Freedom Evolves
Freedom Evolves
Freedom Evolves
Porfírio Silva
[A LIBERDADE EVOLUI.
E O DETERMINISMO?]
Liberdade Evolui (Temas e Debates, 20051) merece ser assinalada, que é o que pretendemos
da forma como as coisas chegaram a ser o que são no nosso mundo: “o livre-arbítrio é real,
mas não é um aspecto preexistente da nossa existência, como a lei da gravidade. E também
não é o que a tradição declara que é: um poder divino que dispensa a pessoa do tecido
causal do mundo físico. Trata-se de uma criação da actividade e das crenças humanas que
evoluiu, e é tão real quanto outras criações humanas (… )” (p. 28). Temos, pois, que a tese
central está toda no título do livro: a liberdade evolui. Uma parte importante da obra é
dedicada a recensear várias tentativas para conceber como é que a evolução poderia ter
produzido aquilo a que chamamos liberdade. Na verdade, não parece que Dennett esteja
isso sim, mais interessado em mostrar que o padrão geral das explicações naturalistas é
Embora partilhemos essa ideia geral, esta obra de Dennett não se explica somente pelo que
parece ser a sua tese central. É que, se essa tese é sobre a forma como a liberdade chegou
a ser o que é, por via evolutiva, é preciso saber de que falamos quando falamos de
liberdade. Que liberdade é essa que evolui? Neste livro Dennett procura construir uma
resposta a essa questão que seja compatível com o determinismo. Essa opção terá, claro, um
1 Todas as referências a páginas sem especificação da obra inseridas ao correr do texto remetem para este
volume.
1
efeito decisivo sobre a própria noção de liberdade apresentada e defendida. Num certo
sentido, o determinismo passa a ser, por essa via, a verdadeira questão desta obra. O que
sem resposta neste texto, assim formulada: que liberdadenão-determinista é essa que evolui?
Dennett adopta nas suas obras uma posição acerca da filosofia e das suas relações com as
ciências que é reafirmada mais uma vez: “as investigações filosóficas não são superiores ou
mais importantes do que as investigações das ciências naturais, mas (…) são equiparadas a
estas tentativas de procura da verdade (…) “ (p. 29). Esta é a forma como a tradução
sublinhe mais a parceria entre a filosofia e as ciências do que a sua equiparação – mas, no
que toca à filosofia, a higiene fundamental está lá: não lhe cabe uma autoridade particular,
competindo-lhe antes (o que nos parece muito mais exaltante) partilhar o esforço. Esta linha
inspira a Dennett uma viagem constante ao mundo das ciências, onde colhe alguns dos
materiais que fazem a beleza dos seus recursos argumentativos. Ilustração clara desse
oculta, por vezes, tanto quanto mostra. Mais uma vez, neste livro, pode ser esse o caso.
Postas assim as coisas, o que nos propomos, neste texto, é (i) esclarecer de que fala Dennett
quando fala de liberdade ou de livre-arbítrio – escolhendo para isso a via de (ii) fazer
alguma luz sobre o significado dos exemplos que o Autor mobiliza às ciências do artificial
2
Dennett usa uma definição de determinismo (de Van Inwagen) e propõe-se defender três
teses que contrariam o que considera serem três erros comuns em questões de liberdade e
fisicamente possível”. As três teses são: (1) o determinismo não implica inevitabilidade; (2) o
indeterminismo não nos dá liberdade; (3) um mundo determinista não implica que as nossas
opções sejam aparentes em vez de reais. O que procuraremos fazer, no caminho do nosso
objectivo, é apreciar essas três teses e os argumentos que as servem ao longo da obra.
3
1. Determinismo
A definição de determinismo que Dennett toma para orientar o seu argumento é a seguinte:
começar por considerar um pouco mais de perto essa tese determinista. Isso é necessário,
aparência, a dita tese. O mais cândido desses dispositivos consiste em incluir o “demónio de
e S1 é uma descrição igualmente detalhada do estado do universo num momento posterior t1,
acerca das condições necessárias para produzir S1. Por exemplo, de acordo com o
causalmente suficiente para produzir o assassínio de J.F. Kennedy em 1963, mas não se
pode dizer que S0 causou tal acontecimento (pp. 99-100). Cabe notar, entretanto, que esta
noção de determinismo não corresponde à tese determinista que Dennett anunciou ir guiar o
seu argumento. Este “determinismo limitado à suficiência” diz apenas uma coisa simples: “o
que aconteceu no mundo material podia ter acontecido no mundo material” – e, mesmo isso,
poderemos ainda acrescentar: “e o que aconteceu neste mundo podia ter acontecido em tais
e tais mundos possíveis”. É claro que Dennett pode estar aqui a visar outro tipo de alvo, por
exemplo, aqueles que defendem que há intervenção divina na história ou que existem almas
4
Não julgamos útil chamar essas hipóteses a qualquer tipo de explicação científica ou
filosófica, mas também não nos parece que seja preciso ser determinista para tomar a
decisão metodológica de descartar tais hipóteses. O que aqui interessa é que este
Nessa definição, se o determinismo é verdadeiro, o assassínio de J.F. Kennedy não podia ter
sempre foi determinista), então só há um percurso possível para este universo desde as
condições do primeiro instante e as leis que então vigoravam. É isso que leva o matemático
René Thom, num célebre manifesto determinista, a atacar as teses de Jacques Monod em Le
Hasard et la Nécéssité nos seguintes termos: “uma vez a Terra constituída nas condições
Na verdade, Dennett dá ainda outros sinais de querer agilizar a sua tese determinista.
o que preserva a margem de manobra no Universo”), Dennett escreve mesmo que alguns
eventos não têm qualquer causa (p. 100) – mas, infelizmente, a explicação que dá para isso
putativo carácter incausado desses mesmos acontecimentos. Para usar um dos seus exemplos,
é certo que a I Guerra Mundial teve um conjunto complexo de causas, não tendo tido como
coroa da Áustria e da Hungria, no dia 28 de Junho de 1914 em Sarajevo – mas isso não
afirma que “vivemos num mundo que é subjectivamente aberto” (p. 108), mas isso tem uma
explicação: “Cada utilizador de informação finito tem um horizonte epistémico; não sabe
5
tudo sobre o mundo que habita e esta ignorância não evitável assegura que tenha um futuro
subjectivamente aberto” (p. 107). O nosso futuro está fechado, fixado, nós é que não
sabemos como. A isso Dennett chama “suspense”, mas estamos como um espectador a assistir
sensação de liberdade é pura ignorância. Não vemos em que é que isso deva ser motivo de
regozijo, mas concordamos com Dennett em não deixar de esclarecer cientificamente o que
quer que seja por receio das consequências de compreender melhor quem somos e em que
mundo estamos.
focar-se na pluralidade das descrições possíveis de um mesmo estado do mundo (pp. 83-
84). Dizer que o determinismo é verdadeiro é dizer que se quaisquer dois mundos partilham
exactamente qualquer descrição dos seus estados no presente, esses dois mundos partilham
todas as descrições dos seus estados subsequentes. Só que, mesmo com conhecimento
aspectos que podem de um modo ou de outro ser relevantes podem não ser acessíveis nessa
descrição. De qualquer modo, o problema continua a ser o mesmo: o futuro só nos escapa a
partir do presente porque não sabemos o suficiente acerca das leis físicas e do estado do
mundo.
A tese determinista que Dennett propõe para orientar o seu argumento implica que o
universo só podia ter seguido um percurso, exactamente aquele que seguiu, e nenhum outro.
Nenhuma estratégia textual lateral deve prejudicar a compreensão desse ponto. A tese da
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2. Compatibilismo
Como vimos, o compatibilismo de Dennett desdobra-se em três teses. Apreciemos cada uma
delas à vez.
Determinismo e inevitabilidade.
A primeira das teses que Dennett pretende defender é a seguinte: o determinismo não
implica inevitabilidade. O argumento para essa tese é ilustrado com um dos dispositivos das
Vida”.
O “jogo da Vida”, concebido por John Hoston Conway em 1970, é um autómato celular
uma rede de células (um universo). Damos agora um exemplo de 3 linhas por 5 colunas.
Cada célula pode estar activa ou inactiva. Neste exemplo, as células 22, 23 e 24 estão
activas e todas as demais estão inactivas. Para o comportamento de cada célula interessa o
seu próprio estado e o estado das suas vizinhas imediatas (na vertical, na horizontal e na
diagonal).
11 12 13 14 15
21 22 23 24 25
31 32 33 34 35
O “Vida” tem 3 regras: (i) uma célula inactiva que tenha como vizinhos 3 células activas,
torna-se activa; (ii) uma célula activa que tenha como vizinhos 2 ou 3 células activas,
mantém-se activa; (iii) em qualquer outro caso, uma célula torna-se ou permanece inactiva.
2 A melhor versão do Jogo da Vida (para ambiente Windows) que conheço pode ser obtida em linha no
endereço http://psoup.math.wisc.edu/Life32.html.
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Uma interpretação possível destas regras é, em coerência com a designação de “jogo da
vida”, a seguinte: para que haja nascimentos, tem de haver uma certa densidade
interpretação não faz qualquer diferença ao jogo, embora possa fazer diferença à nossa
O “Vida” funciona por etapas (gerações), sendo que em cada geração se aplicam todas as
regras a cada célula. Calcula-se assim para cada célula o seu estado na geração seguinte
e, quando esse cálculo está completo, procede-se à transição. Vamos aplicar esse
célula, agora, indica-se o número de vizinhos activos que ela tinha na geração 1):
1 2 3 2 1
1 1 2 1 1
1 2 3 2 1
Tal como ilustrado neste caso, um AC tem três propriedades fundamentais: paralelismo: todas
localismo: a mudança de estado de uma célula depende apenas do seu estado inicial e da
sua vizinhança imediata; homogeneidade: as leis são universais (comuns a todo o espaço do
AC).
descritas.
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geração 0 geração 1 geração 2 geração 3 geração 4
Um outro tipo interessante de padrão é aquele em que uma configuração “invade” outra, o
que pode ter várias consequências, uma delas sendo o desaparecimento de uma das
seguinte.
Vejamos então agora o uso que Dennett faz do Vida. As regras do jogo e o estado inicial
(quais células estão activas e quais estão inactivas) definem a física deste universo. Uma
descrição física do último exemplo apresentado acima seria entediante: algo do género de
uma longa lista em que, para cada geração, seria indicado o estado de cada célula. Se
células, veríamos ainda melhor a inconveniência desse tipo de descrição. Podemos tornar a
dinâmicos das regras “físicas” do jogo, podemos projectar certas configurações celulares que
“fazem” isto ou aquilo, que “se deslocam”, “se transformam”, que “comem” o que lhes
aparece à frente, que “evitam” as configurações que “comem”, que “persistem na sua
postura. Como escreve Dennett (p. 56): “A física subjacente é a mesma para todas as
configurações do Vida, mas algumas delas, em virtude nada mais do que da sua forma,
9
possuem poderes que outras não. Este é o facto fundamental do nível do design.” Se dermos
Desse modo, aquelas configurações do Vida que se limitavam a exibir este ou aquele
o fazem, fazem-no racionalmente – tiram as conclusões certas sobre o que fazer a seguir a
partir da informação de que dispõem e de acordo com que querem” (p. 59). Dennett está a
“jogo da Vida”.
Dennett, apesar de reconhecer (p. 64) que não é possível especificar no Vida uma simulação
suficientemente rica para comportar certos fenómenos complexos (como uma evolução com
matemática de que é possível implementar uma máquina de Turing universal num autómato
celular deste género (pp. 60-61) para concluir que mesmo este “mundo determinista de
Então, conclui Dennett, se é possível neste mundo determinista que existam evitadores, isso é
determinista, certos agentes podem evitar certas coisas, embora não possam evitar outras (p.
65).
Dennett resume assim o seu argumento (p. 70): “Em alguns mundos deterministas há
coisas são evitadas. Todas as coisas que são evitadas são evitáveis. Consequentemente, em
implica inevitabilidade.”
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O que é central para compreender o real significado deste argumento é captar o que aqui
quer dizer “evitar”: não há nada em nenhuma estrutura do Vida que evite o que quer que
seja (como nada é comido, ou se desloca, ou mantém uma identidade). No Vida, ao nível
“físico”, não há evitamento nenhum. Ao nível “físico” nem sequer há configurações, apenas
“células”. Não há nenhuma “lei física” (nenhuma regra) para configurações, só há regras
para células. Não há nenhum “agente” ao nível “físico”. Tudo depende, para nós, da ilusão
ecrã do computador: é como aqueles anúncios de néon das lojas, que também criam a ilusão
de movimento. Está tudo “no olho do observador”, tem tudo a ver com as limitações do nosso
processamento visual: as mesmas limitações que fazem com que, quando vamos ao cinema,
vejamos “imagens em movimento” em vez de uma sucessão de fotografias (que era o que
das outras). É tudo um artefacto da “postura intencional” inventada por Dennett. É-nos
verificamos até que ponto ela permite este neo-animismo face a uma mera configuração de
A primeira tese de Dennett (o determinismo não implica inevitabilidade) não obtém, no nosso
entender, qualquer ponto de apoio nesta ilustração. As configurações no “jogo da Vida” não
evitam nada: com a dose certa de ingenuidade, parece-nos que “evitam”, pela única e
simples razão de que o domínio analítico das regras que impusemos ao projectar o jogo e
sistema a funcionar segundo essas regras (mas essa é uma limitação cognitiva nossa e não
Dennett isso quer dizer que o ponto está no design. Connosco, humanos, a questão é
mesmas leis físicas, mas a natureza da lua é fixa e a nossa não. Nós temos muitas maneiras
11
de reagir às condições ambientais e a diferença está no design: nós “somos o produto de um
processo de design competitivo a grande escala; a Lua não” (p. 108). Voltaremos a este
ponto.
Indeterminismo e liberdade.
A segunda das teses que Dennett se propõe defender é a seguinte: o indeterminismo não nos
dá liberdade. Uma forma simples do argumento a favor desta tese é traduzida por outra
a jogar um torneio entre eles. Como de costume as partidas ficam registadas jogada a
exactamente iguais até à 12ª jogada. No primeiro desses dois jogos, B (com as pretas)
comete um erro crasso na 13ª jogada e começa aí a sua derrota. No segundo desses dois
jogos, A (agora com as pretas) faz uma 13ª jogada completamente diferente e ganha.
Analisando o funcionamento dos dois programas, verifica-se que B não chega à jogada
abandonou esse ramo da árvore de procura antes de poder confirmar o seu interesse. O
essa jogada e ganha onde B perdera. Num certo sentido, B “podia ter feito aquela jogada”:
era uma jogada legal, sendo portanto uma “opção” para B. Contudo, continua Dennett, na
realidade “não podia”, porque não tinha “capacidade de análise” para lá chegar: só num
mundo possível bastante diferente é que B podia ter feito aquela jogada (pp.95-98). O
3 Para uma introdução breve aos principais conceitos e uma crítica às concepções acerca do xadrez
computacional que prevalecem em certas correntes da investigação em Inteligência Artificial, cf. (Silva 2004).
12
design do programa A fizera a diferença: as maneiras que ele tinha de reagir às condições
Para considerarmos, com este dispositivo, a tese agora em apreço, pergunta-se: o programa
Vejamos.
aplicações servem como se fossem números aleatórios. De cada vez que o gerador arranca
(por exemplo, quando ligamos o computador) é criada uma longa sequência de números
mesma sessão de trabalho, aceder várias vezes a essa sequência, retirará de cada vez
programa de xadrez, sempre que não consegue “decidir racionalmente” qual jogada fazer
num determinado momento (terminou o tempo de avaliação e as duas jogadas que são as
melhores candidatas a serem executadas na presente situação têm, com a análise que foi
aleatórios. Considere-se agora, por mor daqueles que dão muita importância ao
De forma mais profunda, o que Dennett pretende mostrar (analisando as teses de Robert
Kane, em The Significance of Free Will, de 1976) é que o indeterminismo físico (no sentido em
que a mecânica quântica é indeterminista) não tem como ser um factor de liberdade
humana. Dennett identifica nestes “libertários” a ideia de que um agente humano só pode
ser responsável por uma sua acção desde que a sua escolha dessa acção não tenha sido
determinada pelo conjunto de condições físicas anteriores a essa escolha. Ora, Kane
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pretende garantir o livre arbítrio introduzindo no mecanismo de tomada de decisão prática,
Dennett, e bem, considera que se isso tivesse alguma consequência (o que é duvidoso, como
decorre do exemplo do xadrez computacional), ela só podia ser uma: passamos a ter
responsabilidade (pp. 114, 126). Não poderíamos estar mais de acordo com Dennett neste
ponto e consideramos que, com o seu argumento que aqui esquematizámos, consegue fazer
valer a sua segunda tese: o indeterminismo não nos dá liberdade. De facto, podemos
perguntar: quem quereria uma liberdade assente num mecanismo que pode ser simulado por
Cabe assinalar, contudo, que Dennett pretende que a argumentação do seu capítulo 4,
dedicado a mostrar as fraquezas dos “libertários” que sigam as teses de Kane, faça outro
determinismo é verdadeiro, então não temos livre arbítrio. A tese que Dennett pretende
mostrou bem, parece-nos, que pode haver indeterminismo e não haver qualquer forma de
livre arbítrio moralmente relevante. Em nosso entender, de modo nenhum demonstrou com
este argumento que determinismo e livre arbítrio possam conviver. Essa demonstração terá,
que o que chega para desmentir Kane chega para fundar a tese da compatibilidade entre
4 Nada disto significa, contudo, que aceitemos por boas as razões apontadas por Dennett para desvalorizar a
presença e o papel do acaso, do aleatório e do indeterminístico no mundo físico. A informação que Dennett
carreia para esse ponto fica muito longe de fazer justiça a todas as dimensões do problema. Contudo, não
sendo esse o ponto em análise, não cabe aqui aprofundar essa questão.
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Opções aparentes, opções reais.
A terceira tese de Dennett é que um mundo determinista não implica que as nossas opções
O que são “opções aparentes” e “opções reais”? Seja o caso de um homem em queda num
poço de elevador. O homem “não sabe exactamente em que mundo possível de facto se
encontra” mas sabe que está num “conjunto de mundos possíveis” em que, em qualquer deles,
em breve inevitavelmente cairá no fundo do poço. Isso não implica inevitavelmente a sua
morte: em alguns dos mundos possíveis (por exemplo, em todos aqueles mundos possíveis em
que ele cai de cabeça) ele morrerá; mas em alguns outros mundos possíveis (por exemplo,
alguns em que cai de pés e se enrola) pode sobreviver. O homem pode planear a sua acção
para aproveitar a margem de manobra que lhe é dada por esse conhecimento que ele tem
das possibilidades incrustadas na sua situação: pode planear racionalmente a sua acção
para tentar colocar-se num dos mundos possíveis em que sobrevive (pp. 103-104). Aprecie-
se ou não este tipo de linguagem filosófica acerca de mundos possíveis, o ponto de Dennett
é que por vezes podemos fazer alguma coisa para evitar certos danos, mesmo num mundo
determinista: “uma coisa é inevitável para [ti] se [tu] não puderes fazer nada quanto a isso”
(p. 74). Se temos os mecanismos apropriados para evitar tais danos, podemos fazer alguma
coisa, temos opções e elas podem fazer toda a diferença para nós: o que interessa são as
competências de tomada de decisão que o agente tem ou de que carece (p. 147). Nesse
sentido, um organismo com um certo grau de competência tem, num mundo determinista, uma
certa margem de manobra, opções reais, que são pontos de ramificação na nossa trajectória
Organismos muito simples têm formas muito simples, automáticas e cegas, de reagir a certas
características do ambiente que são particularmente importantes para evitar danos: meros
interruptores do tipo “se topares com a condição C, faz A”. Organismos mais complexos têm
também “máquinas de escolhas”, do tipo “se encontrares C, fazer A dará o resultado Z com
a probabilidade p” (p. 177). Organismos muito simples têm raras ocasiões, durante toda a
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sua vida, de aplicar um desses mecanismos a uma ramificação de caminhos. Organismos
muito complexos enfrentam mais ocasiões de aplicar esses mecanismos. Nos organismos muito
simples, as opções disponíveis são muito limitadas; a complexidade vem a par com mais
cujas metas são fixadas de uma vez por todas, sem reorientação possível; organismos mais
complexos têm mais latitude para gerir metas (são “mísseis guiados”) (pp. 166-169).
alargamento de oportunidades ao longo do tempo; aquilo que as pessoas podem fazer hoje
é mais do que as pessoas podiam fazer no passado (pp. 307-308). Neste entendimento, há
liberdade no sentido em que em certas situações pode dizer-se de uma pessoa que ela
“podia ter feito de outra maneira”. O que é que isso quer dizer? Simplesmente, que essa
pessoa podia ter sido mais diligente a recolher informação pertinente para uma
determinada decisão, que é informação sobre factores com um papel causal nas nossas
Homero, no Canto XII da Odisseia, apresenta o episódio do canto das Sereias. As Sereias, na
sua ilha, atraíam com um canto irresistível os marinheiros que navegavam ao largo, que
assim se deixavam conduzir a uma armadilha mortal. Ulisses, avisado por Circe, sabendo
que também ele e os seus companheiros não resistiriam à tentação, preparou-se para a
ocasião explicando a situação à sua tripulação, tapando com cera os ouvidos dos seus
ainda com mais cordas quando ele pedisse para o soltarem. Ulisses não expôs os seus
experimentar a situação, seria impedido nessa ocasião de tomar a má decisão que nesse
momento haveria de querer tomar: aceder ao armadilhado convite das Sereias. Esta
16
antecipação, tornar evitável o que de outro modo (e para os que assim não procederam)
mais podemos fazer; quanto mais podemos fazer, mais obrigações enfrentamos” (p. 312).
Devemos poder concluir, nesse caso, que, descontadas todas as variações irrelevantes (se
não fosse possível descontar as variações irrelevantes entre situações, não seria viável em
nenhum caso fazer regras e leis de aplicação geral), quaisquer duas pessoas que enfrentem
mesmo modo nessa situação. Isso quer dizer que mil pessoas (ou um milhão de pessoas, ou
…) que enfrentem uma situação equivalente na mesma posição, agirão do mesmo modo
desde que estejam igualmente bem informadas. Dennett não nos indica como fugir a esta
conclusão absurda.
A tese em apreço neste ponto, lembramos, é a seguinte: um mundo determinista não implica
que as nossas opções sejam aparentes em vez de reais. Tendo esclarecido o que isto
significa para Dennett, podemos desde já aceitar uma parte dessa tese: um mundo
determinista não implica que não existam opções reais, no sentido em que há pontos de
nos, um aspecto essencial: em que medida podemos dizer que essas opções são “as nossas
opções”. Isto é: em que sentido participamos na escolha de qual dos caminhos seguimos em
cada encruzilhada. Para isso interessa saber que liberdade é essa que aqui está em
questão.
17
3. Liberdade
Como já vimos, para Dennett a liberdade é uma questão de design. Um agente tem mais ou
menos liberdade consoante a sofisticação dos mecanismos de resposta ao ambiente com que
tenha sido dotado. Certas configurações do autómato celular “jogo da Vida” foram
projectado de forma a avaliar correctamente a posição que se lhe apresenta após a 12ª
jogada e assim consegue encontrar o caminho para a vitória, o programa B foi projectado
de forma que o impede de encontrar esse caminho e acaba por não conseguir evitar uma
suficientemente sofisticados para elaborar uma resposta à sua difícil situação e disso pode
depender a sua vida ou morte. De que decisões cada uma dessas “máquinas” ou
competência para tomar o caminho certo nas encruzilhadas que o ambiente lhes apresenta. É
evolução aumenta os graus de liberdade: “as árvores podem ‘decidir’ que chegou a
Primavera e que está na altura de florir”, mas essas opções são tão rudimentares que não
são propriamente decisões. “Mas mesmo um comutador simples, que é ligado ou desligado
por uma alteração do ambiente, marca um grau de liberdade, como dizem os engenheiros, e
por isso é algo que precisa de ser controlado de uma maneira ou de outra. (…) Os
comutadores (quer os que só alternam entre o estado ligado e desligado, quer os de escolha
múltipla) podem ser ligados uns aos outros em série, em paralelo e em circuitos que
combinam ambos os tipos de ligações. À medida que os circuitos proliferam, formando redes
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de comutação mais alargadas, os graus de liberdade multiplicam-se vertiginosamente e as
questões de controlo tornam-se complexas e não lineares.” (p. 176) Os cérebros servem
para recolher e tratar a informação que permite que o organismo se oriente nesse
sofisticadas de lidar com os sinais do ambiente, que parece só existir plenamente nos
Um determinado membro robótico é formado por vários braços, ligados entre si por juntas.
Cada tipo de junta permite um certo movimento do segmento que lhe está ligado. O número
abaixo).
19
Um membro robótico com uma determinada configuração permite que a sua extremidade (a
“mão”) alcance determinadas localizações no espaço circundante – mas não permite que
alcance outras. Ao espaço desse modo acessível ao membro robótico pode chamar-se
conceito de “programa de computador” (tal como usado por Dennett) e ficar assim com o
mundo é algo que depende do engenho posto pelo seu projectista no respectivo programa
de controlo e dos graus de liberdade conferidos ao seu corpo (ou suporte físico) pelo mesmo
Aí reside um ponto essencial: a nossa liberdade é a margem de manobra que nos foi
conferida pelo projectista (pela evolução). A liberdade é uma questão de competência, que
árvore de jogadas, esse programa de computador teria mais liberdade. Dennett poderia ter
20
acrescentado que o mero facto de correr o mesmo programa de xadrez em dois
xadrez (programa mais processador) com mais capacidade de cálculo seria a máquina com
mais liberdade.
problema: a nossa liberdade é a “competência” de fazer tudo aquilo que o nosso programa
e os nossos mecanismos determinam que façamos em cada situação, até aos limites
suportados pelo nosso hardware. Como Dennett explica longamente, o nosso programa será
mundo que deixam o computador indiferente. Contudo, o nosso programa não deixa de ser
um programa, cuja “liberdade” é algo como uma “medida objectiva”, que nos é exterior, da
nossa competência para reagir de forma muito complexa a um ambiente complexo. Nós
irresponsável está a funcionar mal, não fez toda a ginástica que consideramos normal num
mecanismo humano e, portanto, fez um uso não óptimo da margem de manobra que
Na liberdade do determinista, o que o agente faz numa certa situação depende, num certo
sentido, de quem o agente é. Parece que aí poderá residir a responsabilidade moral. Mas
“aquilo que o agente é” foi determinado por quem o projectou (pelo design do agente, pela
evolução) e pelo ambiente. Em suma, o que o agente faz em cada instante é determinado
anteriores (de acordo com a definição de determinismo seguida por Dennett). Se o agente
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não ginasticou melhor o seu corpo, se não se preparou melhor para a situação, se não
antecipou, se não treinou, se não tomou precauções – isso faz com que o agente seja
responsável pelas suas acções, porque podia ter feito de outra maneira? Não, porque o que
o agente fez ou não fez, em cada instante dessa “fase preparatória”, foi por sua vez
observador. A liberdade é apenas mais um efeito da postura intencional. Nós pensamos que
pensamos que nós próprios somos livres, porque tão pouco conhecemos os nossos próprios
mecanismos de determinação.
Uma vez que Dennett descarta o modelo do “teatro cartesiano”, o que o agente faz ou
estado do cérebro (ou do conjunto do sistema nervoso central, ou mesmo de todo o sistema
nervoso) num dado instante é estritamente determinado, em boa ordem, pela sucessão dos
E isso é tudo, para o determinista: a “liberdade” reduz-se a uma forma conveniente de falar
22
4. Liberdade em sociedade
em procurar substituir uma discussão em termos de livre-arbítrio por uma discussão das
forma de evolução natural tem de ser necessariamente determinista – o que não é o caso.
De qualquer modo, é perfeitamente concebível que o autor nos ofereça uma tese ou um
ponto de vista convincente sobre esse problema, a evolução da liberdade, mesmo que daí
não resulte uma sustentação adequada para o ponto de vista determinista. Vale a pena, por
isso, considerar o que nos diz Dennett numa parte substancial do seu texto, quando se dedica
partida para esta abordagem, porque coloca em joga o papel do ambiente. Criticando em
particular Stephen Jay Gould e a sua oposição ao determinismo genético, Dennett é muito
claro: o que não é determinado pelos nossos genes é determinado pelo nosso ambiente (não
interessa muito onde se coloca o papel do acaso, porque isso não nos dá liberdade) e não
genético (p. 172). O ponto de partida do argumento é inescapável: ninguém pensa que
possamos rever completamente o nosso legado genético (pelo menos por enquanto, não há
luz). Alguns genes fixam de forma irrevogável certos aspectos do meu destino. Do lado do
ambiente, como mostrou Jared Diamond (Armas, Germes e Aço), muito do que se passa nas
nosso ambiente é em grande medida o que resulta das características genéticas dos animais
23
e plantas que estão à nossa volta. No meio, estão as “máquinas de escolhas”, que fazem o
O que é curioso é que, sendo isto verdade, esta não é toda a verdade. Para a espécie
larga medida, constituído pelos nossos congéneres. Para o dizer brutalmente, somos hoje
predadores e presas de outros humanos muito mais do que de qualquer outra espécie. Assim,
os mecanismos de que resultam as razões da nossa acção são, em larga medida, mecanismos
Dennett, em perfeita coerência com a sua ideia de que a raiz da liberdade é o evitamento
(como algumas configurações do “jogo da Vida” evitam ser comidas por outras), alinha com
os inúmeros autores cujos esforços teóricos são profundamente marcados pela dificuldade em
compreender o altruísmo. A ideia de proteger o interesse próprio por arranjos sociais que
têm em conta o interesse comum com outros é vista como o que de mais próximo do altruísmo
podemos conceber – mas sem ser realmente altruísmo, antes uma forma de pseudo-altruísmo
ou, mais propriamente, de egoísmo prudente (pp. 207, 209). “(…) os organismos podem vir
a ser concebidos pela evolução para cooperar ou, mais precisamente, concebidos para se
seguinte: não se percebe como é que a cooperação pode ter evoluído naturalmente, porque
(pp. 210-211).
Parte importante de A Liberdade Evolui é utilizada para apresentar e discutir várias teorias,
propostas e hipóteses acerca de como poderiam ter evoluído naturalmente (quer dizer, como
poderiam ter uma base egoísta) as formas mais elevadas de moral tal como as
reconhecemos entre os humanos. Não parece muito pertinente dar pormenorizada conta de
todos esses recantos da exposição de Dennett. A facilidade com que se multiplicam teorias
24
de base evolucionista parece-nos, em vez de um sinal de saúde desse programa de
em que “vale tudo” por faltar uma compreensão mais aguda de que só uma ínfima parte do
que poderia ter evoluído teve realmente lugar na evolução que efectivamente acabou por
acontecer. Como Dennett afirma em True Believers, dizer que um sistema é como é porque a
evolução assim o desenhou, é afirmar uma verdade que não explica nada: é preciso ser
mais concreto acerca de como é que as coisas se passaram (ou se podiam ter passado)
Sempre que se torna claro que é difícil compreender certas situações, comportamentos ou
fenómenos sociais numa base ordinariamente individualista, Dennett volta à sua palavra de
ordem (repescada de Elbow Room) segundo a qual quanto mais alargar o meu eu mais serei
capaz de internalizar dimensões que de outro modo encararia como exteriores ou alheias a
mim (pp. 137,227). No entender de Dennett, essa operação vai contra as concepções
“pontilhistas” do eu, do eu como “ilha” ou como “enclave” protegido do resto do mundo (p.
necessário nesta concepção em que nunca se consegue ver na sociedade mais do que
conferir alguma flexibilidade a este individualismo que, de outro modo, ficaria encurralado
na sua própria estreiteza. Como não se quer admitir nada que não seja o egoísmo, mais ou
menos “esclarecido”, o que seja inexplicável pelo “egoísmo ordinário” reinterpreta-se como
“egoísmo de um eu alargado”: eu defendo o barco dos outros porque também navego nele
25
esclarecedores. Focaremos a atenção em dois deles: os memes e as explicações em termos
O leitor pode neste momento reproduzir, mesmo mentalmente, as quatro primeiras notas da
Quinta Sinfonia de Beethoven? Não é extraordinário que essa “ideia” esteja tão espalhada
entre os humanos, pelo menos de certas zonas do globo, de tal modo que provavelmente
será reconhecida como “sinal musical” e reproduzida mesmo por pessoas que não sabem de
onde ela vem exactamente? Outras ideias andam há muitos anos pelo mundo. Esses factos
são interpretados de uma forma particular por uma determinada teoria da cultura humana,
a teoria dos memes. Dennett usa a teoria dos memes como entrada para a sua visão da
liberdade em sociedade, razão pela qual é necessário clarificar o que está em causa por
esse facto.
Richard Dawkins, em O Gene Egoísta, expõe a hoje em dia bem conhecida tese de que “nós,
e todos os outros animais, somos máquinas criadas pelos nossos genes”, “somos máquinas de
conhecidas por ‘genes’”, de tal modo que os nossos comportamentos resultam, pela evolução,
não dos nossos próprios interesses, nem sequer dos interesses da espécie ou do grupo, mas
dos “interesses” da unidade fundamental que é o gene. Bem vistas as coisas, o gene é
cópias de si mesma. Esse replicador, em dado momento, descobriu uma forma de prolongar
a sua existência: criar máquinas de sobrevivência, dentro das quais se instala e que controla
a partir do interior. Nós somos uma etapa dessas máquinas de sobrevivência, robots
26
No último capítulo dessa obra, Dawkins propõe uma forma de explicar uma especificidade
da nossa espécie: a forma particular de cultura humana. A ideia é que tenha surgido
transmissão cultural, ou uma unidade de imitação”, uma estrutura que parasita os nossos
cérebros, tomando-os como seus veículos, sendo que “tal como os genes se propagam no
pool genético, saltando de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos,
meme é “realizado fisicamente, milhões de vezes seguidas, como uma estrutura no sistema
ideia de Deus, a qual tem, no ambiente da cultura humana, “um elevado grau de
dos memes têm capacidades limitadas, há competição entre memes pelo controlo desses
veículos – dos cérebros, mas também do tempo de antena nos meios de comunicação e do
espaço nas bibliotecas, por exemplo (Dawkins 1976:306). Os memes são uma produção dos
genes, porque foram estes que deram cérebros às suas máquinas de sobrevivência. Tal como
os genes, também os memes podem ser egoístas, isto é, “um traço cultural poderá ter
evoluído da maneira como o fez simplesmente porque é vantajoso para si próprio” (Dawkins
oposição (este último caso pode ser exemplificado por um meme para o celibato).
Apesar de ter lançado uma tempestade intelectual centrada na ideia dos memes, Dawkins
parece nunca ter fixado uma leitura coerentemente determinista dessa teoria, tendo
reconsiderações que fará em obras posteriores dessa sua teoria, logo na sua versão original
escreve, a fechar o livro (Dawkins 1976:311): “Somos construídos como máquinas de genes e
educados como máquinas de memes, mas temos o poder de nos revoltar contra os nossos
criadores. Só nós, na Terra, temos o poder de nos rebelar contra a tirania dos replicadores
27
egoístas.” Aparentemente, nós teríamos alguma capacidade para manobrar os nossos
próprios memes, embora não se chegue a explicar como seria o correspondente mecanismo.
Dennett, por seu lado, não partilha dessas hesitações de Dawkins e vai levar tão longe
quanto possível a “teoria social darwinista” (como Robert L. Trivers designa as teses de
Dawkins em O Gene Egoísta). Tomemos as suas formulações sobre esse ponto em A Ideia
Aí reconhece Dennett que a cultura humana nos diferencia como espécie e que ela pode
provocadas por inovações culturais podem mudar rapidamente a orientação das pressões
da selecção genética. Contudo, cuidado com as ilusões, porque “a mente ‘independente’ que
luta para se proteger de memes estranhos e perigosos é um mito”: nós somos os nossos genes
e os nossos memes e o que faz a diferença no caso dos humanos é que os memes são
capazes de trocar as voltas aos genes (Dennett 1995:364). A narrativa é esta: tal como nos
estádios iniciais da nossa história evolutiva as células procarióticas foram invadidas por uma
o tipo de entidades que chamamos “pessoas” foi criado quando um certo tipo de animal (um
macaco) foi infestado por um tipo específico de invasor, os memes (Dennett 1995:338-339).
Na verdade, continua Dennett, “eu não sou mais do que um sistema complexo de interacções
entre o meu corpo e os memes que o infestam” (Dennett 1995:365); “o que faz de alguém o
que ele ou ela é são coligações de memes que governam – que desempenham papéis
prolongados para determinar que decisões vão sendo tomadas” (Dennett 1995:367).
corrente segundo a qual aceitamos uma ideia por ela ser verdadeira ou bela e rejeitamos
28
ideias falsas ou feias, se dá muitas vezes o caso de aceitarmos ideia falsas ou feias
esclarecer – entendemos nós – quem dita a verdade e a beleza de uma ideia, coisa que o
autor não faz, como seria conveniente para revelar os pressupostos com que ataca o
problema acabado de enunciar. Será que se trata tão-somente de afirmar que existem
indivíduos que não se conformam a certos padrões de verdade e beleza? Ou será que se
trata de afirmar que certos indivíduos aceitam ideias que consideram falsas ou feias? Se o
problema está apenas em que nem todos os indivíduos partilham os mesmos cânones de
verdade e beleza, talvez valesse a pena sugerir a Dennett que experimente revisitar uma ou
mono-explicação: “como a vida em si, e todas as restantes coisas maravilhosas, a cultura tem
de ter uma origem darwinista (Dennett 1995:339, ênfase nosso). Não há, pois, que ter receio
de mostrar todas as faces do argumento. É o que Dennett faz, mais uma vez, com este
exemplo: “Um académico não passa de um meio de uma biblioteca fazer outra biblioteca”
(Dennett 1995:344). Nós somos, bem vistas as coisas, marionetas: “O abrigo de que todos os
memes dependem é a mente humana, mas esta é em si mesma um artefacto criado quando
indivíduo humano: o agente da transmissão é o próprio meme (Dennett 1995: n.6 à p. 354).
É essa a razão pela qual Dennett ridiculariza a ideia de que a evolução memética possa ser
considerada lamarckiana.
Em A Liberdade Evolui, Dennett sugere que os memes podem abrir uma porta à ideia de que
podemos fugir à nossa herança biológica, que esse ponto de vista nos abre um mundo de
imaginação que de outro modo nos estaria vedado (p.192). Vista a história da ideia e a
versão que dela dá Dennett, sabemos o que isso significa. Como essa é a porta de entrada
29
para as teses do autor acerca da liberdade em sociedade, convém ter presente em que
de uma única frase de A Ideia Perigosa de Darwin: “Onde está a autonomia de que eu
preciso para agir com livre arbítrio? ‘Autonomia’ não passa de uma palavra sofisticada
Para vislumbrar o papel que desempenham as ciências do artificial nestes debates, interessa
ainda esclarecer de outro modo o que são os memes. O meme é informação, informação
nível que as neurociências (ainda) não captam. Essas diferenças são produzidas pelos memes
(papel, vídeo, cérebro, computador) (Dennett 2003:189). Isto é: a teoria dos memes é mais
uma forma de nos aparentar aos computadores digitais, hardware com software, máquinas
com programa incorporado. Essa concepção encaixa num pano de fundo no qual a
cultura quanto possível nos mais novos logo que estes a consigam absorver” (Dennett
2003:186). Somos, pois, objectos adequados, já não apenas para a engenharia genética,
Parece-nos difícil de perceber que vantagem pode ter esta teoria dos memes para um ponto
ao nível da publicidade, um factor memético que Dennett valoriza. Contudo, esses ganhos
dissipam-se rapidamente se tivermos o cuidado de ler com atenção tudo o que nos é dito e
não descurarmos o que parecem ser pormenores. Certos autores tiveram mesmo
teorias anteriores que pretendiam fazer basicamente o mesmo trabalho. É o caso de Nick
30
Rose, que preferia preservar as conquistas teóricas da sociobiologia e recorrer à memética
um argumento de Aaron Lynch. Lynch, na sua obra Thought Contagion: How Belief Spreads
through Society (1996), em que defende uma versão da memética como “contágio social”,
escreve: "Comer alimentos ricos em gorduras faz com que as pessoas ganhem peso à
medida que envelhecem. Assim, a percentagem de gordura corporal das mulheres está
correlacionada com a sua idade. Mas os homens que preferem mulheres jovens podem ter
carreiras reprodutivas mais longas, replicando os seus memes em mais filhos. Desse modo,
favorecer as mulheres jovens, tem um efeito replicador mais poderoso do que a preferência
por parceiras gordas." Ora, escreve Rose, basta substituir a palavra “memes” pela palavra
“genes” para obtermos um argumento sociobiológico (Rose 1998,§4). Nem sempre a mesma
substituição é tão fácil; talvez nem sempre seja possível; mas é útil compreender a
prisioneiro, um dos modelos mais estudados em teoria dos jogos. A teoria dos jogos é uma
(agentes que têm de tomar uma decisão) racionais interagem entre si, tendo em conta a
racionalidade dos seus oponentes (ou parceiros) quando definem a sua própria estratégia.
seguintes termos: como é que funciona a tensão entre o que é bom para o indivíduo no curto
31
Uma apresentação clássica do “dilema do prisioneiro” é como segue5. Dois homens suspeitos
Interrogados, cada um deles pode confessar ou negar o crime. Se nenhum deles confessar,
não haverá forma de provar o crime e os homens só serão condenados por um crime muito
menos grave (um ano de prisão para cada um). A confissão confere o direito a um
tratamento mais favorável, por constituir colaboração com a justiça (se ambos confessarem,
cinco anos de prisão para cada um). Se apenas um deles confessar, o crime será
considerado provado: o que confessa é libertado, o outro é condenado a uma pesada pena
Suspeito 2
Negar Confessar
Negar (1 ano, 1 ano) (20 anos, liberdade)
Suspeito 1
Confessar (liberdade , 20 anos) ( 5 anos , 5 anos)
Do ponto de vista dos dois suspeitos (que são os jogadores), negar é cooperar com o outro,
confessar é trair. Pode parecer que o melhor resultado para ambos resultaria da
cooperação (ambos negam, 1 ano para cada um). Mas, cada um analisando a sua situação
concluirá que, qualquer que seja a estratégia do outro, o melhor para si próprio é não
mesmo resultado.
O dilema do prisioneiro pode ser posto numa forma mais geral, como exemplificado na
seguinte matriz:
5 Em inúmeras obras de exposição básica da teoria dos jogos aparece esta apresentação ou alguma
equivalente. Uma de fácil leitura é (Davis 1970).
32
Jogador 2
Cooperar Desertar
Cooperar (R,R) (S,T)
Jogador 1
Desertar (T,S) (P,P)
Quanto aos resultados obtidos em cada caso, eles são os seguintes: R (“Recompensa” por
cooperação mútua), P (“Punição” por deserção mútua), S (porque é “Sonso” aquele que
seguinte: T > R > P > S . Isto quer dizer várias coisas: o pior resultado possível para um
jogador é o pagamento a uma vítima de deserção que não sabe agir em conformidade (S);
(T); a estratégia dominante num único encontro é desertar, qualquer que seja a escolha do
oponente; a melhor escolha individual para cada um dos jogadores (desertar) conduz ao
pior resultado colectivo. É esta desigualdade nos pagamentos que gera a tensão entre o
interesse colectivo e o interesse individual. Considera-se por vezes que uma segunda
condição deve ser respeitada, a saber: R > (S+T)/2 , isto é, a cooperação dá melhores
resultados do que a alternância de mútuo acordo entre cooperação e deserção. É claro que
subjacente a este modelo como em geral a todos os modelos da teoria dos jogos: os
jogadores são plenamente racionais, cada um sabe que o outro é assim, ambos são dotados
(Axelrod 2000).
Dennett, para quem “toda a circunstância na natureza em que algo de parecido com a
cooperação surja, requer explicação”, vira-se para este modelo explicativo: “é aqui que
33
precisamos da teoria dos jogos, e do seu exemplo clássico, o Dilema do Prisioneiro” (p.161).
Tratemos, então, de compreender um pouco melhor o significado dessa opção. Para isso
prisioneiro reiterado.
Como vimos, é a desigualdade T>R>P>S nos pagamentos obtidos pelos jogadores que gera
a tensão entre o interesse colectivo e o interesse individual nas situações que admitam como
modelo o dilema do prisioneiro. É por isso que a solução do dilema do prisioneiro no quadro
da teoria dos jogos só é possível na versão reiterada: quando os mesmo jogadores repetem
as suas jogadas numa série de encontros sucessivos, a traição deixa de ser a estratégia
dominante já que cada jogador sabe que os encontros se repetirão e que tem de ter em
conta a reacção do oponente e isso despoleta um conluio tácito entre ambos (Macy
1998:§2.1). É em torno desta ideia que se desenvolve algum do trabalho mais conhecido de
Axelrod.
tratar de fenómenos sociais é o de Robert Axelrod, que, nas suas obras The Evolution of
agentes individuais, procurando assim uma resposta para o problema da ordem social
espontânea. O que Axelrod procurava era uma resposta para a questão: como é que o
minar o interesse colectivo? O seu ponto de partida é que uma explicação dessas deve
elas têm sucesso no seu ambiente; segundo, essas estratégias cooperativas devem ser
34
ser imunes à invasão de formas alternativas de comportamento. Qualquer estratégia
cooperativa que não responda a estes critérios não poderia ter-se imposto num mundo
dominado pela evolução. As suas experiências de simulação, com uma versão reiterada do
por vários autores) que era a melhor candidata a explicar o sucesso evolutivo da
qualquer jogo e a partir daí repete a jogada anterior do seu oponente, seja ela qual for (se
Robert Hoffmann (2000) sintetiza o trabalho de vários autores que questionam a robustez
dos resultados apresentados por Axelrod. O problema é o seguinte: será que as conclusões
resultados dependem de forma significativa dos valores escolhidos para os parâmetros das
suas simulações? A dificuldade está em que, por vezes, embora seja relativamente fácil dar
inexequível dar qualquer interpretação realista para certas variações dos parâmetros.
Hoffmann identifica sete parâmetros que, de acordo com simulações realizadas por vários
reciprocidade só são possíveis se o agente tem uma memória onde pode reter informação
acerca das rondas anteriores, mas se a reciprocidade implica cálculos muito complexos isso
terá custos de racionalidade que não estarão ao alcance de qualquer agente, sobretudo se
35
(2) População inicial. Uma vez que o sucesso de uma estratégia depende do comportamento
do opositor, a estrutura da população, só por si, pode ditar a sorte de certas estratégias.
Por exemplo, as estratégias de cooperação condicional não dão resultado numa população
dos jogos, usando a identidade dos jogadores para orientar a interacção, mostram que isso
pode ter efeitos sensíveis no sucesso relativo da cooperação. É o caso, por exemplo, em que
expectativa que formaram acerca do seu comportamento. Esta opção, só por si, pode
população passam , por exemplo, por eliminar os que sofreram uma deserção a partir da
ronda em que isso aconteceu, o que pode ser realista para certas condições de competição
(interacções preferencialmente com os vizinhos e imitação dos mais bem sucedidos nas
proximidades).
(4) Dinâmica da população. A “dinâmica de replicação” usada por Axelrod para fazer
variar a população de geração para geração, aumentando o peso relativo das estratégias
que estavam a dar melhores resultados, impedia que uma estratégia que se tivesse extinto
voltasse a emergir ou que surgisse qualquer estratégia nova. Técnicas de evolução que
permitem outros cenários (por exemplo, permitindo que “mutações” apareçam na população
a uma certa taxa) podem resultar em cenários diferentes, embora o próprio afinamento do
pode dar resultados muito diferentes, sem que seja claro como dar uma interpretação
36
realista a essa variação). Um dos cenários que pode resultar de uma dinâmica mais flexível
terá efeitos negativos irresistíveis. Seja o caso, por exemplo, de uma população largamente
deserção do oponente, mas, a partir da primeira deserção deste, passa a desertar sempre,
faça o outro o que fizer). Se esta população for invadida por estratégias COOPERA-
SEMPRE (mesmo que o outro deserte), isso pode não se notar durante muitas gerações,
(mesmo que o outro coopere), a população sucumbirá rapidamente a esta nova estratégia,
(5) Variação dos pagamentos. Experiências mostram que a variação dos pagamentos (por
(6) Repetição. A repetição (jogos de várias rondas) pode promover a cooperação, porque
poderosa pode permitir que os jogadores façam cálculos específicos acerca do fim do jogo
(o jogador que deserta na última jogada nunca será penalizado por isso).
(7) Ruído. O pressuposto de que os jogadores nunca cometem erros (seja na execução da
sua própria estratégia, seja na percepção da estratégia dos outros) é pouco realista. O
erros. Por exemplo, num jogo entre duas estratégias TIT-FOR-TAT, um único erro despoletará
uma série de deserções de ambos os lados. A capacidade para perdoar pode ajudar a
remediar esse problema, mas tem de ser equilibrada para não cair em perfis de
37
No entender de Hoffmann, este leque de demonstrações de falta de robustez dos resultados
com vários tipos de estratégias de cooperação condicional e não apenas com a estratégia
Tit-for-Tat; terceiro, a deserção também se pode impor como estratégia de sucesso nas
situações modeladas pelo dilema dos prisioneiros reiterado. O que parece mais firme nos
de cooperação.
O tipo de críticas ao trabalho de Axelrod recenseadas por Hoffmann merece, contudo, uma
outra leitura, que implica levantar os olhos dos detalhes da simulação. Trata-se, em nosso
carecem do realismo mínimo para serem autorizados como contribuições válidas para um
esclarecimento de problemas da interacção social dos humanos. Como aponta Ken Binmore
(1998), o dilema do prisioneiro repetido, tal como usado por Axelrod, modela uma situação
de interacção entre dois estranhos, sendo que numa sociedade mais parecida com a
sociedade dos humanos temos “jogos de múltiplos jogadores”, num “jogo” que começou há
muito tempo e em que a retaliação por comportamentos não cooperativos não é exercida
apenas pelos envolvidos directamente, mas também pelos outros. E especifica: “O jogo mais
gerações no qual em qualquer altura estão vivos três jogadores. Ocasionalmente, um dos
jogadores morre e é substituído imediatamente por um novo jogador. Em cada período, dois
dos jogadores são escolhidos aleatoriamente para jogar o dilema dos prisioneiros, enquanto
38
equilíbrio, que agora requer que cada jogador coopere sempre. Um jogador que não faça
assim verificará que o seu oponente seguinte o punirá por deserção – qualquer que seja o
oponente.”
No fundo, o que Axelrod consegue fazer, com o seu uso do Dilema do Prisioneiro Reiterado,
é ressuscitar um debate que já tinha começado nos alvores da teoria dos jogos, mas tinha
sido abafado pelo predomínio das interpretações formalistas. Destacamos apenas dois
Quando, em 1950 (portanto, poucos anos após a publicação da obra de von Neumann e de
Morgenstern que marca o nascimento da teoria dos jogos), Melvin Dresher e Merrill Flood
realizaram na Rand Corporation a primeira experiência da situação que viria a ser depois
jogadas ao longo de cem rondas. John Nash, o matemático e futuro prémio Nobel com uma
das contribuições mais importantes para a teoria dos jogos, criticou a experiência por haver
os jogadores, de facto, estarem num jogo de múltiplas jogadas e não numa sequência de
jogos de uma única jogada cada – o resultado de estarem sempre a jogar contra os mesmos
era que se criava uma reputação. A alternativa proposta por Nash era que os jogadores
fossem sempre rodando e que nunca fosse possível a um jogador saber como tinha jogado
nas rondas anteriores o seu actual oponente. Esse seria apenas um momento do esforço de
Autores houve que remaram num sentido diferente. Thomas Schelling realizou em 1957
coordenação para resolver problemas, mesmo que isso exija recorrer a factores
indivíduo entra num jogo em que, simultaneamente com dois outros jogadores, vai tentar
39
ganhar uma certa quantia em dinheiro. Cada um dos três é designado por uma letra. A
apresentar as letras que designam os jogadores (A, B, C) numa sequência qualquer. Se todos
seguinte maneira: 1
2 x para o jogador cuja letra apareça na primeira posição, 1
3 x para o
terceira posição. Se nem todos propuserem a mesma sequência, ninguém recebe nada.
propuseram a sequência ABC. Dos 40, só 12 tinham a letra A. O que está aqui em causa,
para Schelling, é que os jogadores encontram, fora da estrutura formal do problema, uma
maneira de se coordenarem para alcançar um certo objectivo, enquanto a teoria dos jogos
Uma polémica acerca das concepções implicadas neste debate sobre a cooperação,
travada entre Michael Macy e Cristiano Castelfranchi em The Journal of Artificial Societies
and Social Simulation, ajuda, em nosso entender, a esclarecer alguns pontos que dizem
O primeiro a tomar a palavra é Macy, que toma como objecto da sua crítica a ideia, de
prisioneiro reiterado a cooperação surge porque cada jogador consegue calcular que a sua
deserção provocará, no futuro, a deserção do outro. Michael Macy (1998) vê, como outros,
vários problemas nesse esquema e na teoria dos jogos em geral e, em consequência, expõe
40
baseada em informação completa e na captação perfeita da estrutura lógica de um
generalidade das situações que a teoria dos jogos tem a pretensão de captar, não funciona
assim. Nós não calculamos para concluir que é mais racional cooperar; nós aprendemos, por
exposição repetida a certas situações, que certos comportamentos de interacção são mais
apropriados ao nosso permanente convívio com outras pessoas. Isto é: em geral, nós não
deliberamos racionalmente que vamos cooperar, antes funcionamos segundo normas sociais,
usos e costumes, convenções, rotinas, rituais, protocolos, regras morais, hábitos e heurísticas.
Isso quer dizer que a ordem social não emerge da sombra do futuro, mas das lições do
A segunda tese é em certa medida uma consequência da anterior: uma vez que os humanos
local são capazes de gerar soluções globais altamente complexas. Essa “cooperação
emergente”, assente numa teoria dos jogos evolucionista, só tem de assumir uma população
dinâmicos não susceptíveis de compreensão analítica, devido à sua não linearidade e às suas
propriedades estocásticas. Como extensão desta tese defende a teoria do “gene egoísta” e
41
de parentela: o altruísmo é um comportamento ditado pelo gene (e não pelo indivíduo
portador); o sacrifício do indivíduo nada interessa ao gene de que ele é portador, desde
que esse comportamento melhore as condições de reprodução do gene nos parentes desse
sacrifício, uma jogada perigosa. Contudo, nada na teoria da decisão racional justifica essa
identificação, porque essa teoria lida exclusivamente com a razão instrumental: essa teoria
diz respeito aos meios para atingir os fins do agente, não diz respeito à forma de definir os
fins e estes podem ser, por exemplo, o bem do grupo ou o bem de outro agente. O
problema é que a teoria da decisão racional acaba por ser sistematicamente contaminada
por certas visões da racionalidade económica, em que os fins do agente são entendidos de
forma restrita como “lucro” (apesar de a “utilidade” não ter que ser, mesmo em termos
económicos, reduzida ao lucro). Esta ideia da sociabilidade como um mal necessário, em que
filosofia utilitarista.
Em segundo lugar, é inaceitável a ideia de que os agentes não podem ser deliberadamente
cooperativos: eles são-no muitas vezes e de forma significativa. Os agentes são, em muitas
circunstâncias, deliberadamente cooperativos, por exemplo por terem (ou por acreditarem
que têm) objectivos comuns ou interesses comuns com outros agentes. É certo que há
cooperação repetitiva (como diz Macy), mas também há cooperação deliberada, tal como
há cooperação altruísta sem deixar de haver também cooperação egoísta. É preciso evitar
42
Em terceiro lugar, Castelfranchi retira consequências importantes do facto de reconhecer
cooperação e que nem tudo é deliberado. É que, se os agentes podem planear, podem
antecipar o futuro e isso tem consequências ao nível do seu comportamento, também é certo
que mesmo assim não podem prever todos os efeitos globais e compostos das suas acções
plenamente intencionais dos agentes têm efeitos colectivos que eles não poderiam
intencionar e, por essa via, há efeitos colectivos emergentes tanto dos aspectos intencionais
como dos aspectos não intencionais da acção de agentes que interagem socialmente de
forma deliberada.
Este debate entre Macy e Castelfranchi é muito útil para compreender o que o tipo de
determinismo assumido por Dennett implica em termos de (dificuldade de) compreensão dos
fenómenos sociais humanos. É que Dennett, embora pareça suspeitar de que estes modelos
são demasiado simplistas, não consegue libertar-se do principal constrangimento que eles
individuais por “conspirações genéticas” impede-o de considerar soluções que não sejam
“espontâneas” (isto é, que não sejam “naturais” de acordo com uma leitura reducionista do
a adopção exclusiva dessa tese é pouco razoável: a combinação desse tipo de mecanismos
com mecanismos deliberativos seria susceptível de uma maior riqueza explicativa. Isso
poderia passar, por exemplo, por dar maior atenção aos arranjos institucionais que contam
com o papel de agentes livres e deliberativos em sociedade. Isso pede, contudo, um uso um
pouco mais aberto e menos ortodoxo das ferramentas das ciências do artificial. Dennett,
pelo seu lado, parece pouco interessado em procurar compreender as razões profundas da
sociedade. Esse facto traduz uma dificuldade de fundo, relativamente constante na obra de
43
Dennett, que consiste numa certa credulidade e algum superficialismo no recurso a
44
5. Margem de manobra e tiros no escuro:
notas à metafísica do determinismo.
Na primeira secção verificámos que o Autor introduz uma definição de determinismo para
guiar o seu argumento, para vir depois a perturbar essa definição com variações que
A segunda tese (o indeterminismo não nos dá liberdade) é, por via de uma crítica a autores
sistema, essa liberdade não valeria a pena. Dennett tem sucesso a descartar essa noção
degenerada de liberdade, mas isso não implica que tenha sucesso a mostrar que “o
determinismo é compatível com a liberdade” – que era, isto sim, o que precisava para
confortar as suas próprias teses. A segunda tese serve, pois, para desmontar uma particular
concepção de liberdade, mas não contribui em nada para apoiar o compatibilismo proposto
A análise da argumentação de Dennett a favor da terceira tese (um mundo determinista não
implica que as nossas opções sejam aparentes em vez de reais) mostrou que essa tese é
cindível em dois aspectos. O primeiro aspecto dessa tese (num mundo determinista pode
45
eficazmente defendido pelo Autor, que mostrou como a evolução de um sistema com um
sua história equivalem a liberdade do agente) implica, para ser avaliado, um esclarecimento
debilidade dos vários pontos de suporte do compatibilismo, revelada pelo escrutínio das três
teses em que se desdobra, faz depender desta noção central a solidez de todo o
argumento.
conferiu a um determinado sistema, de tal forma que esse sistema é competente para evitar
certos danos no mundo. Trata-se, afinal, de uma interacção entre o nosso projectista e o
nosso ambiente: uma espécie de “liberdade objectiva” que está apenas “no olho do
observador”.
mais uma ferramenta típica das “ciências do artificial”: o dilema do prisioneiro, em teoria
dos jogos. Pensamos ter evidenciado a forma insuficientemente crítica como o Autor se faz
valer dessas ferramentas, de uma forma que serve as suas intuições deterministas, mas sem
46
natureza do problema. A vantagem é que as exageradas simplificações que Dennett se
autoriza iluminam os seus pressupostos – embora estejam longe de constituir um bom suporte
servir o compatibilismo.
Para lá desta análise, que segue de perto o argumento de Dennett, concluiremos agora com
alguma notas gerais que pretendem propor, de forma livre, algumas intuições metafísicas
A estratégia discursiva de Dennett, nesta obra como em outras, assenta num pressuposto
critérios que o próprio adopta num ou outro momento da sua obra, o seu determinismo não é
científico (na medida em que não é susceptível de invalidação por evidência empírica), mas
metafísico.
Herbert Simon (1983), no quadro geral das suas teses acerca da racionalidade limitada (a
dos agentes), procura uma explicação para o facto de, mesmo assim, nos desenvencilharmos
Porque é que, apesar de ignorarmos inúmeros aspectos que nos poderiam afectar em
razoavelmente a nossa sobrevivência e os nossos propósitos? Pelo menos em parte isso deve-
se ao facto de certas carências que são constantes nos organismos (como a respiração)
estarem a cargo de mecanismos fisiológicos que dispensam a nossa atenção – bem como ao
facto de dispormos de mecanismos (como as emoções) que garantem aos problemas mais
47
Simon aponta, além disso, uma razão geral para que seja possível vivermos, com certo êxito,
segundo este modelo de racionalidade limitada, que nos permite compartimentar a nossas
decisões: “Vivemos no que se poderia chamar um mundo quase vazio – um mundo no qual há
milhões de variáveis que em princípio poderiam afectar cada uma das outras, mas que não
o fazem na maior parte das vezes” (Simon 1983:30; ênfase nosso). Esta concepção do
“mundo quase vazio” é largamente coincidente com a ideia de Whitehead, que (como vimos
antes) Dennett menciona mas de que não tira proveito: “a ampla independência causal de
O “mundo quase vazio” e o “mundo determinista” são duas metafísicas alternativas. Ora,
para opor à visão do “mundo quase vazio” a visão do “mundo determinista” e dar ao
determinismo uma formulação científica, seria necessário: primeiro, fornecer uma colecção de
teorias deterministas locais, isto é, uma teoria determinista para qualquer classe de
fenómenos considerada; segundo, fornecer uma teoria determinista global que, além de
ligar todas as teorias deterministas locais, fosse capaz de excluir que qualquer aparente
Mesmo que essa formulação científica do determinismo global chegasse alguma vez a ser
fornecida, ela não poderia nunca ser estritamente provada ou falsificada apenas por
representado por um cone espacio-temporal que, com origem no ponto que representa o
presente (o aqui e agora) do observador, tem as fronteiras definidas pela velocidade finita
da luz e pela limitação que ela impõe ao nosso acesso a informação sobre pontos distantes
no espaço e no tempo. Assim sendo, o passado acessível ao observador não chega para
obter a especificação das condições iniciais que seria requerida para uma previsão
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determinista – seria preciso, para tanto, o acesso ao passado integral, mas o passado
Uma outra consideração do papel e da condição dos sujeitos cognitivos no mundo leva-nos
ao mesmo território. Mesmo na visão dennettiana, o sujeito cognitivo (em geral, qualquer
agente) faz uma diferença no mundo: consoante a sua competência, consoante o que evita
ou não evita de acordo com o alcance dos seus mecanismos internos, faz com que em cada
encruzilhada o curso dos acontecimentos siga por uma ou outra das ramificações possíveis.
Ora, a diferença que o sujeito cognitivo faz no mundo é, em muitos casos, mediada, num
sentido forte, pela actividade cognitiva do agente. Pelo menos desde o princípio de
implica interacção física entre o sujeito e o objecto, de tal modo que o observador perturba
o observado – mas não precisamos da microfísica para entender, noutro nível, que certos
fenómenos sociais são perturbados por serem objecto de estudo. Assim, desde que a
actividade cognitiva do agente não seja pura apreensão intelectual e envolva interacção
do próprio universo. No plano da pergunta pelo que podemos saber, o demónio de Laplace
não resiste a este obstáculo: a ignorância de cada um de nós perturba objectivamente o seu
teste pela evidência empírica acessível a sujeitos cognitivos cuja interacção com o mundo não
é puramente intelectual.
útil considerar a sua noção de “factos históricos inertes”. Factos históricos inertes são factos
(do passado) que, no que toca às leis físicas, podiam ter sido de uma maneira ou de outra
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sem deixar qualquer efeito subsequente (p.84). Um exemplo de Dennett: num computador
digital, as diferenças de voltagem que não afectam a distribuição dos eventos elementares
qualquer diferença no futuro (p.93). Vistas as coisas do lado do futuro: é muitas vezes
impossível dizer quando é que um facto histórico até agora inerte virá a emergir como
capaz de fazer a diferença para o que acontece a seguir. Aparentemente, estamos de novo
no plano em que o determinismo se defende com a ignorância: os factos estão lá, apesar de
Mais uma vez, teria sido preferível não deixar a imaginação ser condicionada por um
artefacto tão raro no nosso mundo: o computador. Quando se perceberá que o fascínio do
computador digital reside, não no facto de ele ser um modelo universal, mas antes na sua
constituição e funcionamento? Parece que podíamos reconhecer melhor o papel dos factos
históricos inertes se alargássemos o seu viveiro e atendêssemos ao seu peso nas decisões dos
agentes. Seja o seguinte caso. Estou desempregado há muito tempo e, não dispondo de
quaisquer outros meios de sobrevivência além dos frutos do meu trabalho, caí na pobreza e
já estou a passar fome. Estou a considerar duas opções: continuar durante alguns dias a
procurar trabalho ou, se isso não der qualquer resultado, roubar para comer. É o caso
(embora eu não saiba disso) que, se andar 100 passos para Norte encontro o indivíduo A,
se andar 100 passos para Sul encontro o indivíduo B. O indivíduo A procura alguém com as
montar uma burla e procura recrutar alguém com as minhas qualificações para se juntar à
sua quadrilha. Não tenho nenhuma razão particular para me dirigir para norte ou para sul,
uma vez que já percorri todas as ruas deste bairro várias vezes durante o dia de hoje; nada
indica que essa razão exista ao nível inconsciente. Assim, o facto de que acabo por me
dirigir para Sul (ao encontro do burlão) não tem qualquer significado como “decisão” ou
“escolha” relevante para a minha situação. Esta história resulta em que aderi ao esquema do
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burlão, aplicando-se neste caso o ditado “a ocasião faz o ladrão”. Um determinista
reducionista poderia raciocinar assim: nenhum dos passos dados pelo indivíduo em causa
escapou às leis da física, à constituição do seu próprio corpo e à sua configuração mental;
assim sendo, o resultado dos seus movimentos foi determinado por esses antecedentes. Ora,
se o indivíduo A estivesse a Sul (em vez de estar a Norte) e o indivíduo B estivesse a Norte
(em lugar de estar a Sul), os mesmos movimentos teriam dado um resultado completamente
diferente. Este exemplo mostra que só uma eliminação radical do acaso permite manter a
coerência do determinismo: mas essa eliminação radical do acaso só pode ser metafísica,
O facto é que qualquer “sequência de eventos banais” inclui inúmeros “factos inertes”, isto é,
que não serão tidos em conta por nenhum algoritmo razoável para lidar com a situação, mas
que poderão condicionar o seu resultado. O que é “um algoritmo razoável para lidar com a
relevantes, mas exclui (além de possivelmente alguns factores relevantes) muitos factores que
normalmente não são relevantes mas podem tornar-se “desviantes”. Por isso, muitas
consequências inadvertidas das acções de qualquer agente podem emergir, mais tarde,
como condicionantes de decisões e de acções futuras desse mesmo agente. Se a acção dos
agentes tem um papel no curso dos acontecimentos no mundo físico, o mundo físico só pode
nível da acção dos agentes, incluindo a eliminação radical dos “factos inertes” admitidos por
Dennett.
Num mundo determinista “denso” (por oposição a um “mundo quase vazio”) deveria ser fácil
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contrário, inúmeros acontecimentos particulares são absorvidos pelo fluxo dos acontecimentos
e não chegam a ter qualquer efeito, perdem-se, diluem-se nas interacções. Mudar o mundo é
agindo isoladamente.
decisional que se nos abre em qualquer situação foi sendo configurado tanto pelos efeitos
problemas muito díspares. Uma parte relevante da noção de responsabilidade pelos nossos
qualquer efeito prático imediato: as consequências eventuais de actos que parecem morrer
neste momento mas podem emergir num momento futuro. (Veja-se o caso, em termos jurídicos,
dos precedentes invocados para interpretar uma regra com uma lacuna.)
ramificações das ferramentas que usa para estimular a intuição. Vejamos um exemplo.
Dennett argumenta muitos vezes, em muitos dos seus textos, recorrendo ao conceito de
“máquina de Turing” (MdT). Alan Turing, no artigo em que introduziu esse dispositivo
continuação do processamento depende de algum operador externo que faça uma das
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escolhas possibilitadas por essa ambiguidade (Turing 1936:232). Aquilo a que mais
analisado em detalhe no texto referido. Vale, contudo, a pena pensar um pouco mais no
outro caso, na MdT não determinista. Uma forma particularmente interessante de MdT não
determinista seria uma “MdT social”: uma MdT que, em certas configurações, é influenciada
pelo estado de outra MdT. Mesmo aqueles que insistem em considerar mais pertinente olhar
para os humanos como máquinas (a partir dos conhecimentos e das metáforas permitidas
pelas máquinas) do que como organismos animais (a partir dos conhecimentos e das
das Mdt não deterministas – entre as quais, sugerimos nós, se encontram como
Ora, uma tal MdT social poderia depender das entradas de dados provenientes de outras
MdT por inúmeras razões: por exemplo, por aceitar como boa a informação fornecida por
outros agentes, mesmo que não tenha maneira de verificar até que ponto ela é fiável (ou
por preferir o risco de confiar ao custo de verificar); ou, ainda por exemplo, por ter
que existem fora do seu mecanismo. É provável que uma abelha, no que toca à sua dança
do pólen, não tenha meios de realizar essa consulta a outras abelhas ou a um código de
conduta armazenado fora do seu organismo – mas também parece claro que os humanos
usam intensamente, para determinar a sua acção, consultas a outros humanos e a códigos de
conduta da mais diversa índole (sem que essa consulta tenha carácter algorítmico,
haveria códigos penais). Nesse sentido, pelo menos tomados como “máquinas” individuais,
essas MdT são MdT sociais, uma subespécie das MdT não deterministas. O que faz com que
para Dennett, como para muitos outros, só se pense em termos de MdT deterministas, é a
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Outra preferência metafísica do determinismo vai para as sociedades estritamente
determinadas. Essa poderia ser uma saída para a questão suscitada no parágrafo anterior:
mesmo que as “MdT sociais” não sejam determinadas ao nível individual, isso não exclui que,
no seu conjunto, um sistema de tais máquinas não seja ainda determinista. Nesse cenário, as
interferências que a máquina M espalha pelas máquinas que estão ao seu alcance são,
todas elas, resultados das interferências que a máquina M sofreu, por seu turno, de inúmeras
outras máquinas. Desse modo, a não determinação de cada máquina é apenas uma ilusão
Contudo, parece que a única forma de proteger este “determinismo social radical para
MdT” é excluir qualquer grau de genuína deliberação por parte de cada uma das “MdT
sociais” envolvidas. É isso, aliás, que faz o determinismo de Dennett, quando faz equivaler
“liberdade” e “design”: em cada estado do mundo, cada sistema faz o que o seu design lhe
permite, dadas as suas competências. É isso que quer dizer a tese de que a liberdade é uma
para a evitabilidade” (p.286); “Quanto mais sabemos, mais podemos fazer; quanto mais
Cabe perguntar: se pudéssemos saber até à exaustão as consequências das nossas acções
(digamos, até ao fim da nossa vida, ou da vida dos nossos filhos e netos), que liberdade
teríamos para decidir? Nessas circunstâncias, qualquer decisão nossa seria determinada pela
comparação entre os nossos objectivos (quaisquer que eles fossem) e as mais remotas
consequências das diferentes linhas de acção ao nosso alcance. Mesmo essa tentativa
do facto de que temos de fazer certas opções que são, em certo sentido, não informadas –
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porque não resultam de um cálculo de variantes. Aderimos a normas sociais, a linhas de
conduta, a regras morais, a princípios pessoais – por vezes apesar de nos assaltarem
dúvidas acerca da sua adequação a todos os casos particulares que é suposto cobrirem –
graças à feliz circunstância de ignorarmos o resultado do cálculo de variantes que nos daria
acesso ao conhecimento exaustivo das consequências das nossas acções. Se tivéssemos esse
conhecimento massivo das consequências das nossas acções, teríamos em cada decisão, para
nosso governo, uma percepção extrema da mais pequena diferença entre altruísmo e
De qualquer modo, não é essa a nossa condição. A nossa adesão a regras, códigos,
princípios, valores – é uma aposta. No sentido pleno do termo: em certa medida, um tiro no
(costumes, convenções, …), mas preferimos essa adesão – porque apostamos que, em geral,
isso é correcto para nós e para os que partilham connosco as comunidades em que queremos
viver. Essa aposta pode falhar. Aderimos a muitas instituições sem um cálculo prévio do
resultado dessa opção, porque aderimos ao que podemos compreender dos princípios que
as regem e porque temos alguma confiança de que estaremos melhor servidos por essa via,
embora seja impossível saber que resultados concretos obteremos desse modo: quantas
Um aspecto importante do argumento de Dennett é que ele integra a ideia de que, tal como
racionais”, “movidos no espaço das razões por algo que não são razões conscientemente
avaliadas” – por muito que isso custe à tendência dos filósofos para estabelecer uma
colecção de mecanismos que a espécie foi adquirindo ao longo da sua história evolutiva
face aos constrangimentos mais salientes no ambiente a que foi fazendo face. Contudo,
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embora reconhecendo a nossa racionalidade limitada, o seu esquema determinista não dá
qualquer explicação convincente para que mecanismos no mesmo estádio evolutivo tenham,
para situações idênticas, comportamentos tão diferenciados. Esse é o caso dos humanos num
dado momento histórico – mesmo que, se quisermos dar crédito à hipótese dos memes,
design é que dita a competência e cada organismo faz o melhor que a sua competência lhe
permita, os padrões de comportamento são tão díspares entre iguais? Porque (esta é a
nossa resposta) a liberdade assenta tanto no conhecimento (nos termos defendidos por
Num sentido talvez escandaloso para os novos iluministas, num mundo em tempo real (com
uma “margem de manobra” limitada dando “tiros no escuro” orientados por princípios que
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REFERÊNCIAS
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Entscheidungsproblem”, in Proceedings of the London Mathematical Society, Série 2, 42, pp.
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