O Papel Da Ansiedade Na (Dis) Função Sexual PDF

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Medicina sexual

O papel da ansiedade na (dis)funo sexual


Brbara Braga de LucenaI, Carmita Helena Najjar AbdoII

Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clnicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de So Paulo

INTRODUO fobia especfica e a social, o transtorno obsessivo-compulsivo


Diversos fatores interferem negativamente na atividade se- (TOC), o transtorno de estresse ps-traumtico (TEPT), o
xual humana, desencadeando as disfunes sexuais (DS), que transtorno de estresse agudo e o transtorno de ansiedade ge-
se caracterizam por perturbaes relacionadas s alteraes neralizada (TAG).1
psicofisiolgicas nas fases do ciclo de resposta sexual (desejo, J as DS podem ser classificadas em: transtorno do desejo
excitao, orgasmo e resoluo) ou dor associada relao sexual hipoativo, transtorno de averso sexual, transtorno da
sexual, promovendo sofrimento psquico e dificuldades no re- excitao sexual feminina, transtorno ertil masculino, trans-
lacionamento interpessoal.1 Embora as DS possam ocorrer em torno do orgasmo feminino, transtorno do orgasmo masculino,
qualquer uma dessas quatro fases do ciclo de resposta sexual, ejaculao precoce (EP), dispareunia e vaginismo.1
so mais frequentes nas trs primeiras, sendo comum um mes- Embora sejam categorias distintas, DS e ansiedade esto in-
mo indivduo apresentar DS em mais de uma fase do ciclo de timamente relacionadas e o diagnstico de ambas eminente-
resposta sexual.2 mente clnico. A queixa do paciente, aliada presena de alguns
A etiologia das DS pode envolver componentes biolgicos e elementos na anamnese, fundamental, sendo necessrio, para
psicolgicos,3 incluindo condies clnicas gerais (especialmen- cada caso, identificar se a ansiedade influenciou a DS; alterna-
te diabetes, hipertenso, doenas cardiovasculares) e neurol- tivamente, se a DS provocou a ansiedade ou, ainda, se entre os
gicas, medicaes4 e condies psicolgicas, entre as quais se dois problemas no h relao inicial de causalidade.6
destaca a ansiedade.3-5 No caso das DS, exames de dosagens hormonais e condies
clnicas gerais so complementares.3 Todavia, ainda que haja al-
QUADRO CLNICO E DIAGNSTICO terao da resposta sexual comprovada por causa orgnica, no
A ansiedade pode ser definida como sentimento de apreen- diagnosticada DS se o paciente no apresentar insatisfao
so e medo caracterizado por sintomas fsicos, psicolgicos e frente sua condio sexual.1
cognitivos. No contexto de estresse ou de perigo, essas reaes Alm da queixa e da insatisfao, deve-se considerar um
so naturais. No entanto, algumas pessoas se sentem extrema- mnimo de seis meses de sintomatologia para a caracterizao
mente ansiosas com as atividades cotidianas, o que pode re- da DS.1 Durante a anamnese, importante investigar as con-
sultar em sofrimento e prejuzo significativo dessas atividades.6 dies sexuais e de sade geral do(a) parceiro(a), para afastar
A expresso neurobiolgica da ansiedade complexa, mas possveis equvocos de interpretao ante o quadro referido
resulta principalmente da liberao de substncias adrenrgicas pelo paciente.8
(adrenalina e noradrenalina). A sensao de ameaa constan-
te provoca a hiperatividade do sistema nervoso autonmico, ANSIEDADE RELACIONADA ATIVIDADE SEXUAL
desencadeando sintomas somticos de ansiedade, tais como: Desde as primeiras formulaes psicodinmicas3 e, poste-
secura da boca, aumento de viglia ou estado de alerta, cons- riormente, na terapia sexual proposta por Masters e Johnson9
trio respiratria, sudorese, arrepios, tremor, vmitos, palpi- e Kaplan,10 a ansiedade com relao ao desempenho sexual foi
tao, dores abdominais, entre outras alteraes biolgicas e considerada a mais importante causa imediata da DS.
bioqumicas.7 Masters e Johnson desenvolveram conceito de spectato-
Os transtornos de ansiedade so um grupo de entidades ring, que seria o monitoramento da prpria atividade sexual,
clnicas em que um nvel excessivo de ansiedade o sinto- com manuteno do foco em si mesmo durante a interao
ma comum. Esse grupo inclui o transtorno do pnico, a sexual, em vez de uma imerso nos aspectos sensoriais da

Psicloga, ps-graduanda em Cincias pela Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (FMUSP).


I

Psiquiatra, livre-docente e professora associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (FMUSP). Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex)
II

do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clnicas da FMUSP.

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experinciaertica. Para os autores, o espectador sexual se dis- certas condies, a ansiedade facilita a excitao sexual genital.
trairia com pensamentos sobre o seu desempenho, o que inter- Como exemplo, Hoon e cols.26 e Palace e Gorzalka27 conclu-
romperia o fluxo normal do funcionamento sexual, inibindo a ram que a ansiedade induzida melhorou a vasocongesto geni-
excitao sexual e o orgasmo.9 tal por meio de estmulos erticos.
Barlow11 incluiu o conceito de spectatoring em um modelo Mais recentemente, outro experimento13 revelou que mu-
causal do processo de ateno durante o funcionamento sexual. lheres com ansiedade leve ou moderada tm significativamente
De acordo com o autor, dficits no funcionamento sexualde- mais pulsao vaginal do que mulheres sem ansiedade ou com
vido dificuldade de excitao so causados por uma incapa- ansiedade grave. Assim, as autoras concluram que um pouco
cidade do espectador em captar corretamente sinais erticos de ansiedade auxilia a excitao feminina. Desse modo, para a
que so necessrios para a excitao. Essa incapacidade desen- excitao sexual, a ausncia de ansiedade pode ser to prejudi-
cadearia grande ansiedade acerca do desempenho, provocando cial quanto a ansiedade grave.
a mudana de ateno (spectoring) a fim de evitar o insucesso
sexual. Essa distrao, no entanto, prejudica o desempenho do PREVALNCIA
espectador sexual. Uma alta prevalncia de DS tem sido relatada em pessoas
Se a ansiedade relacionada ao sexo provoca um impedimento com ansiedade.13 Dunn e cols.24 constataram que 34% dos
psicolgico para o desempenho da atividade sexual,12 tambm homens e 41% das mulheres tinham alguma DS. Entre os
possvel que, na ausncia de problemas sexuais especficos, altos participantes, 21% tinham ansiedade moderada ou grave.
nveis de ansiedade desencadeiem distraes cognitivas (preo- Os homens com ejaculao precoce tinham 2,5 mais chan-
cupaes no sexuais, obsesses, e hipervigilncia e sensaes ces de ter ansiedade grave. Entre as mulheres, a ansiedade
corporais somticas) que podem interferir na resposta sexual.13 foi associada a maior risco (odds ratio, OR) para disfuno
Mesmo em mulheres sem DS, estudos demonstraram que dis- de excitao (OR = 3,5), disfuno de orgasmo (OR = 2,0),
traes cognitivas reduzem a excitao tanto fisiolgica quanto inibio do desejo (OR = 2,3), secura vaginal (OR = 1,8), e
subjetiva aos estmulos erticos.14,15 dispareunia (OR = 4,5).
Nos homens, a ansiedade tem sido considerada central para Em se tratando de mulheres na menopausa, Schantz e cols.28
o desenvolvimento e manuteno da disfuno ertil (DE)3-16 e demonstraram que entre as pacientes que referiam diminui-
da EP.5-17 Acredita-se que, em estado de ansiedade, a hiperativi- o do desejo sexual, a prevalncia de ansiedade era de 76,7%
dade simptica reduza a capacidade de controle da ejaculao.18 contra 45,7% das que no relatavam diminuio do desejo
Liu19 examinou o impacto de uma srie de fatores psicolgi- (P < 0,01). Entre as mulheres que referiam secura vaginal, a
cos sobre disfuno ertil entre 44 pacientes do sexo masculino. prevalncia de ansiedade foi de 75,0% contra 48,4% das que
Os resultados demonstraram que, alm dos altos nveis de an- no relatavam a mesma condio (p < 0,02).
siedade relacionada ao desempenho, os problemas de comuni- A prevalncia de transtornos de ansiedade varia de 2,5%
cao tambm contribuam para o surgimento da DE. a 37% em homens portadores de disfuno ertil (DE).29,30
Em mulheres, um estudo turco20 mostrou que a dor pl- Empacientes com EP, estima-se que 25% deles tenham fobia
vica crnica est positivamente relacionada com a ansiedade. social.31 Apesar da correlao entre EP e fobia social ser acei-
Mais recentemente, a ansiedade na fase de excitao tambm ta, tambm h relao entre ejaculao retardada e fobia social.
foi associada dispareunia.21 Uma reviso de literatura22 evi- Bondiger e cols.,32 por exemplo, encontraram 33% de ejacula-
denciou que mulheres com transtornos do desejo sexual so o retardada em homens com fobia social. Entretanto, o papel
mais preocupadas e ansiosas do que mulheres com bom fun- especfico da ansiedade no funcionamento sexual masculino
cionamento sexual. Katz e Jardine23 corroboraram este acha- permanece incerto.6
do, concluindo que a ansiedade est intimamente relacionada Kaplan33 encontrou grande prevalncia do transtorno de
com a falta de desejo e averso sexual. Embora a ansiedade pnico em pacientes afetados pela averso sexual. A autora
tambm influencie a disfuno de orgasmo,17-24 van Minnen mostrou que 25% dos pacientes tinham transtorno de pnico
e Kampman25 concluram que os problemas sexuais das pa- e outros 25% tinham sintomas caractersticos da sndrome do
cientes com ansiedade so mais frequentes na primeira fase do pnico (sem os ataques de pnico) e sugeriu uma prevalncia de
ciclo de resposta sexual (o desejo). Nesse estudo, a qualidade 75% de DS em pacientes com transtorno de pnico.
da relao conjugal das pacientes era satisfatria, indicando Dettre e cols.34 mostraram que pacientes com transtornos
que os problemas sexuais eram desencadeados pela ansiedade de ansiedade tinham maior risco de apresentar DS do que os
e no por problemas conjugais. controles (indivduos sem qualquer transtorno de ansiedade).
Embora usualmente caracterize um impedimento, conforme Segundo Kendukar,35 metade dos pacientes com TOC tem
relatado acima, a ansiedade no universalmente perturbadora DS, enquanto 64% dos pacientes com TAG tm DS. Outro
para o funcionamento sexual.25 Experimentos sugerem que, sob trabalho36 apontou que 73% dos pacientes com TOC estavam

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insatisfeitos com sua funo sexual, enquanto para Staebler e A terapia cognitivo-comportamental (TCC) como estratgia
cols.37 essa porcentagem foi de 59%. de interveno psicolgica
Conforme se pode observar, alguns estudos relacionam DS As teorias cognitivo-comportamentais tm relacionado tan-
com sintomas e estado de ansiedade em geral, enquanto outros to a ansiedade quanto as DS s formas distorcidas com que
relacionam as DS com transtornos de ansiedade especficos. De as pessoas aprendem a pensar sobre si mesmas ou sobre situ-
modo geral, as prevalncias so elevadas, independentemente aes.11-48 Do ponto de vista cognitivo, a ansiedade elevada
do tipo de ansiedade e de DS estudadas. interfere negativamente no funcionamento sexual porque o
indivduo est enviezado para perceber uma situao como
TRATAMENTO ameaadora. Assim, ele se distrai de estmulos sexualmente
Os inibidores seletivos da recaptao de serotonina (ISRS) excitantes e assume interpretaes sobre esses estmulos.13
e os inibidores seletivos da recaptao de serotonina e nora- A eficcia da TCC tem sido bem documentada.49 McCabe50
drenalina (ISRSN) so considerados tratamentos de primeira realizou 10 sesses de TCC em mulheres com falta de desejo.
linha para os transtornos e quadros de ansiedade.38 No entan- O programa inclua intervenes focadas em melhorar a co-
to, a relao entre ansiedade e funcionamento sexual torna-se municao entre os parceiros, aumentar as habilidades sexuais
mais complicada, uma vez que a maioria das drogas disponveis e reduzir a ansiedade acerca do desempenho sexual. Apesar
como tratamentos de primeira linha (com raras excees)39 do curto tempo, houve melhora de 44% das pacientes. Outro
prejudicial ao funcionamento sexual de homens e mulheres.40 estudo51 de mulheres com DS comparou a TCC com um
Entre as dificuldades sexuais observadas nos homens em grupo controle. Como resultado, houve melhora significativa
decorrncia dos ISRS esto: diminuio da ereo matinal, (p<0,05) na qualidade de vida sexual e conjugal, na satisfa-
dificuldade de obter ou manter ereo suficiente para a pe- o sexual, na percepo de excitao sexual, na autoestima
netrao, dificuldade de excitao e diminuio da libido, sexual, alm de melhora nos sintomas de depresso e de ansie-
anorgasmia ou atraso ejaculatrio.41 Em virtude desse ltimo dade no grupo que realizou a terapia.
efeito, os ISRS so as drogas mais prescritas para o tratamento Considerando que cognies maladaptativas podem causar
da EP.42 Nas mulheres em uso de ISRS, observou-se orgasmo tanto ansiedade quanto DS e que essas condies reforam uma
retardado ou anorgasmia, dificuldade de excitao, diminui- a outra, o trabalho em TCC objetiva identificar e modificar
o da lubrificao e da libido.41 pensamentos e crenas disfuncionais a fim de reestabelecer o
Bahrick e Harris38 recomendam que o tratamento deva ser funcionamento sexual satisfatrio.49 Para tanto, esse tipo de te-
decidido com o paciente, aps inform-lo detalhadamente so- rapia geralmente inclui uma parte educativa e exerccios que
bre as opes com seus respectivos riscos e benefcios. Para os abordam as preocupaes do paciente acerca de seu desempe-
pacientes com ansiedade cuja prioridade o funcionamento nho sexual.5
sexual, outras categorias de antidepressivos devem ser consi-
deradas.43 Do mesmo modo, o uso de benzodiazepnicos deve CONCLUSO
ser cuidadosamente avaliado. Eles tm efeito rpido, toxicida- A resposta ansiedade complexa e exige investigao acer-
de relativamente baixa e grande potncia ansioltica, mas esses ca de grau, natureza e histrico de cada paciente com queixa
benefcios devem ser pesados contra o potencial de compro- sexual. Grau leve ou moderado de ansiedade pode auxiliar na
metimento motor, dependncia e sintomas de abstinncia.44 excitao sexual, enquanto graus mais graves e ansiedade pato-
Todos os riscos devem ser informados ao paciente.45 Alguns lgica (transtornos de ansiedade) prejudicam o funcionamento
estudos tm mostrado que os pacientes esto insatisfeitos com sexual. Ainda assim, na maior parte dos casos documentados,
as informaes que recebem dos mdicos acerca dos efeitos a ansiedade interfere negativamente na experincia subjetiva e
colaterais dos medicamentos, especialmente em relao ao favorece a manuteno das DS.
funcionamento sexual.46,47 Mesmo nos casos em que no est relacionada causa da dis-
Dadas as limitaes farmacoterpicas e a ausncia de medi- funo, a ansiedade geralmente a acompanha e, por isso, deve
caes especficas para as DS femininas, o tratamento mdico ser considerada na abordagem diagnstica e teraputica, uma
por vezes no suficiente para os casais retomarem a vida sexual vez que a ansiedade acerca do desempenho pode prolongar e
satisfatria. A abordagem das questes relacionais e psquicas exacerbar os problemas sexuais.
de fundamental importncia.3
As estratgias de interveno psicolgica devem estar cen- REFERNCIAS
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E-mail: [email protected]

EDITOR RESPONSVEL POR ESTA SEO: Fonte de fomento: nenhuma declarada


Carmita Helena Najjar Abdo. Psiquiatra, livre-docente e professora asso- Conflito de interesse: nenhum declarado
ciada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de So Paulo (FMUSP). Fundadora e coordenadora do Programa de Data de entrada: 25 de fevereiro de 2013
Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Data da ltima modificao: 8 de maro de 2013
Clnicas da FMUSP. Data de aceitao: 14 de maro de 2013

PALAVRAS-CHAVE:
Sexualidade.
Ansiedade.
Comportamento sexual.
Comorbidade.
Psicoterapia.
Terapia cognitiva.

RESUMO
Embora sejam categorias distintas, disfuno sexual (DS) e ansiedade esto intimamente relacionadas. A ansiedade
relacionada ao desempenho provoca um impedimento psicolgico atividade sexual, assim como, na ausncia de
problemas sexuais especficos, altos nveis de ansiedade influenciam o surgimento das DS. O diagnstico de DS em
pacientes ansiosos necessita de especial detalhamento acerca do histrico sexual e dos sintomas de ansiedade. O
tratamento mdico tem limitaes farmacoterpicas, sendo de fundamental importncia a abordagem das questes
relacionais e psquicas.

Diagn Tratamento. 2013;18(2):94-8.

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