Superior Tribunal de Justia

RECURSO ESPECIAL N 1.025.769 - MG (2008/0017342-0)

RECORRENTE : C M DE A
ADVOGADOS : JULIANA GONTIJO E OUTRO(S)
DANIEL JAMELEDIM FRANCO
RECORRIDO : V A P DE A
ADVOGADO : JOO VELU GALVO
Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por C. M. DE A., com

fundamento nas alneas a e c do permissivo constitucional, contra acrdo
exarado pelo TJ/MG.
Ao (inicial s fls. 2/9): de separao judicial litigiosa com
imputao de culpa por grave violao dos deveres do casamento, previstos no
art. 231 do CC/16 (correspondncia: art. 1.566 do CC/02), cumulada com pedido
de alimentos e partilha de bens, ajuizada pela recorrente em face de V. A. P. DE
A.
A autora sustenta que se casou com o ru em 26.9.1982, pelo regime
de comunho universal de bens, ocasio em que deixou seu emprego no Banco
Real, a pedido do marido que, por exercer a profisso de mdico, prometera
proporcionar-lhe elevado padro de vida. Relata que, com efeito, ao longo da
unio conjugal que perdurou por aproximadamente 20 anos , o casal construiu
significativo patrimnio.
Afirma que nos ltimos 4 anos surgiram boatos envolvendo o ru,
que, ao final, foram por ele confirmados, no sentido da quebra do dever
matrimonial de fidelidade, ressaltando que, do relacionamento extraconjugal por
ele mantido com outra mulher, nasceu uma criana V. R. B. , em 7.1.1999.
Alega que teria sido vtima de ameaas e agresses fsicas
perpetradas pelo ento marido, o que redundou na propositura de medida cautelar

Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 de 17

 Superior Tribunal de Justia
preparatria de separao de corpos, cumulada com pedido de alimentos, bloqueio
e arrolamento de bens, em relao aos quais postula que seja determinada a
partilha, de acordo com os arts. 982 a 1.045, consoante previso do art. 1.121,
pargrafo nico, todos do CPC.
Assinala que o ru, com quase 30 (trinta) anos de formado (...)
mantm status compatvel com uma renda de mais de R$10.000,00 (dez mil
reais) (fl. 7), o que lhe permite pleitear alimentos considerada a imputao de
culpa ao marido pela ruptura da vida em comum no patamar de 40% sobre seus
rendimentos lquidos, os quais, segundo alega, giram em torno de R$ 9.000,00
(nove mil reais), o que consubstanciaria uma penso no valor de R$ 3.600,00 (trs
mil e seiscentos reais).
Juntou-se fl. 18 dos autos, cpia da deciso do i. Juiz que, em sede
da mencionada medida cautelar, deferiu, em parte, os pedidos, para: (i) fixar os
alimentos provisionais em R$1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), devidos a
partir da citao (fl. 18); (ii) determinar o bloqueio e o arrolamento dos bens do
casal; (iii) conceder a separao de corpos, sem, contudo, determinar a retirada do
ru da residncia do casal.
Audincia de conciliao (fls. 44/45): aps afirmao de ambas as
partes acerca da impossibilidade de reconciliao, aquiesceram a respeito da
partilha de bens, cabendo para cada cnjuge um patrimnio estimado no importe
de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Todavia, divergiram no tocante aos
alimentos, apresentando, ainda, o ru, impugnao ao valor da causa.
Contestao (fls. 46/55): V. A. P. DE A. alega, em sua pea de
defesa, que a autora manteve-se inerte, no obstante inequvoca sua cincia acerca
do nascimento do filho, fruto do aludido relacionamento extraconjugal, o que tem
segundo afirma o condo de afastar a imputao de culpa por quebra do dever
matrimonial de fidelidade. Tece consideraes acerca de suposta incapacidade da
autora de ter filhos, fato que teria sido por ela ocultado quando do casamento,
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 2 de 17
 Superior Tribunal de Justia
afirmando, dessa forma, que acaso sabedor o noivo, podia (sic) at mesmo
desistir do evento (fl. 49). Assevera que a autora, ao deixar seu emprego de
simples bancria, exigiu em contrapartida que o casamento fosse celebrado pelo
regime da comunho universal de bens, o que, conforme indica, poderia at
mesmo sugerir que o objetivo da autora era casar-se com um mdico bem
sucedido, assinalando, ainda, que os bens que hoje possui o contestante, quando
se casou j os possua.
Por fim, aduz que a autora no faz jus penso alimentcia, porque
receber a quantia lquida de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil
reais) referentes sua meao, alm de ostentar condies de trabalhar e prover
seu prprio sustento, contando, poca do ajuizamento da ao em 2002 com
a idade de 43 anos.
Impugnao contestao (fls. 73/78): sustenta a autora que o filho
do ru foi registrado somente com o nome da me e, por isso, a despeito dos
boatos, aceitou a negativa inicial do marido a respeito dos fatos. Contudo, relata
que, em julho de 2002, tomou conhecimento do adultrio praticado pelo
REQUERIDO, tendo sido informada que o mesmo havia se declarado pai da
referida criana. Afirma, portanto, que foi enganada pelo REQUERIDO (fl.
77), que primeiramente ocultou a conduta infiel para s depois confess-la. Ao
final, alega que no se deve confundir o direito partilha de bens com o direito a
alimentos, asseverando, outrossim, que no possui condies de prover o prprio
sustento.
Parecer do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais (fls.
210/217): o Parquet opinou favoravelmente ao pedido de penso alimentcia
somente enquanto no for efetivada a partilha.
Sentena (fls. 219/226): o pedido foi julgado parcialmente
procedente, para decretar a separao do casal, com a proclamao de grave
violao dos deveres matrimoniais pelo requerido e imputando-lhe a
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 3 de 17
 Superior Tribunal de Justia
responsabilidade pela separao (fl. 226), sem, contudo, conden-lo a prestar
alimentos ex-mulher, porque no fora comprovada a necessidade de C. M. DE
A., no entender do i. Juiz, por ser pessoa jovem, saudvel, com habilitao
profissional (...), apta a prover a prpria subsistncia (fl. 225).
Acrdo (fls. 294/297): acolhendo em parte o Parecer exarado pelo
MP/MG, que opinou no sentido de conceder alimentos recorrente consoante o
quantum fixado provisoriamente (fl. 283), sem estipulao de termo para a
obrigao, o TJ/MG negou provimento ao recurso adesivo do recorrido (fls.
237/239) e conferiu parcial provimento apelao interposta pela recorrente (fls.
232/235), para fixar a penso alimentcia a seu favor em R$ 1.500,00, pelo prazo
de dois anos, iniciando-se tal contagem a partir do trnsito em julgado desta
deciso, mantida a r. sentena quanto ao mais (fl. 296).
Embargos de declarao: interpostos por ambas as partes (fls.
300/306 e 309/311), foram rejeitados os do alimentante e acolhidos parcialmente
os da alimentanda, para declarar o direito ao recebimento dos alimentos no
perodo compreendido entre a sentena que cassou a penso e o acrdo que
a restabeleceu. Ante nova interposio de embargos de declarao pela recorrente
(fls. 321/329), o TJ/MG deles no conheceu, aplicando a multa prevista no art.
538, pargrafo nico, do CPC (fls. 344/345).
Recurso especial de V. A. P. DE A.: interposto s fls. 359/362.
Recurso especial de C. M. DE A. (fls. 365/389): interposto sob
alegao de ofensa aos arts. 535 do CPC; 1.566, III, 1.694 e 1.710 do CC/02; 22
da Lei n. 6.515/77, bem como de divergncia jurisprudencial.
No foram apresentadas contrarrazes por V. A. P. DE A., conforme
certido fl. 510.
Ante a negativa de seguimento de ambos os recursos especiais na
origem (fls. 512/515 e 516/518), subiram os autos principais por fora de agravo
de instrumento provido (Ag 890.459/MG interposto por C. M. DE A.).
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 4 de 17
 Superior Tribunal de Justia
Parecer do Ministrio Pblico Federal (fls. 557/561): da lavra do i.
Subprocurador-Geral da Repblica Fernando H. O. de Macedo, opinou-se pelo
no provimento do recurso especial.
o relatrio.

Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 5 de 17

 Superior Tribunal de Justia
RECURSO ESPECIAL N 1.025.769 - MG (2008/0017342-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : C M DE A
ADVOGADOS : JULIANA GONTIJO E OUTRO(S)
DANIEL JAMELEDIM FRANCO
RECORRIDO : V A P DE A
ADVOGADO : JOO VELU GALVO

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I. Da delimitao da lide e seus contornos fticos.

Alm das preliminares de ofensa ao art. 535 do CPC e de equivocada
aplicao de multa por fora da reiterada interposio de embargos de declarao,
as questes controvertidas trazidas a debate por meio deste recurso especial
cingem-se a definir:

a) a possibilidade de estipulao de alimentos transitrios com

prazo de durao de dois anos a contar do trnsito em julgado da deciso que os
fixou , na hiptese em que fora comprovada a necessidade da alimentanda, com
a peculiaridade de que fora proclamada, na sentena, a responsabilidade do
alimentante pela separao por grave violao do dever matrimonial de fidelidade,
ainda que tenha sido relevada em 2 grau de jurisdio a referida culpa, ante a
declarada presuno de perdo tcito;
b) a necessidade ou no de se fixar, na deciso concessiva de
alimentos, a correspondente atualizao monetria.

Para melhor elucidao da matria controvertida, seguem os

contornos fticos da lide estabelecidos pelo TJ/MG, com a percuciente
complementao ofertada pelo MP/MG:
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 6 de 17
 Superior Tribunal de Justia
1. Acrdo proferido em apelao:
A Apelante apontou na petio inicial a culpa do Apelado, sob a
acusao de, entre outras, infidelidade. No entanto, mesmo aps tal fato,
continuou a convivncia marital, em situao que, naturalmente, faz presumir
ter havido perdo tcito.
A propsito de tal presuno, vale a observao de Yussef Said Cahali,
lembrada na sentena no sentido de que, entre outras hipteses, ... se aps
cientificado da conduta desonrosa ou da violao dos deveres imputados ao
outro, o cnjuge conserva-se indefinidamente coabitando com o mesmo, sua
atitude induz a presuno de que a conduta ou o ato no fizeram insuportvel
a vida em comum. (Divrcio e Separao, RT, 9 ed., 2000, pg. 418).
Quanto ao mais, a Apelante pede fixao de alimentos para si, no
importe de R$ 3.600,00, correspondente a 40% da renda mnima mensal do
Apelado, que alega ser de R$ 9.000,00.
O fundamento da penso alimentcia, geralmente, so os filhos e a idade
avanada da mulher, bem como a impossibilidade de se manter. No caso dos
autos, da unio no houveram filhos e no se pode considerar uma mulher com
45 anos como idosa, muito menos que no possa trabalhar para se manter.
Quando do julgamento do agravo 338.525-9, onde a ora Apelante se
insurgia contra a reduo da verba alimentar provisria, a mesma foi mantida
em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), no vejo porque, no momento
alterar tal verba. Mesmo porque a Apelante jovem ainda, possuindo formao
superior, e, conforme consta dos autos, competente, pois logrou aprovao em
quatro concursos que prestou. Se no est trabalhando atualmente, pode faz-lo
no futuro, assim, os alimentos devem perdurar pelo tempo suficiente para que a
Apelante se recoloque no mercado de trabalho, pois, os mesmos no so
aposentadoria, nem seguro desemprego, alm do mais, com a partilha dos bens
ficar ela com patrimnio razovel, pelo que, o prazo de dois anos para o
pensionamento se me afigura razovel (fls. 295/296).

2. Acrdo que julgou os embargos de declarao:

(...) na considerao de que os valores fixados a ttulo de alimentos
podem ser revistos a qualquer tempo, a deciso embargada entendeu por bem
no fixar qualquer ndice de correo monetria. Desta forma, se a Embargante
entende que devida a correo monetria, deve fazer uso do recurso prprio
para reformar a deciso neste sentido, o que no se faz atravs de embargos
declaratrios, que mero pedido de esclarecimento (fl. 316).

3. Parecer do MP/MG, em segundo grau de jurisdio:

Relativamente aos alimentos rogados estamos que a apelante principal
faz jus ao pensionamento, porquanto mesmo detendo habilitao profissional
no exerce atividade remunerada, tanto que fruiu a penso alimentcia
provisional estimada. Ademais, cumpre salientar que os cnjuges, precedendo
a ruptura do liame, so pessoas que, tendo vivido durante algum tempo de
modo a constiturem uma unidade econmica (o casal), ostentaram, na
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 7 de 17
 Superior Tribunal de Justia
constncia da relao conjugal, necessidades e possibilidades indissociveis. A
aferio da carncia do consorte necessitado demanda, neste particular, a
anlise do status frudo poca do matrimnio inclume. Antunes Varela , em
excelente pgina, pontifica a respeito que se deve considerar necessitado o
cnjuge que no pode garantir o padro de vida correspondente ao seu
estado social, com os rendimentos dos seus bens ou com os proventos da
atividade que esteja em condies de exercer (Dissoluo da sociedade
conjugal, n. 47, p. 111).
No contexto, se nos afigura que a assistncia material deve ser
restabelecida consoante o quantum fixado provisoriamente, anotando-se que o
recebimento de bens em face da extino do regime matrimonial sequer
efetivou-se concretamente e tambm no se pode dizer que o patrimnio
dividido gere frutos capazes de garantir a sobrevivncia condigna da esposa
vilipendiada pela infidelidade marital (fls. 282/283 com destaques no
original).

A matria, como se v, prescinde de qualquer revolvimento do

substrato probatrio do processo, que se circunscreve aos limites estabelecidos no
acrdo recorrido, cujas concluses erigem-se sobre os seguintes vrtices fticos:
i) a alimentanda foi casada com o alimentante por aproximadamente
20 anos, perodo em que no trabalhou, porque o marido mdico assumiu a
figura de provedor do lar;
ii) houve a decretao da separao judicial litigiosa com imputao
de culpa ao alimentante, em razo de confessada quebra do dever de fidelidade,
sendo que do relacionamento extraconjugal resultou o nascimento de um filho, em
1999;
iii) o TJ/MG relevou a responsabilidade do cnjuge pela separao,
porque, ao tempo em que a mulher teria tido conhecimento da conduta reprovvel
do marido, no cessou a coabitao, circunstncia que atrairia a presuno de
perdo tcito;
iv) os alimentos foram arbitrados no valor de R$ 1.500,00 (um mil e
quinhentos reais), com prazo certo de durao, sendo devidos por dois anos
contados do trnsito em julgado da deciso que os fixou, sem adoo de qualquer
ndice de atualizao monetria;
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 8 de 17
 Superior Tribunal de Justia
v) para chegar a essa concluso, o TJ/MG considerou a idade da
mulher que atualmente conta com 51 anos , sua aptido para o trabalho e o
patrimnio que far jus quando da finalizao da partilha, cuja meao perfaria o
valor estimado de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais).
Estabelecidos os contornos da lide, passa-se ao julgamento.

II. Dos embargos de declarao.

O acrdo recorrido no padece de omisses, contradies ou
obscuridades, porquanto contm anlise e concluso fundamentada concernente
s alegaes da recorrente, considerando-se que o vcio configurado quando do
julgamento da apelao foi devidamente sanado. Decidir em desacordo com a tese
defendida pela parte no consiste em violao do art. 535 do CPC.

III. Da aplicao de multa.

A multa imposta recorrente em face da reiterada interposio de
embargos de declarao deve ser afastada, porquanto neste aspecto destoou o
acrdo impugnado do quanto vem decidindo esta Corte, que possibilita, para fins
de prequestionamento, o manejo dos embargos declaratrios, que, nessas
hipteses, no apresentam intuito protelatrio, a teor da Smula 98 do STJ.

IV. Da presuno de perdo tcito (art. 1.566, III, do CC/02).

A presuno de perdo tcito declarada pelo TJ/MG constitui
circunstncia ftica imutvel nesta via especial a teor da Smula 7/STJ, o que
obsta a abertura do debate a respeito da tese da recorrente que sustenta a
relevncia da culpa na fixao dos alimentos entre ex-cnjuges.

V. Da fixao a tempo certo da obrigao de prestar alimentos

entre ex-cnjuges (art. 1.694 do CC/02 e dissdio jurisprudencial).
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 9 de 17
 Superior Tribunal de Justia
Aduz a recorrente que, ao predeterminar em dois anos o trmino da
penso fixada no valor de R$ 1.500,00, a despeito de comprovada a necessidade
de alimentos, o TJ/MG dissentiu da jurisprudncia de diversos tribunais,
ressaltando que a vida, a sade e a dignidade da Recorrente esto frente de um
possvel prejuzo meramente econmico do Recorrido (fl. 379).
O devido prequestionamento da matria jurdica versada no art. 1.694
do CC/02, bem como a demonstrao da similitude ftica entre o acrdo
impugnado e aqueles alados a paradigma abrem a via do debate nesta seara
especial, do que se passa, portanto, anlise do mrito recursal, no que concerne
fixao de alimentos por tempo certo.
Consideradas as circunstncias nsitas a cada processo, perquire-se a
respeito da viabilidade de prestao do encargo, em consonncia com as diretrizes
estabelecidas nos arts. 1.694 a 1.710 do CC/02, sob a tnica dos princpios da
preservao da dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da CF) e da solidariedade
social e familiar (art. 3, I, da CF), que fundamentam a obrigao de prestar
alimentos.
Na lio de Arnaldo Rizzardo:

(...) as razes que obrigam a sustentar os parentes e a dar assistncia ao

cnjuge transcendem as simples justificativas morais ou sentimentais,
encontrando sua origem no prprio direito natural. inata na pessoa a
inclinao para prestar ajuda, socorrer e dar sustento. Desponta do ntimo das
conscincias esta inclinao, como que fazendo parte de nossa natureza, e se
manifestando como uma necessidade. Todo ser humano sente
espontaneamente a tendncia no s em procriar, mas sobretudo em produzir,
amparar, desenvolver, proteger, dar e doar-se (Direito de Famlia: Lei n
10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 731.)

Uma das caractersticas da obrigao alimentar, segundo o

supracitado autor, a sua condicionalidade permanncia dos pressupostos que
determinam a prestao , ao entendimento de que para subsistir a penso
preciso que os pressupostos do nascimento da penso se mantenham (op. cit. p.
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 0 de 17
 Superior Tribunal de Justia
750). Dessa forma, com a condicionalidade , nas palavras do professor Orlando
Gomes, a relao obrigacional surge e perdura s e enquanto se verifiquem e
permaneam concretamente aqueles determinados elementos de fato previstos em
lei (apud Arnaldo Rizzardo. op. cit.).
Nesse contexto, consideram-se pressupostos para a obrigao
alimentar aqueles contidos nos arts. 1.694 e 1.695 do CC/02, a constituir a
seguinte trilogia que deve estar presente em todas as imposies de prestar
alimentos:
i) o vnculo de parentesco, ou conjugal ou convivencial;
ii) a necessidade e a incapacidade ainda que temporria do
alimentando de sustentar a si prprio;
iii) a possibilidade do alimentante de fornecer alimentos.
A adoo dos pressupostos legais aparentemente objetivos, porm,
no simples, porquanto sobre eles devem incidir elementos diversos, revestidos
de elevada carga subjetiva, que informaro os limites da recproca obrigao
alimentar, tendo como pano de fundo uma sociedade hipercomplexa e
multifacetada.
O fosso ftico entre a lei e o contexto social impe ao Juiz detida
anlise de todas as circunstncias e peculiaridades passveis de visualizao ou de
inteleco no processo, para a imprescindvel aferio da capacidade ou no de
autossustento daquele que pleiteia alimentos.
Dessa forma, possvel, ou talvez, at necessrio, a definio de
balizas conjunturais indicativas, que venham a dimensionar a presuno de
necessidade ou, ainda, que sinalizem no sentido de sua inexistncia.
Habitualmente, so trs as possveis situaes decorrentes de uma
dissoluo de sociedade conjugal ou convivencial, em cuja constncia houve
acordo entre os ento cnjuges ou companheiros para que um deles se abstivesse
da prtica de atividade profissional remunerada ou, ainda, que no buscasse
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 1 de 17
 Superior Tribunal de Justia
ascender profissionalmente, em virtude de atribuies com a administrao do lar
e de comodidades oferecidas pelo parceiro:
i) o ex-cnjuge ou ex-companheiro, em decorrncia da combinao
idade avanada e deficincia ou desatualizao na formao educacional, no
consegue ou apresenta enorme dificuldade para se estabelecer profissionalmente
com remunerao digna;
ii) o ex-cnjuge ou ex-companheiro, em idade compatvel com a
insero no mercado de trabalho, possui formao profissional que lhe garanta, ao
menos em tese, colocao profissional que assegure a manuteno de seu status
quo ante;
iii) o ex-cnjuge ou ex-companheiro, apesar de ter idade compatvel
com o exerccio de atividade remunerada, carece de instruo para uma colocao
profissional condigna.
A primeira situao descrita torna evidente a presuno da
necessidade de alimentos . Isso porque inadmissvel que, aps um longo perodo
de relao conjugal ou convivencial, seja o ex-cnjuge ou ex-companheiro
tangido ao mercado de trabalho, sem qualificao tcnica ou experincia que o
habilite a conseguir emprego condizente com a realidade social a que esteve
habituado na constncia do casamento ou da unio estvel.
Note-se que a realidade social vivenciada pelo casal ao longo da
unio deve ser fator determinante para a fixao dos alimentos. Mesmo que se
mitigue a regra inserta no art. 1.694 do CC/02 de que os alimentos devidos, na
hiptese, so aqueles compatveis com a condio social do alimentando no se
pode albergar o descompasso entre o status usufrudo na constncia do casamento
ou unio estvel e aquele que ser propiciado pela atividade laborativa possvel.
Em sentido inverso encontra-se a segunda situao hipottica traada,
porquanto nela a presuno opera contra o ex-cnjuge ou ex-companheiro que
pleiteia alimentos, por apresentar condies, idade e formao profissional
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 2 de 17
 Superior Tribunal de Justia
adequadas a uma provvel insero no mercado de trabalho.
Por fim, quanto ltima situao hipoteticamente delineada, a
confirmao da necessidade demandaria maior labor e cuidadosa anlise do Juiz
para evitar o esvaziamento do texto legal. No se pode tolerar, alm do mais, a
estipulao da perpetuidade da obrigao de prestar alimentos ao ex-parceiro que,
por motivos imponderveis, mantm-se inerte quanto sua colocao
profissional, ainda que se encontre em idade laboral ativa e em plenas condies
de desenvolver atividade que lhe propicie autossustento.
Sob a perspectiva inescapvel da boa-f objetiva que deve guiar
no apenas as relaes negociais, como tambm as decorrentes de vnculos
familiares, como um manancial criador de deveres jurdicos entre os envolvidos,
de cunho preponderantemente tico e coerente, como o so os deveres de
lealdade, de respeito, de honestidade e de cooperao , munir-se- o Juiz de um
verdadeiro radar a fim de auscultar a melhor forma de concretizao das
expectativas e esperanas recprocas outrora criadas, nascidas do afeto e nutridas
pela confiana.
Volvendo s especificidades do processo em julgamento,
considerados os parmetros at aqui estabelecidos, chega-se inegvel concluso
de que a situao descrita no acrdo impugnado alinha-se hiptese na qual o
ex-cnjuge alimentando apresenta condies, idade e formao profissional
compatveis com uma provvel insero no mercado de trabalho.
Sob essa tica, a fixao de alimentos por tempo certo se reveste de
fato motivador para que o alimentando busque, efetivamente, sua colocao
profissional, sem que permanea, indefinidamente, sombra do conforto material
propiciado pelos alimentos que lhe so prestados pelo ex-cnjuge, outrora
provedor do lar.
nesse contexto sempre guardadas as peculiaridades de cada
hiptese especfica que os alimentos transitrios surgem como soluo possvel,
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 3 de 17
 Superior Tribunal de Justia
isto , como alavanca temporria para o aprumo socioeconmico do cnjuge
necessitado, impedindo, dessa forma, a estipulao de penses vitalcias
destitudas de amparo legal.

V.1. Dos alimentos transitrios.

Alimentos transitrios de cunho resolvel so obrigaes
prestadas, notadamente entre ex-cnjuges ou ex-companheiros, em que o credor,
em regra pessoa com idade apta para o trabalho, necessita dos alimentos apenas
at que se projete determinada condio ou ao final de certo tempo, circunstncia
em que a obrigao extinguir-se- automaticamente.
A ruptura da sociedade conjugal ou convivencial tem o condo de
provocar mudanas na vida dos parceiros. Trao marcante dessa nova realidade
consiste em inusitado e abrupto desequilbrio econmico, claramente perceptvel
em relao ao padro de vida que os cnjuges ou companheiros ostentavam ao
longo da unio. Esse desequilbrio encontra-se fortemente entrelaado a um
componente que avilta a dignidade da pessoa humana o estado de necessidade
do ex-cnjuge ou ex-companheiro degradado e depreciado como pessoa em razo
de sua vulnerabilidade social e econmica a exigir do Direito uma forma
eficiente de tutela.
Normalmente, os alimentos transitrios so devidos at o momento
em que o alimentando atinja sua autonomia financeira, por meio de exerccio
tendente a superar os usuais percalos decorrentes da transio invariavelmente
penosa da dissoluo da unio conjugal ou convivencial, emancipando-se da
tutela do ex-cnjuge ou ex-companheiro outrora provedor, o qual ser ento
liberado da obrigao.
Esse carter de transitoriedade conferido obrigao alimentar
evidentemente s pode ser empregado em circunstncias nas quais seja possvel
divisar, ainda que ao longe, o advento da capacidade de autossustento do credor
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 4 de 17
 Superior Tribunal de Justia
de alimentos, a permitir, dessa forma, a exonerao do alimentante.
Por isso mesmo, no cabem alimentos transitrios quando as
necessidades so permanentes, em decorrncia da incapacidade perene do
alimentando de promover seu prprio sustento. A transitoriedade dos alimentos,
nessas circunstncias, no pode prevalecer em face da perenidade do estado de
necessidade em que inserto o credor de alimentos.
Em obra especfica acerca dos alimentos transitrios , Marco Aurlio
Gastaldi Buzzi, ao defender que cabe ao Juiz estabelecer um consenso entre as
partes para fins de fixao do termo final da obrigao alimentcia entre
ex-cnjuges ou ex-companheiros, tece as seguintes consideraes:
Sendo os alimentos oriundos do casamento e da convivncia estvel
decorrncia da affectio societatis , dela provm um dever de ordem
humanitria, restando evidente que aquele dotado de recursos haver de prover
ao ex-cnjuge ou ex-companheiro necessitado, ainda que este tenha condies
para trabalhar, todavia, haver de se estabelecer um dado lapso de tempo,
determinado, um prazo certo para a vigncia deste provisionamento, de modo
que o alimentando, saudvel e apto, ingresse no mercado de trabalho e obtenha
seu prprio sustento. (Alimentos transitrios: uma obrigao por tempo certo.
Curitiba: Juru, 2003. p. 147).

Srgio Gischkow Pereira assinala, a respeito dos alimentos

transitrios no Direito Estrangeiro, que a lei de 20.02.1986, na Alemanha, deu
aos juzes competncia para, em matria alimentar, levar em conta as
circunstncias particulares de cada caso, ponderando sempre a equidade da
situao isolada, observando, portanto, que:
factvel inspirar-se no direito alemo cujos parmetros no so vedados
por nosso sistema jurdico, no havendo por que no conceder alimentos
apenas durante certo tempo, enquanto, entre outras hipteses, um emprego no
possa ser conseguido, (...) pois deve o magistrado considerar as circunstncias
especficas de cada caso, sendo perigoso o dogmatismo em sede do direito de
famlia, pelos valores humanos, sociais e pessoais nele envolvidos. (apud
Marco Aurlio Gastaldi Buzzi. op. cit. p. 133/134).

De outra parte, o estabelecimento de alimentos transitrios entre

ex-cnjuges ou ex-companheiros, como observado, deve estar consentneo com a
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 5 de 17
 Superior Tribunal de Justia
possibilidade do alimentando de passar a suprir pelas suas prprias foras seu
sustento, quer porque seja pessoa com idade e capacidade para o trabalho, quer
porque seja detentor de renda mensal suficiente a dispensar a penso alimentcia.
Dessa forma, por ser a recorrente, na dico do acrdo impugnado,
pessoa jovem ainda, com formao superior e consequentemente habilitada para
o trabalho, deve ser mantido o carter transitrio conferido pelo TJ/MG
obrigao alimentcia, pelo perodo de dois anos a partir do trnsito em julgado da
deciso que a fixou.

VI. Da atualizao monetria dos alimentos (arts. 22 da Lei

6.515/77 e 1.710 do CC/02; dissdio jurisprudencial).
A recorrente afirma que houve recusa, por parte do TJ/MG, em
determinar a forma de atualizao monetria da penso alimentcia, fixada em seu
favor no patamar de R$ 1.500,00. Pugna, desse modo, pelo reajuste das parcelas
conforme variao do salrio mnimo.
A configurao do prequestionamento da matria jurdica versada nos
arts. 22 da Lei 6.515/77 e 1.710 do CC/02, bem assim da similitude ftica entre o
acrdo impugnado e aqueles alados a paradigma, permitem a abertura da
discusso acerca da necessidade ou no de que conste da deciso que fixou os
alimentos o ndice de atualizao monetria.
Ressalte-se que, ao ser instado a se manifestar a respeito do tema, em
sede de embargos de declarao, o TJ/MG fez aluso ao manejo de possvel pleito
revisional, deixando, por conseguinte, de prever qualquer ndice de recomposio
no que comporta aos alimentos arbitrados.
Todavia, o STJ firmou entendimento no sentido de no permitir a
utilizao da via revisional quando o que se pretende unicamente a atualizao
monetria do valor arbitrado a ttulo de alimentos. A razo dessa orientao busca
resguardar a finalidade do art. 1.710 do CC/02, que justamente a de evitar o
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 6 de 17
 Superior Tribunal de Justia
ajuizamento de peridicas revises destinadas to somente a recompor o valor da
prestao alimentcia, em decorrncia da desvalorizao da moeda e consequente
perda do poder aquisitivo do valor outrora fixado. Entendimento em sentido
contrrio provocaria uma avalanche de revisionais destitudas de amparo legal
ajuizadas perante o Poder Judicirio.
Nesse sentido, o REsp 1.046.296/MG, de minha relatoria, DJ
8.6.2009; e o REsp 611.833/MG, Rel. Min. Fernando Gonalves, DJ 16.2.2004.
Assim, por ser a correo monetria mera recomposio do valor real
da penso alimentcia, de rigor que conste, expressamente, da deciso
concessiva de alimentos, o ndice de atualizao monetria.
Por fim, registre-se que pacfica a jurisprudncia do STJ no sentido
de que a penso alimentcia pode ser fixada em nmero de salrios mnimos,
invocando-se, como precedentes exemplificativos desse entendimento, os mesmos
j acima declinados.
Em concluso, com vistas a atualizar as prestaes alimentcias,
adotar-se- como ndice oficial o salrio mnimo vigente poca em que fixados
os alimentos pelo TJ/MG, em sede de agravo de instrumento, isto , em setembro
de 2003. Dessa forma, considerando a prestao de R$ 1.500,00 e aplicando-se,
como divisor, o valor de R$ 240,00, relativo ao salrio mnimo ento vigente,
tem-se como resultado o quantitativo equivalente a 6,25 salrios mnimos.

Forte nessas razes, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso

especial, para mantendo o carter transitrio dos alimentos fixados em favor de
C. M. DE A., devidos pelo prazo de dois anos a contar do trnsito em julgado da
deciso que os concedeu , estipular sua atualizao monetria em nmero de
salrios mnimos, nos termos acima definidos.
Mantidos os nus sucumbenciais conforme estabelecido no acrdo
recorrido.
Documento: 10781318 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 7 de 17