispe de todos os elementos
necessrios para dar conta dos problemas enfrentados. No necessita, pois, de muletas,
quer dizer, no precisa ser complementada por outras teorias. A leitura que Gramsci faz
de Marx uma leitura ortodoxa, isto , fiel ao esprito da teoria original. Acrescenta,
porm, que no se trata de uma ortodoxia moda religiosa que estiola a doutrina
enrijecendo-a e tornando-a impermevel s transformaes histricas. Trata-se de uma
ortodoxia do mtodo. Assim como Marx exercitou exausto o mtodo da anlise
concreta de situaes concretas debruando-se sobre o processo de nascimento,
desenvolvimento, transformaes e possvel superao do capitalismo, mantendo-se
atento a todos os acontecimentos importantes de sua poca, cabe, conforme o entende
Gramsci, dar continuidade a esse procedimento enfrentando com a mesma diretriz
metodolgica as novas questes que a nova situao histrica vem colocando.

essa mesma orientao que, inspirada em Gramsci, a pedagogia histrico-


crtica vem procurando seguir no campo da educao brasileira, consciente de todas as
limitaes que necessrio enfrentar e superar para levar a bom termo essa empreitada.
Mantendo-se fiel a essa diretriz, essa pedagogia atravessou toda a dcada de 1990 e
ingressou no sculo XXI imune ao canto de sereia das novas pedagogias que,
beneficiadas com uma avalanche de publicaes e pela grande divulgao na mdia,
vm exercendo razovel poder de atrao nas mentes dos educadores, mesmo entre
aqueles que, na dcada de 1980, integravam as correntes contra-hegemnicas. A
retomada da contribuio de Gramsci representa um antdoto importante na resistncia a
esse poder de atrao. Trata-se de uma resistncia ativa porque no se limita a efetuar a
crtica mostrando os limites, insuficincias e equvocos das teorias hoje hegemnicas.
Vai alm, formulando uma teoria capaz de orientar a prtica dos educadores numa
direo transformadora.

Referncias Bibliogrficas:

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Presena.

25
CASTRO, Maria Cres Pimenta Spnola (2000). Escola Plural: a funo de uma
utopia. In: 23 Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa
em Educao. Caxambu: Anais da 23 Reunio Anual da ANPEd.

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Gramsci a cura de Valentino Gerratana), 4 vol. Torino: Einaudi.

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