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E S P ECI A L

Gestão Pública
Estreitamento das relações entre Estado,
iniciativa privada e sociedade civil criou novas
possibilidades de atuação no setor
C
ertamente você já reclamou – ou não governamentais, fundações e também o
ouviu alguém reclamar – da lentidão setor apelidado de “dois e meio” – uma área
dos órgãos públicos, da morosidade intermediária entre o segundo setor (privado) e
do funcionário concursado ou o terceiro setor (fins públicos e não-lucrativos),
dos gastos excessivos do governo. formada por empresas que seguem um modelo
Possivelmente, até chegou a desconsiderar a de negócio social.
opção de trabalhar no setor por não concordar
com essa realidade e se desanimar diante de “A noção de espaço público se ampliou”,
tantos maus exemplos. Mas fato é que muita explica Fernando Abrucio, doutor em Ciência
gente boa tem assumido o desafio de aprimorar Política pela usp e coordenador do curso
os serviços públicos, sendo ou não contratados de Administração Pública da fgv. Com isso,
pelo Estado. aumentaram também as possibilidades de
carreira para quem tem interesse em gestão
Por lidarem diretamente com questões de pública – tendo formação específica nessa
interesse da população (como educação, área ou em cursos afins, como Administração
saúde, inclusão social), outras instituições se de Empresas, Economia, Direito, entre outras.
tornaram parte do que especialistas chamam Confira a seguir as principais áreas de atuação
de “espaço público”. Aí entram as organizações para esse profissional:
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera
pública?

altos quadros do estado


Os gestores públicos são aqueles funcionários do governo
que exercem cargos estratégicos e de direção. A maioria é
selecionada por meio de concurso, que oferece uma carreira
bastante estável, mas também existem os cargos em
comissão, para os quais a pessoa é nomeada por um superior.
Nesse último caso, as funções costumam ser temporárias e
de confiança, acompanhando o mandato de quem as indicou
– por exemplo, os Ministros, que podem ou não ser trocados
com a mudança de presidente. Embora seja normalmente
associado ao Executivo – governo federal, estadual e
municípios –, o gestor público pode atuar nos três poderes.
Também é possível pleitear uma posição política, seja como
deputado, senador, vereador, prefeito, governador, presidente.
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

gestores de ongs e fundações Esse processo vai envolver não só os atores do próprio setor
O descompasso entre a promessa dos políticos e sua público, mas também olhares de fora que ajudem a alcançar
realização pelos mecanismos de Estado abriu espaço para seu objetivo”, diz Abrucio. Esse serviço é prestado tanto por
o crescimento do número de organizações da sociedade consultorias multinacionais, como ey (Ernest & Young) e
civil que atuam em questões públicas, como erradicação da McKinsey, quanto por empresas menores especializadas
pobreza, acesso a moradia, saúde e educação. Para Abrucio, a no aconselhamento do setor público, caso da Conam e da
relação próxima do governo com ongs e fundações traz reais Fundap, por exemplo.
benefícios para a população. “Quanto mais players engajados
nessas causas, melhor o resultado. Mas, para isso, eles empreendedores sociais e lideranças políticas
precisam de gente com conhecimentos em administração Se o empreendedorismo tradicional está em alta no Brasil, o
pública”, diz. Por esse motivo, o setor atrai cada vez mais mesmo ocorre com o empreendedorismo social – a criação
executivos da iniciativa privada dispostos a mudar o rumo de empresas inovadoras focadas não só no lucro, mas na
de suas carreiras e alcançar maior realização pessoal e solução de problemas sociais. Para Abrucio, esse fenômeno
profissional. E os salários costumam estar em sintonia com o tende a ser mais forte em países em desenvolvimento, o que
mercado e podem inclusive atingir cifras bastante altas para é o caso não só do Brasil mas também de grande parte da
cargos de direção. América do Sul e Ásia, lugares com bastantes oportunidades
na área. “Houve uma mudança de valores nos jovens do
consultoria para órgãos públicos ponto de vista do mercado de trabalho. A formação na área
Os órgãos estatais que querem aumentar sua eficiência de administração pública envolve também formar lideranças
costumam procurar a visão de agentes externos – como políticas e sociais”, explica o professor.
consultorias especializadas em gestão pública – para ajudar
a melhorar seus resultados. “Há um anseio pela melhoria
dos serviços públicos que dependerá da melhoria da gestão.
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

concessionárias públicas
“O Brasil vai ter um boom de concessões públicas e ppp’s
(Parcerias Público-Privadas), o que vai fazer com que as
empresas precisem de gente que entenda como funciona o
setor público e faça o meio-campo”, diz Abrucio. Em 2013,
foram assinados no Brasil 11 contratos de ppp’s – modelo
de contrato que foi regulamentado no país em 2004. Como
constituem uma prática ainda muito recente por aqui, as
ppp’s são controversas e enfrentam o desafio de se tornar
mais transparentes em sua gestão. O governo costuma lançar
mão desse mecanismo para diluir custo, compartilhar risco
e garantir qualidade na execução de obras e prestação de
serviços de transporte (caso da Linha Amarela do Metrô
paulista), saneamento (caso da Sabesp), saúde, educação,
resíduos etc. Em São Paulo, a Artesp é responsável por
regulamentar e fiscalizar as parcerias na área de transportes.
Isadora Cohen
diretora de desenvolvimento de projetos
da SPDA

Com apenas 26 anos, Isadora Cohen é diretora e única mulher


da equipe de desenvolvimento de projetos da Companhia
São Paulo de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos (spda)
– uma sociedade de economia mista ligada à Secretaria
Municipal de Finanças da capital paulista. Formada em
Direito há três anos, a trajetória de Isadora no setor público
é marcada por uma atuação de destaque, que lhe rendeu
ascensão rápida a cargos importantes. Fazer carreira nos
quadros do governo, porém, nunca fez parte de seus planos.

Quando começou o curso na Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo (puc-sp), Isadora não tinha certeza se queria
mesmo ser advogada. Começou a estagiar na área de Direito
Ambiental já no primeiro ano de faculdade. Como lidava
bastante com aprovação e viabilização de grandes obras,
acabou enveredando para a área de infraestrutura e fez uma
iniciação científica sobre esse tema na Sociedade Brasileira de
Direito Público (sbdp).

Um ano depois de formada, e já trabalhando como advogada


em um dos maiores escritórios brasileiros – o Machado Meyer
–, foi convidada para trabalhar no setor público, em um cargo
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

de confiança ligado à diretoria geral da Agência de Transporte Nesse começo, ela investiu a maior parte do seu tempo
do Estado de São Paulo (Artesp). A razão da proposta? A em reuniões com diferentes áreas, para entender melhor
então diretora da agência tinha entrado em contato com o funcionamento da agência e, ao mesmo tempo, engajar
a monografia desenvolvida por Isadora, por indicação de e integrar a equipe nos projetos. “É preciso saber os seus
um dos professores participantes da banca avaliadora da pontos fortes e reconhecer suas limitações. Para lidar com
pesquisa – e adorado! os desafios que eu tinha e superar minhas dificuldades,
resolvi potencializar uma característica minha, que é ser
A pesquisa de Isadora questionava o postulado do Direito colaborativa”, diz Isadora.
que diz haver supremacia do interesse público, propondo
uma análise individual e concreta de conflitos e ponderação Ao conversar com tantas pessoas, percebeu que o que
dos interesses contrapostos em face das particularidades de sabia até então não dava conta de todas as demandas do
cada caso. Essa postura interessou a agência, que lidava com setor público. “Ao lidar com grandes obras, além de saber
concessões e parcerias público-privadas (ppps). “Eles acharam de leis, você precisa entender um pouco de economia,
que eu poderia trazer novos ares, oxigenar o setor público.” administração, gestão. Fora o lado técnico, que é próprio de
cada situação”, diz. Para aprofundar seu conhecimento, fez
artesp uma especialização em infraestrutura na Fundação Getúlio
Isadora aceitou a proposta e assumiu a coordenação de Vargas (fgv-sp).
diversos projetos envolvendo grandes obras de infraestrutura.
Era a mais jovem de sua equipe e, para compensar a pouca spda
experiência, recorreu aos funcionários mais velhos. “Tive Sua atuação na Artesp lhe rendeu um novo convite, dessa
que bater na porta de profissionais que já tinham tido vez para assumir a diretoria da spda. A função da companhia
responsabilidades parecidas. E aprendi muita coisa com eles.” é auxiliar a prefeitura paulistana na otimização do fluxo de
Como fazer a diferença
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receitas do município e na obtenção de recursos financeiros, concluídos, acabaram sendo arquivados. “Isso poderia me
além da realização de investimentos para viabilizar suas desmotivar, mas prefiro focar nas conquistas (mesmo nas
inciativas de maior prioridade – mesmo diante de um cenário pequenas)”, diz.
em que a prefeitura lida com a administração e necessidade
de pagamento da dívida com a União. Para se ter uma ideia, O desempenho nos outros projetos também contribuiu
hoje São Paulo deve 57 bilhões de reais aos cofres federais, para aumentar sua visibilidade, lhe rendendo um cargo de
o que compromete grande parte do orçamento da cidade e consultora na própria fgv e a atuação como mentora de
impacta a realização de projetos de infraestrutura. trainees do programa de imersão na Gestão Pública do Vetor
Brasil. “Tudo o que fiz até hoje faz parte da bagagem que
Isadora destaca que o cenário da administração pública carrego comigo, independentemente de ter sido efetivamente
municipal é completamente diferente da estadual. implementado ou não.”
“Enquanto o estado ainda tem saúde financeira para realizar
certas empreitadas, no município a situação é de alto
endividamento. A minha missão é pensar fora da caixa, criar
modos de trazer investimento que viabilize a realização dos
projetos, mesmo em meio às restrições orçamentárias.”

resiliência
Para Isadora, quem ocupa cargos públicos precisa saber
lidar com frustrações. Dos seis projetos em que trabalhou na
Artesp, por exemplo, apenas um saiu do papel – a ppp Nova
Tamoios, de ampliação da rodovia paulista. Outros, embora
“Para lidar com os
desafios da liderança,
é preciso saber
seus pontos fortes
e reconhecer
suas limitações”

isadora cohen
spda
Mário Corochel (pp)
e Marisa de Sá (pt)
Vereadores de Araras e Guarulhos

Com apenas 23 anos, Mário Corochel foi o vereador mais


votado em sua cidade natal, Araras, no interior de São Paulo,
em 2012. Com pouco mais de 118 mil habitantes, o município
é um importante centro do agronegócio paulista e está
entre os 65 maiores idhs do estado. Tratava-se da primeira
candidatura de Mário, mas que já lhe rendeu a segunda
maior votação da história local. A vitória também teve um
significado pessoal e pôs fim a uma antiga frustração familiar.
“Meus pais foram candidatos, mas nunca foram eleitos. Fui o
primeiro da família que conseguiu”, confessa. Seu principal
papel hoje é defender os interesses da população de Araras,
elaborar leis municipais e propor projetos que melhorem a
vida na cidade.

A vontade política vem desde criança e se reflete em uma


sucessão de cargos que começaram com representante
de sala e culminaram na presidência da Câmara Jovem de
Araras – um projeto que incentiva o protagonismo juvenil
na política. Aos 18 anos, quis lançar sua candidatura oficial,
mas encontrou resistência familiar. Os pais queriam que ele
fosse para a faculdade e foi o que acabou fazendo: ingressou
Como fazer a diferença
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no curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de


São Paulo (usp) e se mudou para a capital. Logo depois de
formado, voltou para Araras e disputou um lugar na Câmara
de Vereadores.

A educadora Marisa de Sá, por sua vez, já era vereadora de


Guarulhos em 2012, quando reelegeu-se para um segundo
mandato. Antes de ocupar o cargo na Câmara, foi professora
da rede pública durante 13 anos e diretora da Secretaria de
Educação municipal. Guarulhos, embora possua um dos
maiores PIBs do estado, apresenta vários desafios na área
pública. Com a construção de rodovias nos anos 1950 e do
aeroporto na década de 1980, por exemplo, a cidade cresceu
rapidamente e sem grande preocupação com urbanização,
infraestrutura ou serviços públicos.

desafios
Embora em contextos bastante diferentes, Mário e Marisa
enfrentaram dificuldades parecidas durante a campanha
e depois de eleitos. Muito mais jovem do que os demais
candidatos, Mário teve que lidar com o preconceito dos
eleitores em relação à sua pouca idade. De forma espontânea,
Como fazer a diferença
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sua campanha passou a adotar a estratégia de contrapor atuação


sua inexperiência à formação acadêmica focada em Ao longo dos seus dois mandatos, Marisa afirma ter
administração pública, algo raro na cidade. emplacado 21 projetos de lei, a maioria deles ligada às
escolas. Ela acredita que sua formação em educação – tem
“As pessoas começaram a comentar entre elas: ‘Vou votar no graduação e mestrado na área – e a vivência em sala de aula
menino que estudou’. E a gente viu que isso era de fato um ajudam muito na atuação como vereadora. Em seu mandato,
diferencial”, conta. Mas destaca: “Fazer campanha não é fácil, Marisa defende a capacitação do professor e o uso cada vez
precisei trabalhar muito em cima da minha candidatura.” maior de ferramentas tecnológicas no ensino. “É preciso
A questão financeira foi outro obstáculo. Filiado ao Partido modernizar a escola, mudar o currículo e inserir novas
Progressista (pp), Mário utilizou 20 mil reais do fundo tecnologias”, diz.
partidário e 10 mil reais de recursos próprios, preferindo não
receber doações de empresários. Ao contrário de Marisa, que faz parte da base de apoio do
prefeito, Mário é oposição e acredita ter mais liberdade em
Marisa, filiada ao Partido dos Trabalhadores (pt), também suas posições dessa maneira. “Não tenho rabo preso com
enfrentou o desafio de realizar uma campanha com ninguém, não sofro pressão na hora de votar os projetos e
recursos limitados e apostou no seu histórico de militância posso fiscalizar a atuação da prefeitura”, diz. A contrapartida
para alavancar a candidatura. “Eu vim de baixo, de uma é uma dificuldade maior de conseguir a aprovação de seus
origem simples e de um contexto militante. Procurei então próprios projetos. Por isso, não esconde a pretensão de crescer
maximizar um ponto forte meu, que é saber mobilizar as na política: “Se eu conseguir ser prefeito, aí sim vou poder
pessoas”, conta. “Normalmente, faço campanha na porta das implementar muito mais do que aprendi”.
escolas, falo com a diretora, a cozinheira e os pais, faço dali o
meu espaço de diálogo”, complementa.
“Precisei trabalhar
muito em cima da
minha candidatura.
A questão financeira
foi outro obstáculo.”

mário corochel
vereador
Denis Mizne
Diretor executivo da Fundação Lemann e
fundador do Instituto Sou da Paz

O engajamento com causas sociais é uma constante ao longo


da carreira de Denis Mizne. Aos 38 anos, ele acumula vasta
experiência no terceiro setor, com uma breve passagem no
governo federal. Hoje, é considerado referência em duas
áreas de grande interesse para as políticas públicas no Brasil:
educação e segurança.

Advogado formado pela Faculdade de Direito da usp, com


mestrado em Gestão Pública pela fgv-sp, ele é atualmente
diretor executivo da Fundação Lemann e presidente do
conselho do Instituto Sou da Paz, do qual foi fundador. É
membro dos conselhos da Fundação Roberto Marinho e do
gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas.

No passado, trabalhou no Ministério da Justiça e integrou


uma série de conselhos de política de segurança pública.
Ainda participou de um programa de desenvolvimento de
lideranças na Universidade de Yale e foi visiting scholar no
Human Rights Advocates Program da Universidade Columbia.
Conheça mais sobre a trajetória de Denis:
Como fazer a diferença
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sou da paz imagina como isso pode dialogar com as políticas públicas é
Desde a faculdade, Denis sempre teve bastante envolvimento pouco provável que faça alguma diferença”, diz. Para ganhar
com questões de interesse público. Foi inclusive presidente escala e multiplicar o impacto, o Sou da Paz sempre apostou
do Centro Acadêmico do seu curso. Em 1997, organizou com em parcerias com o governo.
outros estudantes a primeira campanha da sociedade civil pelo
desarmamento no Brasil. Essa campanha, chamada “Sou da governo federal
Paz”, foi o embrião do instituto que fundaria dois anos depois. Do início da campanha Sou da Paz até a consolidação do
instituto, Denis se formou, ganhou uma bolsa para participar
O que começou como um projeto universitário ganhou de um programa de direitos humanos para jovens ativistas na
projeção internacional e tem pautado diversas políticas Universidade de Columbia, em Nova York, e ainda passou por
Brasil afora. Hoje, as ações da organização são vistas como um cargo no governo federal. Sobre a experiência em Brasília,
referência na prevenção da violência, na melhora da polícia ele conta: “Foi muito interessante conhecer um pouco da
e no controle do comércio e uso de armas. Ela é reconhecida, magnitude do setor público”.
por exemplo, por ter reduzido sensivelmente os homicídios
na cidade de São Paulo nos últimos anos – entre 2003 e 2013, Entre 1999 e 2000, Denis foi assessor especial e chefe de
o número caiu 81%. gabinete do Ministro da Justiça. À época, ajudou a aprovar no
Congresso o Estatuto do Desarmamento. “Era muito jovem
Denis esteve à frente do instituto por 12 anos e destaca e já tinha uma responsabilidade muito grande lá dentro, me
a liberdade que tinha à frente de uma organização não sentia relevante”, conta. “Existe um mito de que no governo
governamental. “A gente tinha uma possibilidade de se trabalha pouco ou que quem vai para o setor público é
experimentação maior, de criar coisas que o Estado muitas porque não encontrou espaço no setor privado. Não é bem
vezes está muito engessado para pensar. Mas se você não assim. As questões mais complexas estão na esfera pública. É
Como fazer a diferença
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muito difícil, por exemplo, melhorar a educação de um país. fomentando talentos dispostos a transformar a realidade
Para trabalhar com isso tem que ser bom.” brasileira; apoia programas do governo e da inciativa privada
que oferecem ajuda financeira a jovens que querem estudar
Para ele, a sociedade só vai resolver seus problemas na no exterior; incentiva o desenvolvimento de políticas públicas
medida em que valorizar as pessoas que escolhem dedicar de impacto na educação por meio de apoio a pesquisas,
suas carreiras às causas públicas. “Se a gente quer enfrentar plataformas e publicações; também desenvolve projetos
os problemas do Brasil de verdade, precisa trazer as melhores para a capacitação de líderes educacionais e professores por
cabeças para atuar no setor público ou junto dele. Acho que meio de seminários, cursos e programa de talentos. Tudo isso
estamos indo nessa direção”, diz. porque acredita que para haver educação de qualidade no
Brasil é preciso ter bons gestores no setor.
fundação lemann
Há três anos à frente da Fundação Lemann, é lá que Denis debate público
investe a maior parte de seu tempo hoje, dividindo os Em cada uma das instituições em que trabalhou, Denis
compromissos de diretor com viagens a diversos países sempre teve momentos de interlocução com o Congresso
pesquisando tecnologias e práticas inovadoras na área da para advogar em defesa das causas da segurança, sempre
educação. A organização sem fins lucrativos, fundada em que circulavam projetos dessa temática.
2002 pelo empresário Jorge Paulo Lemann, tem como objetivo
melhorar a qualidade do aprendizado dos alunos brasileiros e “É impossível que os congressistas tenham conhecimento
formar uma rede de líderes transformadores. aprofundado sobre todas as questões que são discutidas ali,
e a imensa maioria vota contra ou a favor de um projeto sem
Para tanto, ela possui um programa de bolsas de estudos ter informações suficientes sobre o assunto. Mas há muito
para áreas estratégicas como educação e políticas públicas, espaço para quem quer dialogar, construir políticas públicas,
Como fazer a diferença
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contribuir tecnicamente para o debate, seja a partir da


academia, da sociedade civil ou do próprio governo”, diz.

O balanço final de quem transitou entre governo e


organizações do terceiro setor é bastante positivo. “Hoje eu
comparo a minha vida com a de muita gente que se formou
comigo e está atuando em outras áreas. Tenho a certeza de
que a satisfação pessoal que tiro do meu trabalho não podia
ser maior.”
“Para fazer a diferença
no terceiro setor é
preciso dialogar
sempre com as
políticas públicas”

denis mizne
fundação lemann
Miriam Ascenso
Gerente de projetos da Fundação BRAVA

Desde o início da faculdade, Miriam Ascenso esteve envolvida


com o tema de gestão. Primeiro à frente da empresa júnior
do curso de Relações Internacionais da Trevisan Escola de
Negócios, em São Paulo. Depois, como embaixadora da Brasil
Júnior (Confederação Brasileira de Empresas Juniores) na
Europa. Também fez parte da primeira leva de embaixadores
CHOICE, rede de universitários engajados em negócios sociais
promovida pela Artemisia. E participou do Laboratório,
programa de jovens lideranças da Fundação Estudar.

Esse engajamento em entidades estudantis e atividades


extracurriculares lhe proporcionou ter experiências práticas
muito cedo e se aproximar de pessoas inspiradoras nesse
caminho. E foi através delas que conheceu a Fundação BRAVA –
uma organização familiar sem fins lucrativos que apoia líderes
transformadores comprometidos com o desenvolvimento do
Brasil – da qual é hoje gerente de projetos, aos 26 anos.

Criada em 2000, a equipe que faz a BRAVA funcionar é


enxuta: são sete pessoas, egressas de cursos como Economia,
Administração de Empresas, Gestão Financeira, Engenharia
de Produção e Administração Pública. Seu foco é gerar
impacto social através da melhoria da gestão pública. Mas a
Como fazer a diferença
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atuação da organização acontece nos bastidores: seu papel E é aí que a BRAVA e a própria Miriam pretendem deixar um
é articular parceiros experientes do setor privado a fim de legado. “Há uma preocupação grande para a evolução das
viabilizar e disseminar soluções inovadoras que consolidem a competências dos funcionários públicos, já que o que nós
cultura de gestão no Estado e gerem resultados para o Brasil. queremos é aumentar o alcance do impacto da organização
sem precisar estar lá”, diz. Ela explica que um dos desafios da
Ao longo dos últimos anos, a organização apoiou mais de BRAVA está na continuidade e na longevidade da mudança
30 projetos em administrações municipais e estaduais de cultura no setor público. “Nossos projetos buscam
brasileiras – trazendo melhorias para áreas como educação, envolver gestores públicos de carreira em todo o processo e
segurança, gestão e equilíbrio fiscal. Por meio deles, impactou institucionalizar os avanços.”
mais de 7 milhões de pessoas diretamente e 100 milhões
indiretamente, além de gerar 15 bilhões de reais entre ganhos Recentemente, Miriam esteve envolvida de perto no
e economias para o setor público brasileiro. desenvolvimento do portal Meu Município – que organiza
e disponibiliza, de forma bem simples, dados sobre as
Todo seu esforço envolve a promoção, dentro do setor público, finanças públicas dos municípios brasileiros, provenientes
de valores comuns no dia a dia de empresas privadas – da Secretaria do Tesouro Nacional e do ibge. Os principais
como meritocracia, foco em resultado e um sonho grande objetivos do site são dar transparência às contas municipais,
desafiador que faça todos remarem na mesma direção. Há estimular a participação do cidadão no acompanhamento
mais de três anos na organização, Miriam não tem dúvidas: dos orçamentos públicos e estimular o gestor público a
uma gestão pública eficiente pode transformar Brasil. “O desenvolver políticas públicas cada vez mais eficientes e de
gestor público trabalha tão preocupado em apagar incêndios melhor qualidade para o cidadão. “Buscamos disseminar e
e resolver questões urgentes, que acaba tendo dificuldades de inspirar boas práticas através de projetos como esse”, diz.
priorizar análises de longo prazo”, diz.
“O gestor público está
tão preocupado em
apagar incêndios,
que não consegue
priorizar análises
de longo prazo”

miriam ascenso
fundação brava
Bruno Correia
Técnico em planejamento e gestão da Fundap

Bruno Correia iniciou sua carreira no governo de São Paulo


quatro anos atrás, por meio de um concurso. A ideia não
passava pela sua cabeça quando, aos 17 anos, mudou-se
de Santos para a capital paulista para estudar Relações
Internacionais na Faculdade Santa Marcelina. Na época,
queria ser diplomata.

Se já no primeiro ano do curso percebeu que ainda faltava


algo, o interesse por questões políticas permaneceu aceso.
Acabou entrando também em um curso correlato, que ia
mais de encontro às suas expectativas: Gestão de Políticas
Públicas, na Universidade de São Paulo (usp).

Formou-se nos dois, e realizou um mestrado em Ciências


Humanas e Sociais na Universidade Federal do abc. Passou
pela inciativa privada e por ongs antes de integrar os quadros
no governo. Sua motivação, assim como ocorre com outros
jovens gestores públicos, passa pelo impacto positivo na
sociedade. “Não dá para pensar em governo sem pensar em
sociedade civil”, defende.

Hoje, além da carreira de técnico em planejamento e gestão


da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap),
Como fazer a diferença
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entidade vinculada ao estado de São Paulo, ocupa na instituição A estratégia para reverter essa situação é baseada em três
a função de Assessor Técnico em Relações Institucionais. pilares: pesquisa, consultoria e capacitação. São funções
da Fundap, por exemplo, contratar todos os estagiários do
fundap governo paulista, realizar programas de formação continuada
Quando a Fundap foi criada, em 1974, a necessidade de para os funcionários públicos e elaborar relatórios que
modernizar e inovar o estado já era uma preocupação dos auxiliem os gestores em suas decisões.
governantes: a organização tinha a função de melhorar
a eficiência da máquina pública nos serviços prestados à Para Bruno, esse tripé proposto pela fundação faz sentido.
sociedade. Hoje, com o crescimento da população paulista e Enquanto a pesquisa permite compreender as demandas
o surgimento de novos desafios na área pública, esse papel da sociedade e os pontos críticos da administração pública,
parece mais relevante do que nunca. é a consultoria que abre as portas para propor pontos de
melhoria e maneiras de otimizar os processos nos órgãos
“O que impede uma maior eficiência do setor público é a estatais, sugerindo formas de gestão mais eficientes. Por fim,
baixa capacidade administrativa”, diz Bruno, reforçando a capacitação permite aos servidores colocar em prática tudo
que o problema está mais relacionado com a gestão do que isso, materializando assim a tão necessária inovação.
com dinheiro. Com uma equipe própria de cerca de 300
funcionários e alguns consultores externos contratados para inovação
projetos específicos, a missão da Fundap é dar conta desse Bruno teve a oportunidade de participar desse ciclo virtuoso
gargalo administrativo. Para isso, fazem parte do time não só logo que entrou na Fundap. Fez parte da equipe que elaborou o
administradores, mas também cientistas sociais, cientistas projeto Avalia sp, uma iniciativa que busca medir a qualidade
políticos, matemáticos, entre outros profissionais. dos serviços públicos por meio da opinião dos usuários. A ideia
é simples: criar um canal de diálogo com o cidadão, em que
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

ele possa dizer com o que está satisfeito e com o que anda
irritado. Quando toda essa informação é processada e levada
ao responsável pelo serviço avaliado, ele estará preparado
para planejar políticas públicas mais eficientes. Apesar de ter
grande afinidade com os propósitos da fundação, Bruno não
descarta a possibilidade de ir para outros órgãos. Mas tem
certeza de que é no governo que quer trabalhar.
“O que impede uma
maior eficiência do
setor público é a sua
baixa capacidade
administrativa”

bruno correia
fundap
Fabian Caetano
Diretor da Conam

O setor público se transformou em um importante cliente


do mercado de consultoria nas últimas décadas. O principal
indicador disso talvez tenha sido a transferência da sede
da gigante Booz Allen Hamilton para Washington d.c.,
capital norte-americana, em 1992, para ficar mais próxima
de seu principal cliente: o governo federal. De sua receita
anual de cerca de 5 bilhões de dólares, estima-se que 99%
venha do setor público. Outras grandes consultorias como
ey, McKinsey, Bain e Falconi também vêm ampliando seu
portfólio no governo.

No Brasil, a Consultoria em Administração Municipal


(Conam) dedica-se exclusivamente a atender organizações
de diversas cidades, prestando seus serviços a prefeituras,
câmaras de vereadores, autarquias, entre outros. Há 35
anos no mercado e com sede na capital paulista, atende
quase uma centena de clientes espalhados por São Paulo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, estado em que abriu
recentemente uma filial.

A demanda pela ajuda desses consultores cresceu com duas


leis recentes, que obrigaram a prefeitura a rever práticas: a Lei
de Acesso à Informação, que regulamenta a disponibilização
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

pública de dados para o cidadão, e a Lei de Responsabilidade clientes. “Não somos contratados por área, mas para dar
Fiscal, que prevê maior controle nas contas públicas. consultoria como um todo”, esclarece. Isso explica em grande
parte a composição variada da equipe: enquanto a maioria
história dos 170 funcionários são administradores ou advogados,
Fabian Rodrigues Caetano, hoje diretor da Conam, viu de também estão lá engenheiros, analistas de sistemas e
perto o desenvolvimento da empresa. Filho de um dos programadores. Estes últimos dão conta do desenvolvimento
fundadores, cresceu bastante envolvido com o setor público. de poderosos aplicativos de informática, um dos elementos
“Meu pai trabalhava na prefeitura, mas percebeu que, chave na estratégia da consultoria.
naquela época, ia ter dificuldades de crescer e adquirir novos
conhecimentos. Foi aí que fundou a Conam e começou a tecnologia
trabalhar para, e não mais no setor público”, brinca. A cena folclórica do funcionário de repartição pública
sentado atrás de um balcão de madeira, usando máquina
“Quando eu era criança ele me levava às vezes às prefeituras. de escrever e um carimbo de protocolo é algo que a Conam
Foi aí que eu percebi que o servidor público é muito carente empenha-se em desconstruir. Há 20 anos a empresa
de capacitação, e essa possibilidade de ajudá-lo é o que começou a investir na área de tecnologia, e hoje desenvolve
mais me agrada no que eu faço”, conta Fabian, que formou- soluções tecnológicas próprias para otimizar procedimentos
se em Tecnologia da Informação pela Fundação Armando específicos do setor público.
Álvares Penteado (faap) e desde então tem se focado no
desenvolvimento de projetos envolvendo ti. Imagine a seguinte situação: determinada cidade precisa
aumentar sua arrecadação. Os consultores podem sugerir,
Ele aposta em um serviço completo, que dá conta das por exemplo, que se institua a nota fiscal eletrônica como
necessidades administrativas, jurídicas e tecnológicas dos forma de melhorar a fiscalização e diminuir a sonegação
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

de impostos. Diante disso, a equipe jurídica auxilia na público. Já em relação aos advogados, é necessário ter
elaboração da lei que obrigará os estabelecimentos a domínio de direito tributário, licitações, recursos humanos ou
utilizarem esse sistema. A equipe de tecnologia, por sua vez, direito público. Para a equipe de tecnologia, não há demanda
implanta na prefeitura o programa que mais se adequa a essa específica de especialização, mas afinidade com a área
necessidade e capacita os funcionários. governamental será sempre bem-vinda.

Atualmente, a Conam trabalha com um sistema próprio de


notas fiscais na nuvem, o que possibilita maior agilidade
nas emissões, acesso remoto, além de cruzamento de
informações e insights estratégicos. “É possível saber, por
exemplo, qual é o serviço mais ativo na região, e a partir
daí buscar atrair empresas desse ramo”, explica Fabian,
reforçando que os dados entregues sempre buscam auxiliar o
gestor público em suas decisões.

perfil
O que o Estado espera das consultorias, muitas vezes, é uma
transferência de expertise organizacional do setor privado
para o setor público. Para Fabian, no entanto, ter alguma
experiência em administração pública é um diferencial. Dos
consultores, ele espera um conhecimento mais profundo
de contabilidade, planejamento e planos de conta no setor
“O servidor público
é carente de
capacitação, e a
possibilidade de
ajudá-lo é o que
mais me agrada
no que faço”
fabian caetano
conam
José Frederico Lyra Netto
Cofundador do Projeto Vetor Brasil

Ao se graduar, o desejo de muitos jovens profissionais é de


trabalhar com algo que realmente “faça a diferença” no
mundo, certo? Foi pensando nisso que José Frederico Lyra
Netto, de 30 anos, criou o Vetor, um projeto que pretende unir
este interesse profissional de transformação à gestão pública
em municípios brasileiros.

A ideia surgiu quando José, que hoje faz mestrado em


políticas públicas em Harvard, Estados Unidos, ainda cursava
a faculdade de engenharia mecatrônica na Unicamp.
E então pesquisou, ao lado de outros colegas, possibilidades
de participar da gestão pública do país. “Nós nos
perguntamos: como, enquanto jovens, conseguimos agir para
provocar mudanças no Brasil auxiliando no curto prazo?”,
conta José Frederico.

Em uma primeira experiência, o grupo selecionou pequenos


municípios e ofereceu projetos que levassem orientações
técnicas interessantes àquelas cidades. Esta vivência os fez
perceber que desenhar um plano não garante que ele vá
ser implementado com sucesso. “Então, em vez de focar em
planejar novos projetos, buscamos jovens profissionais para
efetivar projetos em que as prefeituras já tivessem interesse.”
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

Diante deste novo direcionamento, a busca passou a ser por Antes de partirem para o projeto, os jovens profissionais
prefeituras que precisam de ajuda e têm líderes que querem selecionados recebem um treinamento com conteúdo
efetivar mudanças, o que quer dizer lugares em que os jovens analítico (como lidar com dados), de gestão pública geral,
selecionados pelo Vetor encontrarão espaço para trabalhar. conteúdo específico de gestão para a cidade em questão e de
ética. Além do treinamento, o Vetor oferece suporte em três
Já a busca pelos jovens profissionais se deu em parceria com frentes: contato com mentor que dará apoio à distância para
os colegas Joice Toyota e Rafael Martines, além da Fundação a equipe; consultoria com especialistas de temas específicos
Estudar. A ideia é dar oportunidade de trabalho para jovens (para projetos desafiadores de educação, por exemplo,
que querem ter uma experiência de gerar impacto no setor um profissional da área); coaching de carreira no segundo
público, mesmo que eles não queiram continuar na área semestre de projeto para pensar nos próximos passos.
depois. “Por um lado abrimos caminho aos jovens e por outro
oferecemos a estas cidades profissionais capacitados”, diz. “Esse mesmo suporte é oferecido a outras pessoas locais
envolvidas no projeto, o que ajuda a qualificar a mão de obra
como funciona local”, diz José Frederico. Ao final do período de um ano, há a
Para a edição piloto do Vetor, mais de 1.700 jovens possibilidade de levar novas pessoas para dar continuidade
profissionais se inscreveram, o que, para José, demonstra uma aos projetos nas mesmas cidades.
demanda alta por este tipo de trabalho. “Sabíamos que há
jovens que querem ter uma experiência com o setor público, Não há exigência por um curso específico para os jovens que
só faltava um ‘como’ colocar a mão na massa”. Ele acredita se interessem pelo Vetor. “Não tem muito segredo, buscamos
que um dos resultados do programa será, também, um quem queira gerar mudança”, explica José. “A capacidade de
fortalecimento da gestão local. resiliência e a vontade de fazer a transformação acontecer
são as grandes qualidades aqui.”
Como fazer a diferença
trabalhando na esfera pública?

Para quem tem grande preocupação com a carreira,


participar do programa pode ser interessante para se manter
no setor público, mas é também vantajoso pela experiência.
E há um auxílio de recolocação no mercado, se for caso, pela
Fundação Estudar. “Queremos que esse projeto gere impacto
de curto prazo, mas principalmente a longo prazo, criando
uma rede de transformadores com uma experiência rica e
profunda”, finaliza José Frederico.
“Sabíamos que
há jovens que
querem ter uma
experiência com
o setor público, só
faltava um ‘como’
colocar a mão
na massa”
josé frederico lyra netto
projeto vetor brasil
Artesp: entenda como
funciona a autarquia pública

N
o Brasil, é de responsabilidade do poder
público oferecer ao cidadão um transporte de
qualidade – existe até uma proposta, ainda
a ser votada pelo Congresso, para incluir o
transporte como direito social na Constituição Brasileira,
através de uma emenda constitucional. Enquanto
a locomoção dentro das cidades deve ser garantida
pelos municípios, cabe ao governo estadual garantir a
qualidade do transporte intermunicipal.

A fim de reduzir os gastos do estado com transporte,


iniciou-se no final dos anos 1990 em São Paulo um
processo de concessão de rodovias para a iniciativa
privada. A concessão é uma espécie de privatização,
mas, em vez de o governo vender algo que é estatal para
uma empresa do setor privado, ele apenas transfere a
Artesp: entenda como funciona
a autarquia pública

administração de um serviço público a essa empresa por para realização do transporte rodoviário costumam incluir
um período determinado de tempo. No caso das rodovias cifras bastante altas e um grande número de pessoas
paulistas, por exemplo, as concessões determinam que as afetadas. Para se ter uma ideia da dimensão desse negócio,
estradas retornam para o poder do Estado, com todos os desde que começaram as concessões, já foram investidos
investimentos feitos pelas empresas, depois de um período de cerca de 87 bilhões de reais, interligando mais de 40 milhões
20 a 30 anos. de pessoas.

Nesse contexto, surgiu a necessidade de se acompanhar e O principal papel da Artesp é garantir que esses contratos
fiscalizar os serviços de transporte intermunicipal prestados sejam benéficos tanto para o governo quanto para as
pelo setor privado. Com esse fim que, em 2002, foi criada empresas envolvidas. Por um lado, ela busca trazer segurança
a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de jurídica aos acordos firmados com o Estado, para que as
Transporte (Artesp) – uma autarquia pública, ou seja, uma empresas sintam-se seguras ao fazer os investimentos. Por
entidade autônoma que realiza atividades de interesse outro, busca também implementar modelos de contrato que
público como uma forma da descentralização administrativa não deixem os interesses do poder público em segundo plano.
do governo. A Artesp também foi responsável pela
modelagem (elaboração do contrato) da primeira parceria Dessa forma, a agência necessita tanto de profissionais
público-privada (ppp) relacionada a rodovias em São Paulo: a da área do Direito e Administração Pública, para elaborar
Nova Tamoios, que liga o Vale do Paraíba ao litoral norte do modelos de contratos precisos e complexos, quanto de
estado – cujas obras devem começar em 2015. engenheiros, para acompanhar e fiscalizar a execução das
obras. A intenção, no fim das contas, é garantir o melhor
como funciona a artesp? serviço para o usuário.
Os contratos firmados entre o Estado e a iniciativa privada
Artesp: entenda como funciona
a autarquia pública

Nas concessões realizadas em 2008 e coordenadas pela Sem Parar e outros serviços de pagamento eletrônico) para
Artesp, por exemplo, a licitação deu prioridade à menor calcular quantos quilômetros o usuário percorreu e cobrar
tarifa de pedágio. Este ano, quando uma empresa começou apenas pelo trecho de fato utilizado.
a praticar tarifa maior do que a estipulada pela Artesp, a
agência entrou na justiça para garantir o cumprimento
dos valores do contrato. No caso da ppp Nova Tamoios, a
negociação permitiu uma economia de 3,92 bilhões de reais
aos cofres públicos – dinheiro que poderá ser utilizado em
outras prioridades do Executivo e da população paulista.

Desafios constantes Como resultado do trabalho da


autarquia, as rodovias paulistas estão entre as melhores do
país, segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional
de Transportes (cnt). Mas é constante o desafio de realizar
uma cobrança mais justa ao usuário das rodovias, de modo
que ele pague apenas pelos quilômetros que utilizou – e não
por trechos pré-determinados, como acontece com o sistema
de pedágios atual.

Com isso em mente, a Artesp já implementou de maneira


experimental em algumas rodovias o Sistema Ponto-a-Ponto,
que utiliza uma tag no veículo (como as utilizadas pelo
E, então, será que a carreira
pública está alinhada aos
seus objetivos?

O
governo brasileiro (federal, estadual e
municipal) emprega 3,2 milhões de pessoas,
de acordo com os últimos dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (ibge), de
2012. É o equivalente a 1,6% da população – se fosse
uma empresa, seria maior do que qualquer outra no
mundo em número de funcionários! Consequentemente,
melhorar a gestão dessa enorme força de trabalho,
assim como acontece nas grandes companhias do setor
privado, se tornou uma necessidade para União, estados
e municípios.

Nos últimos anos, muitos governantes têm tomado


medidas nessa direção. A principal delas é sair em busca
de servidores com ótima formação acadêmica, capazes
de modernizar o serviço prestado à sociedade.
E, então, será que a carreira pública
está alinhada aos seus objetivos?

Na prática, eles oferecem altos salários associados aos postos acreditam que ser funcionário público é sinônimo de ser
de maior qualificação e possibilidade de crescimento. acomodado, propomos algumas reflexões:

A boa notícia é que cada vez mais jovens recém-formados comodismo versus eficiência
vislumbram começar sua carreira no setor público. Na esfera Para Fernando Abrucio, coordenador do curso de Administração
federal, por exemplo, o número de funcionários com menos Pública da fgv, a antiga ideia de que o setor público é para os
de 30 anos de idade acresceu 113% nos últimos 12 anos, acomodados não poderia estar mais errada. “Para aumentar
segundo o ibge. O que ainda precisa mudar, porém, na opinião a eficiência da máquina pública, precisamos de profissionais
de profissionais e especialistas, é o motivo pelo qual muitos muito qualificados e empenhados”, ele comenta.
desses jovens escolhem essa carreira – que ao mesmo tempo
também afasta muita gente do setor. A trajetória de Denis Mizne, diretor executivo da Fundação
Lemann, reforça essa opinião. Ao longo de sua carreira,
Desde a crise financeira de 2008, diante das incertezas da Denis manteve relação constante com órgãos públicos, tendo
economia, muitos deles ainda optam pelo funcionalismo inclusive trabalhado para o Ministério da Justiça durante um
público motivados especialmente pela estabilidade dos ano. “Existe um mito de que no governo se trabalha pouco ou
cargos em comparação à alta competitividade do setor que quem vai para o setor público é porque não encontrou
privado – e não por considerar a carreira pública desafiadora espaço no setor privado. Não é bem assim. As questões
ou pela chance de contribuir diretamente na construção de mais complexas estão na esfera pública. É muito difícil, por
políticas para um país melhor. exemplo, melhorar a educação de um país. Para trabalhar
com isso tem que ser bom.”
Àqueles jovens profissionais que já consideram o setor
público para começar sua carreira e também àqueles que
E, então, será que a carreira pública
está alinhada aos seus objetivos?

estabilidade versus impacto frustração versus satisfação


Muitas pessoas buscam cargos públicos de olho na famosa Apesar de ter esse sonho grande, também é necessário nutrir
estabilidade profissional. De fato, nossa Constituição garante uma satisfação com as pequenas conquistas do dia a dia.
aos trabalhadores estatuários (aqueles que passaram em “Se você espera mudar o mundo inteiro no seu primeiro ano
concursos) uma estabilidade raramente vista em empresas. de trabalho, a chance de você se frustrar é enorme. O Estado
O afastamento do emprego só pode ocorrer em casos graves – em geral é lento, e aquele projeto superambicioso em que
se você parar de aparecer para trabalhar, por exemplo. Porém, você está trabalhando pode demorar muito mais do que o
esse mesmo benefício não vale para estagiários, ocupantes esperado para sair do papel”, diz Karla.
de cargos por indicação e funcionários contratados sem
concurso – todos eles também servidores públicos. Isadora Cohen, diretora da spda, também insiste na satisfação
com as conquistas cotidianas. Ela, que trabalhou em seis
Karla Trindade, diretora da Artesp, diz se decepcionar com projetos e viu apenas um ser implementado, diz ter ganhado
jovens que prestam concursos públicos simplesmente em experiência e conhecimento com tudo o que fez. O empecilho
busca de estabilidade. “Se sua principal preocupação aos para colocar certos empreendimentos em prática pode vir de
vinte e poucos anos é essa, você não é a pessoa que eu cortes de orçamento ou mesmo de conflitos políticos. Para
gostaria de ter na área pública”, afirma. Para Karla, aqueles ela, isso é parte do desafio. “Se não for possível fazer algo
que querem trabalhar no setor devem ter o sonho de fazer do jeito tradicional, é preciso pensar fora da caixa e buscar
a diferença. “Essa área só serve para quem tem vontade de maneiras inovadoras de fazer aquilo acontecer.”
contribuir de alguma forma para os outros, quem se satisfaz
em melhorar a vida de alguém”, diz.
texto
Rafael Carvalho
edição
Cecília Araújo
design
Danilo de Paulo
fotos
Na Prática
Shutterstock

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