33 1 277 1 10 20180103
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Carlos A. Gadea
Marcia da Silva Cezar Gadea
Hilário Dick
José Silon Ferreira
Fatima Sabrina Rosa
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Como citar:
GADEA, C. A.; GADEA, M. S. C.; DICK, H.; FERREIRA. J. S. ROSA, F. S. Itinerários juvenis em situação de
vulnerabilidade social: sobre a realidade juvenil, a violência intersubjetiva e as políticas para jovens em Porto
Alegre - RS. Revista Juventude e Políticas Públicas, Brasília, v. 1, n. 2, p. 47-71, jul./dez. 2017.
DOI: 10.22477/2525-7161.v1.n2.47-71
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Resumo: O artigo tem por objetivos introduzir algumas reflexões acerca do significado contemporâneo do termo
juventude, bem como realizar ponderações importantes em torno ao binômio juventude-violência. Quer-se,
igualmente, apresentar alguns dados relevantes para compreender a situação de vulnerabilidade concreta de
jovens que residem em certos bairros da cidade de Porto Alegre, na medida em que permitem deduzir as fortes
relações entre violência, educação e família. Por último, o interesse recai em realizar uma breve crítica dos três
principais paradigmas sobre políticas para jovens (em torno ao trabalho, à educação e ao esporte) que
classicamente se têm implementado. No contexto destas reflexões se sugere considerar de importância o
desenvolvimento de uma “cultura digital” e seu coadjuvante “capital social” para a eventual formulação de uma
“nova” política para jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social em contextos urbanos.
Palavras-chave: Jovens. Vulnerabilidade social. Violência. Política para jovens
Abstract: The article has for objectives to introduce some reflections on the contemporary meaning of the term
youth as well as perform important considerations around the youth-violence binomial. Immediately introduce
some relevant data to the understanding of the specific situation of vulnerability of young people who live in
certain neighborhoods in the city of Porto Alegre, which makes possible the deduction of the strong links
between violence, education and family. Finally, the interest lies in conducting a brief review of the three main
paradigms of policies for juveniles (around work, education and sports) that have been classically implemented.
In the context of these reflections it is important to consider the development of a "digital culture" and its
supporting "social capital" for the eventual formulation of a "new" policy for young people living in situations of
social vulnerability in urban contexts.
Keywords: Young. Social vulnerability. Violence. Youth Policy
INTRODUÇÂO
As seguintes reflexões se inserem dentro de uma série de observações primárias
sobre uma pesquisa desenvolvida em parceria com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos
do Estado de Rio Grande do Sul, sob a forma de um diagnóstico acerca da situação juvenil em
quatro bairros da cidade de Porto Alegre: Restinga, Lomba do Pinheiro, Rubem Berta e Santa
Teresa1. Nestes bairros, e desde o ano de 2011, foram instalados os denominados “Territórios
da Paz”, iniciativa de segurança pública que faz parte de uma política sobre segurança que
conta com medidas de prevenção e assistência social nas regiões de atuação: o chamado “RS
na Paz” (Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania). Neste contexto, a
1
Trata-se do “Diagnóstico sobre a realidade juvenil e a violência intersubjetiva na dimensão sócio-espacial dos
bairros Restinga, Lomba do Pinheiro, Rubem Berta e Santa Tereza – Porto Alegre”.
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Por exemplo, ao prolongar a estadia na casa dos pais, adiantando a assunção plena do estatuto de adulto. Isto
pode se constatar ao analisar a constituição de lares e/ou as características das “unidades domésticas estendidas”.
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Tal quais as conclusões obtidas no “Diagnóstico Demográfico, Socioeconômico e sobre Juventude do
Município de Esteio – RS” (GADEA, 2011a), realizado como consultoria realizada á Prefeitura Municipal de
Esteio – RS, Brasil.
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sociabilidades emergentes, Maffesoli chama a atenção para o caráter efêmero destes laços
associativos ou neotribais, sua fluidez e flexibilidade, a forte carga local de seu
desenvolvimento e o escasso formato organizacional segundo critérios em que o fator político
é um componente aglutinador privilegiado. Desta maneira, realiza-se uma separação
conceitual de grande interesse para compreender as dinâmicas de sociabilidade da juventude:
por um lado, uma interação política, projetiva, racionalizada, individualista; por outro, uma
identificação estética, emocional, não-direcionada, que se satisfaz em viver o dia-a-dia, no
simples prazer de “viver com outros”.
De forma simultânea, Lipovetsky (1994), embora não possa ser considerado um
autor que analisa os comportamentos juvenis contemporâneos, traz uma série de noções
sociológicas que, sem dúvida, se apoiam numa observação concreta das novas modalidades
associativas e de comportamento dos jovens. Sem mencioná-los, antecipa modalidades de
socialização emergentes sobre a base de uma espécie de “narcisismo coletivo”: solidariedade
grupal, ”redes situacionais”, retração dos objetivos universais. Para Lipovetsky, o atual
processo de personalização que protagonizamos supõe que a última figura assumida pelo
individualismo contemporâneo não resida numa “independência associal”, mas em
ramificações e conexões com interesses miniaturizados, hiperespecializados: grupos de jovens
que realizam trabalhos voluntários diversos ou as diferentes comunidades emocionais das
quais fala Maffesoli. Isso não significa um processo tendente a conduzir os indíviduos, a
reduzir a carga emocional investida no espaço público ou nas “esferas transcendentais” e a
aumentar as prioridades da esfera privada. A valorização do imediato, dos temas cotidianos e
das preocupações existenciais de cada dia resulta serem os motores constitutivos dos novos
valores emergentes nos grupos de jovens atuais.
Dos estudos de Maffesoli e, posteriormente, das análises de Lipovetsky, surgem
perguntas interessantes para compreender os novos contornos das práticas culturais e das
sociabilidades dos jovens atuais. Magnani (2005), por exemplo, adverte para a necessidade de
reavaliar o conceito de tribo desenvolvido amplamente na literatura sobre jovens durante os
anos 1980 e 1990, afirmando que uma de suas mais claras limitações está em possibilitar um
mal-entendido entre o sentido que se atribui ao termo “tribo” nos estudos tradicionais de
etnologia e seu uso para designar grupos de jovens no cenário da metrópole. Segundo
Magnani, nada está mais longe da realidade do que considerar os grupos de jovens como
grupos bem definidos e delimitados, com regras e costumes particulares. Por isso, propõe
substituir o termo “tribo urbana” por “cultura juvenil”, uma virada interessante no marco
teórico que deixa privilegiar perspectivas antropológicas, de corte etnográfico, para dar maior
ênfase aos contornos teóricos mais globais, ligados aos denominados “estudos culturais”. A
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A VIOLÊNCIA E OS JOVENS
Na pesquisa desenvolvida, a preocupação recaiu na população jovem entre os 12 e os
24 anos, dividindo-se nas seguintes faixas etárias: de 12 até 15 anos, de 16 até 18 anos, de 19
até 21 anos e de 22 até 24 anos4. Como bem se sabe, não existe um acordo absoluto acerca
dos limites de idade entre os adolescentes e os jovens. Tampouco existe com relação aos
limites do que se entende por juventude, já que em muitas análises a idade ainda se estende
até os 29 ou 30 anos. Fora estas precisões, uma marca singular e de grande destaque dos
jovens na atualidade é a sua exposição à violência. Para muitos, esta exposição se torna
materializável como correlato à sua cotidianidade em situação de vulnerabilidade social, em
especial naqueles que residem nos denominados “bairros problemáticos”5. Certamente, a falta
4
A subdivisão se deve a uma estratégia metodológica que corresponde a fins analíticos e explicativos. Ela
pretende atender às particularidades do processo de construção da identidade e itinerários subjetivos dos jovens.
Por razões de importância, prefere-se não se ampliar, neste texto, as razões que levaram aos critérios usados na
pesquisa referida.
5
Ver o interessante artigo “A invenção de ´bairros problemáticos´” de Sylvie Tissot publicado em Le Monde
Diplomatic, outubro de 2007. Neste registro de adjetivação do espaço urbano podem se inserir os denominados
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“Territórios da Paz”, e que neste contexto são o fundamento de escolha dos bairros Restinga, Lomba do
Pinheiro, Rubem Berta e Santa Tereza para a política da juventude e para a pesquisa desenvolvida.
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6
Abramo, Helena Wendel e Martoni Branco, Pedro Paulo (Org). Retratos da juventude brasileira: análises de
uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
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7
Ver Sociedade Brasileira de Pediatria & Secretaria do Estado dos Direitos Humanos - Ministério da Justiça.
Guia de atuação frente a maus-tratos na infância e na adolescência. Rio de Janeiro, 2001, p. 7.
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regras do jogo social, numa realidade cada vez mais exigente em auto-reflexividade e
autonomia individual8.
Um primeiro exemplo ao qual se pode fazer referência é o da violência sexual e
corporal. Em pesquisas desenvolvidas recentemente9, percebe-se como a violência sexual e
corporal (estupro, assédio sexual, ato obsceno, favorecimento à prostituição, lesão corporal,
maus tratos) é, talvez, o tipo de violência que mais preocupa a instituições públicas e
educadores. Residem nas características dos vínculos familiares e na própria constituição
familiar atual, eventuais explicações do fenômeno. A denominada “família estendida”,
caracterizada pela convivência de três gerações (avôs, pais, tios e filhos) sob o mesmo teto
tem gerado múltiplos conflitos geracionais, precipitando situações de violência contra os mais
vulneráveis. Logo, os vínculos e relações familiares (extensível às relações entre vizinhos)
com frágeis laços afetivos e de interesses parecem possibilitar o aparecimento de uma
violência “difusa” e “silenciosa”, que termina gerando problemas na constituição subjetiva de
crianças e adolescentes no seu processo de socialização. Trata-se de um tipo de violência que,
no geral, tem sua materialização nos bastidores de relações familiares em aparência estáveis e
“normais” aos olhos de todos.
Concomitante a isto, a estigmatização juvenil se têm tornado moeda corrente. De
fato, existem duas principais fontes de estigmatização da população jovem: via associação
com o delito e via associação com o consumo de drogas. Um dos mitos mais difundidos se
relaciona com a fatal associação entre “minoridade de idade” e a delinqüência juvenil; algo
longe da realidade. Está fartamente demonstrado no mundo que o delito protagonizado pela
população jovem e menor de idade (contemplando os homicídios, o furto, o roubo e a lesão
corporal) é de 8 a 10 % do total, ou seja, o “mundo adulto” é o principal protagonista da
denominada delinqüência urbana nas grandes e medianas cidades do mundo10. Dessa maneira,
é falsa tal associação. Por outro lado, a “criminalização das drogas”, considerando-se que o
consumo de maconha, por exemplo, é produto de uma juventude que lida com a ilegalidade e
que conspira contra a “ordem cidadã”, tem-se estabelecido como discurso estigmatizante para
as sociabilidades juvenis, o lazer e a própria experiência jovem. Nesse sentido, influenciados
pela megalomania televisiva de muitos programas, grande parte da população assume como
“reais” dados e acontecimentos que adquirem capacidade construtiva de percepções que se
8
Ver Gadea, Carlos A. Violence and Collective Conflict Experiences. IN: Societies Without Borders, Volume
5, N° 1, University of North Caroline, USA, 2010.
9
“Diagnóstico Demográfico, Socioeconômico e sobre Violência intersubjetiva infanto-juvenil no Município de
Sapucaia do Sul – RS (Gadea, 2011b), realizado como consultoria realizada à Prefeitura Municipal de Sapucaia
do Sul – RS, Brasil.
10
Ao pesquisar os mesmos delitos nos bairros da pesquisa, tem-se constatado o mesmo porcentual de incidência
delitiva dos menores de 18 anos.
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Tabela 1
População Total
Porto Alegre 1.409.351
habitantes
Desta população total, 233.742 pessoas moram nos quatro bairros dos “Territórios da
Paz”, e 40.856 pessoas têm entre 15 e 24 anos. Assim, a população jovem dos “Territórios”
representa um 17,47 % (média algo acima do total de jovens de Porto Alegre) (tabela 1.). Em
definitivo, está-se fazendo referência a uma população de algo mais de 40 mil jovens e que,
na sua maioria, é de sexo feminino. Por outro lado, ao atender à variável “cor ou raça”, de
grande importância para melhor compreender esta população, pode-se perceber que a
diferença entre população “branca” e “afrodescendente” (junção de “pretos” e “pardos”) é
muito pequena, permitindo considerar que se está perante bairros de Porto Alegre com
significativo contingente de população “afrodescendente” (gráfico 1). Isto não pode significar,
simplesmente, um dado relevante, mas, contrariamente, torna-se uma fonte de caracterização
dos bairros que ajuda entender dinâmicas excludentes que também assumem conotação
étnico-racial. Dos quatro bairros, Restinga apresenta a maior porcentagem de população
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afrodescendente: 41,6 %. Nos outros três bairros as porcentagens são as seguintes: Santa
Teresa, 33 %; Lomba do Pinheiro, 32,2 %, e Rubem Berta, 29,3 %. Se se observa que a
porcentagem da população afrodescendente de Porto Alegre é de 20,25 %, pode-se deduzir
que existe nos “Territórios” uma alta concentração desta população, duplicando, como no
caso de Restinga, a média da cidade.
Gráfico 1
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significativo que as mulheres têm na manutenção dos lares e a própria educação dos eventuais
filhos e filhas. Esta tendência na conversão do papel da mulher (de provedora praticamente
única da família) nos setores sociais mais vulneráveis, embora mantenha alguns pontos em
comum com aquelas mulheres dos setores médios e altos (inserção no mercado de trabalho na
busca de autonomia e realização profissional e pessoal), deve-se entender como estritamente
econômico, dedicando-se, inclusive, a atividades de baixa qualificação, em precárias
condições laborais e com baixas remunerações. Muitas vezes as rupturas familiares devidas,
em parte, à desocupação masculina, e a necessidade da mulher em se constituir na provedora
do “lar”, refletem a alta quantidade de famílias “chefiadas” por mulheres, como se evidencia
no número de “unidades domesticas unipessoais” sob a responsabilidade de mulheres (2,476,
enquanto são 1.835 homens na mesma situação).
Outro fenômeno próprio dos setores sociais vulneráveis é a conformação de “famílias
estendidas”, na que além de ambos conjugues (ou no caso aqui analisado, o bairro Rubem
Berta, com clara maioria de mulheres como responsáveis) também convivem outros
familiares, no geral a mãe/avó ou irmãs que podem contribuir nas tarefas domésticas e cuidar
das crianças enquanto a “chefa da família” está no trabalho. No bairro Rubem Berta são 3.120
“unidades estendidas” sob a responsabilidade de mulheres, maioria interessante ao comparar
as 1.993 chefiadas por homens. Estas “famílias estendidas” estão, inclusive (e no geral), sob a
responsabilidade de “mulheres-mães” de um ou mais filhos menores de 18 anos, que
frequentarão os estabelecimentos educativos em determinados horários do dia e, no restante,
ficarão eventualmente “ociosos” até o retorno da mãe do trabalho.
Ao parecer, assiste-se a uma “feminização” crescente da responsabilidade familiar,
denotando um verdadeiro impacto nas dinâmicas familiares, já que se apresenta necessário
afrontar o cuidado dos filhos menores e, no caso de adolescentes, a supervisão de suas
atividades fora do lar, nos estudos, na limpeza, no cuidado do lar e da roupa, da realização das
refeições, etc. Algumas pesquisas (NIRENBERG, 2006, p. 101) apontam que este quadro dos
novos lares nos setores mais vulneráveis tem conduzido a dois fenômenos: ao ingresso cedo
no mercado de trabalho (muitas vezes informal) de muitos jovens (aumentando a autonomia
relativa), e ao “abandono escolar”, resultante do baixo rendimento e a repetência.
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Tabela 2
Domicílios particulares / Espécie de unidade doméstica / Pessoa
responsável / Sexo
Bairro = Rubem Berta - Porto Alegre - RS
Ano = 2010
Espécie de Sexo da pessoa Domicílios Domicílios
unidade responsável pelo particulares particulares
doméstica domicílio permanentes permanentes
(Unidades) (Percentual)
Total Homens 14.037 48,83
Mulheres 14.710 51,17
Unipessoal Homens 1.835 6,38
Mulheres 2.476 8,61
Nuclear Homens 10.044 34,94
Mulheres 8.895 30,94
Estendida Homens 1.993 6,93
Mulheres 3.120 10,85
Composta Homens 165 0,57
Mulheres 219 0,76
Fonte: IBGE (2010).
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Tabela 3
Taxa Distorção / Defasagem Escolar - Colégios Públicos
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, 2012
Porto Alegre Rubem Berta Santa Teresa Lomba do Pinheiro Restinga
5° Série/ 6°Ano 39,7 35,96 49,25 35,55 36,5
6° Série/ 7° Ano 46,1 43,27 62,36 40,48 41,2
7° Série/ 8° Ano 37,3 34,28 51,1 34,13 37,87
8° Série/ 9° Ano 33,1 28,42 46,96 32,42 26,51
Ensino Médio/
Total 61,9 66,8 55,6 S/D 50,8
A repetência e/ou abandono são o sintoma explicativo para este fenômeno, que tende
a ir decrescendo na medida em que se progride de séries no ensino fundamental. Outros
estudos revelam que, justamente, nos 14 e 15 anos muitos jovens interpretam a repetência
como “fracasso”, abandonando, estrategicamente, o sistema educativo, para assim transitar
por uma nova virada na construção da sua subjetividade (NIRENBERG, 2006). Não é
casualidade, inclusive, que muitos destes jovens passaram a desempenhar trabalhos informais
ou “bicos”, ingressando no mundo do trabalho cedo. Este diagnóstico permite compreender
como em situação de vulnerabilidade muitos terminam sendo vítimas de uma reprodução das
desigualdades que se faz mediante o escasso ou nulo “capital cultural”, decorrente de uma
estrutura familiar e rede de relações (capital social) pouco propícias para o seu acúmulo. Em
definitivo: à ausência de “capital cultural” no seio do lar e dos seus vínculos sociais
imediatos, soma-se a saída de um sistema educativo que pouco teve para lhe oferecer como
saída prática da sua situação de vulnerabilidade.
Este diagnóstico se relaciona, em parte, com o panorama da escolaridade dos jovens
que cumprem medidas socioeducativas na Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE).
Na Tabela 4 se observa a escolaridade dos 450 jovens registrados até março de 2013,
constatando-se que a maioria, no momento do seu ingresso, tinha cursado a 5° série (128) e a
6° série (101). Pode-se afirmar, por conseguinte, que exista uma estreita relação entre o
ingresso na “vida delitiva” com o abandono escolar, concomitante à defasagem e a distorção
escolar? Em certo sentido, pode-se admitir que tal fenômeno não seja uma simples
casualidade. Por exemplo, em pesquisas desenvolvidas com jovens negros que estavam na
FASE de Porto Alegre no ano de 2010 se constatou que tinham sérios problemas de
desistência ou abandono dos estudos aproximadamente aos 14 anos de idade11. Logo da saída
do sistema educativo, o mercado laboral informal ou precário e, em alguns outros casos, o
11
Com referência à pesquisa intitulada “Violência urbana e situações de conflito Uma análise sobre jovens
negros na Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA” (Auxilio Bolsa de Produtividade – CNPq),
coordenada por Carlos Gadea.
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delito de pequeno porte (furto, por exemplo), têm sido as estratégias elaboradas para dar
sequência aos itinerários das suas vidas.
O que se pode deduzir com os dados acerca da distorção ou defasagem escolar e com
os que se relacionam com a escolaridade dos jovens atendidos pela FASE é que uma faixa
etária “crítica” no desenvolvimento dos itinerários juvenis se concentra entre os 14 e 15 anos.
Embora isto se manifeste com clareza, bom é considerar que um “capital social negativo”
(originado de práticas ilegais e delitivas) tem sido uma fonte de recursos e marco de
referência importante para lidar com as adversidades cotidianas (MÍGUEZ, 2008). O jovem
que ingressa na FASE pode carecer de “capital cultural” e de uma rede de relações sociais que
alavanquem um projeto de vida “possível de ser vivido”, mas isso não quer dizer que
careçam, totalmente, de “capital social”, já que têm conseguido mobilizar, em beneficio
próprio, “recursos associativos” que possibilitaram acessar redes sociais específicas. E que
tipo de redes sociais seria essa? A associatividade desses jovens cumprindo medida
socioeducativa não se esgota no vínculo que sugere o “mundo do tráfico” e o seu processo de
construção subjetiva que se inicia desde criança oficiando de “office boy” do tráfico em troca
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Roubo 41 11 29 33 66 2 1 183
(40,6 %)
Tráfico de 106
entorpecent 31 7 21 19 18 7 3 (23,5 %)
es
Homicídio 2 18 19 9 13 2 2 65
Tentativa de
Homicídio 2 1 1 6 1 11
Latrocínio 4 4 5 8 4 25
Estupro 1 1
Lesões
Corporais 1 1 2
Tentativa de
Latrocínio 4 1 5
Tentativa de
Roubo 1 1
Outros 50
Total Geral 450
Fonte: Assessoria de Informação e Gestão - FASE-RS
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Restinga 38 13,6 %
TOTAL BAIRROS 87 31 %
Fonte: Assessoria de Informação e Gestão - FASE-RS.
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(Acesso em 03/08/2013)
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social. Com certeza, isto é de uma enorme importância, mas parece negligenciar a escassa
receptividade valorativa do sistema formal educativo como modelo de sociabilidade juvenil,
bem como a crise de representação como espaço de construção identitária. Pode-se afirmar,
inclusive, que isto se agrava quando se consideram jovens em situação de vulnerabilidade
social, assistindo a escolas com escassa infraestrutura. Os índices de repetência e de
defasagem (já analisados aqui) são testemunha disso. Em definitivo, não se pode continuar
atribuindo à escola um papel central para uma política para jovens. Posteriormente, o
“paradigma ligado ao trabalho”, sob a ideia da importância de inserir aos jovens (assistindo-o
o mais possível) no mercado de trabalho e conseguir a “empregabilidade sonhada” parece
negligenciar, também, a passagem do “mundo fordista” e do “homo faber” para o “mundo
digital” e do “homem digital”, do trabalho manual (antigo atribuidor de reconhecimento
intersubjetivo) para o trabalho intelectual, do típico mundo informacional e digital
contemporâneo. Sendo assim, iniciativas de “profissionalização” com cursos técnicos para o
ingresso em empregos de “segunda importância” estratégica para o mundo atual, submete aos
jovens dos bairros mais vulneráveis a dar sequencia as desigualdades no aceso ao
conhecimento valorado do mundo de hoje. Por último, o “paradigma ligado ao esporte e
lazer”, também merece uma reflexão crítica. Admite-se, obviamente, que as atividades
esportivas entre os jovens contribuem ao aspecto lúdico e ao incentivo das práticas coletivas e
colaborativas, ajudando na inserção social e possibilitando a destreza e habilidade motora em
momentos fundamentais na formação de um jovem. Não obstante, trata-se de uma
preeminência disciplinar do corpo do jovem sob o discurso de desenvolver capacidades
próprias do “homo faber”, ampliando, comprovadamente, dinâmicas excludentes sobre as
“políticas do corpo” na juventude. Aqui, ao corpo se lhe atribui capacidade motora
estritamente ligada a um mundo do trabalho que parece demandar “corpos coletivos”,
colaboracionismo e uma competitividade física e mecânica.
Acredita-se, aqui, que uma política para jovens deveria assumir a importância
valorativa da “cultura digital” e do manejo de jovens em situação de desigualdade material e
simbólica da “linguagem” que hoje atribui maior inserção social, econômica e política. Por
isso, como política para jovens, os Centros POD Juventude, de recente implementação nos
“Territórios da Paz” de Porto Alegre, têm o desafio de percorrer um caminho novo na busca
de reduzir a violência e a vulnerabilidade dos jovens que residem nesses bairros. Tudo indica
que a maior carência nesses jovens é de “capital social”, a capacidade para ingressar numa
rede de relações sociais que lhe permita sair de determinadas situações adversas, e nisso a
“cultura digital” materializa o seu potencial. Para finalizar, lembra-se o que se tem realizado
em Medellín, na Colômbia: uma política de redução da violência que conseguiu reestabelecer
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