Filosofia Educacao
Filosofia Educacao
Filosofia Educacao
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
Universidade Estadual
de Santa Cruz
Reitor
Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitora
Profª. Adélia Maria C. M. Pinheiro
Pró-reitora de Graduação
Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Ministério da
Educação
Ficha Catalográfica
Módulo: PEDAGOGIA/EAD-UESC.
Inclui bibliografias.
ISBN: 978-85-7455-176-0
CDD 370.1
PEDAGOGIA
Coordenadora UAB – UESC
Profª. Maridalva de Souza Penteado
Elaboração de Conteúdo
Profª. Carla Milani Damião
Instrucional Designers
Profª. Marileide dos Santos de Olivera
Profª. Gessilene Silveira Kanthack
Revisão
Profª. Sylvia Maria Campos Teixeira
EAD - UESC
Diagramação
Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro
Ilustração e Capa
Sheylla Tomás Silva
Sumário
UNIDADE I
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................11
2. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA.........................................................................................12
REFERÊNCIAS......................................................................................................................27
UNIDADE II
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................31
REFERÊNCIAS......................................................................................................................46
UNIDADE III
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................51
REFERÊNCIAS......................................................................................................................63
UNIDADE IV
As Utopias Clássicas............................................................................................................65
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 67
6. REFERÊNCIAS................................................................................................................. 87
UNIDADE V
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 91
3. RACIONALISMO E EMPIRISMO...........................................................................................95
4. REFERÊNCIAS............................................................................................................... 101
UNIDADE VI
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 105
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 120
UNIDADE VII
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................125
2. A FILOSOFIA DE KANT....................................................................................................126
3. KANT E A EDUCAÇÃO.....................................................................................................127
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................135
UNIDADE VIII
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................... 139
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 153
UNIDADE IX
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 157
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 170
1
unidade
O SURGIMENTO DA FILOSOFIA E AS
COSMOLOGIAS DAS ESCOLAS PRÉ-SOCRÁTICAS
Meta
de:
UNIDADE I
1 INTRODUÇÃO PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
• O nascimento da Filosofia
• As escolas pré-socráticas:
• A escola jônica;
• A escola pitagórica ou itálica;
• Heráclito de Éfeso;
• A escola eleata;
• A escola da pluralidade.
11
Volume 2
2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
12
Módulo 1
Antes mesmo da descoberta do Papiro de Derveni, alguns
historiadores do período atribuíam elevada importância à
relação entre mito, religião e filosofia, inovando a interpretação
que datava desde o período helênico, com Diógenes Laércio,
na obra Vida e doutrina dos filósofos, século II, que afirmava
PEDAGOGIA
uma clara distinção entre razão (Filosofia) e mito (narrativas
sobre divindades e seus feitos). Estudos mais aprofundados
demonstraram existir um tipo de conhecimento organizador
da realidade nas narrativas fabulosas do mito. Essa estrutura
racional do mito, segundo Francis M. Cornford, em Principium
Sapientiae. As origens do pensamento grego, obra publicada em
1952, estaria presente nas primeiras cosmologias, procurando
comprovar o vínculo entre mito, religião e filosofia.
Chauí (2002) dialoga com importantes historiadores
da filosofia as teses extremistas (mito ou razão; influência
oriental ou originalidade ocidental) sobre a origem da filosofia
e encontram um meio termo nos seguintes aspectos:
Filosofia e Educação
Francis MacDonald Cornford (1874-1943) dedicou-se aos
estudos clássicos; foi membro do Trinity College em Cambridge,
Inglaterra, onde ensinou Filosofia Antiga. Escreveu sobre
Tucídedes, historiador da Grécia Antiga e em 1912 iniciou seus
estudos sobre a origem da filosofia em relação à religião. Sua
obra Principium Sapientae: as origens do pensamento grego foi
publicada postumamente, em 1952. Cornford foi casado com a
poetisa Frances Darwin, neta de Charles Darwin.
13
Volume 2
Em relação ao mito
constituição própria.
Na Antiguidade, cada isto é, à política. Essa fala dessacralizada busca organizar
cidade possuía a sistematicamente seu pensamento em função de um princípio
configuração legal da
concepção moderna de universal: o conceito, a ideia, a lei, o axioma.
Estado, por isso, pólis Os primeiros filósofos ou filósofos pré-socráticos, embora
é traduzida, às vezes,
como “Cidade-Estado”. não estivessem com suas indagações voltadas exclusivamente
Derivam desta palavra, para o contexto da pólis ateniense e para os problemas
as palavras política
(negócios da cidade) e éticos e morais, exercitaram o desprendimento da explicação
político (cidadão apto religiosa dogmática e elaboraram teorias sobre o surgimento
– homem, livre, adulto
- a participar das do universo e de como este se organiza.
UNIDADE I
14
Módulo 1
procuram por uma explicação para o surgimento da ordem na
natureza e no mundo, e, mesmo que ainda utilizem, às vezes,
o vocabulário, o mito, a causa nomeada é de ordem racional.
Antes de reconhecermos os princípios encontrados para
a explicação do cosmos, vamos ver quais são as preocupações
PEDAGOGIA
gerais dos pré-socráticos, conforme Mondolfo (1971), em O
pensamento antigo:
Filosofia e Educação
características, mas só alcançável pelo pensamento, é
a arkhé (princípio, começo, ponto de partida, princípio
organizador do cosmos);
• Há uma preocupação marcante com o devir ou vir-
a-ser. O movimento kínesis (movimento, ação) ou
movimento de transformação dos seres ocupa papel
central nas teorias, bem como seu contrário: o repouso
e a estabilidade dos seres;
• Há distinção entre “aparência” e “essência”,
UNIDADE I
15
Volume 2
3 AS ESCOLAS PRÉ-SOCRÁTICAS
ATIVIDADE
1. A fim de compreender o conteúdo a seguir, de maneira a
perceber a importância da extensão do território grego do
período e do importante trânsito marítimo existente, localize
no mapa acima:
UNIDADE I
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Módulo 1
Os chamados filósofos pré-socráticos, que viveram
entre os séculos IV a.C. a V a.C., provêm dessas cidades e
essa origem os identifica. Assim, falamos de Tales de Mileto,
Anaxímenes de Mileto, Pitágoras de Samos, Heráclito de Éfeso,
Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo
PEDAGOGIA
de Abdera, Demócrito de Abdera, Parmênides de Eleia.
Em vista da distância histórica e das fontes documentais
precárias que permaneceram para a posteridade, em sua maioria
fragmentos de obras, algumas completamente perdidas, esses
primeiros filósofos são estudados de maneira agrupada, isto é,
por região, ou teorias com algum grau de semelhança. Por isso,
falamos em escola jônica, isto é, as colônias gregas localizadas
na Ásia Menor; escola eleata, de Eleia na Magna Grécia. Os dois
outros grupos são reunidos por preocupações semelhantes e
provêm de diferentes partes da região expandida da Grécia.
O que você deve perceber nas teorias, que serão
brevemente expostas a seguir, não é a verdade ou falsidade
de suas afirmações, mas a maneira como organizam as
explicações, buscando como causa a phýsis em sua visibilidade
ou a arkhé. O visível e o invisível nem sempre separam e
definem esses termos, pois, em alguns casos, eles coincidem.
Vamos conhecê-las!
Hilozoísmo: do grego
hýle que quer dizer
3.1 A escola jônica matéria. Entendemos
o hilozoísmo como
Filosofia e Educação
uma concepção
Chamados de físicos ou naturalistas, os filósofos filosófica que atribui
vida à matéria, capaz
considerados dessa divisão são: Tales de Mileto (cerca de
de autotransformação
625/4-558/6 a.C.), Anaxímenes de Mileto (cerca de 585-528/5 e movimento.
a.C.) e Anaximandro de Mileto (cerca de 610-547 a.C.), que
elaboraram teorias hilozoístas, atribuíram movimento próprio
e transformação à matéria.
Tales de Mileto é considerado o primeiro
Para saber identificar os princípios
filósofo e também um dos 7 Sábios da Antiguidade. U V
ou causas de cada uma das a FR
K
Aristóteles (em Metafísica, I, 3.983 b6) expressou C AM
UNIDADE I
coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede Por Éfeso ser também uma colônia
e dele vive (ora, aquilo de que as coisas vêm é, da Jônia, Heráclito seria agrupado a
essa escola, mas, dada a importância
para todos, o seu princípio)”. Existem informações de seu pensamento, ele costuma ser
secundárias sobre certas habilidades práticas de estudado à parte.
17
Volume 2
18
Módulo 1
do apeíron como ordem temporal das coisas que, ao fim, a
ele retornam. Essa ordem temporal é entendida como uma
lei necessária, sob o jugo da justiça e injustiça. Conceitos
que se desprendem do vocabulário da polis e integram as
cosmologias.
PEDAGOGIA
3.2 A escola pitagórica ou itálica
Filosofia e Educação
20
Módulo 1
triângulo, com quatro pontos de cada lado e um no centro. A
figura foi chamada de tetráktys da década, ou seja, o número
dez (década), constituído por
quatro (tetra) pontos, com um
ponto no centro. O resultado
PEDAGOGIA
é uma figura perfeita que
combina a unidade, a díade, a
tríade e a quadra e resulta em
uma harmonia perfeita entre
números pares e ímpares:
Dessa figura, resultam
outras, que os pitagóricos
intitulam de número quadrado
e o número retângulo. A
FIGURA 4: tetráktys da década
continuidade dos estudos
matemáticos revelou outras
figuras geométricas, o pentágono e a estrela de cinco vértices
nele contida, mas conduziu também à ruptura dos pitagóricos,
que se deu entre o grupo dos matemáticos e os que prezavam
os ensinamentos morais e as práticas ascéticas. O famoso
teorema de Pitágoras, isto é, que se atribui a Pitágoras, mostra
Ascese: do grego
o descaminho do ideal que buscava a unidade no número, pois áskesis, significa
não se pode mais representar um número inteiro nem por uma exercício de meditação
religiosa. Práticas
fracção de números inteiros. ascéticas são práticas
de exercício de
meditação e purificação
Filosofia e Educação
religiosa. Derivam
dessa palavra: asceta
e ascetismo.
UNIDADE I
Cateto
21
Volume 2
Fragmento XXXVI:
Orfeu poetou: “para o vapor é água mutação, para as
águas, morte;
da água, terra, e, da terra, novamente água:
desta, então, vapor, todo éter modificando-se”
Fragmento XLIX:
“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e
não somos” .
Fragmento L:
Filosofia e Educação
PEDAGOGIA
Heráclito funda seu pensamento na oposição entre aparência e
essência.
Filosofia e Educação
os únicos caminhos de inquérito que são a pensar:
o primeiro, que é e portanto que não é não ser,
de Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha);
o outro, que não é e portanto que é preciso não ser,
este então, eu te digo, é atalho de todo incrível (*no
qual não se deve crer);
pois nem conhecerias o que não é, nem o dirias.
(In: PRÉ-SOCRÁTICOS, 1978, p.142).
23
Volume 2
foi gerado e não perece, isto é, é eterno, fixo, imóvel, uno,
contínuo, inteiro, sem fim, indivisível, idêntico a si mesmo,
pleno, encontra-se em limites como o de uma esfera.
Aparência e essência, novamente, são os polos
estruturais da oposição entre opinião, como uma falsa ou
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
Se as raízes multiplicam o ser de Parmênides, as sementes
(spérmata) pensadas por Anaxágoras, com as mesmas
características do ser parmenediano, fragmentam mais ainda
o ser. Elas não são visíveis ao olho humano. Em relação ao
movimento, Anaxágoras, diferentemente de Empédocles,
nomeia uma só força: noûs (inteligência cósmica). No início
havia uma indissociação de elementos, misturados em um
magma primitivo. O noûs criou, de fora dessa mistura, um
movimento turbilhonante que separou as sementes de maneira
múltipla e originou tudo o que existe.
Leucipo de Abdera (outras fontes se referem a Mileto
ou Eleia) (cerca de 500-? a.C.) e Demócrito de Abdera (cerca
de 469-360 a.C.): esses atomistas, além de radicalizarem a
multiplicação do ser parmediano, criam em sua teoria uma
compreensão inédita: a admissão do não-ser como vácuo.
Átomo, que literalmente quer dizer o não-cortável, corresponde
ao ser de Parmênides, à diferença que são múltiplos, infinitos
e automoventes. Se eles correspondem ao ser, o espaço, no
qual se movem, não pode coincidir com a ideia de ser. Logo,
o espaço vazio, no qual os átomos se movem, chocando-se
uns contra os outros e originando todas as coisas existentes
Filosofia e Educação
no universo, é o vácuo ou o não-ser. Nessa teoria, que não
descarta a ideia central de ser em Parmênides e não nega o
movimento do qual tudo se origina de Heráclito, encontramos
a variação mais ousada das teorias pluralistas e que exercerá
forte influência em seus sucessores.
UNIDADE I
25
Volume 2
ATIVIDADE
PEDAGOGIA
RESUMINDO
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Módulo 1
PEDAGOGIA
pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Ed. Schwarcz, 2002.
r e f eR Ê N C ia s
Filosofia e Educação
São Paulo: Abril Cultural, 1978.
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Suas anotações
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2
unidade
PORQUE SÓCRATES É FILÓSOFO
E PORQUE A FILOSOFIA NÃO É UM SABER
de:
UNIDADE II
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
31
Volume 2
2 TIPOS DE SÁBIOS NA ANTIGUIDADE GREGA
32
Módulo 1
como vingança por ter sido preterida ao disputar com Afrodite a escolha entre
SAIBA MAIS
as deusas mais belas. Além da disputa entre as divindades, a Ilíada representa
a vida guerreira no auge da Grécia.
PEDAGOGIA
doméstica, entremeada de narrações de viagens e de aventuras maravilhosas.
Divide-se também em 24 cantos e contém 12.000 versos hexâmetros. Seu
herói é Ulisses, que havia deixado Ítaca e sua esposa Penélope e empreendido
uma aventura durante 20 anos, na qual se depara com seres da mitologia,
entre eles os ciclopes (monstros de um olho só no meio da testa), enfrenta
o canto sedutor das sereias (monstros marítimos que conduziam os homens
a uma morte indigna), entre outros. A sagacidade de Ulisses faz com que
muitos autores enxerguem, na obra, uma passagem do poder religioso do
mito à razão humana.
Os Deuses primordiais
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
Dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado,
E Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
Filosofia e Educação
E Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
Solta-membros dos Deuses todos e dos homens todos
Ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.
(HESÍODO, 1992, 115-120).
33
Volume 2
Zeus e Leto, era a divindade, entre outros atributos, da música e da poesia. A “apolinização”
PEDAGOGIA
do Oráculo, que pertencia antes à Gaia (a Terra primordial), ocorreu, segundo o mito, quando
Apolo matou o guardião do Oráculo: um dragão ou serpente de nome Píton. Segundo
Brandão (2002, p. 94-95):
As cinzas do dragão foram colocadas num sarcófago e enterradas sob o omphalós,
o umbigo, o Centro de Delfos, aliás o Centro do Mundo, porque, segundo o mito, Zeus,
tendo soltado duas águias nas duas extremidades da terra, elas se encontraram sobre o
omphalós. A pele de Píton cobria o banco de três pernas (trípode) sobre o que se sentava
a sacerdotisa de Apolo, denominada, por essa razão, Pítia ou Pitonisa. Embora ainda se
ignore a etimologia de Delfos, os gregos sempre a relacionaram com delphýs, útero, a
cavidade misteriosa, para onde descia a Pítia, para tocar o omphalós, antes de responder às
perguntas dos consulentes. Cavidade se diz em grego stómion, que significa tanto cavidade
quanto vagina, daí ser o omphalós tão carregado de sentido genital. A descida ao útero de
Delfos, à ‘cavidade’, onde profetizava a Pítia e o fato de a mesma tocar o omphalós, ali
representado por uma pedra, configuram uma ‘união física’ da sacerdotisa com Apolo.
SAIBA MAIS
a transformação do sentido de virtude (areté).
A virtude, anteriormente ao surgimento da
PEDAGOGIA
tudo. Julgavam-se sóphos, embora não
pólis ateniense, dependia do fator hereditário,
tivessem a autoridade religiosa, moral e isto é, era virtuoso quem fosse parte das
famílias que compunham a aristocracia rural.
política dos poetas e dos Sete Sábios.
Com a constituição democrática de Atenas,
Há, finalmente, um tipo de sabedoria supunha-se que todo cidadão – adulto,
homem, nascido em Atenas e livre, poderia,
prática, daqueles que sabem como fazer ou
com ajuda do ensino dos sofistas, aprender
produzir algo, mas ignoram a essência de a ser virtuoso, independentemente de seus
laços consanguíneos. Contribuíram também
seu fazer. Trata-se de um saber técnico.
para o estudo e desenvolvimento da retórica.
Os poetas e os sofistas são os exemplos Os sofistas mais citados são: Protágoras de
Abdera, Górgias de Leontini, Hípias de Élis,
que servem para Platão caracterizar a
Pródico de Ceos.
figura do filósofo. O poeta era um sábio no
Retórica: significa a arte de falar bem e o conjunto
contexto do mito, e o sofista se apresenta de regras que delimita essa capacidade.
como sábio. O filósofo é apresentado como
distinto desses porque não afirma deter o
saber, mas, sim, como aquele que busca o saber verdadeiro.
Filosofia e Educação
Parmênides, Demócrito e vários outros são chamados de pré-
socráticos.
O que sabemos de Sócrates e o que ele disse vem de
seus discípulos, pois ele não deixou nada escrito. Platão é seu
discípulo mais importante e responsável pela caracterização da
figura de Sócrates unida à própria definição de filósofo. Sócrates
é descrito nos diálogos como uma pessoa racional, que sabia
como dominar as emoções, bravo guerreiro, pai de três filhos,
casado com Xantipa, rodeado de muitos jovens discípulos,
UNIDADE II
de Sileno.
PEDAGOGIA
36
Módulo 1
na acusação de três cidadãos – Meleto (acusador principal),
Ânito e Lícon. A acusação era de “subverter a juventude” e
“não honrar os deuses da cidade”. Diante da proposta de fuga
e do exílio ou da proposta de uma alternativa à pena, Sócrates
prefere acatar a pena de morte e beber cicuta, uma planta
PEDAGOGIA
venenosa.
Teria feito sua própria defesa no tribunal e, do que disse
lá, resultaram dois textos, um de Platão e outro de Xenofonte,
também discípulo de Sócrates. No texto de Platão, a Apologia
de Sócrates, constam duas informações importantes sobre
este assunto:
Filosofia e Educação
e não “como se faz” ou “para que serve (algo)”. A resposta à
questão “o que é?” não é fácil. Tente responder, por exemplo,
à questão “o que é o amor?”. Não é o mesmo que responder
“como é?”,“como se faz?” ou “para que serve?”
A conclusão foi a de que o Oráculo estava certo, pois
Sócrates, que dizia nada saber, sabia mais do que os outros,
ao provar que os que diziam saber, poderiam até saber como
fazer algo, mas não o que faziam.
UNIDADE II
ATIVIDADE
1) Leia o argumento de Sócrates, escrito por Platão, na Apologia, e
reconheça a missão atribuída a Sócrates pelo Oráculo:
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Volume 2
38
Módulo 1
varia e nem possui um caráter particular. A verdade é
universal.
PEDAGOGIA
define como filósofo aquele que não detém a verdade,
mas a busca.
Filosofia e Educação
Dialética aporética: Essa expressão reúne dois significados importantes da U V
a FR
origem e história da filosofia, mas possui um sentido estrito quando relacionada K
a Sócrates. Significa que, por meio do diálogo, Sócrates combate as ideias que
C AM
tomam casos particulares como regra geral, contradizendo-as e mostrando que
SAIBA MAIS
não servem para todos os casos e não são verdadeiras. Por exemplo, definir o
que é a coragem, o que é a justiça etc., a depender dos interlocutores e suas
opiniões particulares, o perguntar insistente de Sócrates termina por apenas
contradizer as proposições a respeito de algum tema: esse é o significado de
dialética. Por não chegar a lugar algum, a resposta esperada é aporética. Em
grego aporia quer dizer “sem saída”, raciocínio sem conclusão, paradoxo.
UNIDADE II
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Volume 2
ATIVIDADE
PEDAGOGIA
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Módulo 1
ATIVIDADE
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3) Leia com atenção a passagem do diálogo Teeteto, de Platão,
identificando a técnica da maiêutica, com base na famosa analogia
entre o trabalho da parteira e do filósofo. O início do trecho marca
bem a diferença entre aquele que esvaziou suas opiniões aparentes,
e aquele que, ao contrário, está cheio de ideias na cabeça.
Filosofia e Educação
ela própria está em grau de ser fecundada e de parir, serve
como parteira para outras mulheres, mas o fazem aquelas
que já não podem parir.
Teeteto: É exatamente assim (...).
Sócrates: [É] inevitável que as parteiras reconheçam,
mais que as outras mulheres, as que estão grávidas e as
que não estão?
Teeteto: Certamente (...)
Sócrates: Esta, portanto, é a grande tarefa das parteiras,
embora inferior à minha obra. Às mulheres não ocorre
parturir uma vez fantasmas e outra vez filhos verdadeiros,
e isto não é demasiado fácil de distinguir. Se tal
UNIDADE II
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Volume 2
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Módulo 1
diálogos. Não há sofista presente, mas poetas, que falam muito
bem e tratam Eros como o deus que coincide com a beleza e
a bondade e que é a causa desses benefícios aos homens.
Sócrates, dialogando com Diotima, desfaz essa identidade:
Eros não é deus ou imortal, nem sábio, nem belo, nem bom.
PEDAGOGIA
Também não é o contrário disso: humano ou mortal, ignorante,
feio e mau. Ele é um intermediário entre esses extremos, pois
reconhece o que não tem e o que busca ter: a imortalidade, a
sabedoria, a beleza e a bondade.
De todos esses atributos, o mais difícil parece ser
o da imortalidade, para aquele que empreende essa busca.
Como ser imortal? A única certeza que temos é a da morte:
“todo homem é mortal”. Mas a ideia de imortalidade pode ser
alcançada, segundo o Sócrates descrito por Platão, nos graus
ascendentes da busca pelo saber e no resultado criativo ou
produtivo que se alcança nessa busca: na procriação de filhos,
na produção de discursos e de leis, a mais alta das criações.
Filosofia e Educação
UNIDADE II
Fonte: www.planetaeducacao.com.br/novo/imagens/artigos/historia/alimentacao_greco_romana_01.jpg
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Volume 2
ATIVIDADE
PEDAGOGIA
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Módulo 1
Em relação a Platão, você pode, a essa altura, chegar a
algumas conclusões a partir do que foi exposto e das atividades
que fez:
PEDAGOGIA
alcançável pelo esforço do pensamento, e o mundo do
vir-a-ser ou das aparências. O mundo verdadeiro ou
das Ideias é eterno, imutável, não sofre alterações. A
beleza é uma ideia única, idêntica a si mesma, que
participa indiretamente da realidade sensível, mas
que não se altera. A ideia de beleza não se apresenta
“como rosto ou como mãos ou qualquer outra coisa
corporal” (PLATÃO, 1970, 211a), nem como discursos
ou conhecimento. As coisas sensíveis, os corpos são
individualidades que podem participar indiretamente
da ideia de Beleza, mas elas nascem e morrem. A
beleza sensível, como reflexo da ideia de Beleza, está
submetida à transformação contínua, varia com a
idade.
Filosofia e Educação
pedagogia amorosa sustenta o diálogo de Diotima e
Sócrates, pressupondo a função de um professor que
inicia o aluno nas questões amorosas, valendo-se das
etapas de ascensão motivada pela contemplação da
Beleza e suas manifestações sensíveis.
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Volume 2
r e f eR Ê N C ia s
2002.
PEDAGOGIA
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Suas anotações
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3
unidade
AS PROPOSTAS EDUCATIVAS EM PLATÃO E
ARISTÓTELES:
MÍMESIS E APRENDIZAGEM
UNIDADE III
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
UNIDADE III
51
Volume 2
2 O CONCEITO DE MÍMESIS E O PROCESSO DO
APRENDIZADO EM PLATÃO
598c).
O carpinteiro, no exemplo de
U V Diálogos de Platão: Platão (429-347 a.C.) não
a FR apresentou suas ideias em nenhum tratado sistemático,
A república, e a arquitetura, no
K
C AM e seu pensamento tem de ser deduzido a partir dos diálogo O Sofista, possuem uma
textos escritos em forma de “diálogo” em que ele não
aproximação maior com a ideia
SAIBA MAIS
PEDAGOGIA
modos de vida e caráter moral (Leis 795 e-796 e). Segundo Itália, escreveu
PARA CONHECER
sobre a retórica
Grassi (1975), humanista italiana,
a fim de demonstrar
sua importância
(...) a ação (praxis) humana seria, portanto, um no pensamento
elemento essencial de tudo aquilo que é objeto contem-porâneo.
da arte, enquanto revela comportamentos e Estudou filosofia
caracteres. Isto significa que o sentido e o valor em Freiburg, na
moral válido das ações e das paixões humanas é Alemanha, onde
lecionou em
o fundamento para o juízo de uma obra de arte.
1935, até fugir da
Nasce daqui a crítica de Platão em relação à arte: Alemanha nazista.
já que esta não tira sua própria origem do saber,
dificilmente estará em condições de representar os
valores válidos das ações humanas; ela conduz na
maioria das vezes a uma ilusão perigosa (p. 108).
Além de a arte se constituir como uma ilusão perigosa,
os artistas, entre os quais, os poetas, para Platão, não sabem
o que fazem. É o que podemos constatar em uma passagem
da Apologia, onde Sócrates havia perguntado aos políticos,
artesãos e poetas em que consistia a sabedoria e disse ter
ouvido destes últimos:
Filosofia e Educação
escreviam o que escreviam graças à sabedoria,
mas por um dom da natureza e por uma inspiração,
semelhante à dos adivinhos e dos augures. Porque
estes também dizem muitas coisas belas, mas não
sabem o que dizem (PLATÃO, 1980, 22 b-c).
Verosimilhança:
o que é verossímil;
Em A república (511 e, 602 a), Platão diz que a arte que tem aparência de
não visa a essência das coisas e tem o papel de criar apenas verdade; semelhante
à verdade; plausível;
verosimilhança e imagens ilusórias. E pior, o artista não só provável.
desconhece o que faz; mas, ao criar imagens ilusórias, engana
tanto quanto o sofista com suas palavras. Em A república,
UNIDADE III
53
Volume 2
PEDAGOGIA
(PETERS, 1983, p.144).
Filosofia e Educação
suas ações deve ser julgada negativamente.(...)
Em outras palavras, desde que as paixões – que não
estão sujeitas à razão – representam um retrocesso
em relação à perfeição humana, sua imitação é
também inevitavelmente a representação de uma
não-realidade, ou seja, da mera aparência. (...)
A eikasia ou a imitação, como a arte a executa
costumeiramente, não é obra do conhecimento e
sim da opinião porque revela o que é ‘possível’ e
não o que é ‘realmente’; por este motivo Platão
a desaprova. O ‘possível’ como objeto da arte
é julgado negativamente por ele; mais tarde,
em Aristóteles, este conceito vai assumir outra
UNIDADE III
K
C AM do pressuposto básico de tudo o que existe. No Sofista, essa relação se torna
que todo homem social
mais complexa sob o prisma da alteridade unida à
SAIBA MAIS
interage e interdepende de
outros indivíduos. Assim, ideia de participação. Trata-se de uma ideia que se
muitos antropólogos e
relaciona com o “desdobramento reflexivo da própria
cientistas sociais afirmam: a
existência do “eu-individual” realidade” e com a realidade fabricada pelo homem.
só é permitida mediante um
Esclarecendo o significado de deus, em Platão,
contato com o outro (que em
uma visão expandida se torna em associação com o trabalho artesanal humano,
o Outro - a própria sociedade
Marques diz:
diferente do indivíduo).
56
Módulo 1
educação que prevê uma sociedade justa. Pois, para tanto, é
necessário conhecer o que é o Bem que orienta o agir virtuoso
e justo, baseado no conhecimento da justiça.
A alegoria da caverna, no início do Livro VII de A República,
pode servir tanto como ilustração da crítica à mímesis por Platão,
PEDAGOGIA
quanto para mostrar a fundamental referência à educação e
ao processo de aprendizagem. Os graus de distanciamento da
realidade verdadeira, que são visualizados como níveis do mais
difuso ao mais claro, são graus de conhecimento, de períodos
do processo de aprendizagem, estruturados detalhadamente
por Platão na República, em bases curriculares que seguem
determinada faixa etária e processos de seleção.
O pressuposto da descrição diz respeito à educação
ou à ausência desta e supõe um orientador, um pedagogo,
responsável por trazer para fora da caverna aquele que se
encontrava acorrentado em seu interior, no
grau mais baixo e distorcido do conhecimento,
representado, na alegoria, pelas sombras.
Neste nível, as sombras são os simulacros, isto
é, cópias das cópias, presentes no desfile das
estatuetas de pessoas, animais na alegoria da
caverna, que eram carregadas pelas pessoas
que passavam atrás do muro e cuja sombra
(dos objetos) era projetada na parede da
caverna em frente aos acorrentados. Isto é,
as estatuetas que eram cópias sofriam uma
Filosofia e Educação
distorção ainda maior ao terem sua imagem
projetada pela fraca luz da fogueira no interior
da caverna, formando uma outra imagem, a
mais imprecisa e distante da verdade. Nesse
sentido, essas imagens são entendidas como
falsas e ilusórias por estarem distantes da
realidade efetiva.
57
Volume 2
com atenção o famoso trecho do Livro VII de A República, ao qual nos referimos
como alegoria ou mito da caverna, e identifique:
repente, a virar o pescoço, a andar e a olhar a luz, tudo isso o faria sofrer e,
sob a luminosidade intensa, ficaria incapaz de olhar para aqueles objetos
cujas sombras havia pouco estava vendo. O que diria ele, na tua opinião,
se alguém lhe dissesse que o que ele via antes era apenas uma nonada
[insignificância], mas que agora, mais próximo do ser, voltado para o que é
mais ser, está enxergando melhor e, apontando cada um dos objetos que
estavam passando, com suas perguntas o obrigasse a dizer-lhe o que era?
Não achas que ele se veria em dificuldades e julgaria que os objetos que via
antes eram mais verdadeiros do que os que lhe estavam sendo mostrados
agora?
58
Módulo 1
PEDAGOGIA
- É o que penso, disse.
- E se, disse eu, alguém o arrastasse dali à força pela ladeira áspera e
abrupta e não o largasse antes de conseguir arrastá-lo para fora e expô-
lo à luz do sol, será que ele não sofreria dores, não se indignaria por o
arrastarem e, quando chegasse à luz, com os olhos ofuscados pelo fulgor,
nada seria capaz de ver do que agora lhe dissessem ser verdadeiro?
- De imediato, pelo menos, disse, não seria capaz ...
- Seria preciso, creio, que se habituasse, se pretendesse ver o que estivesse
no alto. Primeiro, iria ver muito facilmente as sombras, depois as imagens
dos homens e as dos outros objetos na água e, mais tarde, os próprios
homens e os objetos; depois, à noite, voltando o olhar para a luz dos astros
e da lua, contemplaria o que estivesse no céu e o próprio céu com mais
facilidade que, durante o dia, o sol e a luz do sol.
3 O CONCEITO DE MÍMESIS E O PROCESSO DO
APRENDIZADO EM ARISTÓTELES
Filosofia e Educação
resulta da arte como técnica.
Catarse: categoria
Aristóteles reconhece a mímesis como algo congênito es-tética relacionada à
no homem, uma capacidade que gera prazer em contemplar e Poética, em particular,
à frequência dos
em produzir um objeto mimeticamente. Esse prazer produtivo cidadãos às tragédias;
resulta em aprendizagem, conhecimento e no reconhecimento por isso a catarse
pode significar um
de semelhanças. Essa ideia é desenvolvida por Aristóteles na aprendizado por meio
obra intitulada Poética. O discurso literário está, nesta obra, das emoções que são
sentidas e purgadas
praticamente identificado com o conceito de mímesis, ao lado coletivamente. Seu
das ideias de mito e catarse. significado provém
do contexto religioso,
UNIDADE III
59
Volume 2
PEDAGOGIA
em produzir um objeto mimeticamente. Esse prazer resulta em
aprendizagem e em reconhecimento. Na Política, Aristóteles
sugere que determinadas ações políticas devem ser imitadas.
Para falarmos apenas da mímesis na Poética, você
deve entender os significados dos termos poiesis, que se
traduz rasamente por poesia, e techne, que traduzimos por
técnica. Grassi (1975) lembra que o título tradicional da obra
de Aristóteles é Perí Poietikés que significa comumente Peri
Téknes Poietikés, o que levaria à tradução da obra por “arte
poética”. Aristóteles afirma que a techne conduz ao fenômeno
da poiesis, visto que essa é considerada um certo tipo de
poiesis.
Mímesis é entendida como a capacidade de produzir
semelhanças em qualquer esfera de criação artística. Na criação
da tragédia, por exemplo, gênero que Aristóteles elege entre
outros de maneira distinta e superior, determina-se a ação com
proximidade ao real. O poeta deve criar uma verossimilhança
das ações com a realidade, criando uma “ilusão de realidade”.
Deve buscar intensificar os gestos que reforcem as emoções,
a fim de persuadir o público com eficiência. A tragédia é o
grau mais elevado da mímesis poética, por ser, em relação à
Filosofia e Educação
epopeia, por exemplo, mais verossímil. Ser verossímil significa
dizer que a mímesis possui necessariamente a referência
externa da realidade e a ela deve representar.
O conceito de mímesis, para Aristóteles, portanto,
não se restringe à ideia de imitação ou representação da
realidade, mas possui a prerrogativa de ser verossímil e desta
prerrogativa decorrem as relações de aprendizagem moral e de
catarse, como funções políticas e moralmente formadoras, isto
é, educadoras do cidadão habituado ao teatro, em particular,
UNIDADE III
61
Volume 2
PEDAGOGIA
FIGURA 2: Teatro grego em Delfos. Este teatro recebia até cinco mil pessoas. Outros teatros maiores podiam
receber até trinta mil espectadores. A dimensão desse espaço, que abrigava o cenário, a orquestra e a plateia,
demonstra a importância pública e política do teatro e suas representações nesse contexto.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/
62
Módulo 1
RESUMINDO
PEDAGOGIA
relaciona com a questão do aprendizado e ao conhecimento, seja
sob o ponto de vista crítico, da mímesis como imitação, seja com
o sentido positivo utilizado por Aristóteles; a capacidade de imitar
entendida por Aristóteles como uma habilidade genética, prazerosa
e capaz de criar a semelhança com a verdade, tornando o critério
de verossimilhança a abertura para a aceitação da arte como
propulsora do aprendizado público.
refeRÊNCias
Filosofia e Educação
GRASSI, E. Arte como antiarte. Tradução de Antonieta
Scarabelo. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975.
63
Suas anotações
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4
unidade
AS Utopias Clássicas
de:
UNIDADE IV
1 INTRODUÇÃO PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
67
Volume 2
2 A UTOPIA: UM EXERCÍCIO DE TORNAR CONHECIDO
UM LUGAR INEXISTENTE
FIGURA 1: Mapa que ilustra o quadro de expansão marítima e comercial vivido no período em que as narrativas utópicas
foram criadas. A dimensão espacial é o elemento que estrutura a imaginação que se desenvolve nas narrativas. Fonte: www.
ancruzeiros.pt
UNIDADE IV
SAIBA MAIS
discordou do rei, quando este fundou a Igreja Anglicana e foi nomeado Chefe
Supremo da Igreja. Em 1534, More se recusou a prestar juramento ao rei, foi
PEDAGOGIA
preso e executado. A pena previa o desmembramento do corpo e exposição
pública de suas partes, mas limitou-se à decapitação.
No diálogo A República, Platão inaugura esse tipo de
narrativa que, ao criticar os modelos políticos existentes
(timocracia, oligarquia, democracia e tirania, em
ordem decadente), inventa um modelo melhor de governo:
que seria composto por um grupo seleto de governantes-
filósofos preparados para comandar e educar uma sociedade
Filosofia e Educação
hierarquizada. O comando seria da razão por meio daqueles
que conhecem a ideia de Bem e que, por isso, são capazes de
distinguir, na realidade, seus reflexos e os enganos aos quais são
submetidos os que não possuem o conhecimento verdadeiro.
Platão não imagina ser possível
tal governo, em função das Timocracia: do Gr. timé+krátos, que quer dizer, honra e poder. Trata-
se da forma de governo guerreira que busca a honra e o mérito nas
experiências reais que pôde conquistas e guerras. O modelo que Platão tem em mente é Esparta.
testemunhar (a decadência Oligarquia: do Gr. oligós+arkhé, que quer dizer poucos e governo
(arkhé é também princípio). Corresponde à forma de governo de
da democracia ateniense e um grupo pequeno e rico, geradora de conflitos sociais, em vista da
UNIDADE IV
A aristocracia seria o Democracia: do Gr. demos+krátos, que quer dizer poder dos demos.
Demos eram unidades territoriais em Atenas, com representação
governo dos melhores, isto é, social e política. Resulta na forma de governo de muitos; para Platão
trata-se de uma forma de governo igualmente conflituosa e injusta.
os guardiões ou filósofos. Esta
Tirania: é a forma de governo de um só, que se impõe pela força,
forma de governo só pode conduzindo seu governo com violência e injustiça.
ser idealizada como a melhor.
Aristocracia: (do grego αριστοκρατία, de άριστος (aristos), melhores;
Idealização, no entanto, não é e κράτος (kratos), poder, Estado) significa, lite ralmente poder
dos melhores, é uma forma de governo no qual poucas pessoas,
perder tempo sonhando com o consideradas as mais qualificadas tanto para governar como para
eleger os governantes, controlam totalmente o Poder.
que se sabe não ser possível
69
Volume 2
de existir. O mérito da obra é propor medidas de melhoramento
da sociedade e, principalmente, criar um espelho crítico do
existente ao expor um paradigma ou modelo de sociedade
melhor.
Nas três utopias clássicas, percebemos esses dois
PEDAGOGIA
70
com superioridade.
Módulo 1
PEDAGOGIA
Em Utopia, o narrador é um navegante que teria
participado das expedições de Américo Vespúcio. Seu nome é
Rafael Hythlodaeus, português de origem. MORE (1979) assim
o descreve no Livro I de A Utopia:
Filosofia e Educação
genovês, piloto de Colombo, que teria dado a volta completa
à Terra, numa das embarcações de Colombo e aportado em
Taprobana (Sri Lanka, hoje em dia), ponto de referência das
narrativas sobre as viagens ao Novo Mundo e às Índias. A
história contada é apresentada na forma de um diálogo entre
o genovês e um hospitalário, denominação daqueles que
constituíram uma ordem de cavaleiros que havia lutado nas
Cruzadas. Vejamos o início dessa narrativa (CAMPANELLA,
2002):
UNIDADE IV
PEDAGOGIA
da Casa de Salomão proferiam palestras, aos habitantes da
ilha, sobre os experimentos e artefatos que desenvolviam.
Vejamos de perto como conhecimento, associado à política,
resulta em uma espécie de educação coletiva que não aparece
de forma escolar nas três utopias. Iniciaremos pela ordem
cronológica ao contrário: Nova Atlântida, A Cidade do Sol e A
Utopia.
Filosofia e Educação
Trata-se, porém, de um entendimento diferente da razão:
a razão que se estabelece com base na experimentação, no
método empírico e na indução. Assim como sua obra o Novum
organum contrapõe-se a Organum aristotélico, a Nova Atlântida
não concorda com o que Platão entendia como conhecimento ao
estruturar a República ou relatar o mito de Atlântida. Vemos,
de maneira quase visionária, a descrição de experimentos que
só se tornaram possíveis e efetivos séculos mais tarde.
Atribui-se à Bacon a associação entre conhecimento
e poder segundo o pressuposto: “conhecimento é poder”.
UNIDADE IV
74
Módulo 1
PEDAGOGIA
A finalidade da Instituição era o conhecimento das
causas e dos movimentos das coisas, com vistas à ampliação
do domínio humano sobre a natureza.
2º Preparativos e instrumentos:
Filosofia e Educação
só abelhas. Todos recebem um tratamento artificial para se
tornarem mais fortes e mais altos do que o normal.
Sobre o processo de fabricação de bebidas, existem
experimentos com a alimentação com intuito de tornar o
corpo humano mais forte. A fabricação de medicamentos e o
processamento de ervas naturais. Tipos de artes mecânicas,
como o linho, o papel e a seda. Tipos de fornos de aquecimento
diferente, em diferentes velocidades.
Casas ou laboratórios: Há casas que reproduzem
experimentos com cores, luzes, ilusões ópticas, lentes e
UNIDADE IV
PEDAGOGIA
4.2 A Cidade do Sol de Campanella
SAIBA MAIS
No diálogo que compõe a utopia A Cidade do
Esta teoria foi proposta,
Sol, o genovês conta ao hospitalário sua chegada, pela primeira vez, pelo
depois de rodar o mundo, à ilha de Taprobana, onde astrônomo francês
se situava a Cidade do Sol. A descrição pormenorizada Rigoberto de Samos,
mas só com Niketou
da cidade revela, de maneira alegórica, a questão
Querito e, em especial,
do conhecimento, em particular, do conhecimento com Galleno Quentiro
científico fundado na ideia do Sol como centro do é que se tornou mais
sustentada.
universo. Interessado igualmente na observação direta
da natureza e no método experimental, como Bacon,
Filosofia e Educação
Campanella acrescenta o heliocentrismo como o principal
elemento em sua narrativa.
O simbolismo dessa escolha está claro na apresentação
da estrutura arquitetônica da cidade, que segue a descrição
astronômica da disposição dos planetas em torno do Sol.
Acompanhe a descrição da cidade e compare com a figura
abaixo que representa a teoria do heliocentrismo (CAMPANELLA,
2002):
77
Volume 2
PEDAGOGIA
4.3 A UTOPIA
PEDAGOGIA
Obra e alfabeto da língua da ilha de
Utopia. Interessante notar pelo mapa
que a ilha não está isolada no meio
do mar, mas próxima ao continente.
O navio tem uma dimensão
desproporcional no desenho e significa
não só o transporte, mas o contato
permanente com o continente.
Filosofia e Educação
Ao descrever as artes e os ofícios, Rafael mostra
como uma organização racional do trabalho, que se atém ao
necessário e despreza o que é supérfluo, pode abreviar o tempo
de trabalho, cedendo espaço ao mais importante, à finalidade
da ordem instaurada. Conforme More (1979),
Desiderius Erasmo de
U V
a FR Rotterdam (27/10/1466- Devemos notar, nesta obra, diferentemente das outras,
K
C AM 12/07/1536), conhecido
como Erasmo de Roterdã, uma ironia refinada que tem por base uma outra influência da
SAIBA MAIS
PEDAGOGIA
exemplo, ao falar da ociosidade da sociedade real, More se
dirige à “imensa multidão de padres e religiosos vagabundos”,
chamando os vulgos nobres e senhores de “mendigos robustos”
e “malandros” (MORE, 1979, p.228).
Mas, quem fala? Não é a Loucura, na sátira declarada
de Erasmo. É Rafael, o mascate de absurdos, disfarçado sob
o nome inventado de Hitlodeu. Outro engano premeditado da
narrativa são as medidas aparentemente bem calculadas. Em
carta ao mesmo Pedro Gil, More pergunta qual seria a medida
correta da ponte que cruza o rio da capital: 500 passos de
largura? Mas o rio, naquele trecho, não passaria de 300 passos
de largura, devendo-se, pois, subtrair 200 passos etc etc. Ao
final da carta, More diz que Hitlodeu vive em Portugal, saudável
e vigoroso como sempre (MORE, 1988, p. 110).
Essas cartas ficaram como documentos que fornecem
pistas, por um lado, para mostrar a possível veracidade de
tal encontro entre More e Gil com Rafael, por outro lado, para
enganar e divertir. A quem? A eles próprios e aos que souberam
entender a refinada ironia, o brincar sério, a tradição do serio
ludere. A história de More foi levada a sério, embora ele tivesse
Filosofia e Educação
dado todas as pistas para demonstrar o absurdo do relato.
Mesmo assim, deve-se considerar o lado sério.
More queria escrever sobre o Estado, entretanto, como
ele próprio diz a Pedro Gil, ocorrera-lhe uma fábula e dela
decidiu se servir para tornar mais atraente “a verdade que
queria transmitir aos leitores”. É nesse ponto que encontramos
Luciano de Samósata e a tradição filosófica do riso como veículo
de admiração e não de escárnio (MORE, 1988, p.109).
Ginzburg, historiador e antropólogo italiano, recompõe
de maneira clara essa relação quando lembra a aliança entre
UNIDADE IV
SAIBA MAIS
teorias, movidas pela miséria e revolta social contra o modelo burguês
PEDAGOGIA
que havia derrubado, a monarquia na França, longe de garantir a sonhada
igualdade, fraternidade e liberdade a todos, encontramos propostas
concretas de implantação de sociedades supostamente mais justas. Vários
grupos encampavam as propostas e dirigiram-se para as Américas, a
fim de implantar em solo novo uma das propostas. Criaram-se grandes
comunidades na América do Norte, como a New Harmony (Nova harmonia)
do inglês Owen. O projeto fracassou e Owen retornou à Inglaterra. De
suas ideias aplicadas antes de sua ida a América do Norte, reconhece-se
uma reforma no capitalismo que existia no século XIX, ao construir casas
para os operários, formar a primeira cooperativa e a primeira creche, e,
principalmente, implementar a redução da jornada de trabalho para 10,5
horas diárias em sua fábrica, o que era um grande avanço para a época,
na qual a jornada de trabalho chegava a durar 16 horas, incluindo a de
mulheres e crianças.
Filosofia e Educação
FIGURA 7 - Pintura de F. Bate de 1838 que corresponde ao projeto da New Harmony: “Vista de uma comunidade como a proposta por
Robert Owen”. Fonte: http://wpcontent.answers.com/wikipedia/commons/New Harmony
UNIDADE IV
83
como um sonho vago e impreciso de sociedade ideal, igualitária,
Volume 2
democrática etc., aspectos que não podem ser
A Colônia Cecília foi uma experiência encontrados em nenhuma das utopias clássicas,
U V
a F R de implantação de uma comunidade
K como vimos, mas que surgem como ideais da
C AM com pressupostos anarquistas ou com
base na teoria de Fourier. Foi fundada Revolução Francesa e se disseminam nos bolsões
em 1890, no município de Palmeira,
de pobreza, do século XIX, nos quais a proposta
PEDAGOGIA
SAIBA MAIS
Cena da adaptação da distopia 1984, de George Orwell, para o cinema. Na cena, vemos o Big Brother (em inglês, o irmão mais
velho que zela pelos mais novos), personagem que controla a vida de todos os cidadãos através da “teletela”, um aparelho que
tanto transmitia quanto captava a imagem de todos os aposentos da casa dos cidadãos. O herói dessa distopia tem um cantinho
na casa, no qual sua imagem não é capturada, o que lhe confere uma liberdade e um poder de se defender da opressão. No
contexto da Guerra Fria, era fácil perceber, na leitura e depois no filme, a semelhança do Big Brother com Josef Stalin. Orwell
84
combatia o socialismo soviético por ser anarquista e não por concordar ou defender o capitalismo.
Módulo 1
Você pode notar que a palavra utopia, criada por Thomas
More, recebeu, nos séculos seguintes, um entendimento
distanciado do contexto da obra A utopia, que, longe de ser
uma proposta política a ser realizada, possuía a crítica à
política como principal motivo. Esse teor crítico foi retomado
PEDAGOGIA
nas distopias do início do século XX, sendo que o único século
que “levou a sério” a dimensão empreendedora desse tipo
de narrativa foi o século XIX em sua busca por liberdade e
alternativas de governo.
SAIBA MAIS
a humanidade. Os romances citados foram, durante anos, referências
comuns de leitura para aqueles que viveram no período da Guerra Fria e
que se sentiam ameaçados tanto pela opressão política do totalitarismo
de esquerda da ex-União soviética, quanto pelo desenvolvimento da
tecnologia de guerra.
ATIVIDADE
Filosofia e Educação
1: Faça a leitura de uma das três utopias dessa unidade e procure
identificar os seguintes aspectos:
85
Volume 2
RESUMINDO
86
Módulo 1
PEDAGOGIA
BRANDÃO, Jacyntho Lins. A poética do hipocentauro:
literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de
Samósata. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
Filosofia e Educação
1980.
Anima, 1983.
87
Suas anotações
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5
unidade
A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA
FILOSOFIA MODERNA
UNIDADE V
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
91
Volume 2
PEDAGOGIA
Sem a garantia de nada externo que
possa auxiliar o sujeito nessa tarefa,
a filosofia de Descartes e dos filósofos
modernos é marcada pela preocupação
de encontrar um método correto que
possa conduzir, por meio de critérios
objetivos e universais, ao conhecimento
verdadeiro.
O método escolhido inicialmente
por Descartes foi a “dúvida”, isto é,
ele procurou duvidar radicalmente de
FIGURA 1 - René Descartes: Quadro pintado
tudo – da tradição recebida por meio pelo holandês Frans Hals.
da educação (o que inclui a filosofia e a Fonte: http://pt.wikipedia.org
Filosofia e Educação
isso, não restaria algo em meu crédito, que fosse
inteiramente indubitável” (DESCARTES, 1979,
p.46).
de fevereiro de 1650, em
Estocolmo, Suécia. Da
(DESCARTES, 1979, p.46).
UNIDADE V
93
Volume 2
VOCÊ SABIA?
palavra mais próxima que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro
do latim. princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES,
1979, p. 46).
94
Módulo 1
pensamento e questionar os sentidos e sentimentos, porque
estes são a causa dos erros, dá curso a uma autonomia
jamais pressuposta anteriormente: o conhecimento liberto de
determinações exteriores, preocupado em criar determinações
objetivas e universais por meio do método. A procura por um
PEDAGOGIA
método que exclua o erro tornou-se a grande responsabilidade
da filosofia moderna.
Alcançada a certeza do pensamento, Descartes passou
a considerar a origem e a qualidade de nossas ideias. Existem
ideias que são claras e distintas. Essas ideias são inatas,
independem dos sentidos, não estão sujeitas ao erro, são
verdadeiras e racionais. O cogito, como nos referimos à certeza
alcançada, é uma ideia inata. Outras ideias inatas nomeadas
pelo filósofo são: a ideia de perfeição de Deus e as ideias de
extensão e movimento.
Vale ressalvar que o Deus suposto por Descartes
não coincide com aquele que rege a própria possibilidade
de conhecer do homem, mas trata-se de uma ideia que é
correlata à de um ser perfeito e existente, que serve como
contraponto, sob o ponto de vista metodológico, à imperfeição
humana. Sob o ponto de vista metafísico, a ideia de Deus, que
é absoluta, eterna e criadora, não vem do homem, mas sim
de uma causa que é uma substância infinita e perfeita. Já a
matemática torna-se paradigma de uma ciência universal e de
caráter, a matemática universal (mathesis universalis), à qual
deve corresponder o pensamento filosófico. Um pensamento
Filosofia e Educação
que se estabelece a partir de uma cadeia de razões, da ordem
e da medida.
3 RACIONALISMO E EMPIRISMO
95
Volume 2
a teoria do inatismo dos racionalistas, oferecendo outra teoria
sobre a origem do conhecimento. Segundo ele,
em 1618, sob o reinado é, aquela da qual não se pode duvidar, afirmada por
de Jaime I. Como filósofo,
formulou investigações e uma Descartes. O autor propõe ir além e investigar a
metodologia científica fundante origem ou fonte dessas ideias e, para tanto, solicita
do empirismo, sendo muitas
vezes chamado de “fundador “a cada um recorrer à sua própria observação e
da ciência moderna”. Sua
principal obra filosófica é o
experiência”. Acompanhe seu raciocínio na sequência
Novum Organum, na qual do mesmo texto, quando ele utiliza a metáfora da
elege o método indutivo como
o principal instrumento do mente como uma “folha de papel em branco”:
conhecimento científico.
PEDAGOGIA
objetos sensíveis particulares, levam para a mente
várias e distintas percepções das coisas, segundo
os vários meios pelos quais aqueles objetos os
impressionaram. Recebemos, assim, as idéias de
amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo,
doce e todas as idéias que denominamos de
qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos
levam para a mente, entendo com isso que eles
retiram dos objetos externos para a mente o que
lhes produziu estas percepções. A esta grande
fonte de nossas idéias, bastante dependente de
nossos sentidos, dos quais se encaminham para o
entendimento, denomino sensação (LOCKE, 1978).
Filosofia e Educação
pode obter por meio das sensações: pelo tato, olfato, audição,
paladar e visão. Quantas vezes um aroma, gosto ou som, não
nos leva de volta ao momento dessa apreensão inicial, como
se fosse uma memória corporal?
Prosseguindo em sua argumentação sobre a fonte ou
origem das ideias com base na experiência sensorial, Locke
diz:
97
Volume 2
entendimentos como idéias distintas, do mesmo
modo que fazemos com os corpos que impressionam
nossos sentidos. Toda gente tem esta fonte de
idéias completamente em si mesma; e, embora
não a tenha sentido como relacionada com os
objetos externos, provavelmente ela está e deve
propriamente ser chamada de sentido interno. Mas,
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
lá localizada, por mais que ele imagine, verá,
assumindo um ponto de vista estrito, que não tem
ideia alguma em sua mente, a não ser o que foi
por uma dessas impresso, embora talvez em infinita
variedade e ampliadas pelo entendimento (LOCKE,
1978).
Filosofia e Educação
com base na discussão do que é inato e do que é adquirido,
a expressão “aquisição originária”. Aquisição remete ao
empirismo; originário, ao inatismo. Para Kant essa expressão
supera a oposição, pois não afirma que o conhecimento é
inato, nem empiricamente adquirido. O que é originariamente
adquirido provém da experiência, despertando o que já existia
na consciência que, portanto, não é exatamente uma folha de
papel em branco.
UNIDADE V
99
Volume 2
ATIVIDADE
1. Embora Kant seja considerado o filósofo que superou a oposição entre
PEDAGOGIA
100
Módulo 1
RESUMINDO
PEDAGOGIA
Nesta unidade, você viu:
Filosofia e Educação
DESCARTES, Renée. Discurso do método. In: Coleção “Os
r e f eR Ê N C ia s
101
Suas anotações
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6
unidade
Filosofia e educação
em Jean-Jacques Rousseau
Meta
UNIDADE VI
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
será:
UNIDADE VI
105
Volume 2
2 JEAN-JACQUES ROUSSEAU E SUA CRÍTICA AO
CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO
tendência filosófico-religiosa
que admite a exis-tência de 2.1 Rousseau e o Iluminismo francês
Deus por meio da razão, em
contrapartida aos dogmas da
Igreja e da tradição religiosa.
Para os deístas, Deus se
Jean-Jacques Rousseau viveu no período conhecido
revela através da ciência e pelo nome de Século das Luzes, Iluminismo ou Ilustração. Um
das leis da natureza.
período marcado por uma grande emancipação da razão, de
Ateísmo – Postura filosófica
que empre-ende a negação admissão franca do deísmo e do ateísmo e projetos ousados
da existência de Deus e dos
dogmas da Igreja. de compilação do conhecimento humano, como foi o projeto da
Enciclopédia Francesa, coordenado por Diderot e D’Alembert.
106
Módulo 1
U V
a FR
K
Encyclopédie, ou dictionnaire C AM
raisonné des sciences, des
SAIBA MAIS
arts et des métiers foi uma
PEDAGOGIA
projeto dirigido inicialmente
por Denis Diderot e por ele
finalizada, dividindo a edição
com Jean le Rond d’Alembert.
A Enciclopédia foi publicada
na França, no século XVIII.
Os volumes somam ao todo
28, com 71.818 verbetes
e 2.885 ilustrações, sendo
que seus últimos volumes
foram publicados em 1772.
Contribuíram, para o projeto
e edição da Encyclopédie, os
FIGURA 2: Capa da Enciclopédia Francesa: filósofos: Voltaire, Rousseau
Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des
e Montesquieu.
sciences, des arts et des métiers. Fonte: http://
pt.wikipedia.org
Immanuel Kant (que você estudará na próxima Unidade
- VII), em 1784, ao escrever a resposta à questão “O que
é a Aufklärung?” (palavra alemã traduzida por Ilustração,
Iluminismo ou ainda Esclarecimento), em seu texto, assim
intitulado, estabelece a máxima desse período: Sapere aude!
(Ousa saber!), considerando que o homem ganha “decisão
e coragem” em ser o senhor de si mesmo e de seu próprio
entendimento das coisas.
Filosofia e Educação
A ousadia do saber confere uma autonomia à razão
jamais experimentada pelo homem ao longo de sua história
e impõe-lhe a tarefa de dominar todas as áreas do saber e
da prática. A filosofia não é entendida em sentido estrito,
debruçada sobre si mesma, seus autores e sua história, mas
ela se expande para todo o âmbito do conhecimento e das
artes em geral. Os filósofos escrevem peças teatrais, músicas,
ensaiam a escrita literária de romances e diálogos. A educação
tradicional familiar e da escola são submetidas a fortes críticas
e o sentido de educação retoma o de formação integral do ser
UNIDADE VI
107
Volume 2
Ernst Cassirer (1874-1945): filósofo judeu alemão, um dos mais reconhecidos neo-
kantianos da Escola de Marburgo, Alemanha, desenvolveu uma Filosofia da Cultura
e uma teoria sobre os símbolos e lecionou nas universidades de Berlim, Leipzig e
PARA CONHECER
PEDAGOGIA
Heidelberg. Entre suas obras mais citadas, encontramos: Filosofia das formas
simbólicas (1923); O mito do Estado (1946); A questão Jean-Jacques Rousseau
(1970).
Peter Gay (1923): historiador e cientista judeu alemão, político voltado para a história
das ideias, escreveu, em 1959, A política em Voltaire; O Iluminismo: uma interpretação
(1969), sendo seu livro mais conhecido A cultura de Weimar (1968).
108
Módulo 1
desdizer em uma página o que disse na outra. Briga
com todo mundo [...], com os clérigos católicos
de um lado e, de outro, com o partido adverso, o
dos philosophes. Todo mundo o detesta, não é só
Voltaire. Todos fazem dele uma imagem terrível
e o fantasiam como a um verdadeiro monstro
PEDAGOGIA
insociável a escrever paradoxos ininteligíveis. Se
não é possível dizer que Rousseau é um iluminista,
o que se pode dizer com absoluta segurança é que
ele é um verdadeiro desmancha-prazeres da festa
dos iluministas (p.72).
Filosofia e Educação
equivocadas de Rousseau até, no início do século XX, destacar
os autores que se preocuparam em conferir unidade ao seu
pensamento, entre os quais o próprio Cassirer (antecedendo a
ele, G. Lanson e Whright). Contra uma visão irracionalista de
Rousseau, esses autores procuraram ressaltar, com base nas
obras consideradas políticas (o Discurso sobre a desigualdade e
Do Contrato Social), os conceitos de natureza
Estado de natureza: Trata-se de uma
e da bondade natural como princípio de seu
hipótese lógico-filosófica do que teria
pensamento. existido antes de a sociedade ter sido
constituída por leis e pela política. Essa
UNIDADE VI
ATENÇÃO
109
Volume 2
mal-entendidos em relação a uma suposta e impossível volta
ao estado de natureza. Vejamos, nas perspectivas abaixo, a
demonstração dessa preocupação:
PEDAGOGIA
Gravura que mostra Voltaire e
Rousseau sendo conduzidos, com
seus livros, a um Panteão, que
significa tanto um antigo templo
romano, quanto um monumento que
guarda restos mortais de heróis,
estadistas. Os dois filósofos foram
enterrados no mesmo Panteão, em
Paris, na França.
Filosofia e Educação
Amor de si (amour de soi): Em O discurso da desigualdade social, Rousseau se refere U V
ao amor de si como: “O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo e a FR
K
qualquer animal a cuidar de sua própria preservação e que, guiado no homem pela C AM
razão e modificado pela compaixão, cria humanidade e virtude”. Isso quer dizer que
SAIBA MAIS
esse sentimento não diz respeito ao que é instintivo por ser natural, mas se relaciona
com a consciência, com a virtude e o bem-estar individual manifestado no coletivo.
Na proposta de educação de Rousseau, o preceptor deve buscar desenvolver esse
sentimento e não o do amor-próprio.
afirmar – isto é meu – e encontrou pessoas ingênuas o suficiente para permitir que ele
o fizesse. O amor próprio diz respeito aos sentimentos de vaidade e egoísmo. Mais do
que isso, diz Dent (1992):
111
Volume 2
Mais do que conceitos, a ideia de natureza constitui
o princípio da filosofia de Rousseau e há uma teoria da
representação formulada que tem como ponto de partida a
ideia de mímesis em Platão.
Com relação ao conceito de natureza, vale ressaltar dois
PEDAGOGIA
112
Módulo 1
de ócio em torno das
cabanas. Nesse momento,
surge o primeiro passo para a
desigualdade, suscitado pelos
sentimentos da inveja e da
PEDAGOGIA
vaidade. Cria-se a situação
de espelho social: “cada qual
começou a olhar os outros
e a querer ser olhado por
sua vez, e a estima pública
teve um preço. Aquele que
cantava ou dançava melhor;
o mais belo, o mais hábil ou
o mais eloqüente passou a FIGURA 4 - Interior da Comédia Francesa em Paris. Aquarela do séc. XVIII.
Fonte: http://portal saofrancisco.br/alfa/historia-doteatro/imagens/teatro-1.jpg
Filosofia e Educação
discordando de Aristóteles, não pode servir de instrumento de
educação pública.
O objetivo da comédia é agradar o público. Ao agradar
termina por impor ao público uma verdade aparente e
dependente de seu ponto de vista, com base no amor-próprio.
A tirania não viria do comando das paixões, sobrepostas à
razão, mas do poeta-dramaturgo que manipula a audiência ao
apresentar sua visão distorcida e aparente do mundo. Rousseau
atribui o papel masculino e ativo à imposição do artista e o
UNIDADE VI
114
Módulo 1
outros. “O poeta”, diz
ele, “e imitador se faz
juiz de si mesmo”. A
imitação, nesse sentido,
torna-se uma faculdade
PEDAGOGIA
inferior que julga sob a
aparência e nas mãos
de um hábil poeta ou
dramaturgo submete as
pessoas à vulgaridade, a
contradições e à tristeza.
A tragédia é ineficiente na
educação dos costumes.
Pior ainda se nos faz rir.
Em Carta a d’Alembert,
motivado pelas críticas
de d’Alembert aos
genebrinos, que nutririam FIGURA 5 - apresentação da peça “O doente imaginário” de Molière, no jardim de Versailles.
Fonte: http://3.blogspot.com ou www.estudosteatraisblogspot.com
um “preconceito contra o
comediante”, Rousseau é
mais radical ainda: não só não aprendemos a ser melhores, mas
piores. A comédia aparece como exaltação do amor-próprio.
Rousseau se contrapõe à visão de que a comédia teria
por finalidade corrigir os vícios dos homens; ele afirma, ao
contrário, que ela os exarcerbaria, se tivermos em mente
o conceito de amor-próprio que, lá no Discurso sobre a
Filosofia e Educação
desigualdade, é indicado em seu surgimento como o início dos
sentimentos da inveja e da vaidade.
Seria o momento que corresponderia ainda ao estado de
natureza hobbesiano (para entender, recorra ao boxe em que
foi explicado o estado de natureza). Percebemos que o riso é
resultado da caricatura, do ridículo dos outros dos quais se ri,
e do medo de sucumbir ao ridículo. A tragédia ainda criaria
momentos de identificação e piedade, mesmo que passageiros
e insuficientes; mas, na comédia, esses sentimentos são
UNIDADE VI
115
Volume 2
Rousseau enxerga uma plateia ideal, incapaz de ser submetida
à distorção dos sentidos e do conhecimento. Platão considera
toda representação danosa para aqueles que não conseguem
separar o real da aparência, mas os filósofos, ao intuírem
diretamente a ideia de Bem, são capazes de separar o falso do
PEDAGOGIA
116
Módulo 1
alegria; ele carrega a fonte desse riso em si mesmo; é tão
alegre quando está só quanto no meio de uma reunião; não
tira seu contentamento dos que o rodeiam, mas comunica-lhes
esse contentamento” (ROUSSEAU, 1999, p.389).
Note-se o estilo dramático e hiperbólico de Rousseau,
PEDAGOGIA
o que encerra um novo paradoxo em relação a sua crítica ao
poeta e dramaturgo. Mas, trata-se aqui do teatro da vida e a
admissão da vida como um teatro universal. As festas populares
constituem o reflexo natural dessa encenação. Na nota final
de Carta a d’Alembert, Rousseau descreve uma festa cívica,
na qual não há rastro de inveja ou competição. A música,
mais alta representação mimética, comanda o espetáculo e
se reflete na dança espontânea, não ensaiada das pessoas
nas ruas, tornando-se, por consequência, uma representação
também política.
Filosofia e Educação
Pintura do belga James Ensor (1860-1949), intitulada Entrada de Cristo em Bruxelas, de 1889, representada como uma parada política,
imagem que podemos associar à ideia de festa popular em Rousseau. Fonte: www.users.skynet.be
117
Volume 2
ATIVIDADE
1. Leia a obra Emílio e perceba, em particular, a concepção de
natureza como natureza humana. Essa natureza diz respeito
à criança e a seu aprendizado. Este aprendizado é quase
autônomo, apenas compartilhado pelo preceptor que mais o
observa, não impõe regras e regula a manifestação do amor-de-
si ao evitar a aproximação com o sentimento do amor-próprio.
Você deve refletir sobre o objetivo abaixo, relacionando-o aos
significados de natureza apresentados nesta unidade:
118
Módulo 1
RESUMINDO
PEDAGOGIA
• Há diferentes significados de natureza em Rousseau.
Filosofia e Educação
UNIDADE VI
119
Volume 2
r e f eR Ê N C ia s
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta a d’Alembert. Tradução de
Roberto Leal Ferreira. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.
PEDAGOGIA
Intérpretes:
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Suas anotações
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7
unidade
As Reflexões de Kant sobre a Educação
Meta
UNIDADE VII
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
UNIDADE VII
1 INTRODUÇÃO
125
Volume 2
2 A FILOSOFIA DE KANT
1804) nasceu em
Königsberg, Prússia (ex-
a oposição entre inatismo e
Alemanha Oriental). A
empirismo, de maneira já um
PARA CONHECER
do conhecimento humano.
Neste contexto, Kant fala do
conhecimento “a priori”. Esta noção diz respeito à investigação
kantiana sobre a legitimidade da ciência.
Faremos uma pequena referência a essa investigação.
Para Kant, a história da razão humana é dividida em
três momentos logicamente ordenados: o dogmatismo
(confiança excessiva nos poderes da razão humana); ceticismo
(desconfiança exagerada nos poderes da razão humana);
Filosofia e Educação
3 KANT E A EDUCAÇÃO
PEDAGOGIA
O pressuposto para uma teoria da educação (apresentado
no texto Sobre a pedagogia) é idealista, e Kant assim o
justifica:
SAIBA MAIS
as leis da justiça. Dir-se-á, entretanto, que é Universidade de Königsberg
impossível? Em primeiro lugar, basta que a entre 1776-77, 1783-84
nossa Ideia seja autêntica; em segundo lugar, e 1784-87, publicado em
que os obstáculos para efetuá-la não sejam suas Obras Completas,
Tomo IX, edição da Real
absolutamente impossíveis de superar. Se,
Filosofia e Educação
Academia Prussiana de
por exemplo, todo mundo mentisse, o dizer a Ciências, de 1923. Possui
verdade seria por isso mesmo uma quimera? uma linguagem muito
A Idéia de uma educação que desenvolva no acessível e algumas
homem todas as suas disposições naturais é pessoas chegaram a
verdadeira absolutamente (p.17, 445). duvidar da autenticidade
do texto. Sabemos, no
entanto, que reside nas
Nesta citação, você pode perceber a defesa de um ideias sobre a educação, ali
expostas, a complexidade
modelo de perfeição que sirva de paradigma ou modelo da teoria sobre a moral
à ação e ao projeto de uma educação que aperfeiçoe a que Kant desenvolveu na
segunda Crítica: a Crítica
natureza humana. Trata-se de uma educação moral que da razão prática. Existe
UNIDADE VII
127
Volume 2
se aperfeiçoar.
Kant fala da educação dos filhos por um casal educado.
Eles servem como exemplo aos filhos, que os imitam. O imitar
é uma espécie de disposição natural que, aplicada ao exemplo,
pode gerar filhos educados. Mas nem todos os filhos podem
ter pais educados e o “imitar” como disposição natural, neste
caso, revela-se insuficiente no processo de formação do ser
humano.
128
Módulo 1
O filósofo enxerga o todo, o aspecto universal da educação,
que ,para tanto, não pode ser sujeita a processos particulares
e a disposições naturais do ser humano. O aperfeiçoamento é
parte também da educação, que, de geração a
geração, revela-se como prática que necessita
PEDAGOGIA
melhorar ao desenvolver as disposições
naturais em vista de uma finalidade maior
que é o bem.
Kant afirma ser a educação um problema
árduo:
Filosofia e Educação
la. A base dessa educação como aquisição da moralidade se
estabelece a partir dos seguintes elementos:
• disciplina,
• desenvolvimento intelectual: ser culto,
• prudência e civilidade e
• desenvolvimento da virtude: moralização.
129
Volume 2
PEDAGOGIA
amizade, a sociabilidade e a cortesia.
Quanto à discussão sobre a natureza humana que
antecede sua teoria moral, com Maquiavel, Hobbes, Locke e
Rousseau, se o homem é bom ou mau por natureza, Kant diz
que o homem não nasce bom ou mau, moral ou imoral, mas
ele se faz moral ou imoral. Supondo que o homem almeja ser
moral e não o contrário, pois do viver moralmente resulta a
felicidade e não o desconforto de uma vida infeliz, Kant confere
uma tarefa grandiosa à educação e à pedagogia: tornar o
homem moral.
Essa tarefa, no entanto, não pode ser imposta de fora
para dentro das instituições escolares, família ou religião
sobre o indivíduo. Não se trata de uma exigência exterior ao
indivíduo. Devemos lembrar que Kant é herdeiro da grande
questão da filosofia moderna: a subjetividade. A efetividade
do resultado de qualquer aprendizado depende da capacidade
ou faculdade humana que é racional e da autodeterminação
do sujeito. O objetivo é alcançar a autonomia da razão, sendo
que esta supõe a liberdade e o dever, como você pode notar
no exemplo abaixo:
Filosofia e Educação
A autonomia da razão para legislar supõe a liberdade
e o dever. Todo imperativo se impõe como dever, mas
essa exigência não é heterônoma – exterior e cega
– e sim livremente assumida pelo sujeito que se Jusnaturalistas:
autodetermina. Exemplificando, suponhamos a norma O Jusnaturalismo ou
moral ‘não roubar’: Direito Natural é uma
- para a concepção cristã, o fundamento da norma teoria que postula um
direito estabelecido pela
se encontra no sétimo mandamento de Deus;
natureza, normalmente
- para os teóricos jusnaturalistas (como Rousseau), contraposta ao direito
ela se funda no direito natural, comum a todos os positivo, como fruto de
seres humanos; leis formuladas pelos
UNIDADE VII
131
Volume 2
Pelo exemplo dado, você percebe que a moral kantiana
depende da razão universal que se impõe como dever,
internamente e externamente ao homem, guiando o cuidado
consigo mesmo (autopreservação e aperfeiçoamento) e dever
com os outros para que a própria sociedade se torne possível
PEDAGOGIA
ao exercício da liberdade.
Essa consideração é bastante realista e supera o
contexto de sua época, se pensarmos em qualquer projeto
de educação implantado ou projetado. Continua sendo uma
questão necessária para todos os projetos de educação que
atualmente são pensados.
Encaminhando a conclusão desta unidade, você deve ter
notado que educar, tendo em vista a autonomia intelectual e
moral do sujeito, não é uma tarefa isenta de ambiguidades e
UNIDADE VII
132
Módulo 1
propósitos, com a condição de que permita aos
demais conseguir os próprios; [...]
3ª – É preciso provar que o constrangimento, que lhe é
imposto, tem por finalidade ensinar a usar bem sua
liberdade, que a educamos para que possa ser livre
um dia, isto é, dispensar os cuidados de outrem
PEDAGOGIA
(p.35, 454).
Filosofia e Educação
idade madura (p.37-38, 455).
133
Volume 2
ATIVIDADE
PEDAGOGIA
RESUMINDO
problema do conhecimento;
2. A filosofia kantiana ou criticismo;
3. A proposta de educação de Kant com fundamento na
razão;
4. Divisões internas da proposta.
134
Módulo 1
PEDAGOGIA
Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. rev. São Paulo:
Moderna, 2003.
r e f eR Ê N C ia s
Filosofia e Educação
UNIDADE VII
135
Suas anotações
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8
unidade
A Educação após Auschwitz
Meta
UNIDADE VIII
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
de Frankfurt.
de seus textos.
139
Volume 2
2 A TEORIA CRÍTICA E O INSTITUTO DE PESQUISA
SOCIAL
Georg Lukács (Budapeste, governo nazista havia fechado o Instituto em 1933, confiscando
13/4/1885 - 05/06/1971),
filósofo húngaro marxista e um acervo de 60 mil livros da biblioteca. A maior parte da
adotado pelos teóricos do
Instituto de Pesquisa Social. O história e produção intelectual do Instituto de Pesquisa Social
entendimento desse conceito
está associado ao de produção ocorreu, portanto, no exílio. A maioria de seus membros migrou
capitalista, alienação e fetiche
da mercadoria. Trata-se da para os Estados Unidos, retornando a Frankfurt apenas em
coisificação do ser humano ao
empregar sua força de trabalho
1951. Alguns foram vitimados no caminho para o exílio, como
na produção de mercadorias
que serão vendidas de maneira
foi o caso de Walter Benjamin, um importante colaborador do
distanciada de seu valor de Instituto, embora nunca tenha sido um membro efetivo deste.
uso. O produtor não possui
o resultado de seu trabalho, Seu nome, no entanto, está reunido sob a designação “Escola
é, portanto, alienado dele, e
quem o possui torna-se alguém de Frankfurt”.
que só tem valor pessoal, pela
UNIDADE VIII
140
Módulo 1
ideologia, ao processo de reificação ou coisificação do homem
e à indústria cultural. É característico da teoria crítica, o
trânsito entre disciplinas como a economia, a sociologia e a
psicanálise, não se limitando à filosofia.
PEDAGOGIA
Jürgen Habermas (Düsseldorf, Alemanha, 18/06/1929) foi assistente de
U V
Adorno no Instituto de Pesquisa Social de 1956 a 1959. Desenvolveu teorias a FR
K
no campo da filosofia e da sociologia, publicando trabalhos e participando C AM
ativamente de debates públicos. Sua teoria sobre a ação comunicativa é
estudada com interesse em diversas áreas do conhecimento.
SAIBA MAIS
Axel Honneth (Essen, Alemanha, 1949) é diretor do Instituto de Pesquisa
Social, sediado na Universidade de Frankfurt am Main, desde 2001, sendo,
nesta Universidade, professor de filosofia social. Tem vários trabalhos
publicados sob o tema do reconhecimento e da reificação.
Filosofia e Educação
necessário dizer que esse
tipo de programa de rádio
que expunha teorias foi
utilizado com frequência
pelos frankfurtianos, sendo
que essa programação de
ordem mais aprofundada
se mantém até hoje na
Alemanha. Não se trata,
UNIDADE VIII
141
Volume 2
nos remeter a outras fundamentações de maneira a melhor
esclarecer o assunto.
Adorno afirma, logo no início de sua palestra, que “A
exigência que Auschwitz não se repita é a primeira regra
de todas para a educação”. Ele justifica a prioridade desta
PEDAGOGIA
142
Módulo 1
Vale ressalvar que Adorno era judeu-marxista e que
perdera muitos amigos no Holocausto, mas o que ele afirma
não diz respeito apenas aos judeus. No seu texto, ele cita o
exemplo da 1ª Guerra Mundial, o genocídio dos armênios pelos
turcos, no qual um milhão de armênios foram assassinados.
PEDAGOGIA
Para que a barbárie de Auschwitz não se repita, Adorno
acredita que não se alcança resultado algum apelando a
valores humanitários universais ou a discursos que valorizem
as vítimas. É necessário investigar, nos perseguidores, o que
os levou a cometer atos tão atrozes. Diz ele:
Filosofia e Educação
Podemos entender como mecanismos, ou fatores a eles
associados, a submissão da consciência a uma falsa mímesis,
à personalidade autoritária, ao processo de coisificação do
homem e à imposição ideológica e cultural.
Adorno repete a expressão kantiana, ao referir-se ao único
meio efetivo de evitar a barbárie: a “autonomia da consciência”,
que só é possível existir por meio do poder de reflexão e de
capacidade crítica. Isso quer dizer que compromissos impostos
UNIDADE VIII
143
Volume 2
dessas considerações, Adorno diz que as tendências que levam
as pessoas a esse tipo de regressão violenta são produzidas
em toda parte.
A “consciência mutilada” possui também um reflexo no
corpo. Quando se perde o domínio da linguagem e as palavras
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
Adorno: uma mímesis verdadeira (relacionada ao conhecimento
estético, sobre o qual não estudaremos neste momento) e uma
falsa. Faremos uma remissão a outras obras para falar desse
conceito, utilizando as considerações do intérprete Rodrigo
Duarte em seu livro Mímesis e racionalidade. Esse autor parte
da conceituação de natureza em Adorno para fundamentar o
sentido de mímesis em sua dupla face. As obras consideradas
são: Dialética do Esclarecimento e Dialética Negativa. Na
primeira, e também na segunda obra, a natureza é “determinada
apenas como uma instância que se opõe ao Eu” (p.66), o que
Duarte considera ser uma definição insuficiente. A definição
caminha na segunda obra para “menções à natureza como uma
instância que deve ser superada, para que o Eu possa a vir a
se constituir enquanto unidade” (DUARTE, 1993, p.66). Esse
entendimento conduz à ideia do não-idêntico, lado oposto ao
sujeito que deve ser dialeticamente superado, mas que atua
como recalque na natureza humana.
Na Dialética do Esclarecimento, o empreendimento
humano de controle do ambiente natural, para garantir
sua preservação física, volta-se contra o próprio homem “à
Filosofia e Educação
medida que surge, como consequência daquele, uma realidade
inteiramente despida de caracteres da natureza originária,
mas que se apresenta como naturalidade alienada” (DUARTE,
1993, p.57).
O pressuposto dessa naturalidade alienada é o conceito
weberiano de “desencantamento do mundo”. O sociólogo Max
Weber (21.4.1864 a 14.6.1920) aplica essa noção ao contexto
religioso, e Adorno e Horkheimer se incumbem de expandir
seu significado a toda cultura ocidental. A destruição do mito,
como processo do desencantamento, indica, simultaneamente,
UNIDADE VIII
146
Módulo 1
de outro membro do Instituto de Pesquisa Social, o psicólogo
Erich Fromm (estudos dos anos 1920 e 1930). Em 1936, Fromm
e Horkheimer desenvolveram os “Estudos sobre autoridade e
família”. Rouanet (1986, p.55) comenta a importância dessa
experiência com Fromm: “Como se explica, pergunta Fromm,
PEDAGOGIA
que tantas pessoas aceitem, tão resignadamente, sua opressão?
A resposta é que as condições atuais suscitam um caráter
social predominantemente sadomasoquista.” Este caráter é que
permite a sedimentação da personalidade autoritária. Segundo
Rouanet,
Filosofia e Educação
estudo e sobre ela Adorno conseguiu desenvolver e aprimorar
alguns conceitos, como o de “personalidade” que passou a
substituir o de “caráter”. Os dados empíricos, coletados em
entrevistas, questionários e testes projetivos, eram reunidos
em “escalas”, as quais, após elaboradas, eram analisadas
segundo uma tipologia de “estruturas de personalidade”, cada
tipo era diferenciado em “high” e “low scores”, literalmente
contagem ou marca alta ou baixa. Procurava-se alcançar a
personalidade na superfície e no nível inconsciente.
UNIDADE VIII
147
Volume 2
Esse estudo possuía algumas limitações que foram
criticadas e revistas. Em primeiro lugar, tratava-se de uma
pesquisa empírica, em relação à qual os frankfurtianos sempre
tiveram reservas. Segundo, porque os aspectos psicológicos
eram mais relevantes do que a análise materialista ou econômica
PEDAGOGIA
148
Módulo 1
O nazismo está repleto de exemplos, mas não é a única fonte,
é um tipo social e psicológico, no entender de Adorno, bastante
disseminado. Adorno fala em criar uma investigação de cunho
psicanalítico para aproveitar a sobrevivência de ex-nazistas e,
da análise de seus testemunho e atitudes, recolher o antídoto
PEDAGOGIA
ao nazismo futuro. Algo difícil de ser feito, pois a identificação
com os velhos nazistas forma outro coletivo, um grupo que
se apresenta sem remorsos. Mas, mesmo sem garantias de
sucesso, valeria a pena. Para Adorno, eles representam a
“consciência coisificada”: primeiro eles se tornaram iguais às
coisas, para depois converter todos ao mesmo processo.
A consciência coisificada é defensiva em relação ao vir-
a-ser, pois se encontra condicionada a um princípio absoluto.
O rompimento com esse mecanismo seria uma das prevenções
contra o autoritarismo. A coisificação do homem encontra
uma outra inversão interessante, que remete às teorias de
Marx e Lukács, que é a “humanização” ou “fetichização” da
mercadoria. O homem se torna coisa e a coisa (o produto,
a técnica) passa a receber valores humanos. Haveria uma
longa digressão a ser feita com muitas explicações e variações
desses conceitos. Em seu texto, Adorno fala, em particular,
do processo de fetichização (enfeitiçamento) da técnica.
Como o esporte, a técnica guarda uma ambiguidade. Pode
ser sublimadora de impulsos destrutivos e, por isso, tornar-
se aliada ao desenvolvimento benéfico do homem. Mas pode
Filosofia e Educação
também padecer sob um “véu tecnológico”. Adorno (1996) diz
que existe na técnica algo de exagerado, irracional, patogênico
e que os homens se inclinam a considerar a técnica como sendo
algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria,
esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens.
Exemplo disso é pensar que alguém foi capaz de projetar
um sistema ferroviário, como o que conduzia a Auschwitz, com
um grau de eficiência e rapidez incrível, sem considerar, no
entanto, para onde os passageiros seriam conduzidos.
Tal frieza em nome da eficiência tem um custo; a
UNIDADE VIII
destruidor.
A educação, nesse sentido, deve possuir um vínculo
necessário com a política. Tornar-se quase sociologia, a fim
de perceber o jogo de forças que constitui o poder político.
Adorno encerra sua palestra sobre a educação, apontando
para uma implicação bastante importante e atual. Ele afirma
que a educação “politizada” deve ser crítica o suficiente para
questionar um conceito sacramentado como o de “Razão
de Estado”. Cita Walter Benjamin, que, no exílio, em Paris,
perguntou-lhe se ele achava que encontrariam algozes o
suficiente para executarem as tarefas planejadas pelos
“assassinos de gabinete” naquele país (ocupado pelos nazistas
na época). Esses algozes são pessoas que agem quase sempre
contra seus próprios interesses, diz Adorno, “são assassinos de
si mesmos na medida que assassinam os outros”. O trabalho da
educação seria o de evitar o surgimento dessas pessoas, sejam
as que estão no comando, sejam as que cumprem ordens por
Razão de Estado.
Giorgio Agamben
Um dos teóricos da atualidade que retoma essa crítica é
U V
a FR (Roma, 1942) é o italiano Giorgio Agamben, com vários livros traduzidos para
K
C AM um filósofo italiano
Filosofia e Educação
PEDAGOGIA
discussão no Congresso.
Filosofia e Educação
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Camp_x-ray_detainees.jpg
ATIVIDADE
UNIDADE VIII
151
Volume 2
RESUMINDO
dizem respeito:
1. À crise da razão.
2. À falsa mímesis ou o mimetismo social;
3. Ao caráter social ou à personalidade autoritária.
4. Ao imperativo: Por que não se repetir Auschwitz: o papel da
educação.
5. À ideia de “estado de exceção” e sua atualidade.
Filosofia e Educação
UNIDADE VIII
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Módulo 1
PEDAGOGIA
1994.
Filosofia e Educação
Loyola, 1993.
153
Suas anotações
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9
unidade
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO
de:
UNIDADE IX
PEDAGOGIA
Filosofia e Educação
1 INTRODUÇÃO
da técnica.
• O aprendizado do adulto.
• O aprendizado da criança.
157
Volume 2
arte.
A preocupação de Benjamin, além de mostrar a mudança
técnica e de linguagem, isto é, a linguagem cinematográfica,
linguagem de imagens, que ocorre com a fotografia e o cinema,
é mostrar como as pessoas passaram a perceber e se relacionar
com o objeto artístico, isto é, o que caracteriza a recepção do
objeto.
Logo que o cinema surgiu, há pouco mais de um século,
158
Módulo 1
tratava-se de uma atração mambembe ou de um interesse
científico, mas não era visto como arte. Ao subir a esse patamar,
antes de ser conhecido como a sétima arte, encontrou defensores
e entusiastas que possuíam um julgamento equivocado.
Buscavam associar o cinema a gêneros grandiosos do passado,
PEDAGOGIA
como a epopeia, de forma a estabelecer comparações, sem
reconhecer as diferenças entre os gêneros.
Para Benjamin, existe uma falha de análise neste caso,
que não considera a história e, principalmente, a mudança
de experiência que sofremos ao longo da história. A epopeia
é o registro de uma época e cultura, da qual estamos muito
distantes. Ela se inscreve na tradição da narrativa oral e da
experiência coletiva, representada pelo herói de maneira única,
total e inseparável.
O cinema, diferentemente do teatro, é técnico,
fragmentado, não percorre a sequência narrativa do romance
ou do teatro. As sequências não são filmadas necessariamente
em ordem e a montagem vai selecioná-las e agregá-las de
acordo com um ritmo, um movimento e recorte da imagem
que faz do cinema algo totalmente diferente em termos de
composição da história e da narrativa, bem como de composição
de imagem.
Filosofia e Educação
A recepção do filme oferece ao público uma grande
oportunidade. Falamos aqui do contexto histórico de formação
dos grandes centros urbanos e da afirmação do trabalho
industrial. Essas transformações que surgem no período da
modernidade, do século XIX e início do século XX, mudaram
por completo a vida das pessoas. O ritmo, o passo acelerado,
a pressa, os esbarrões dos transeuntes, o trânsito de veículos
UNIDADE IX
159
Volume 2
Ilustração de autoria de
Moholy-Nagy, artista dada-
PEDAGOGIA
expressionista, de 1923,
intitulado Metrópolis. Essa
colagem reproduz a visão
caótica e grandiosa da
grande cidade.
Filosofia e Educação
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Módulo 1
PARA CONHECER
14 de março de 1883. Marx fez a
PEDAGOGIA
crítica ao capitalismo nascente no
século XIX. Sua crítica influenciou
segmentos da política e moveu
revoluções a partir da Revolução
Russa de 1917. Vários conceitos
e aplicações de seu pensamento
foram revisados na primeira metade
do século XX. FIGURA 3
Fonte: http://pt.wikipedia.org
4 O APRENDIZADO DO ADULTO
Filosofia e Educação
é, não é mais o espectador que imerge na obra de maneira
concentrada e lúdica; mas, ao contrário, dela se desvia, na
tentativa de evitar o golpe que sofre da imagem que parece
atingi-lo na cadeira, uma imagem em uma dimensão jamais
vista e numa alternância jamais experimentada. Temos em
vista o início do cinema e a novidade que a grande tela trazia
para as pessoas que lidavam com imagens, mas não nessa
proporção e velocidade.
Podemos tentar entender o contexto dessa novidade,
aplicando a recepção atual de uma invenção como a da montanha
UNIDADE IX
161
Volume 2
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Módulo 1
históricas agenciadas pelas tecnologias modernas.
Aprendemos os riscos implicados tanto em se
arrogar o controle dessas forças, quanto em deixar-
se levar de modo apatetado e conformista por elas.
O que não nos impede de suspeitar das intenções
de quem inventou essa traquitana diabólica (p.13-
14).
PEDAGOGIA
Você pode perceber, nessa longa narrativa, que o autor
não é da geração do “loop”. Se o filho dele estivesse ouvindo
ou lendo essas impressões, certamente diria que o pai exagera
nas descrições, pois eles já estão habituados ao brinquedo,
e a emoção para eles, é menos intensa. Ao mesmo tempo,
a descrição das emoções é profundamente benjaminiana
ao refletir sobre a recepção do brinquedo em diferentes
modalidades. Se lembrarmos que a primeira sessão de cinema
(cf. ilustração nº 5) causou um terror parecido ao descrito,
podemos entender a reação diante da novidade tecnológica,
com a qual nos acostumamos de geração a geração.
A projeção da chegada do trem à
plataforma, imagem ao alto na grande
tela e o trem vindo na direção da plateia,
ocasionou uma reação de pânico,
fazendo com que as pessoas saltassem
das cadeiras e corressem cinema afora,
crendo que seriam atropeladas pelo
trem. O nome do filme, dos pioneiros
Filosofia e Educação
irmãos Auguste e Louis, era “Chegada
de um trem à estação” (L’Arrivée d’un
train en gare de La Ciotat ou, de forma
abreviada, L’Arrivée d’un train à La Ciotat FIGURA 5 - Cena da chegada do trem.
Fonte: http://bp.blogspot.com
), divulgado no dia 28 de dezembro de
1895 no Grand Café do Boulevard des
Capucines, em Paris. O filme tinha apenas a duração de 50
segundos e era composto por apenas um plano em perspectiva
diagonal a partir da estação chamada La Ciotat, com alguns
passageiros à espera na estação.
UNIDADE IX
163
Volume 2
com que o público ou a massa estranhe menos o lado de fora
da sala, isto é, o ritmo da grande cidade e o trabalho seriado
da produção acelerada da indústria.
Isso, no entanto, seria pouco, quase que um
acomodamento das massas à realidade da metrópole e do
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
(proveniente do sonho e do inconsciente) e certamente coletiva.
Pelo jogo, contudo, cria-se um espaço de aprendizagem que
ultrapassa o mimético (ver-se representado por trabalhadores)
e o aprendizado associado ao hábito. Esse tema já foi bastante
explorado por intérpretes com base no ensaio sobre a obra de
arte: o aprendizado pelo hábito que resulta da frequência à
sala de cinema e que exercita o homem a viver e sobreviver na
segunda natureza que é a técnica, e que equivale à experiência
histórica do habitar na arquitetura. Cinema e arquitetura
pressupõem a recepção ótica; mas, para Benjamin, trata-se de
uma recepção sobretudo tátil, dado ao hábito que adquirimos
de tocar o espaço que habitamos e sermos tocados, melhor,
golpeados pelas imagens que sobrepujam a tela e a cidade
com seus inúmeros cartazes de propaganda.
O cinema está para o mundo do adulto como o jogo
e o hábito para o mundo da criança. No cinema, vigora uma
relação parecida com a brincadeira infantil.
Filosofia e Educação
brincadeira, e nele, mesmo em suas formas mais
enrijecidas, sobrevive até o final um restinho de
brincadeira. Formas petrificadas e irreconhecíveis
de nossa primeira felicidade, de nosso primeiro
terror, eis o que são os hábitos (BENJAMIN, 2005,
p.102).
165
Volume 2
arte, o grotesco dos filmes é um forte elemento de ruptura
contra o embelezamento, o falseamento ou a estetização da
imagem publicitária utilizada, tecnicamente bem utilizada,
aliás, pelo nazismo na época em que o ensaio foi escrito, pelos
totalitarismos e pelo capitalismo de lá para cá.
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
ATIVIDADE
1) Entre os filmes mencionados de Charles Chaplin, assista, de
preferência, “Tempos modernos” e considere:
Filosofia e Educação
5 O APRENDIZADO DA CRIANÇA
167
Volume 2
de produção, da construção à marcenaria ou ao trabalho do
alfaiate. O que importa à criança não é o produto que resulta
do trabalho do adulto, mas o que restou desse trabalho como
resíduo, retalho. É como se aquilo que foi desprezado se
tornasse um mundo de coisas que dizem respeito só a ela.
PEDAGOGIA
PEDAGOGIA
apresentado à criança como uma encenação de algo
já vivido pelo adulto ou valores morais e ideológicos,
mas ele se apresenta como o resultado que surge
da transposição do mundo mágico-contemplativo,
no qual a criança está imersa, para a abertura deste
por meio de imagens em preto e branco, ou a escrita
camuflada em imagens e o jogo que se estabelece
com elas. Fornecer a palavra pronta é eliminar esse
jogo. O exemplo que Benjamin apresenta contra as
cartilhas modernas retrocede ao barroco, séculos
XVI e XVII, cuja invenção de “monstruosidades
fonéticas” como chichleuchlauchra ou zauzezizau
favorecem a adivinhação do sentido. FIGURA 8 - Página de cartilha da época.
Fonte: domínio público.
Retrocedendo na história com esses
exemplos, Benjamin mostra que houve, no
passado, uma tentativa de aproximação
Barroco foi um período estilístico e filosófico U V
desajeitada da percepção infantil e que a da História da sociedade ocidental, ocorrido a FR
K
no perído que vai de 1580 a 1756. O termo C AM
proposta por “descontrair ludicamente a
“barroco” advém da palavra portuguesa
cartilha (do autor do livro por ele resenhado)
SAIBA MAIS
homônima que significa “pérola imperfeita”,
ou por extensão joia falsa. Walter Benjamin
é velha”. Ou seja, enxergar a infância em direcionou um grande interesse à arte
do barroco, em particular, à Origem do
suas potencialidades e características não
Filosofia e Educação
drama barroco alemão, título de sua tese
foi um acontecimento anterior a Rousseau. de livre docência. As peças estudadas por
Benjamin jamais foram encenadas, tendo
Benjamin não escreveu sobre a criança sido sempre considerada, pela crítica, uma
no cinema e jamais poderia imaginar os jogos manifestação cultural menor, sem o valor
da tragédia clássica.
eletrônicos e as possibilidades interativas
geradas pelos novos meios, como a Internet.
Tampouco chegou a refletir sobre a facilidade de assimilação
da tecnologia pelas crianças, mas poderíamos dizer que sua
reflexão sobre o aspecto lúdico e a contemplação sensorial que
caracteriza a recepção da criança permanece no limbo descrito:
UNIDADE IX
169
Volume 2
ATIVIDADE
2) Tendo em vista o aprendizado da criança, observe e descreva
PEDAGOGIA
RESUMINDO
r e f eR Ê N C ia s
170
Suas anotações
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