Gramsci e A Educação No Brasil Capítulo Livro Anita
Gramsci e A Educação No Brasil Capítulo Livro Anita
Gramsci e A Educação No Brasil Capítulo Livro Anita
O referido texto foi publicado no livro: SCHLESENER, Anita Helena (org.). Filosofia,
poltica e educao: leituras de Antonio Gramsci. Curitiba: UTP, 2014.
Dermeval Saviani2
Segundo o que conhecemos, Gramsci foi o nico que se aventurou nesta via.
Teve a ideia singular de que o Estado no se reduzia ao aparelho (repressivo) de
Estado, mas compreendia, como ele dizia, certo nmero de instituies da sociedade
civil: a Igreja, as Escolas, os sindicatos, etc. Gramsci no chegou infelizmente a
sistematizar estas instituies que permaneceram no estado de notas perspicazes, mas
parciais [cf. Gramsci: Oeuvres Choisies, Ed. Sociales, pp. 290-291 (nota 3), 293, 295,
436. Cf. Lettres de Prison, Ed. Sociales, p. 313]. (ALTHUSSER, s/d., p.42).
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Este texto articula dois trabalhos anteriores, a saber: a conferncia proferida em
19 de outubro de 2009, na abertura do Seminrio Gramsci e a educao,
realizado na Unicamp e a conferncia de abertura do Seminrio Gramsci no limiar do sculo
XXI, proferida no dia 31 de maio de 2010, na UNEB, em Salvador.
2
Professor Emrito da UNICAMP, Pesquisador Emrito do CNPq e Coordenador Geral
do HISTEDBR.
1
Em 1977 Brbara Freitag publicou Escola, Estado e Sociedade, cuja anlise incide
fundamentalmente sobre a educao brasileira no perodo de 1964 a 1975. A autora se
prope as seguintes perguntas: por que na ltima dcada passa-se a valorizar a
educao, desenvolvendo-se uma poltica em que ela vista como um dos agentes de
institucionalizao e fortalecimento do modelo brasileiro? Quais as causas mais
profundas dessa valorizao? Quais as intenes (explcitas e implcitas) que tal
poltica persegue? (p. 7). E antecipa que somente uma anlise estrutural mais ampla
das condies econmicas, polticas e sociais da sociedade brasileira permite responder
satisfatoriamente a essas perguntas (ibidem).
O livro foi organizado em quatro captulos, sendo que o primeiro foi reservado
exposio do quadro terico e o quarto, s concluses. O corpo do livro se compe,
portanto, de dois captulos: um trata dos antecedentes do objeto escolhido para estudo,
fazendo uma retrospectiva histrica da poltica educacional (Cap. 2); o outro dedicado
anlise propriamente dita do objeto central do livro, ou seja, a poltica educacional de
1964 a 1975, abordada nos nveis da legislao, do planejamento e em confronto com a
realidade (Cap. 3).
A partir da, a autora mostra que, como terico das superestruturas, Gramsci rev
o conceito marxista de Estado que, alm do momento da represso e da violncia
2
representado pela sociedade poltica, abrange tambm a sociedade civil que constitui o
momento da persuaso e do consenso, extraindo a seguinte concluso:
3
Aps o estudo sistemtico de Gramsci no mbito da disciplina Teoria da
Educao ministrada para a primeira turma do Doutorado em Educao da PUC-SP no
primeiro semestre de 1978, fato j amplamente conhecido, a circulao de Gramsci no
campo educacional se expandiu consideravelmente.
[...] trata-se de uma interpretao que incide sobre o texto introdutrio, que
recebeu o mesmo ttulo do livro, tomando-o isoladamente e considerando-o como sendo
uma leitura de Gramsci. O objetivo do texto era muito simples e despretensioso.
Pretendia to somente justificar o ttulo dado ao conjunto de ensaios reunidos nesta
obra. Se foram feitas diversas citaes de Gramsci, isto ocorreu simplesmente porque a
temtica concernente relao entre senso comum e filosofia constante e central no
pensamento gramsciano. E, ainda que eu tenha me preocupado com essa problemtica
independentemente da influncia do vigoroso pensador italiano, no senti necessidade
de o proclamar, preferindo, ao contrrio, realar a relevncia do tema, pondo em
evidncia que tais preocupaes j estavam fortemente presentes num autor hoje
considerado clssico.
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entanto, no caso especfico de Gramsci, a partir dos estudos sistemticos e relativamente
exaustivos que fiz sobre a obra do pensador italiano, penso estar em condio de efetuar
uma leitura, talvez original, de sua obra, organizando-a em torno da questo da
superao do senso comum em direo elaborao filosfica. Seria, em suma, uma
leitura que tomaria como fio condutor o visceral antielitismo que atravessa de ponta a
ponta a produo intelectual do autor em referncia. Entretanto, no foi isso o que
pretendi fazer no texto em pauta. No se trata, pois, a, de uma leitura de Gramsci
(SAVIANI, 2009, p. xvi-xvii).
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postura crtico-reflexiva frente a essa situao (resultado no necessariamente desejado,
embora proclamado) (OLIVEIRA, 1980, p. 36).
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clssicos da economia da educao: o modelo do investimento e o modelo da demanda.
O primeiro modelo enfatiza a racionalidade traduzida na busca do mximo de resultados
com o mnimo de dispndio. O segundo busca o equilbrio entre a oferta e a demanda de
mo-de-obra no mercado de trabalho. No primeiro modelo est em causa a alocao dos
investimentos educacionais no oramento pblico. No segundo busca-se converter as
escolas em fbricas de mo-de-obra. Ao planejamento educacional atribuiu-se a tarefa
de executar na prtica o que os dois modelos referidos formulavam na teoria.
7
demonstravam na dcada de 1980. Provavelmente sua manifestao mais sistematizada
e de maior visibilidade na dcada de 1990 foi a proposta denominada Escola Cidad,
formulada por iniciativa do Instituto Paulo Freire, em 1994, e elaborada pelos seus
diretores, os professores Jos Eustquio Romo e Moacir Gadotti (ROMO e
GADOTTI, 1994). De certo modo, possvel observar que essa proposta procura inserir
a viso da pedagogia libertadora e os movimentos de educao popular no novo clima
poltico (neoliberalismo) e cultural (ps-modernidade). Como esclarece Romo num
trabalho posterior, a referida proposta articula o Relatrio Jacques Delors, publicado
no livro Educao: um tesouro a descobrir, o livro de Edgar Morin, Sete saberes
necessrios educao do futuro e o livro de Paulo Freire, Pedagogia da autonomia:
saberes necessrios prtica docente (ROMO, 2002b). Esther Pillar Grossi tambm
busca situar-se no novo contexto conciliando Piaget com Paulo Freire e introduzindo
elementos de Wallon e Vigotski numa proposta que denomina de ps-construtuvismo
(GROSSI E BORDIN, 1993).
Jos Carlos Libneo deu sequncia, na dcada de 1990, aos seus estudos e
atividades nos campos da pedagogia e da didtica no retomando, pelo menos de forma
explcita, a pedagogia crtico-social dos contedos. Mas seu livro, A democratizao
da escola pblica, no qual a proposta foi divulgada continuou sendo reeditado, tendo
atingido, em 2002, a vigsima edio.
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Como o demonstram as sucessivas edies dos livros Escola e democracia e
Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes, alm de vrios trabalhos
publicados por diferentes estudiosos, a pedagogia histrico-crtica permaneceu atuante,
ainda que na forma de resistncia onda neoconservadora revestida de roupagem ultra
avanada em virtude do apelo ufanista s novas tecnologias.
1. Conceito de homem
Podemos considerar como consensual a ideia de que a educao se identifica
com o processo de formao humana. Por isso tambm consensual que o conceito de
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educao varia na medida em que varia a concepo de homem, isto , o tipo de homem
que se quer formar. Consequentemente, para apreendermos a concepo gramsciana de
educao devemos partir da viso gramsciana de homem.
2. Relaes de fora
Na etapa histrica na qual se encontrava Gramsci que, fundamentalmente, a
mesma em que nos encontramos, as relaes sociais se definem, concretamente, como
relaes de classe que assumem a forma capitalista. Nessa sociedade distinguem-se duas
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classes sociais fundamentais antagnicas: a burguesia e o proletariado, que entram em
relaes de fora.
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exerce a hegemonia sobre um conjunto de grupos subordinados. Gramsci adverte que na
histria real esses momentos se interpenetram reciprocamente observando, ainda, que as
relaes de fora no interior de um Estado-nao se entretecem com as relaes
internacionais provocando novas combinaes.
3. Bloco histrico
No quadro das relaes de fora, quando uma classe (um grupo social
fundamental) se torna hegemnica, isto , se impe sobre o conjunto da sociedade,
configura-se um bloco histrico que solda a unidade da estrutura com a superestrutura.
Nesse bloco o elemento econmico e o elemento ideolgico mantm relao de
reciprocidade e interdependncia, o que afasta o privilgio de um (economicismo) e de
outro (ideologismo).
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Isso significa que, ao constituir um bloco histrico, a classe dirigente, no exerccio da
hegemonia, apresenta seus prprios interesses na forma de interesses do conjunto da
sociedade convertendo sua concepo, de expresso de seus interesses particulares, em
viso universal. Gramsci traduz essa ideia por meio da frmula a filosofia se torna um
novo senso comum.
4. Hegemonia
O conceito de hegemonia , pois, uma categoria central da concepo de
Gramsci e, portanto, tambm da teoria gramsciana da educao, pois toda relao de
hegemonia necessariamente uma relao pedaggica (Idem [Q. 10], vol. II, p. 1331).
Como tal, a relao pedaggica no se limita s relaes especificamente escolares, mas
se estende por toda a sociedade materializando-se nas relaes de cada indivduo com
os outros indivduos, entre camadas intelectuais e no intelectuais, entre governantes e
governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e
corpos de exrcito (idem, ibidem).
6. Intelectuais
Gramsci rompe com a diviso recorrente entre trabalho manual e intelectual.
Considera ele que toda atividade humana requer sempre a interveno do crebro,
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implicando o ato de pensar e, assim, no deixa de conter ingredientes intelectuais. Por
isso, para ele, todos os homens so intelectuais. Acrescenta, porm, que, se todos os
homens so intelectuais, nem todos exercem, na sociedade, a funo de intelectuais.
Pode-se dizer que, para Gramsci, o conceito de intelectual ocupa o lugar mais
importante em sua construo terica tanto assim que programou uma vasta pesquisa
voltada para a elucidao desse tema. E, entre as vrias categorias de intelectuais
detectadas em sua investigao histrica, destaca as duas seguintes como as principais:
intelectuais orgnicos (i) e intelectuais tradicionais (ii). Eis como Gramsci os descreve:
(i) Todo grupo social, nascendo sobre o terreno originrio de uma funo
essencial no mundo da produo econmica, cria junto a si, organicamente, uma ou
mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e conscincia da prpria
funo no apenas no campo econmico, mas tambm no campo social e poltico
(Idem [Q. 12], vol. II, p. 1513). E exemplifica com o empreendedor capitalista que cria
consigo o tcnico da indstria, o cientista da economia poltica, o organizador de uma
nova cultura, de um novo direito, etc. etc. (ibidem). Acrescenta, ainda, que o prprio
empreendedor capitalista tambm revela capacidade dirigente e tcnica que, por sua
vez, j representa uma funo intelectual.
(ii) Mas todo grupo social essencial emergindo na histria a partir da estrutura
econmica precedente e como expresso do desenvolvimento dessa estrutura encontrou,
ao menos na histria at agora transcorrida, categorias sociais preexistentes e que
apareciam como representantes de uma continuidade histrica no interrompida mesmo
pelas mais complicadas e radicais mudanas das formas sociais e polticas (idem, p.
1514). Mostra, em seguida, que os eclesisticos so a mais tpica dessa categoria dos
intelectuais tradicionais que, no modo de produo feudal, era organicamente ligada
aristocracia fundiria.
V-se, ento, que o que define uma categoria de intelectuais como tradicional o
fato de terem pertencido a um modo de produo anterior no qual tinham carter
orgnico. Uma vez superado aquele modo de produo, eles subsistem na nova forma
social na condio de tradicionais. Vivendo com esprito de corpo sua ininterrupta
continuidade histrica e sua qualificao especfica, os intelectuais tradicionais se
assumem como autnomos e independentes do grupo social dominante.
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Assim, se os intelectuais orgnicos gozam de uma autonomia relativa em relao
classe dominante e dirigente a que esto vinculados, os intelectuais tradicionais se
sentem portadores de uma autonomia por assim dizer absoluta. Na verdade, a autonomia
dos intelectuais orgnicos relativa porque exercida dentro dos limites necessrios para
que possam apresentar como universais os interesses particulares da classe que
representam qual, de fato, permanecem organicamente ligados, alis, como sua
prpria adjetivao o indica; so eles orgnicos em dois sentidos: porque gerados pelo
prprio organismo constitutivo da classe dominante e porque desempenham, perante
ela, a funo de organiz-la, de conferir-lhe unidade, coerncia e homogeneidade; numa
palavra, desempenham a funo de dar organicidade classe qual se encontram
umbilicalmente ligados.
7. Partido
A funo organizadora, prpria dos intelectuais, assume expresso objetiva no
partido. Nas condies prprias da estrutura social de classes, a sociedade encontra-se
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dividida em uma multiplicidade de grupos com interesses no apenas diferentes, mas
antagnicos; este o caso dos grupos sociais fundamentais, nascidos no terreno
originrio de uma funo essencial no mundo da produo econmica. Em
consequncia, as organizaes constitutivas da sociedade civil assumem
dominantemente a forma de partidos. Isso porque se trata, efetivamente, de partes da
sociedade que constituem agrupamentos com interesses comuns que se organizam para
a defesa e a ampliao de seus interesses. E aqui tambm, semelhana do que ocorreu
com o conceito de Estado, Gramsci entende o partido em sentido ampliado,
distinguindo entre partidos polticos e partidos ideolgicos.
8. Revoluo
A revoluo , com efeito, a questo prtica por excelncia que moveu toda a
elaborao terica de Gramsci. Como se pode ver por sua manifestao no Ordine
Nuovo de 5 de junho de 1920, sua concepo de revoluo se baseava no prefcio
Contribuio para a crtica da economia poltica, especificamente na passagem em que
Marx chama a ateno para a contradio entre as foras produtivas e as relaes de
produo. Estas, de formas de desenvolvimento das foras produtivas, a partir de
determinado estdio transformam-se em seu entrave abrindo-se, ento, uma poca de
revoluo social. Gramsci entendia que o capitalismo j havia entrado nesse estdio e
concebia a revoluo como um ato que consiste num esforo destinado a destruir
violentamente os esquemas oficiais, um esforo dirigido a quebrar a mquina do
Estado burgus e a constituir um tipo de Estado em cujos esquemas as foras produtivas
liberadas encontrem a forma adequada para o seu ulterior desenvolvimento
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(GRAMSCI, 1975b, p. 123). Esse outro tipo de Estado, tal como ele j havia indicado
em 15 de novembro de 1919, consistiria na ditadura do proletariado encarnada num
sistema de Conselhos operrios e camponeses (Idem, p. 307).
10. Educao
Essa primeira funo ligada reforma intelectual e moral se desdobra na tarefa
da educao das massas. Esta, por sua vez se liga funo de hegemonia que implica a
difuso, por seus intelectuais, da concepo de mundo correspondente aos interesses do
proletariado. Gramsci trabalha tambm essa questo a partir do prefcio contribuio
crtica da economia poltica considerando a concepo de mundo como as formas
ideolgicas pelas quais os homens tomam conscincia do conflito entre as foras
produtivas materiais e as relaes sociais de produo levando-o s suas ltimas
consequncias. Para ele a concepo de mundo se manifesta em diferentes nveis, desde
o senso comum e o folclore passando pela religio, ideologia, cincia e filosofia.
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modo difuso, a concepo dominante atua sobre a mentalidade popular articulando-a em
torno dos interesses da classe dominante impedindo, ao mesmo tempo, a expresso
elaborada dos interesses populares, o que concorre para inviabilizar a organizao das
camadas subalternas como classe para-si. O senso comum , pois, contraditrio, dado
que se constitui num amlgama integrado por elementos implcitos na prtica
transformadora do homem de massa e por elementos superficialmente explcitos
caracterizados por conceitos herdados da tradio ou veiculados pela concepo
hegemnica e acolhidos sem crtica (Idem [Q. 11], vol. II, p. 1385).
11. Escola
A funo educativa que permeia toda a estrutura social adquire especificidade ao
ser organizada na forma escolar. Gramsci em 27 de junho de 1919 j se manifestava
sobre a importncia da escola, entendendo-a como um problema tcnico e poltico ao
mesmo tempo e considerando que no Estado parlamentar-democrtico, isto , no
Estado burgus, o problema da escola insolvel poltica e tecnicamente: os ministros
da Instruo pblica so investidos no cargo porque pertencentes a um partido poltico,
no porque capazes de administrar e dirigir a funo educativa do Estado (GRAMSCI,
1975b, p. 255). E acrescentava, incisivo:
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No se pode afirmar, em s conscincia, que a classe burguesa faa uso da
escola para fins de sua dominao; se isso acontecesse, significaria que a classe
burguesa tem um programa escolar a ser cumprido com energia e perseverana; a escola
seria uma coisa viva. Isso no acontece: a burguesia, como classe que controla o Estado,
desinteressa-se da escola, deixa que os burocratas faam dela o que quiserem, que os
ministros da Instruo pblica sejam escolhidos segundo os caprichos da concorrncia
poltica, pela intriga das faces, para alcanar o feliz equilbrio dos partidos na
composio dos gabinetes. Em tais condies, o estudo tcnico do problema escolar
puro exerccio de lucubrao mental, ginstica intelectual, no contribuio sria e
concreta soluo do problema propriamente dito: quando no lamentao tediosa e
reiterao de banalidades abusivas sobre a excelncia da funo educativa do Estado,
sobre os benefcios da instruo etc. (idem, p. 255-256).
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A escola unitria ou de formao humanstica (entendido este termo,
humanismo, no sentido amplo e no s no sentido tradicional) ou de cultura geral,
deveria propor-se o objetivo de inserir na atividade social os jovens depois de t-los
conduzido a um certo grau de maturidade e capacidade de criao intelectual e prtica e
de autonomia na orientao e na iniciativa (GRAMASCI, 1975a [Q. 12], vol. III, p.
1534).
Eis porque ele conferia papel central ao corpo docente entendendo que, na
escola, o nexo instruo-educao s pode ser representado pelo trabalho vivo do
professor, pois o professor tem conscincia dos contrastes entre o tipo de sociedade e de
cultura que ele representa e o tipo de sociedade representado pelos alunos (idem, p.
1542). Por estar consciente desse contraste entre seu lugar e o lugar do aluno no
processo educativo, o professor tem conscincia tambm de que sua tarefa acelerar e
disciplinar a formao da criana conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior
(ibidem). Conclui, ento, que com um corpo docente deficiente afrouxa-se a ligao
entre instruo e educao e o ensino degenera em mera retrica que exalta a
educabilidade do ser humano em contraste com um trabalho escolar esvaziado de
qualquer seriedade pedaggica.
A sequncia dos estudos da escola unitria envolver mais cerca de seis anos,
completando-se quando os jovens se aproximam da idade de dezesseis anos, momento
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em que se atinge a autonomia intelectual e a autonomia moral. Assim, a escola unitria,
como escola ativa atinge seu ponto culminante com a escola criadora:
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nervoso: um processo de adaptao, um hbito adquirido com esforo,
aborrecimento e tambm com sofrimento (idem, p. 1549).
Pela catarse o processo educativo atinge seu pice propiciando aos educandos
atingir uma concepo superior, liberta de toda magia e bruxaria. Pela catarse d-se a
passagem do nvel puramente econmico ao momento tico-poltico. Igualmente, pela
catarse d-se a elaborao superior da estrutura em superestrutura na conscincia dos
homens. Ou seja, ocorre a assimilao subjetiva das condies objetivas permitindo a
passagem da condio de classe-em-si para a condio de classe-para-si. , enfim, pela
catarse que tudo aquilo que era objeto de aprendizagem se incorpora no prprio modo
de ser dos homens operando uma espcie de segunda natureza que transforma
qualitativamente sua vida integralmente, isto , no plano das concepes e no plano da
ao.
Concluso
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momento em que so incorporados determinados mecanismos; s possvel ser livre
quando so absorvidas as imposies naturais e culturais que caracterizam a vida em
sociedade; s se atinge a autonomia quando, ajudados pelos adultos no mbito da
sociedade e pelos professores no interior das escolas, as crianas e jovens superam o
estado de anomia.
Contra a dicotomia entre escola mecnica e escola ativa Gramsci pondera que
ainda nos encontramos na fase romntica da defesa da escola ativa na qual os
elementos da luta contra a escola mecnica e jesutica se dilataram morbidamente por
causa do contraste e da polmica. E conclui que necessrio entrar na fase clssica,
racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os mtodos e as
formas.
Ora, entendo que justamente essa fase romntica que, de certo modo, explica
a polemizao do campo pedaggico expressa nas dicotomias em que se enredam as
teorias pedaggicas cujas denominaes consubstanciam o seguinte elenco:
pedagogia conservadora versus pedagogia progressista, pedagogia catlica
(espiritualista) versus pedagogia laica (materialista), pedagogia autoritria versus
pedagogia da autonomia, pedagogia repressiva versus pedagogia libertadora, pedagogia
passiva versus pedagogia ativa, pedagogia da essncia versus pedagogia da existncia,
pedagogia bancria versus pedagogia dialgica, pedagogia terica versus pedagogia
prtica, pedagogias do ensino versus pedagogias da aprendizagem. E, dominando todo o
panorama e, em certo sentido, englobando as demais oposies, pedagogia tradicional
versus pedagogia nova.
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A vitalidade da pedagogia histrico-crtica revelada pelos eventos mencionados
vem, ainda, se manifestando em novas produes. Constitui, de fato, um trabalho
coletivo desenvolvido por pesquisadores de diferentes instituies espalhadas pelas
vrias regies e estados do pas. Tal trabalho incide sobre aspectos propriamente
tericos compreendendo os fundamentos histrico-filosficos, psicolgicos e didticos
da pedagogia histrico-crtica assim como sobre aspectos prticos explicitando as
contribuies da pedagogia histrico-crtica para o desenvolvimento da educao nos
diferentes nveis e modalidades de ensino.
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Gramsci. Desde sua primeira formulao, na virada dos anos de 1970 para 1980 at o
momento atual, essa corrente vem seguindo a orientao gramsciana que toma o
marxismo em termos ortodoxos, conforme o entendimento de que a filosofia da prxis
uma filosofia integral, uma teoria completa que dispe de todos os elementos
necessrios para dar conta dos problemas enfrentados. No necessita, pois, de muletas,
quer dizer, no precisa ser complementada por outras teorias. A leitura que Gramsci faz
de Marx uma leitura ortodoxa, isto , fiel ao esprito da teoria original. Acrescenta,
porm, que no se trata de uma ortodoxia moda religiosa que estiola a doutrina
enrijecendo-a e tornando-a impermevel s transformaes histricas. Trata-se de uma
ortodoxia do mtodo. Assim como Marx exercitou exausto o mtodo da anlise
concreta de situaes concretas debruando-se sobre o processo de nascimento,
desenvolvimento, transformaes e possvel superao do capitalismo, mantendo-se
atento a todos os acontecimentos importantes de sua poca, cabe, conforme o entende
Gramsci, dar continuidade a esse procedimento enfrentando com a mesma diretriz
metodolgica as novas questes que a nova situao histrica vem colocando.
Referncias Bibliogrficas:
25
CASTRO, Maria Cres Pimenta Spnola (2000). Escola Plural: a funo de uma
utopia. In: 23 Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa
em Educao. Caxambu: Anais da 23 Reunio Anual da ANPEd.
GRISONI, Dominique & MAGGIORI, Robert (1973). Lire Gramsci. Paris: ditions
Universitaires.
ROMO, Jos Eustquio (2002b). Escola Cidad no Sculo XXI. In: I Congresso
Brasileiro de Educao. Fortaleza: Anais, v. 1, p. 50-69.
26
SAVIANI, Dermeval (2009). Educao: do senso comum conscincia filosfica, 18
ed. Campinas: Autores Associados.
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