Direito Penal I Taipa de Carvalho
Direito Penal I Taipa de Carvalho
Direito Penal I Taipa de Carvalho
Taipa de Carvalho
1. A proibição da retroatividade da lei penal desfavorável (CRP, art. 29º, n.os 1 – 1ª parte,
3 – 1ª parte, 4 – 1ª parte; CP, arts. 1º/1 e 2º/1)
Se a finalidade da pena é prevenir o crime, por via da intimidação (ameaça penal legal),
naturalmente que a lei que define o crime e estabelece a respetiva sanção (conexão legal entre
o crime e a pena) tem de, não apenas ser clara e precisa, mas também ser anterior ao facto que
a comunidade quer impedir que aconteça.
A Escola Clássica, com Kant e Hegel, tornou claro que a retroatividade da lei penal era
incompatível com os irrenunciáveis princípios da liberdade e da culpa, pois que estas só se
afirmam, na ação praticada. Atribuir eficácia retroativa à lei penal desfavorável significaria uma
violação da dignidade da pessoa humana, significaria uma insuportável instrumentalização
política do “ius puniendi”.
A lei penal desfavorável não pode aplicar.se a factos praticados antes da sua entrada em
vigor.
Razão essencial:
o A necessidade e garantia jurídico-política da pessoa humana frente à possível
arbitrariedade legislativa ou judicial no exercício do “poder punitivo” e os
princípios político-criminais da culpa e da prevenção geral. Constituindo a
culpabilidade fundamento e limite da pena e sendo o juízo da culpa um juízo de
censura ética pela prática da conduta e não pela ocorrência do resultado,
necessariamente que o momento decisivo tem de ser o da conduta. Digamos
que censuráveis são os agentes pelas condutas que deles dependem e não pelos
resultados que são, muitas vezes, aleatórios.
Razões suplementares:
Tratando-se da lei criminalizadora só podem ser consideradas as ações que foram praticadas
depois do seu início de vigência; as anteriores são irrelevantes sob o aspeto jurídico-penal, já
que o contrário constituiria uma violação da proibição constitucional da retroatividade da lei
criminalizadora.
Problema também não há, quando a LN é favorável, quer porque despenaliza quer porque
diminui a responsabilidade penal. Nos dois casos há lugar à aplicação retroativa da LN porque
mais favorável.
Assim, dever-se-á aplicar a lei antiga, a não ser que a totalidade dos pressupostos da lei nova
se tenham verificado na vigência desta.
Quanto aos crimes de omissão é decisivo o último momento em que o omitente ainda tinha
podido praticar a ação imposta (crime de mera omissão) ou a ação adequada a impedir o
resultado (crime de comissão por omissão).
É de notar que no caso da chamada actio libera in causa (CP, arts. 20º/4 e 295º), o momento
determinante, para este efeito, é o momento em que o agente se coloca no estado de
inimputabilidade e não no momento em que ele pratica o facto tipificado na lei penal.
2. A imposição da retroatividade da lei penal favorável (CRP, art. 29º, nº4 – 2ª parte; CP,
art. 2º, nos 2 e 4)
O art. 18º consagra o princípio geral da liberdade e o caráter excecional das suas restrições,
o art. 29º, visando diretamente a aplicação da lei penal, faz a concretização daquele princípio
geral, estabelecendo na2ª parte do nº 4, a retroatividade das “leis penais de conteúdo mais
favorável”.
Significa isto que, mesmo que não existisse a disposição contida na referida 2ª parte do nº
4 do art. 29º, a retroatividade já se teria de considerar imposta constitucionalmente pela ratio
normativa do disposto no art. 18º/2, 2ª parte, que recusa as penas pu o quanto da pena
considerados desnecessários.
Os arts. 18º e 29º da CRP assumem uma política criminal que o professor Taipa de Carvalho
designa por preventivo-ética.
3. A sucessão de leis penais e o princípio da aplicação da lei penal mais favorável (CRP,
art. 29º, nº 4; CP, art. 2º, nos 2 e 4)
A eficácia normativa da lei penal, por força do princípio constitucional da lei favorável,
estende-se, para aquém (retroatividade) e para além (ultraatividade) da sua vigência formal:
aplica-se a situações jurídicas criadas antes da sua entrada em vigor e a situações jurídicas
sobreviventes à cessação da sua vigência formal.
As alterações legislativas penais ou sucessão de leis penais em sentido amplo podem derivar
da mutação da conceção do legislador sobre a ilicitude do facto ou sobre a necessidade político-
criminal da pena, quer em sentido negativo (lei despenalizadora), quer em sentido afirmativo
(lei penalizadora).
Há ainda modificações legislativas que, mantendo a ilicitude penal do facto, por razões
político-criminais de prevenção geral e/ou especial, alteram o preceito sancionatório da norma
penal, agravando ou atenuando as consequências jurídico-penais.
A aplicação retroativa da lei penal mais favorável pressupõe que se esteja diante de uma
verdadeira sucessão de leis penais (CP, art. 2º/4); caso contrário, a LN ou será penalizadora
(criminalizadora) e só poderá aplicar-se aos factos praticados depois da sua entrada em vigor
(CP, art. 2º/1) ou será despenalizadora, extinguindo, retroativamente, toda a responsabilidade
penal (CP, art. 2º/2).
Uma lei que “converte” um crime numa contraordenação é uma lei despenalizadora e que,
enquanto tal, se aplica retroativamente (CRP, art. 29º/4, 2ª parte).
3.3. Contraordenação Crime
A lei que “converte” uma contraordenação em crime é uma lei penalizadora e, como tal, só
pode aplicar-se às condutas praticadas depois da sua entrada em vigor (CRP, art. 29º, 1 e 3; CP,
arts. 1º/1 e 2º/1).
3.4. Alteração do Tipo de Ilícito: Despenalização da Conduta (art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP,
art. 2º, nº 2) ou Aplicação da Lei Penal Mais Favorável (CRP, art. 29º, nº4, 2ª parte; CP,
art. 2º, nº 4)
Há circunstâncias tipificadas na LN que não constavam da LA?, tal significa que factos que
eram crimes deixaram de o ser por não preencherem a nova circunstância; logo houve uma
diminuição da extensão da punibilidade, por força do aumento da exigência (compreensão)
normativa da LN.
Quer dizer: com a entrada em vigor da LN, que adiciona um novo elemento ao tipo legal da
LA, o facto praticado na vigência da LA fica despenalizado, se o elemento adicionado constituir
um elemento especial; já permanecerá punível se o elemento adicionado constituir uma mera
especificação do conceito-elemento comum às duas leis.
Haverá despenalização sempre que o erro sobre o elemento adicionado (novo) excluísse o
dolo do tipo legal de crime contido na LN; haverá uma verdadeira sucessão de leis penais, com
a aplicação da lex mitior, sempre que o erro sobre o elemento adicionado não excluísse o dolo.
3.5. Condições Objetivas de Punibilidade: adição (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP, art. 2º,
nº2); eliminação (CRP, art. 29º, nº1; CP, arts. 1º, nº1 e 2º, nº1).
Nesta hipótese, a conduta que, no momento e que foi praticada era crime, deixou de o ser
com a entrada em vigor da LN, uma vez que esta estabelece como pressuposto da
responsabilidade penal a ocorrência de uma tal condição ou circunstância objetiva.
A lei intermédia é aquela lei penal cujo início de vigência é posterior ao momento da prática
do facto criminoso e cujo termo de vigência ocorre antes do julgamento, rectius, antes do
momento em que transita em julgado a sentença.
Tratando-se de uma lei que não está em vigor em nenhum dos dois momentos referenciais,
o problema da sua aplicabilidade levanta-se quando a lei intermedia é mais favorável do que as
das outras leis em confronto.
Sendo mais favorável, aplicar-se-á. Ora, porque se aplica a uma conduta praticada antes da
sua entrada em vigor, é retroativa; e, porque é aplicada já depois de ter cessado a sua vigência
formal, é ultraativa.
3.8. Determinação da Lei Penal Mais Favorável: Ponderação Concreta e Diferenciada (CRP,
art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP, art. 2º, nº 4)
Verificando-se uma verdadeira sucessão de leis penais, há que determinar qual das leis em
confronto é mais favorável ao infrator. Levantam-se dois problemas: ponderação abstrata ou
concreta? Ponderação unitária ou diferenciada?
Ponderação concreta:
É relativamente ao caso sub iudice que se deve determinar qual das leis menos desfavorece
o infrator. Tal decisão pressupõe que o tribunal realize todo o processo de determinação da
pena concreta (CP, art. 71º) face a cada uma das leis, a não ser, que seja evidente, numa simples
consideração abstrata, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra. Deve ser
concedida, ao arguido, a possibilidade de, nos casos de permanência da dúvida sobre qual das
leis é mais favorável, indicar qual a lei que prefere que lhe seja aplicada. Este aspeto foi
defendido por Henrique da Silva e está dentro do espírito e da letra da lei (CP, art. 2º, nº 4).
Ponderação diferenciada:
A ponderação unitária ou global significa que é a lei na sua totalidade, na globalidade das
suas disposições, que deve ser aplicada; já a ponderação diferenciada ou discriminada das leis
em confronto, considerada a complexidade de cada uma das leis e a relativa autonomia de cada
uma das disposições defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições
de cada lei, podendo acabar por se aplicar ao caso sub iudice, disposições de ambas as leis.
Aplicação de uma pena principal mais grave (LA) ou aplicação de uma pena principal
menos grave, mas acrescida de uma pena acessória (LN)?
o Aplicação da LA quanto à pena principal e aplicação retroativa da LN na sua
eficácia extintiva da pena acessória.
Punir o infrator como contraventor, mas com uma pena mais grave (LA) ou punir o
infrator com uma pena mais leve, mas criminalmente (LN)?
o Condenar o infrator como contraventor (LA) com uma pena de prisão mais leve
(LN).
Punir o infrator com uma pena mais grave, sendo o procedimento criminal dependente
de queixa (LA) ou com uma pena mais leve, extinguindo a queixa como condição de
procedibilidade (LN)?
o O procedimento criminal, se ainda não foi apresentada queixa, continua a
depender desta (LA), enquanto a pena aplicável, se já tiver sido ou vier a ser
apresentada queixa, será a mais leve (LN).
A lei penal temporária é a lei penal que, visando prevenir a prática de determinadas
condutas uma situação de emergência ou de anormalidade social, se destina a vigorar apenas
durante essa situação de emergência, pré-determinando ela própria a data da cessação da sua
vigência.
É ainda exigido que a própria lei estabeleça, formal e inequivocamente, o seu termo de
vigência. Em regra, a lei temporária indicará a data em que deixará de vigorar. Quando, devido
à persistência da situação de anormalidade, o legislador entender necessário a prorrogação da
vigência, fá-lo-á mediante lei que estabeleça a nova data da cessação da vigência da lei
temporária.
Dada a sua curta vigência, o julgamento dos infratores realizar-se-á, na maioria dos casos,
num momento em que a lei já não está em vigor; logo, se a lei temporária não fosse ultraativa,
perderia ela a sua eficácia intimidativa.
Figueiredo Dias afirmou “Uma exceção ao princípio da aplicação da lei mais favorável está
consagrado, no art. 2º/3, para as chamadas leis temporárias”.
Parece evidente que o regime das leis temporárias não constitui uma exceção ao regime da
normal sucessão de leis penais. No caso das “leis temporárias”, a valoração jurídico-penal das
condutas, praticadas durante a vigência da “lei temporária” mantém-se e, por isso, se
compreende, político-criminalmente e jurídico-constitucionalmente, que, apesar de a lei já não
estar em vigor, que a conduta, praticada durante a vigência da lei temporária, deva e continue
a ser punível.
É de notar que a lei temporária pode ser uma lex severior, isto é, uma lei que, por força da
situação de emergência, vem agravar, temporariamente, a responsabilidade penal pela prática
de um facto que já é, na situação normal, considerado crime.
Também pode haver uma verdadeira sucessão de leis penais temporárias, com a
consequente aplicação da lei penal mais favorável.
3.10. Medidas de Segurança (CRP, art. 29º, nos 1, 3 e 4; CP, arts. 1º, nº2, e 2º)
4. O Caso Julgado Penal e a Aplicação Retroativa da Lei Penal mais favorável (CRP, arts.
29º/4, 2ª parte, 18º/2, 2ª parte, 282º/3 e 13º/1, 2ª parte; CP, art. 2º/4, 2ª parte; CPP,
art. 371º-A)
4.1. Caso Julgado Penal, Ne Bis In Idem e Proibição da Retroatividade da Lei Penal
Proibição de duplo julgamento (CRP, art. 29º, 5º - princípio do Ne Bis In Idem) no sentido de
proibição de dupla punição pela prática do mesmo crime, eis um direito e uma garantia
fundamental do cidadão, lado a lado com outros direitos individuais fundamentais tutelados
constitucionalmente, como o da máxima restrição da pena (CRP, art. 18º, nº 2, 2ª parte) e o
correspondente e consequente direito à aplicação retroativa da lei penal mais favorável (CRP,
art. 29º, nº4, 2ª parte).
Como garantia do cidadão face ao poder punitivo estadual, nunca o caso julgado pode
constituir impedimento à concretização de mandatos constitucionais que visam a proteção dos
direitos fundamentais, como é o caso da máxima restrição da pena (CRP, art. 18º, nº 2). Seria,
deste modo, contraditório com a ratio do ne bis in idem, invocar o caso julgado para obstar à
aplicação de uma lei penal mais favorável.
4.2. O Princípio da Igualdade (CRP, art. 13º, nº1, 2ª parte): A Ressalva do Caso Julgado
Penal (CP, art. 2º, nº 4, parte final) como Fonte de Injustiça Material Relativa e de
Desigualdades Evitáveis na Aplicação da Lei Penal Mais Favorável
Ao estabelecer um limite à aplicação retroativa da lei penal mais favorável, a lei ordinária
(CP, art. 2º, nº4, parte final) diminui a extensão do preceito constitucional (CRP, art. 29º, nº 4,
2ª parte) favorável à liberdade. O mesmo limite diminui o alcance do conteúdo essencial deste
preceito constitucional, pois que o seu alcance ou sentido é o de que – como resulta,
inequivocamente, da 2ª parte do nº 2 do art. 18º e da 2ª parte do nº 3 do art. 282º – seja aplicada
a lei mais favorável, independentemente do facto de já ter ou não ter transitado em julgado a
sentença.
Quando a CRP, art. 13º, nº1, 2ª parte, estabelece que todos sejam igualmente tratadas pela
lei, é evidente que não está a impor uma justiça material absoluta, uma igualdade absoluta, mas
sim a justiça relativa e a igualdade possíveis, humana e juridicamente.
O princípio da igualdade perante a lei exige que a nova lei penal mais favorável se aplique a
todos aqueles infratores que da sua aplicação retroativa ainda podem beneficiar e proíbe que
se estabeleçam discriminações objetivas que excluam, injustificadamente, alguns dos
destinatários da lex mitior do benefício da aplicação desta.
A aplicação retroativa da lex mitior pressupõe que a responsabilidade penal ainda se não
tenha extinguido, isto é, que a pena aplicada com fundamento na lei antiga ainda não esteja
inteiramente cumprida.
Nas hipóteses em que se tem de reabrir o processo, apesar de já ter ocorrido o caso julgado
da sentença condenatória proferida com fundamento na LA, a questão-de-facto mantém-se
intocada; o tribunal apenas tem de reapreciar os factos e circunstâncias, já provadas, à luz da
LN, em ordem a determinar quais os efeitos jurídico-penais resultantes da alteração do preceito
incriminador sobre a infração já objeto de condenação transitada em julgado e cuja
responsabilidade penal ainda se não tenha extinguido: descriminalização (CP, art. 2º, nº2), não
descriminalização nem diminuição da responsabilidade penal ou persistência da criminalização,
ma diminuição da responsabilidade penal (lex mitior – CP, art. 2º, nº4).
Sendo inconstitucional a ressalva do caso julgado à aplicação retroativa da lex mitior, resulta
que deve a entrada em vigor da LN favorável determinar a reabertura do processo.
Compreende-se que seja exigível a máxima urgência na prolação da nova sentença bem
como na decisão do eventual recurso daquela. Caso contrário, o imperativo político-criminal e
constitucional da indispensabilidade da pena (LN despenalizadora) e da máxima restrição desta
(LN mais favorável) seria, muitas vezes frustrado.
Para que tal urgência não fique dependente do arbítrio do juiz deve a lei estabelecer os
(curtos) prazos dentro dos quais têm de ser proferida a sentença e decidido o recurso.
Esta solução evita as dificuldades práticas da devolução, por parte do Estado dos
quantitativos recebidos ou a injustiça relativa de apenas serem beneficiados com a aplicação
retroativa da lei penal favorável os não cumpridores e os que beneficiaram da faculdade do
pagamento em prestações.
4.4. Aplicação retroativa da lei penal mais favorável, mesmo que já tenha transitado em
julgado a sentença condenatória
Quando a lei, que entra em vigor depois do trânsito em julgado da sentença condenatória,
reduz a pena de prisão, dá que re-determinar a pena, com base na lei nova e numa redução
proporcional da pena aplicada.
O mesmo raciocínio vale para a pena de multa, acrescendo, ainda, o facto de poder ser
convertida em “prisão subsidiária”, na proporção de 3 dias de multa para 2 dias de prisão (CP,
art. 49º/1) – também, no caso de a lei, que entre em vigor depois do trânsito em julgado da
sentença condenatória, reduzir o número de dias de multa, deve esta lex mitior ser
retroativamente aplicada aos casos em que, no momento da entrada em vigor da nova lei, ainda
não tenha decorrido o número total de dias de multa.
Para determinar se (quando entra em vigor a nova lex mitior) já estão esgotados os dias de
multa, é necessário determinar o termo a quo da contagem destes. Este termo coincide com o
primeiro dia após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Deve, pois, ter-se por
irrelevante que o condenado já tenha, ou não, efetivamente, pago o montante da multa ou as
correspondentes prestações (CPP, art. 489º). Assim, na hipótese de ainda não ter decorrido o
total dos dias de multa em que foi condenado, se já pagou o montante correspondente à
totalidade dos dias de multa, deve-lhe ser devolvida a diferença entre o valor correspondente
aos dias de multa efetivamente pagos e o valor correspondente aos dias de multa que
resultaram da nova determinação da pena, em consequência da aplicação retroativa da lei nova
mais favorável.
Tal também se aplica às penas acessórias (CP, art. 65º ss.) e às medidas se segurança não
privativas de liberdade aplicáveis a imputáveis e inimputáveis.
A aplicação retroativa da lex mitior é “dever público”, o que implica que a aplicação
retroativa deve ser promovida oficiosamente pelo Ministério Público.
Para que a aplicação retroativa da nova lei mais favorável seja eficaz, é necessário que o
requerimento dirigido pelo Ministério Público ao Tribunal seja feito dentro de um prazo
relativamente curto, e que o Tribunal decida também num “prazo de urgência”.
4.4.1. Apreciação crítica da solução radical da plena retroatividade de qualquer lei penal
mais favorável, estabelecida pelo Artigo 371º - A, CPP
De acordo com o Prof. Taipa de Carvalho a alteração operada, na parte final do nº4 do art.
2º do Código Penal, pela Lei nº 59/2007, não afastava o limite do caso julgado à aplicação
retroativa da lex mitior, permanecendo este obstáculo, e, portanto, continuando a ser violados
os princípios político-criminai e jurídico-constitucionais da mínima restrição possível dos direitos
e liberdades fundamentais (CRP, art. 18º/2) e da igualdade no tratamento de situações idênticas
(CRP, art. 13º/1, 2ª parte).
Na verdade foi o texto do artigo 371º - A do CPP que consagrou uma plena retroatividade
da lei penal mais favorável, mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença condenatória
– “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena,
entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência
para que lhe seja aplicado o novo regime”.
Este artigo condiciona a aplicação retroativa da lei penal mais favorável à não execução
completa da pena aplicada na sentença transitada em julgado: “Se, após o trânsito em
julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena”. Esta condição,
que restringe a aplicabilidade da lex mitior, não é razoável pois esquece os efeitos da
condenação numa determinada pena. Assim, nomeadamente nos casos de reincidência
e da pena relativamente indeterminada, a não aplicação retroativa da lex mitior (quando
já tiver sido cumprida a pena) pode traduzir-se numa futura condenação como
reincidente (CP, art. 75º/1) ou na aplicação de uma pena relativamente indeterminada
(CP, arts. 83º/1, 84º/1, 86º/1 e 88º), enquanto que, se tivesse sido aplicada a lex mitior,
os pressupostos destas duas figuras poderiam não se verificar.