A ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR, Garces Teixeira, 1925
A ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR, Garces Teixeira, 1925
A ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR, Garces Teixeira, 1925
F . A. G A R C E Z TEJXE1RA.
IV
A ANTIGA SINAGOGA
DE
TOMAR
2. a EDICÁO
LISBOA
T I P O G R A F I A DO COMERCIO
Rúa da Olíveira, aoCarmo,8
1925
F. A. GARCEZ TE1XEIRA
IV
A A N T I G A SINAGOGA
DE
TOMAR
2.» EDICÁO
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A A N T I C A S I N A G O G A DE T O M A R
Tiragem de 200 exemplares, dosauais éste, que tem on.
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F . A. G A R C E Z TEJXE1RA.
IV
A ANTIGA SINAGOGA
DE
TOMAR
2. a EDICÁO
LISBOA
T I P O G R A F I A DO COMERCIO
Rúa da Olíveira, aoCarmo,8
1925
tìer JudeEÍirigj)
Frukftiít a. M.
A ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR
1
Conhecem-se pela Colecfáo de Sentenfas, de J o a q u i m Moreira, que existe
na Biblioteca Nacional, as r e l a c e s dos autos-de-fé ali realizados em 1543 e 1544•
Néles figuraram vários cristáos-novos.
Parece que este tribunal nao funcíonou muito além de 1544•
No Arquivo da Ordem de Cristo, na T o r r e do T o m b o , apenas existe um dos
livros dos processos, referente a 1543, já conhecido, e ainda os restos de um ou-
tro, no ma$o n.° 70 do ״Convento de T h o m a r » , com parte do processo de Jorge
Manoel, cristáo-novo. Neste curioso processo, urna das testemunhas depóe que viu
e suposto réu regalar-se com saborosa carne de porco, na aldeia de Cabagos.
P o b r e Jorge Manuel 1 Nao o livrou esta pública manifestacáo da perfeicáo funcio-
nal do seu aparelho gástrico e da ortodoxia do seu pensar em assuntos de religiáo,
de ir abrilhantar de sambenito e carocha, relaxado em carne, o auto-de-fé de
20 de Junho de 1544 n a companhia de mais tres outros míseros cristáos-novos. E
táo luzído foi o espectáculo, que o sinistro monarca D. Joáo 3." julgou nao dever
eximir-se a enviar a Fr. António de Lisboa, seu digno filho natural (é Fr. Jacinto
de S. Miguel quem o diz), uma carta laudatória, digamos à moderna — urna porta-
ria de louvor — pelo bom resultado do seu trabalho !
Déste processo também se averigua que os cristáos-novos se nao enterravam
de mistura com os cristáos-velhos, mas sim no extremo do local reservado aos
enterramentos, que era o Adro de S. Maria.
Provenientes déste antigo cemitério, consegui reünir no Museu da Uniáo dos
Amigos dos Monumentos da Ordem de Christo algumas dezenas de estelas sepul-
erais que julgo remontarem aos sáculos xv e xvi. Talvez que o estudo da sua
variada e interessante o r n a m e n t a l o possa revelar o ter pertencido alguma délas
a algum cristáo-novo, o que nao é possivel fazer pelas i n s c r i b e s , visto as mais
antigas serem todas anepígrafas.
A propósito do auto-de-fé de 1543, quero apresentar um p r o m e n o r desconhe-
IO
C o m o c o n c l u s á o d e s t a s s c e n a s da vida h e b r a i c a de T o m a r e dos
factos c i t a d o s julgo p o d e r inferir-se que nao deixaria de h a v e r ,
naquela e n t á o vila, urna S i n a g o g a .
F a r e i n o t a r ainda q u e a làpide do cemitério de F a r o a l u d e a u m
J o á o de T o m a r , e m 1315, c o m o se verifica n o belo e s t u d o já citado
do m e u colega s r . S c h w a r z .
À p r o v e i t a r e i t a m b e m o e n s e j o , ao falar da I n q u i s i t o de T o m a r , p a r a rectificar
urna a s s e r t o que c o r r e , l a n c a d a pela p e n a autorizada do ilustre escritor sr. Dr.
Vieira Guimaráes, e q u e já vem r e p r o d u z i d a num Guia há p o u c o publicado. E ' a
de que a Inquis¡9áo de T o m a r f u n c i o n o u ñas casas do oNoviciado Velho», t a m b e m
c o n h e c i d a s pelas «Casas das Cortes». E s t a s casas, q u e f o r a m construidas p a r a No-
viciado, m a s que já nao t i n h a m essa a p l i c a d o no c o m e t o do seculo passado, c o m o
se vé dum d e s e n h o d e s t a época, na posse do m e u distinto condiscípulo sr. Joaquim
Rasteiro, onde já veem designadas com o n o m e de Noviciado Velho, p o d e r á o ter
tido q u a l q u e r o u t r a aplica$áo ocasional, talvez até m e s m o para reüniáo de algum
dos b r a 5 0 s das C o r t e s de 1581, mas n u n c a là podia ter f u n c i o n a d o a I n q u i s i t o
p o r q u e , ainda em 1548, c o m o se ve no d o c u m e n t o citado no i. 0 volume do «Di-
cionário dos Arquitectos» a propósito da Joáo de Castilho, este se a c h a v a a b r a -
gos c o m a q u e s t á o dos espelhos, c u j a s dificuldades de c o n s t r u c á o ainda h o j e sáo
bem p a t e n t e s para os t é c n i c o s ; e p o r o u t r o d o c u m e n t o , copiado no m e s m o volume,
se sabe que em 1557 ainda náo estavam levantadas as colunas das casas dos novi-
90S, t e m e n d o que os carpinteiros danificassem os capitéis, bem lindos, p o r sinal.
E s t a v a m p o r t a n t o estas casas muito longe da c o n c l u s á o à d a t a em que termi-
nou a Inquisicáo, que p a r e c e náo ter ido além de 1545, c o m o já ficou dito.
Q e r o t a m b e m deixar aqui consignado u m d o c u m e n t o , q u e julgo inédito, e
q u e diz respeito á J u n t a dos P r e l a d o s que, em 620, reüniu em T o m a r , p a r a t r a t a r
de assuntos referentes à Inquisicáo. E ' uma sátira, em redondilha maior, intitulada
«Colloqnio q passou entre Joáo Braz e G o n z a l o Pz. m . ° r " nos Paens, t e r m o de
T h o m a r falando a m b o s na J u n t a q se fazia dos Bispos» (').
(') Tórre do Tombo. Convento de Thomar, ma;o 13.
11
F a r e i a g o r a a d e s c r i f á o d e t a l h a d a do edificio, e t r a t a r e ¡ da d a t a
da s u a f u n d a f á o p o r q u e , à falta de d o c u m e n t o s categóricos, s e r á dos
detalhes arquitectónicos q u e m e soccorrerei p a r a èsse e s t u d o .
A p o r t a principal p e r t e n c e ao p e r í o d o d e c a d e n t e da r e n a s c e n f a e
por isso n a o p o d e deixar de ser u m a d i c i o n a m e n t o p o s t e r i o r á fun-
d a f á o , cuja o r i g e m creio ser fácil de s a b e r . D e s n e c e s s á r i o é a p r e s e n -
tar déla um d e s e n h o , p o r q u e é do tipo de v e r g a c o r o a d a de u m a
cornija, assaz c o m u m no final do século xvi.
A s d u a s janelas da f a c h a d a sao ainda m a i s incaracterísticas, de lancil
sem q u a l q u e r o r n a m e n t a c á o , sendo, s e m a m e n o r d ú v i d a , m o d e r n a s .
A janela f r o n t e i r a á p o r t a , e q u e se acha m a i s p e r t o da c o b e r .
tura, t e m a f o r m a r e c t a n g u l a r ; i n t e r i o r m e n t e tem singelas m o l d u r a s
da r e n a s c e n $ a ; exteriormente está c o m p l e t a m e n t e e n t a i p a d a ^
A s f r e s t a s n a o sao g u a r n e c i d a s com lancil e t è m a p a r t e s u p e r i o r
ligeiramente ogivalada. As cantarías dos o u t r o s vaos nao o f e r e c e m
interèsse a l g u m .
G o m o já tive ocasiáo de dizer e se vé na fig. 2, as a b o b a d a s s a o
ogivais, de a r e s t a , e r e p o u s a m , do lado d a s p a r e d e s , s o b r e mísulas
de cantaría, e no centro, sobre 4 c o l u n a s , t a m b e m de c a n t a r í a , com
suas bases e capitéis, apoiando-se s o b r e estas últimas por i n t e r m è d i o
de q u a t r o dados de alvenaria, p a r a g a n h a r a altura d a s m í s u l a s , o
que lhes dá g r a n d e elegancia e leveza.
Nesta sátira por vezes violenta, depois de se fazerem alusóes pessoais aos pre-
lados que a eia assistiram, procura-se insinuar que a Junta
«Pretende de Portugal
«Lanzar fora a I n q u i s i t o » .
Chega ao ponto de acusar o pròprio monarca de simonia, dizendo Goncalo que
os judeus
״teem posta a esperanza
״somente no seu dinheiro»
para comprar as consciencias, o que nao espanta muito o Braz, a nao ser
ode El-Rey sim, que é cristáo».
12
A s q u a t r o c o l u n a s sao arquitectoni-
^^יי^יזj^i^ÜÍ^^^Ml c a m e n t e os o r g á o s m a i s i n t e r e s s a n t e s
do m o n u m e n t o . O s fustes sao cilín-
י (if^ dricos e constituidos por tres ou q u a t r o
|;| pegas cada um.
,,I ¡ | Dos q u a t r o capitéis, dois sao iguais
j] ao q u e r e p r e s e n t a a fig. 3 1 .
, || ו O s dois capitéis s a o de urna r a r a
j f| elegancia e de u m característico s a b o r
|H oriental ou á r a b e , n a o t e n d o eu, p o r é m ,
íf e n c o n t r a d o e m e s t a m p a s de edificios
'׳ desta o r i g e m , n a d a que se possa com-
Fig. 3 — C A P I T E L DE COLUNA p a r a r r i g o r o s a m e n t e à sua f o r m a ori-
ginal quasi reduzida a u m à b a c o
o r n a m e n t a d o , ligado ao f u s t e por urna g r a n d e m o l d u r a caTada, A sua
o r n a m e n t a l o é toda g e o m é t r i c a .
1
Esta estampa, assim como as das pags. 13 e 14, sao gravadas segundo um
croquis e x p r e s a m e n t e fsito pelo sr. José Santa Maria, distinto director da Escola
de Desenho J a c o m e Ratton, a quem aqui reitero os meus agradecimentos.
2
No livro ¿Marrocos e Tres Meslres de Ordem de Cristo, do sr. Dr. Vieira
Guimaraes, vera, a pag. 191, urna gravura da cripta da igreja de N.* S.« das Miseri-
córdias, em O u r é m , na qual se ve um capitel que parece ter analogías com os da
Sinagoga. O pouco detalhe da gravura, nao me deixa, porém, fazer um juizo seguro.
13
r o m á n i c o s e clássicos.
A s m í s u l a s das n a s c e n f a s das a b o b a d a s , com as suas volutas e
c a n e l u r a s , v é e m c o n f i r m a r esta hipótese, que a f o r m a das a b o b a d a s
t a m b e m nao c o n t r a r i a . As dos cantos sao simples p i r á m i d e s c o m o de
uso no período ogival.
Desta f o r m a , nao durou m u i t o a sua p r i m e i r a a p l i c a d o , p r o f a -
n a d a c o m o teria sido, q u a n d o da p e r s e g u i f á o dos judeus.
1
T o m o II, pag. 143.
15
T r a t e m o s a g o r a do seu p o s t e r i o r destino.
S a o m u d a s as chancelarias a seu respeito, a p e s a r de nelas figu-
rarem muitas doacóes das profanadas Sinagogas.
Isto p a r e c e indicar que eia náo foi objecto de d o a f á o , o q u e leva
a admitir a possibilidade da hipótese da sua t r a n s f o r m a f á o e m tem-
pío católico.
E s t a hipótese é m u i t o plausível em vista de u m a s s e n t o q u e e n -
contrei no mais antigo livro de registo de n a s c i m e n t o s , c a s a m e n -
tos e c r i s m a s , da igreja de S . Joáo Baptista 1 . N a ú l t i m a f o l h a , e m
p a r t e já d e s a p a r e c i d a , v e m o s o assento de u m c a s a m e n t o feito na Ca-
pela de S. B a r t o l o m e u , na R ú a N o v a , do dia i g de N o v e m b r o de 1613.
O r a n a q u e l a r ú a n á o se encon-
tra edificio a l g u m , a l é m d a q u e l e de
que venho t r a t a n d o , a que se possa
atribuir tal u s o . A c r e s c e m a i s q u e ,
p e s s o a s ainda hoje vivas, se l e m -
b r a m de ver na S i n a g o g a , f r o n t e i -
ro à p o r t a , um altar q u e m a i s t a r d e
foi demolido q u a n d o se p r o c e d e u
ao a l t e a m e n t o do solo, tendo-se
a g o r a e n c o n t r a d o ao fazer-se o des-
a t e r r o do p a v i m e n t o , g r a n d e s pe-
d a f o s de a l v e n a r i a , q u e daquele
d e v e m provir. T a m b é m a l g u m a s .
p e s s o a s ali v i r a m u m s u b t e r r à n e o ,
F i g . 6 — BASE DE PILASTRA ROMANICA
c e r t a m e n t e a l g u m carneiro, datan-
do desta época.
E s t a aplica9áo c o m o capela explica t a m b e m a existéncia da actual
porta que, p a r a q u a l q u e r u s o vulgar, náo teria a o r n a m e n t a d o q u e ,
como já disse, eia possui.
Q u a n d o deixaria de ser capela, n á o o sei. N o s últimos t e m p o s ,
a p a r e c e c o m o adega e celeiro, foreiro á casa S a b u g o s a .
Desta última aplicagáo r e s t a v a m a p a r e n t e s vestigios. A p o r t a foi
a l a r g a d a e alteada, c o m o ainda se o b s e r v a . O p a v i m e n t o foi levan-
1
Arquivo dos Registos Paroquiais — Livro que contém os fragmentos dos
livros antigos desta Parochial e Real Igr.' de Sao Joáo Bap.la de Thomar.
16
(esgotado)