O Turco Fernando Sabino

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O Turco

Fernando Sabino

Assim que chegou a Paris, foi cortar o cabelo – coisa que não tivera tempo de fazer ao
sair do Rio. O barbeiro, como os de toda a parte, procurou logo puxar conversa.

– Eu tenho aqui uma dúvida que o senhor podia me esclarecer.


– Pois não.
– Eu estava pensando... A Turquia tomou parte na última guerra?
– Parte ativa, propriamente, não. Mas de certa maneira esteve envolvida, como os outros
países. Por quê?
– Por nada... eu estava só pensando... A situação política lá é bem complicada, não?

Seu forte não era a Turquia. Em todo o caso, respondeu:

– Bem, a Turquia, devido à sua situação geográfica... Posição estratégica, não é isso
mesmo? O senhor sabe, o Oriente Médio...
O barbeiro pareceu satisfeito e calou-se, ficou pensando.

Alguns dias depois ele voltou para cortar novamente o cabelo. Ainda não havia se
instalado na cadeira e o barbeiro começou:
– Os ingleses devem ter muito interesse na Turquia, não?.

Que diabo, esse sujeito vive com a Turquia na cabeça – pensou. Mas não custava nada
ser amável – além do mais, ia praticando o seu francês.

– Devem ter. Mas têm interesse mesmo é no Egito, no Canal de Suez.


– E o clima lá?
– Onde, no Egito?
– Na Turquia.

Antes de voltar pela terceira vez, por via das dúvidas, procurou informar-se com um
conterrâneo seu, diplomata em Paris e que já servira na Turquia.
– Dessa vez eu entupo o homem com a Turquia – decidiu-se.

Não demorou muito para o barbeiro abordar seu assunto predileto:

– Uma coisa, e o senhor vai me perdoar a ignorância: a capital da Turquia é


Constantinopla ou Sofia?.
– Nem Constantinopla nem Sofia. É Ancara.

E despejou no barbeiro tudo que aprendera com o amigo sobre a Turquia. Nem assim o
homem se deu por satisfeito, pois na vez seguinte, foi começando por perguntar:

– O senhor conhece muitos turcos aqui em Paris?


– Não. Não conheço nenhum. Mas agora chegou a minha vez de perguntar: por que
diabo o senhor tem tanto interesse na Turquia?
– Estou apenas sendo amável, tornou o barbeiro, melindrado. Mesmo porque conheço
outros turcos além do senhor.
– Além de mim? Quem lhe disse que sou turco? Sou brasileiro, essa é boa.
– Brasileiro? – e o barbeiro o olhou, desconsolado – quem diria! Eu seria capaz de jurar
que o senhor era turco...

Mas não perdeu tempo:

– O Brasil fica na América do Sul, não é isso mesmo?

(A Mulher do Vizinho.Rio de Janeiro, Editora Record, 1970.)

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