Grupo Focal Na Prisão
Grupo Focal Na Prisão
Grupo Focal Na Prisão
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2013 e 2014, pelo projeto Pensando o Direito1, a pesquisa “Dar à Luz na
Sombra - condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da
maternidade por mulheres em situação de prisão” (DLNS).2 Captamos
as percepções das personagens do campo da justiça criminal, e anali-
samos as práticas e discursos voltados ao exercício da maternidade no
espaço prisional com o objetivo final de apresentar propostas concre-
tas, de cunho legislativo ou na seara das políticas públicas, visando a
equacionar os principais problemas encontrados em campo, ou ainda,
sugerir a replicação de experiências exitosas em nível nacional.
Enquanto esboçávamos o projeto, pensávamos em estratégias
metodológicas e logísticas para compreender a problemática da ma-
ternidade na prisão, considerando o quadro complexo de persona-
gens (presas, crianças, agentes, diretoras, gestoras e operadores do
sistema de justiça) e instituições (judiciário, defensoria, secretaria de
administração penitenciaria, diretoria da unidade, abrigo etc.) que
compõe o sistema de justiça criminal feminino. Precisávamos con-
templar as diversas opiniões e reflexões acerca do tema, garantindo
voz a diferentes personagens que lidam cotidianamente com a pro-
blemática trabalhada a partir de diversas perspectivas.
Frente a essa pluralidade de vozes, tínhamos uma certeza: de que
precisaríamos desenhar estratégias para conseguir ouvir a experiência
das mulheres presas, bem como suas propostas para enfrentar os pro-
blemas concretos que vivenciavam – por isso, tivemos o cuidado de ga-
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pretendíamos, uma vez que a entrada de pesquisadores e agentes
externos necessita de autorizações das secretarias estaduais respon-
sáveis pelas prisões, bem como dos comitês de ética em pesquisa,
dificilmente concedidas em um curto período de tempo - tema que
trataremos adiante. Nesse momento, a única certeza que tínhamos
era de nosso acesso à Cadeia Pública de Franca, onde a coordenado-
ra da pesquisa realizava atividades de extensão e já tinha negociado
a entrada diretamente com o delegado responsável6.
O desafio que se apresentava naquele momento era de como
escutar as mulheres, reunindo o máximo de experiências sobre um
tema complexo e delicado em um local de liberdade cerceada. O uso
de entrevistas seguia como uma opção, porém, a partir das entre-
vistas realizadas até então e da leitura da legislação nacional e in-
ternacional que trata do aprisionamento feminino7, achamos que
somente a conversa individual poderia limitar a potência do debate
e da discussão conjunta de temas e propostas, e que gostaríamos de
testar algumas propostas que vínhamos construindo.
Foi assim então, pensando na maneira de otimizar as nossas visitas
à Cadeia Pública, de modo a garantir a presença e participação de todas
as interessadas, bem como o debate de temas e propostas, que optamos
pelo uso do método do grupo focal conjugado com algumas entrevistas
6 O fato das cadeias públicas do Estado de São Paulo estarem sob a tutela da Secre-
taria de Segurança Pública (SSP), permitiu-nos a comunicação direta e rápida com o
diretor da unidade pra realização da pesquisa.
7 No âmbito internacional temos as Regras de Bangkok das Organização das Nações
Unidas (ONU) que estabelece regras mínimas para tratamento da mulher presa e me-
didas não privativas de liberdade para as mulheres em conflito com a lei. Já no âmbito
nacional, além da Constituição Federal, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84) e do
Estatuto da Criança e Adolescente (Lei n° 8.069/90) – que disciplinam a matéria, houve
na última década quatro importantes modificações legislativas no sentido de garantir
o exercício de maternidade pela reclusa: a Lei nº 13.257/16 (Estatuto da primeira infân-
cia que facilita e amplia o acesso ao direito à prisão domiciliar; a Lei nº 12.962/14, que
regula sobre o convívio entre pais em situação de prisão e suas filhas e filhos, a Lei nº
12.403/11, que estendeu às gestantes e mães o direito à prisão domiciliar em substitui-
ção à prisão preventiva, e, por fim, a Lei nº 11.942/09, que assegura às mães reclusas e
aos recém-nascidos condições mínimas de assistência exercício da maternidade.
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uso de um desses métodos, o grupo focal, explorando as possibili-
dades dessa técnica como uma das estratégias de investigação em-
pírica em direito. Tecemos ainda algumas considerações específicas
acerca dos cuidados éticos e metodológicos de pesquisar o campo
prisional. Mostraremos quais foram nossas negociações, escolhas e
estratégias em campo para conseguir cumprir o principal objetivo da
pesquisa, qual seja, de conhecer as perspectivas das mulheres em
situação de prisão e suas opiniões acerca das políticas penitenciárias
a elas dirigidas. Procuramos identificar necessidades, detectar entra-
ves e elaborar estratégias, juntamente com as presas, para exercício
de seus direitos maternos-reprodutivos.
Iniciamos o capítulo com aportes teóricos sobre grupo focal, com
o intuito de conceituar brevemente a técnica, abordando, também, re-
flexões sobre seu planejamento e execução. Em seguida, tratamos da
preparação do campo e da entrada em espaços prisionais, e elencamos
alguns dos resultados da experiência com o uso do grupo focal no âm-
bito da pesquisa Dar à Luz na Sombra. Por fim, fechamos o texto refle-
tindo acerca das vantagens, desafios e limites da técnica em questão.
Na redação do relatório da pesquisa, assim como do presente tex-
to, utilizamos as formas gerais e plurais no gênero feminino. Essa, para
além de uma escolha estilística, marca uma posição política, que vai
ao encontro do sentido e pressuposto que norteiam a presente pes-
quisa: questionar o feminino como exceção, como segundo plano. A
pesquisa em questão é uma “pesquisa feminina”. Ela foi realizada por
uma equipe de sete pesquisadoras, todas mulheres. As entrevistadas
e participantes são, em sua quase totalidade, mulheres. Nosso cam-
po é o sistema prisional feminino. A política pública que se pretende
formular é direcionada à mulher. E o exercício da maternidade é um
tema, por excelência do feminino, logo não teria sentido a escolha por
masculinizar a autoria do texto e nossas personagens.
Além disso, julgamos que uma obra de metodologia deva con-
templar a diversidade de gênero e de linguagens. Logo, nada melhor
do que um texto escrito por duas autoras, em um contexto de uma
10 Gatti nos apresenta um capítulo com sete experiências de grupo focal em diversas
áreas de pesquisa em Ciências sociais e humanas.
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ticipante e as entrevistas em profundidade. Para propor o grupo focal
são necessárias, ao menos, duas figuras: a moderadora (ou facilitadora)
e a observadora (documentadora/ sistematizadora). O papel da primeira
é guiar a discussão, não a partir de questões específicas aos participan-
tes do grupo, mas estimulando que interajam entre si. Já a segunda re-
gistra as interações do grupo, tanto do ponto de vista discursivo (o que se
fala), quanto das corporalidades (como, quem e de onde se fala).
Trata-se de estratégia capaz de abarcar a construção de percep-
ções, atitudes e representações sociais de grupos humanos (Gondim,
2003, p.151). Canales y Peinado (1995, p. 289) conceituam grupo de
discusión como “a técnica de pesquisa social que (como a entrevista
aberta ou em profundidade e as histórias de vida) trabalha com a fala
(...). Em toda fala se articula a ordem social e a subjetividade”.
O grupo focal abre espaço para a expressão da subjetividade, para
falas situadas em contextos sociais específicos, e produzidas em diálogo
com outras subjetividades. É nesse sentido que Callejo Callego (2002,
p. 418) o identifica como uma técnica que “reintegra o grupo além da
individualização”, na qual os “participantes reconstroem o grupo social
a que pertencem.” Logo, a especificidade deste método está na aposta
na interação do grupo para chegar a lugares, temas e discussões que di-
ficilmente seriam fomentados individualmente, fora do grupo.
As reflexões de Sue Wilkinson (2004) sobre grupo focal foi um dos
principais alicerces teóricos para pensarmos de que forma utilizaríamos
tal técnica. Para a autora (Wilkinson, 2004, p. 194), essa técnica funciona
como uma “janela” na vida das participantes, e a partir dela pode-se
aproximar dos seus pensamentos, crenças e opiniões, além de possibi-
litar, por meio da observação direta, identificar a forma de constituição
de determinado contexto social, e produzir insights inesperados.
De acordo com Wilkinson, o grupo focal pode trazer diferentes
perspectivas em relação à entrevista individual, porque permite a
produção de dados com um maior número de participantes. Além
disso, por ser mais próximo da conversação diária, torna o ambiente
mais propício para insights inesperados e diminui o clima de des-
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nossa proposta; segundo, porque há excelentes autoras – algumas
citadas aqui – que já percorreram esse caminho. No entanto, apre-
sentaremos, a seguir, uma brevíssima síntese dos principais passos
do planejamento de um grupo focal, apenas para situar a leitora. A
obra da brasileira Bernadete Gatti “Grupo focal na pesquisa em Ci-
ências sociais e humanas” (2005) nos parece um ótimo início para
quem pretende se familiarizar com a técnica. Recomendamos, espe-
cialmente, o segundo capítulo no qual a autora aborda alguns temas
para planejamento e execução do grupo focal. Vejamos.
1. Composição do grupo
Gatti nos lembra que a composição e organização dos grupos que for-
marão o grupo focal devem ser orientadas pelos objetivos da pesquisa,
e os grupos formados com algumas características homogêneas mas
com certa variação, de modo que tenham posições diferentes sobre o
tema. “Por homogeneidade entende-se algumas características comuns
aos participantes que interessem ao estudo do problema” (Gatti, 2005,
p. 18), tais como gênero, profissão, idade, condições socioeconômicas
etc. Já a escolha das variáveis na composição do grupo devem ser pen-
sadas a partir do referencial teórico, problema e objetivo da pesquisa.
Então, por exemplo, se queremos pesquisar a mudança no judi-
ciário nas últimas décadas a partir da opinião das magistradas pau-
listas, podemos compor grupos focais compostos por juízas em São
Paulo (sendo gênero, profissão e estado características homogêneas),
com variação de tempo de carreira. Poderíamos organizar subgrupos,
a partir da temática e esfera de atuação (estadual ou federal), agru-
pando-os por similaridades (grupo com magistradas das Varas de Vio-
lência Doméstica Familiar) ou por contraste (juízas de diversas áreas e
esferas reunidas), a depender do recorte analítico da pesquisa.
* * *
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Depois ou mesmo durante a realização do campo de pesquisa, se-
gue-se a análise dos dados12. Devido à profundidade e complexidade
do tema, deixaremos para outro momento a discussão teórica acerca
dos métodos de análise. A seguir, damos início à segunda parte do
capítulo, na qual passamos a refletir sobre aplicação da técnica no
contexto da pesquisa Dar à luz na sombra, e apresentamos alguns
dos resultados a partir dos dados obtidos com o grupo focal.
14 Como no caso do estado de São Paulo que condiciona a entrada em suas unidades à
aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da SAP (Secretaria de Assuntos Penitenciários)
criado em 2010. Para mais informações: http://www.sap.sp.gov.br/comite-etica.html.
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2. Relação com o pessoal penitenciário
Uma semana antes do campo na Cadeia Pública de Franca, visitamos
o estabelecimento para apresentar a pesquisa ao delegado, pedir a
autorização para a sua realização, e entrevistá-lo. Ele, que já nos co-
nhecia de trabalhos anteriores, nos apresentou ao chefe de seguran-
ça e autorizou nossa entrada sem qualquer empecilho15.
Uma boa relação com o pessoal penitenciário é essencial para
entrarmos e permanecermos no campo de pesquisa, e uma vez lá,
consigamos alcançar pessoas e espaços significativos. Vale mencio-
nar que a privacidade e não interferência do pessoal penitenciário
é condição ideal para pesquisas com pessoas institucionalizadas e
somente em Franca tivemos a oportunidade de, em grupo e indi-
vidualmente, interagir com as mulheres presas sem a presença de
agentes estatais16. Na maioria dos estados17 que visitamos, não nos
foi permitido entrevistar as presas reservadamente.
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de Deus, conta como o empréstimo de um gravador ou ajuda na “festa
das crianças” foram importantes para responder às expectativas das
moradoras da comunidade em relação à sua presença ali. Na Cadeia
de Franca, a consulta da situação processual das presas acompanha-
da de alguns esclarecimentos jurídicos consistiu na nossa moeda de
troca, servindo de estímulo para a participação na pesquisa.
19 O que foi feito, por meio de uma lista de e-mail, com todas as participantes.
20 Vale mencionar aqui reflexão semelhante feita por Janaína Penalva. Em suas pala-
vras: “o estudo em estabelecimentos prisionais ou de internamento sempre levanta
dúvidas quanto à capacidade de consentimento, principalmente nos casos de pacien-
tes psiquiátricos. Esta não deve ser uma questão ou impeditivo para a pesquisa, na
medida em que a proteção dos dados e responsabilidade dos mesmos é transferida
também ao pesquisador. De toda forma, em todos os estabelecimentos pesquisados
foi necessário – e é importante que seja – o esclarecimento dos objetivos daquela ob-
servação, o problema de pesquisa, as formas como serão usados os resultados. Esse
compromisso ético se expressa também no compartilhamento dos resultados com os
participantes ao final da pesquisa” (Penalva, 2013, p. 78).
21 Formada pelas autoras desse artigo e as assistentes de pesquisa: Carolina Costa,
Davílis Maza, Fernanda Ozilak, Naíla Chaves Franklin e Paula Alves.
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com um carcereiro que abriu os portões da prisão, bolsas e objetos
pessoais, além de um documento de identidade (sem o qual não é
possível entrar em estabelecimentos prisionais). Na chegada, uma
das presas nos introduziu ao espaço prisional, gritando para as de-
mais que era da “universidade”. Cabe ressaltar que o papel de re-
ceber as visitantes e apresentá-las às outras detentas, e mesmo de
receber compras e dar recados, é exercido por uma das presas deno-
minada “faxina”, que ocupa, reconhecidamente pela direção e pelas
outras presas, a posição de liderança naquele espaço, e com a qual
combinamos nossa entrada.
Começamos as atividades convidando as presas para se reuni-
rem conosco no pátio, com a finalidade de participarem da pesqui-
sa. Elas reconheceram o grupo de pesquisadoras e se lembraram do
convite feito na semana anterior. Algumas rapidamente se sentaram
próximas a nós, formando um círculo. Outras demoraram mais para
chegar. A maioria se aproximava e perguntava se “víamos processo”,
cobrando a promessa, feita na semana anterior, de visualização de
suas situações processuais.
Após a explicação dos objetivos do projeto algumas se desinte-
ressaram pela atividade e rumaram para suas celas, descontentes.
Como forma de promover a participação e ajudar as mulheres, a
equipe se comprometeu, novamente, a verificar a situação jurídica
daquelas que não haviam pedido na semana anterior e dar uma de-
volutiva no dia seguinte.
Mesmo assim e ainda que na visita anterior as presas tenham de-
monstrado interesse e vontade de participar dos debates, nos dois
dias do grupo focal foi muito trabalhoso reuni-las no pátio. Para tan-
to, tivemos que passar de cela em cela, pedir ajuda para as mais par-
ticipativas, e, inclusive (por sugestão das próprias presas), gritar no
pátio fazendo o convite.
A dificuldade e resistência foram maiores no segundo dia de tra-
balho. Percebendo o descontentamento e o desânimo da equipe de
pesquisa, ao chegarmos ao pátio e nos reunirmos em roda, uma de-
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tir a partir dos casos da Maria, Júlia, Joana, Isadora e Rafaela possi-
bilitou que elas se identificassem com essas personagens, chegando
algumas a contar suas histórias a partir dos casos, e, ao mesmo tem-
po, permitiu que o grupo refletisse acerca dos problemas coletiva-
mente, se descolando, assim, das histórias individuais.
Um dos casos tratava de uma mulher que tinha de escolher en-
tre ser transferida para a capital (espaço materno-infantil) para poder
amamentar o bebê ou permanecer no mesmo estabelecimento e en-
tregar, após o nascimento, a criança à família. Ao ouvir o caso uma de-
las gritou imediatamente “tem que pensar primeiramente no filho”, e a
outra emendou “tem que ter direito à licença maternidade – como ela
vai poder ter neném na cadeia?”. Uma terceira disse preferir ficar com
o filho seis meses, mesmo sabendo da dor da separação “você pega
amor, né?”. A outra disse “ai, filha, prefiro assim do que ficar longe do
meu filho num momento tão importante”. Outra já discordou: “sou con-
tra ficar! A criança vai sofrer e a mãe vai sofrer. Todo mundo sofrerá”.
Outra, que foi mãe na prisão e teve de entregar o filho para a própria
mãe assim que nasceu, disse: “o Governo deveria fazer assim – deixar
todo mundo ir pra casa”. Outra disse: “é...podia ter licença maternida-
de, pois assim você fica seis meses em casa, enquanto o advogado bri-
ga para você sair”. Outra logo discordou: “eu, se sair, vou usar drogas.
Não adianta achar que não, é a primeira coisa que vou fazer... eu sairia
e usaria muitas drogas”. Já uma quinta, que é mãe, disse, em represália
à fala anterior: “taí – por causa das frutas podres as frutas boas sofrem”.
Nesse momento, tal como aponta o diálogo transcrito acima, mos-
trou-se interessante a dinâmica que se criou entre as participantes do
grupo focal, sem qualquer intervenção da equipe de pesquisa, de forma
que elas mesmas avançaram no debate ao contrapor suas opiniões.
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presas a partir de alguns eixos temáticos dentro de nove temas cen-
trais para a pesquisa, sendo os cinco primeiros relacionados com a
temática específica da pesquisa (maternidade) e os quatro últimos
relacionados com questões gerais da prisão, as quais também po-
dem ser observadas desde uma perspectiva de gênero. Foram eles:
visita; amamentação; prisão domiciliar; convivência entre mãe e
filho; guarda das crianças; assistência médica; assistência jurídica;
alimentação; condições de higiene.
Como proposta principal dessa conversa surgiu a sugestão de au-
mento do prazo de amamentação e de alternativas para garantia da
convivência das mães com seus bebês. Nesse momento também fala-
mos sobre as possibilidades legais da prisão domiciliar. As participan-
tes concordaram entre si que a melhor opção seria a prisão domiciliar
— a qual elas denominam de “licença maternidade” — em substitui-
ção à prisão preventiva ou mesmo à pena privativa de liberdade.
Identificamos que a maternidade é um tema especialmente de-
licado para as presas, talvez porque, para essas mulheres, ser mãe,
longe de ser um “momento mágico” (como comumente as mulheres
o definem), perpassa por sentimentos difíceis, como culpa, tristeza e
angústia. Percebemos que o debate fluía com mais facilidade nos as-
suntos como visitas, assistência jurídica, alimentação etc. Muitas pre-
feriram não falar sobre a maternidade e as filhas e filhos que deixaram
do lado de fora dos muros, daqueles dos quais não têm notícias ou
com os quais não exerceram a maternidade de forma presente.
Foi comum que, conforme a moderadora retomava o debate em rela-
ção às crianças e gravidez, as presas falassem menos ou mesmo deixas-
sem o grupo focal para atividades fora daquelas vinculadas à pesquisa.
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Outro desafio no emprego dessa técnica é a análise dos dados
coletados, uma vez que são de natureza complexa: “volumosos, re-
fletindo ambiguidade e conflitos, para além de consensos” (Gatti,
2005, p. 67). Esse aspecto ficou evidente na nossa experiência, pois,
o emprego do grupo focal mais do que nos dar respostas sobre qual
a política pública deveria ser desenhada de acordo com as mulheres
presas, nos trouxe muitas dúvidas e uma certeza: de que as propos-
tas deveriam contemplar a diversidade das mulheres e contextos,
sendo impossível desenhar um caminho único sem levar em conta
as individualidades.
É preciso lembrar também, que as falas do grupo focal são pro-
duzidas em um contexto determinado, a partir daquela interação
especifica, logo as opiniões ali expressas não podem ser tomadas
como posições definitivas (Gatti, 2005, p. 68). Por mais que essa má-
xima valha para opiniões captadas por qualquer técnica, ela deve ser
observada especialmente no grupo focal, pois, neste caso, pesquisa-
doras (e participantes) tem menos controle sobre o diálogo que se
constrói a partir da interação de cada grupo e das falas que emergem
a partir dele.
O grupo focal não é recomendado quando se busca um consen-
so sobre determinado assunto, ou, ainda, quando se trata de temas
delicados, difíceis de serem tratados publicamente. Como narrado
anteriormente, durante a pesquisa “Dar à luz na sombra” enfrenta-
mos dificuldades relacionadas a esses dois pontos. Primeiro, por-
que, ao final, o grupo contribuiu mais para problematizar a questão
do que para chegarmos a uma conclusão acerca da politica pública
para a mãe presa (a não ser o não encarceramento dessas mulheres,
pelo qual advogávamos desde o inicio da pesquisa). E depois, a di-
ficuldade que passamos em tratar de um tema tão delicado em um
ambiente adverso, e a partir de experiências tão doloridas como da
maternidade das mulheres presas.
Observados esses cuidados e limites, e desde que faça sentido
perante o objetivo, os sujeitos e o objeto da pesquisa, o grupo focal
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CONVITE