Deus Uno e Trino

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 13

DEUS,

UNO E TRINO
PARTE HISTÓRICA
Símbolo é os signo que na sua própria natureza tem uma referência a outra realidade, sentimento ou
experiência. É uma realidade significante, imediatamente perceptível pelos sentidos, que aponta para uma realidade
significada, invisível. É uma representação que sugere o sentido oculto de uma realidade. Tem sentido por si próprio
e acrescenta mais significado ao real. Se analisarmos as funções do símbolo, damos conta do vínculo estreito que o
mesmo estabelece com os sentimentos humanos. A recordação de uma vivência ou de um evento que origina
sentimentos (anamnese), a exteriorização de uma angústia ou a libertação de algo reprimido que despoleta um
turbilhão de emoções (catárse), a expressão de dúvidas, anseios e esperanças que motivam agitações intensas
(profética) e as manifestações ou vivências transcendentais repletas de desassossego (epifânica), são exemplos da
relação entre aquilo que é sensível, de ordem física e algo profundamente subjectivo. O símbolo evoca uma
aspiração profunda presente no interior da pessoa que dificilmente poderia experimentar-se ou expressar-se
directamente. Já na Grécia antiga, o símbolo expressava a ideia de “re-união”, ou seja, tinha uma função relacional
de reencontro. Permite o acesso à experiência relacional com o Absoluto. É utilizado para se referir ao credo.
O Platonismo médio é uma corrente filosófica que surge como reacção à atitude céptica e agnóstica da
Academia Nova. Abandona a Teoria das Ideias de Platão e insiste sobretudo em questões éticas, no dar sentido à
vida e na fundamentação do agir. Concebe uma visão dualista da realidade. Afirma a transcendência de Deus mas
acentua a sua acção no mundo, introduzindo a noção de Providência. Estas orientações de pensamento
influenciaram de forma determinante o Cristianismo dos primeiros séculos. Foi a partir do século II, em resultado da
conversão de pensadores helenistas ao Cristianismo (Justino, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, etc.),
que se deu uma espécie de sobreposição do Cristianismo e do platonismo médio. Com o objectivo, por um lado, de
elaborarem racionalmente a doutrina cristã, dando à mensagem evangélica um status filosófico e, por outro, de a
transformarem numa doutrina aceite pelos intelectuais da época, os Padres da Igreja evidenciaram várias
convergências entre o cristianismo e as doutrinas filosóficas do platonismo.
O Modalismo, cujo principal defensor terá sido Sabélio e, por isso, também apelidado de sabelianismo, é uma
das heresias teológicas mais difundidas nos primeiros séculos do cristianismo, no que diz respeito à natureza de
Deus. Nega a doutrina trinitária e estabelece que Deus é uma só pessoa, que através da história bíblica, se revelou a
si mesmo em três formas ou modalidades. Manifestou-se na forma de Pai no Antigo Testamento, na forma de Filho
com a encarnação e na forma de Espírito após a ascensão de Jesus ao céu. Estas modalidades são consecutivas e
nunca simultâneas, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito Santo nunca existem todos ao mesmo tempo, são três aspectos
ou modos do mesmo Deus, negando assim a distinção e a coexistência das três pessoas na Trindade.
Homooúsios, do grego, significa da mesma (homos) substância (ousia) ou com a mesma essência. É a palavra-
chave da doutrina cristológica e trinitária formulada no Concílio de Niceia, para afirmar a divindade de Cristo contra
as heresias de Ário. O termo expressa, portanto, que o Filho e o Espírito são da mesma substância (ousía) do Pai.
O conceito de Lógos Spermatikós foi explorado por Justino na sua tentativa de harmonizar a fé com a razão. O
Lógos (termo grego que é comummente traduzido por “palavra” ou “verbo”) deve ser entendido como a fonte
suprema de todo conhecimento humano. O único e mesmo Lógos é conhecido tanto pelos cristãos como pelos
filósofos pagãos; porém, enquanto os últimos tiveram apenas um acesso parcial ao Lógos, os cristãos acederam a ele
por completo, devido à sua manifestação em Cristo. Uma ideia de especial importância neste contexto é a do Lógos
Spermatikós, procedente, ao que parece, do médio platonismo. O Lógos é o Espírito preexistente de Deus que
encarnou em Jesus Cristo e que estando presente em cada ser humano, como uma semente (spermatikós), é a fonte
de toda a verdade. Através dos indícios de verdade presentes na filosofia, Deus preparou o caminho para a revelação
final em Jesus Cristo. O Lógos era conhecido provisoriamente por intermédio das teofanias do Antigo Testamento,
mas Cristo traz o Lógos à sua mais plena revelação. Justino afirma este ponto claramente na sua segunda apologia:
“A nossa religião é claramente mais sublime do que qualquer ensinamento humano nesse aspecto: o Cristo, que
apareceu para nós seres humanos, representa o princípio do Lógos em toda sua plenitude. Tudo o que os filósofos
disseram com propriedade, foi articulado mediante a descoberta e a reflexão relativa a algum aspecto do Lógos.
Todavia, uma vez que eles não conheciam o Lógos, que é Cristo, na sua totalidade, eles frequentemente se
contradiziam”.
O traço fundamental que trespassa todos estes textos é o tema da Aliança que, no fundo, é o tema
unificador de toda a Sagrada Escritura. A Aliança na Bíblia é um pacto de amor entre pessoas. É uma oferta de amor
que espera uma resposta livre. É um compromisso de fidelidade entre Deus e os homens.
Tomemos como exemplo o texto do livro do Génesis, que nos fala da Aliança de Deus com Noé.
Este texto começa com uma bênção de Deus que nos remete para a narrativa da criação. É-nos apresentado
o Deus Criador que coloca à disposição do homem toda a criação. Nele encontramos, desde logo, a soberania e a
transcendência de Deus. A Aliança foi iniciada e ditada por Deus, como expressão externa do seu desígnio. Trata-se
de uma concessão soberana de graça por parte de Deus e a segurança da aliança tem origem na acção de Deus. Não
há qualquer negociação. Foi Deus somente quem se comprometeu com Noé, seus filhos, seus descendentes e toda a
criação, estabelecendo uma aliança universal: “Vou estabelecer a minha aliança convosco, com a vossa descendência
futura e com os demais seres vivos que vos rodeiam”.
Esta Aliança divina, com Noé, manifesta ainda a amizade de Deus com o homem. Com a transgressão de
Adão, Deus “arrependeu-se de haver feito o homem”, não com o sentido de ter alterado o seu projecto de amor em
relação ao homem, mas com a finalidade de salvar a humanidade, evitando que ela se afundasse no pecado. Deus é
também justo e a sua justiça é toda misericórdia. Deus não fica indiferente e sente-se profundamente envolvido na
história do seu povo. Ele sofre diante da criação perturbada pela maldade humana e a decisão de “exterminar” não
deve ser entendida como um “castigo”, mas como uma “nova criação”, uma “nova humanidade”. O homem é
chamado a colaborar com Deus na realização do seu projecto de Amor. É uma nova vida que nasce, deixando morrer
a antiga. E pelo seu amor, estabelece uma nova Aliança com Noé, a sua família e os seus descendentes. Deus ama o
homem e manifesta-o, firmando uma Aliança incondicional. Ele simplesmente promete a sua bênção sem pedir
contrapartidas. Desta forma, interpela a liberdade do homem a ser misericordioso como ele é misericordioso: “…
não mais criatura alguma será exterminada pelas águas do dilúvio e jamais haverá outro dilúvio para destruir a
Terra”.
Para constituir esta Aliança, Deus elegeu Noé e a sua família, abençoando-os, pessoalmente, e manifestando
assim a sua proximidade e a sua natureza relacional: “Deus abençoou Noé e os seus filhos …”.
De entre todos os traços divinos que são manifestados neste excerto, falta referir, provavelmente aquela
que mais se manifesta em toda história salvífica entre Deus e os homens: a fidelidade. A sua promessa, de jamais
enviar outro dilúvio, é assinalada com um sinal: “… eu, ao vê-lo, recordar-me-ei da aliança perpétua concluída
entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na Terra”. Mais interessante ainda, é o facto de que o
arco-íris não foi determinado em favor do homem, mas para o benefício de Deus, para lhe lembrar da sua aliança
com o homem. Notavelmente, a responsabilidade de manter a aliança recai nos ombros do próprio Deus. É
compromisso gratuito e perpétuo. Que conforto saber que a fidelidade de Deus é a nossa garantia.
A Aliança que Deus estabelece com Noé após o dilúvio centra-se na promessa de que nunca mais destruiria a
Terra e seus habitantes com um dilúvio. Singularmente, trata-se de um compromisso divino que não requer
qualquer acção por parte do homem, contrariamente a outros, como o do Monte Sinai em que é exigido ao povo de
Deus o cumprimento dos mandamentos do decálogo.
Isto não significa que Noé e a sua família tenham ficado isentos de responsabilidades. Neste mesmo texto,
na bênção inicial, reitera-se a vocação do homem para dominar a terra e para ser fecundo. É-lhes interdito comer
carne com sangue e há uma advertência severa para os que ousarem “derramar o sangue do homem”, crime pelo
qual Deus havia castigado os homens com o dilúvio.
Embora tenha mencionado que a Aliança de Deus com Noé não exigiu dele qualquer acção ou resposta,
eventualmente, houve uma que continua a ser pertinente para a Igreja nos dias de hoje. Uma resposta apropriada à
Aliança que venha não de uma sensação de obrigação, mas de um sentimento de gratidão, será a confiança. Essa
confiança por parte dos seres humanos é uma resposta à fidelidade por parte de Deus. Uma ilustração primária
dessa confiança em Deus é o próprio Noé.
É na sua obra De Trinitate, que Santo Agostinho desenvolve toda a sua doutrina trinitária. Baseando-se
inteiramente nas Sagradas Escrituras, a sua investigação sobre o dogma trinitário funda-se em dois pilares
essenciais. Por um lado, a afirmação da unidade da natureza divina, por outro, a distinção das Pessoas.
Seguindo o caminho oposto ao dos padres Capadócios, Santo Agostinho principia a sua exposição sobre a
Trindade com a natureza divina em si mesmo. “… a Trindade é um só, único e verdadeiro Deus … o Pai, o Filho e o
Espírito Santo são de uma única e mesma substância ou essência”. É esta simples e imutável natureza ou essência
que é a Trindade. A unidade da Trindade é assim colocada em primeiro plano, excluindo-se rigorosamente todo tipo
de subordinacionismo ou triteísmo. Tudo o que é afirmado de Deus é afirmado igualmente de cada uma das três
Pessoas.
Da unidade e trindade de Deus, Santo Agostinho passa a estudar as missões do Filho e do Espírito Santo, ad
intra e ad extra. A intratrinitária é a missão em virtude da qual o Filho é gerado pelo Pai e o Espírito procede do Pai.
A extratrinitária remete para a única e indivisível acção e única vontade da Trindade. A sua acção é inseparável. As
três Pessoas actuam como um único princípio e, como as Pessoas são inseparáveis no seu Ser, assim também
operam inseparavelmente. Como exemplo disto, Santo Agostinho argumenta que as teofanias não devem ser
consideradas como manifestações exclusivamente do Verbo. Às vezes, podem ser atribuídas ao Verbo ou ao Espírito
Santo, algumas vezes ao Pai, outras vezes a todos os três e outras, ainda, é impossível decidir a qual das três Pessoas
atribuí-las. O problema que se levanta é que parece ignorar-se os diversos papéis das três Pessoas. A isto Santo
Agostinho responde que, embora seja verdade que o Filho, embora distinto do Pai, nasceu, sofreu e ressuscitou, é
igualmente verdade que o Pai cooperou com o Filho na realização da Encarnação, Paixão e Ressurreição. Era
conveniente para o Filho, em virtude da sua relação com o Pai, manifestar-se e fazer-se visível. Noutras palavras, já
que cada uma das Pessoas possui a natureza divina de uma maneira particular, é apropriado atribuir a cada uma
delas, ad extra, o papel que lhe é apropriado em virtude da sua origem.
Quanto à distinção entre as pessoas, Santo Agostinho fundamenta-se na doutrina das relações: “Deus é tudo
o que tem, excepto as relações pelas quais cada uma das Pessoas se refere à outra …”. Embora, enquanto
substância divina, as Pessoas sejam idênticas e habitem umas com as outras e umas nas outras, o Pai distingue-se
enquanto Pai por gerar o Filho, e o Filho distingue-se enquanto Filho por ser gerado. Também o Espírito Santo se
distingue do Pai e do Filho enquanto “dom comum” de ambos, por proceder do Pai o qual dá ao Filho o poder de o
enviar.
Santo Agostinho afirma que, tais relações de paternidade, filiação e processão, não são acidentais porque
são imutáveis, nem sequer substanciais porque efectivamente as três Pessoas não são substâncias diversas. Chama-
lhes subsistentes, simultâneas e eternas. O motivo que levou Santo Agostinho a esta formulação foi o dilema
colocado pelos arianos que, baseando-se no esquema aristotélico das categorias, afirmaram que as distinções na
divindade, se elas existissem, teriam que ser classificadas ou na categoria de substância ou na de acidente. Na
categoria dos acidentes não poderia sê-lo, porque em Deus não há acidentes; se o fosse, porém, na categoria de
substância, então a conclusão seria que existem três deuses. Agostinho nega ambas as alternativas, explicando que a
categoria da relação é uma alternativa possível. Os três são relações, tão reais e eternas como o gerar, o ser gerado e
o proceder, que fundamentam as relações e são reais dentro da divindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são assim
relações, no sentido de que, o que quer que cada um deles seja, o é em relação aos outros.

O pensamento medieval é teocêntrico. Liberdade humana, criação e natureza são vistas num horizonte em
que Deus está presente. O conhecimento explica-se como participação na sabedoria divina.
Com a idade moderna, o centro dos interesses desloca-se para o homem. O conhecimento da razão e da fé
deixam de estar em consonância. Esta época é marcada pelo factor subjectivo, do sujeito, do indivíduo e pela
exaltação da razão humana. É uma herança recebida dos humanistas da época do Renascimento, que, ao fazerem
uma nova releitura da realidade, saem da visão teocêntrica da Idade Média e entram no antropocentrismo. Em
oposição às explicações religiosas do mundo, surge o progresso do saber, da moral e da política estimulada pela
capacidade de livre arbítrio do homem.
Vulgarmente, aponta-se a filosofia cartesiana como o marco que dá início a este movimento
antropocêntrico, o qual irá transformar todo o contexto histórico, cultural e filosófico do mundo ocidental, tendo
grande impacto na forma de encarar Deus.
Grandes pensadores desta época, como Descartes, Leibniz, Espinoza, Newton, Kant e Feuerbach, entre
muitos outros, abarcam correntes ideológicas que vão do racionalismo, ao empirismo, do iluminismo ao liberalismo,
do positivismo ao idealismo, não esquecendo, mais tarde, o marxismo de Marx e o niilismo de Nietzche, que irão
revolucionar por completo a visão de Deus, num percurso que irá do teísmo ao deísmo e acabando no ateísmo.
De entre estes, Kant é o primeiro a apresentar, de forma sistemática, a pergunta sobre o homem, como o
objecto fundamental de toda a investigação humana. Partindo do homem como sujeito cognoscente, e da razão
como instrumento de investigação, coloca três questões basilares: o que é possível saber, o que é possível fazer e o
que é possível esperar. A resposta a estas interrogações levaram-no a concluir que, para as questões fundamentais
do homem, como a afirmação, ou não, da existência de Deus, a razão pura (uma das funções da razão) não consegue
encontrar solução, visto que toma como campo próprio do conhecimento o mundo sensível, baseando-se
unicamente na experiência empírica, a qual é condicionada por juízos sensíveis a priori.
Por conseguinte, só a razão prática (a outra das funções da razão) está em condições de responder às três
perguntas fundamentais, porque o conhecimento pela liberdade, não estando submetido às leis da natureza, pode
aceder, mediante a experiência do dever e da esperança, ao mundo inteligível.
O pensamento kantiano conduz ao idealismo de Hegel, para quem o antropocentrismo acarreta a auto-
divinização do homem. Neste panorama, o ateísmo emerge como ressalva da dignidade própria do homem,
contrária à afirmação de Deus.
De salientar que esta absolutização do homem e consequente negação de Deus, será formalizada e
desenvolvida por Feuerbach ao considerar Deus uma projecção do homem, por Marx na sua concepção da religião
como uma alienação do homem e por Nietzche que proclama a morte de Deus e o nascimento do super-homem, o
qual se converte no próprio Deus.

Será que Deus é de facto como se revela? Será possível conhecer a realidade íntima de Deus? Será que o
Deus revelado na história da salvação coincide com o Deus da Trindade? É na tentativa de responder a esta questões
que as reflexões de Karl Rahner o conduziram a este axioma fundamental, ao sintetizarem a relação entre o ser
transcendental de Deus e a sua auto-comunicação em Jesus Cristo.
Com esta afirmação, ele salienta que o acesso à vida intratrinitária se oferece ao homem pela intervenção
salvífica de Deus em Jesus Cristo, e que a Trindade, longe de ser uma realidade separada da vida cristã, faz parte do
mistério de salvação. Significa que, ao comunicar com o homem e ao salvá-lo, não é só o Pai, mas também o Filho
Encarnado e o Espírito Santo, como dom, habitando no mais íntimo do homem, que se manifestam e, portanto,
revelam o que Deus é em si mesmo. Por outro lado, se Deus se quer comunicar pessoalmente ao homem, tem que
enviar o Filho, na Encarnação e o Espírito, para que aperfeiçoe no homem a aceitação da sua auto-comunicação.
Assim, a missão salvífica do Filho e a missão santificadora do Espírito são verdadeiras intervenções que
devem ser atribuídas respectivamente ao Filho e ao Espírito, como reveladoras que são da identidade misteriosa das
duas pessoas divinas. Através da missão salvífica do Filho e na missão santificadora do Espírito, o Pai manifesta-se
como Pai. Ou seja, só pela análise profunda da Trindade económica temos acesso, ainda que de forma imperfeita, à
Trindade imanente.
Nas suas considerações, Rahner realça que o conhecimento teológico de Deus só é possível através da
economia salvífica (revelação histórica). Tudo aquilo que se sabe de Deus é-nos dado a conhecer por Jesus Cristo (cf.
Jo. 1,18), que, mediante a fé, nos faz ver nele o Pai (cf. Jo. 14,9). Percebemos, pois, que a revelação em Jesus Cristo é
a manifestação de Deus como de facto ele é em si mesmo. Caso contrário, se Deus na história fosse diferente de si
mesmo, enquanto imanente, a revelação não seria verdadeira. Podemos, portanto, concluir que a revelação cristã
trata de dois aspectos inseparáveis: Deus e o seu desígnio salvífico. Daí entendermos que a revelação de Deus
acontece para nossa salvação. E toda acção de Deus fora de si, ad extra, é sempre trinitária, na unidade do seu ser,
como um só princípio, mas o alcance do ser trinitário de Deus, como verdade absoluta, torna-se necessário para a
plenitude da vida cristã.
Isto atesta que o Deus da fé cristã, na vida de seu povo, não vive nem se expressa enquanto mistério lógico,
mas enquanto mistério de salvação. E que toda a tentativa de compreendê-lo, conceituá-lo e expressá-lo
teologicamente só pode, portanto, partir desta sua face revelada e salvífica que é a única face à qual a humanidade
tem acesso quando se propõe relacionar-se e dialogar com o divino. Nesse sentido, o axioma rahneriano, que
realizou uma importante revolução na fé trinitária, declarando que “a Trindade económica é a Trindade imanente e
vice-versa”, confirma, conceptualmente, o que a vivência, a liturgia e a oração cristã celebram e experimentam.
Todavia, esta perspectiva não é unânime. De facto, H. Urs Von Balthasar, apesar de reiterar que o
acontecimento de Jesus Cristo mostra a face trinitária de Deus e que, portanto, não há acesso à Trindade imanente
senão através da Trindade económica, não deixa de contra-argumentar que a primeira não tem completamente
necessidade da segunda: “A Trindade económica aparece realmente como a interpretação da Trindade imanente
que, apesar de ser princípio fundamental da primeira, não pode simplesmente identificar-se com ela. Porque em tal
caso, a Trindade imanente e eterna corre o risco de se reduzir à Trindade económica”. Quer isto dizer que, para Von
Balthasar, a Trindade imanente será muito mais rica do que aquilo que nos é manifestado e que conseguimos
entender pela Trindade económica. Esta é apenas uma possibilidade dentro da imanente.

Este texto, extraído da obra “O Deus de Jesus Cristo”, reporta-se ao ateísmo, o qual, segundo Walter Kasper,
é “a antítese de qualquer afirmação de Deus e do divino”.
O autor começa por fazer uma análise, situando as origens do ateísmo na Idade Moderna, quando, com o
advento das ciências positivas, se dá o confronto entre a fé cristã (daí considerar o ateísmo um fenómeno pós-
cristão) na narrativa da criação e as novas concepções cosmológicas. Distingue-se claramente entre Deus Criador e o
mundo criado.
É Descartes, segundo Kasper, quem inaugura esta nova postura, com a sua fórmula emblemática – “Cogito,
ergo sum” – a qual evidencia a grande mudança do teocentrismo medieval para o antropocentrismo moderno. A
exaltação do indivíduo como sujeito pensante converte-se na medida e no suporte para toda a Idade Moderna.
Acresce, assim, uma transformação radical na concepção de Deus, que passa a ser considerado um meio para
afirmar a autonomia humana: “Deus converte-se num requisito para a auto-realização humana”.
Acentua-se, assim, um processo de secularização em que se apaga progressivamente a experiência religiosa
do Deus vivo da Revelação, para surgir no seu lugar uma concepção “funcional” de Deus, como explicação
cosmológica ou moral de problemas científicos ou éticos que o homem emancipado deve resolver. A fase final desta
trajectória será, já no século XIX, a ideia de Deus como um opositor do homem com a formulação do ateísmo
postulatório de Feuerbach: para afirmar o homem, deve negar-se Deus.
Ainda que Descartes e os grandes pensadores da Idade Moderna, não fossem, de facto, ateus, a
subjectividade moderna teve importantes consequências na questão de Deus, nomeadamente, originando distintas
formas de ateísmo.
Segundo o autor, os sistemas ateus podem reduzir-se a dois tipos fundamentais correspondentes à dupla
interpretação da autonomia moderna: a autonomia da natureza e das esferas profanas (cultura, ciência, arte,
economia, política, etc.) e autonomia do sujeito. O primeiro tipo de autonomia considera que os campos da cultura
não exigem a hipótese de Deus para a sua realização. É o caso do agnosticismo naturalista, materialista, cientista e
metodológico. O segundo afirma que a dignidade e liberdade humanas resultam incompatíveis com a existência de
um Deus omnipotente. É o caso do ateísmo humanista da liberdade e do ateísmo político da libertação.
Parece-me que a controvérsia entre a teologia e as ciências da natureza, terá sido a primeira e maior causa
que levou ao ateísmo. De facto, os conceitos empíricos, positivos e materialistas da natureza foram decisivos para a
formação de um ateísmo explícito. Daí que considere que o primeiro tipo de ateísmo se encontre cronologicamente
e ideologicamente na raiz do segundo tipo.
Quanto à forma de evangelização a ser adoptada pela Igreja, creio que deve passar por uma grande
capacidade diálogo que coloque a tónica da reflexão sobre Deus não tanto no plano cognitivo, mas antes no plano
existencial. Deve apresentar Deus como um sujeito com o qual o homem possa entrar, livremente, numa relação de
amor. Como foi exposto no Concílio Vaticano II, a Igreja não deve argumentar frente ao ateísmo a partir do
conhecimento de Deus, mas a partir da fé cristã, isto é, a partir da doutrina social da Igreja sobre a dignidade do
homem, que se prolonga e ilumina no mistério de Cristo.
A questão de Deus exige, da parte dos cristãos, um testemunho vivo, consciente e coerente com os valores
evangélicos, assente numa formação religiosa adequada aos desafios do nosso mundo, que promova um diálogo
frutuoso perante a sociedade, de forma a darmos provas de uma fé adulta que interpele aqueles que recusam Deus.

PARTE SISTEMÁTICA
A teologia natural corresponde à capacidade do homem em conhecer Deus mediante a razão, a partir das
realidades criadas.
Já no Antigo Testamento se fala da possibilidade de conhecer Deus a partir das criaturas. No texto de
Jeremias, Deus é apresentado como um oleiro e o povo como barro. Esta bela alegoria vem afirmar, por um lado, o
absoluto controlo de Deus sobre a criação: Deus exerce o mesmo domínio sobre os afazeres humanos que um oleiro
tem sobre seu barro, mas por outro, que o caminho do perdão está sempre aberto quando um pecador volta para
Deus. Partindo da condenação do modo de vida (idolatria) dos habitantes de Judá, mantém-se aberta a possibilidade
e o caminho para chegar a Deus, mediante a resposta de conversão de Israel. O criador respeita a criatura na sua
liberdade e a sua relação com ela é de interacção dinâmica. O pecador idólatra tem acesso a Deus, se reconhecer as
suas atitudes imorais e se converter.
Nos textos dos Actos dos Apóstolos, Paulo dirige-se a pagãos, idólatras, que não conhecem Deus.
No capítulo 14, observamos um discurso dirigido ao povo grego, que aclama Paulo e Barnabé como deuses,
após o milagre realizado. Porém, Paulo apresenta-se como homem e apresenta Deus como o criador que fez o céu, a
terra, o mar e tudo quanto neles existe.
Se Paulo se dirigisse a judeus, começaria certamente a pregação com as Escrituras (teologia revelada) e com
o anúncio de que elas haviam sido cumpridas em Jesus Cristo. Mas ele prega aqui a pagãos, pelo que começa pela
teologia natural, e preocupa-se com a proposição básica de que há um só Deus. Fala do Deus da história que “deixou
andar todas as nações em seus próprios caminhos “, isto é, sem as convidar e sem as reunir, até agora. Se, no
passado, eles eram culpados pela ignorância de Deus, agora, com o anúncio da Boa Nova e exortados a
converterem-se das vaidades, numa referência aos sacrifícios e à idolatria, já não têm desculpa.
A preocupação de Paulo é que os pagãos se convertam ao Deus vivo e, para isso, refere-se a Deus patente na
natureza e mostra a sua presença ao enviar a chuva para as colheitas, sinal do favor divino e da sua misericórdia, em
contraste com a impotência dos deuses pagãos. No fundo expõe a visão de um Deus providente em contraponto
com os falsos deuses adorados pelos gregos, uma chamada à conversão pela fé no Deus criador.
Já no discurso do Areópago, o apóstolo evangeliza a partir da existência de um altar ao deus desconhecido,
para apresentar o verdadeiro Deus de Jesus Cristo. Não quer isto dizer, que Paulo considerasse os gentios
adoradores inconscientes do verdadeiro Deus, mas procurou apenas um meio de levantar perante eles a questão
básica da teologia: Quem é Deus? A resposta a essa pergunta foi: Deus é o criador. Ele fez o mundo e tudo o que
nele há. Mais uma vez mostra que Deus não está separado da criação, mas que é maior que ela, não podendo ser
confinado a “templos feitos por mãos de homens”, “nem tampouco é servido por mãos de homens”, ou seja, sendo
Deus “quem dá a todos a vida”, então que é que nós podemos dar a Deus? Ele, não só, é o criador da vida, mas
também a fonte e o fim das aspirações do homem, porque ele fez os seres humanos para que o buscassem e para
que o pudessem achar (teologia natural), isto é, Deus não está longe de cada um de nós.
S. Tomás procura oferecer uma formulação filosófica que permita a cognoscibilidade racional de Deus. Neste
contexto, ele reconhece ao homem a capacidade de demonstrar a posteriori a existência de Deus, partindo das
realidades criadas. Para o efeito propõe uma teologia baseada num conceito filosófico que explica a possibilidade do
conhecimento racional de Deus através de cinco vias. Todavia, o conhecimento racional da existência e da natureza
de Deus é bastante difícil, daí a necessidade moral do conhecimento sobrenatural de Deus pela Revelação, único
conhecimento capaz de facilitar o acesso à salvação. Os cinco percursos são:
Prova do movimento
Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo as coisas se movem. Tudo o que se move é
movido por alguém; é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois caso
contrário, nunca se chegaria ao movimento presente. Logo, há que existir um primeiro motor que deu início ao
movimento existente e que por ninguém foi movido. Tal ser é Deus.
O movimento aqui é considerado no sentido metafísico, isto é passagem da potência – aquilo que uma coisa
pode vir a ser – para o acto - aquilo que a coisa é no momento. Deus é acto puro e não sofre mudança. O seu ser
confunde-se com o agir.
Prova da causa eficiente
Decorre da relação “causa / efeito” que se observa nas coisas criadas. Não é possível encontrar algo que seja
a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si próprio: o que é inexequível. É necessário que
haja uma causa primeira que não tenha sido causada por ninguém, pois a todo o efeito é atribuído uma causa, caso
contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita e não se chegaria ao
efeito actual. Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente e primeira que não tenha sido causada por ninguém.
Tal causa é Deus. Assim se explica a causa da existência do Universo.
Prova da contingência da realidade
Existem seres contingentes, que podem ser ou não ser, isto é, cuja existência não é indispensável e que
podem existir e depois deixar de existir. Todos os seres que existem no mundo são contingentes, isto é, aparecem,
subsistem algum tempo e depois desaparecem. Mas, nem todos os seres podem ser desnecessários, caso contrário,
o mundo não existiria, pois alguma vez nada teria existido. Logo, é preciso que haja um ser necessário e que
fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.
Igualmente, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa da sua necessidade de um outro. Aqui também
não é possível continuar até o infinito na série das coisas necessárias que têm uma causa da própria necessidade.
Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra em outro a causa de
sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros. Tal ser é Deus.
Do nada não surge, nem advém o ser. Como se observa que as coisas existem, não pode ter havido um
momento de nada absoluto, pois daí não brotaria a existência de algo ou coisa alguma.
Prova dos diversos graus de perfeição dos entes
Verifica-se que há graus de perfeição nos seres: uns são mais perfeitos que outros. O universo está
ontologicamente hierarquizado – seres racionais corpóreos, animais, vegetais e inanimados. Qualquer graduação
pressupõe um parâmetro máximo, logo deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que é a
causa da perfeição dos demais seres. Tal ser é Deus.
Prova da ordem presente na criação
Existe uma ordem admirável no Universo que é facilmente verificada. Ora, toda ordem é fruto de uma
inteligência que ordena; não se chega à ordem pelo acaso, nem pelo caos. Logo, há um ser inteligente que dispôs o
universo de forma ordenada. Com efeito, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido
por algo que conhece e que é inteligente. Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são
ordenadas ao fim. Tal inteligência é Deus.
O conhecimento de Deus obtido a partir da fé é sempre um conhecimento analógico, ou seja, quando
falamos de Deus, somos incapazes de expressar adequadamente a sua misteriosa realidade, pelo que, só é possível
entender Deus, utilizando semelhanças e comparações de realidades que compreendemos.
Há três elementos analógicos fundamentais e complementares entre si: a analogia da proporcionalidade
própria, a analogia da proporcionalidade imprópria e a analogia de atribuição intrínseca.
A primeira analogia atribui qualidades humanas a Deus, como a bondade a sabedoria ou a fidelidade. São
qualidades que não encerram imperfeição e por isso se podem atribuir, acertadamente, a Deus. Contudo, é chamada
analogia proporcional porque é preciso ter presente que estas qualidades se realizam numa proporção ou grau
muito superior em Deus do que no homem.
A analogia da proporcionalidade imprópria reporta-se à atribuição de algumas qualidades humanas, que
possam incluir também aspectos negativos, a Deus, como, por exemplo, o sofrimento. Estas analogias têm já um
carácter metafórico, pelo que, não podem ser tomadas literalmente como qualidades divinas.
Finalmente, podem atribuir-se, a Deus, qualidades positivas que se encontram nas criaturas, já que ele é a
sua causa última. É o caso da paternidade que se funda directamente em algo intrínseco à própria realidade. Deus é
a causa de toda a paternidade e o homem participa da paternidade divina, pela sua semelhança com ele. É a
analogia de atribuição intrínseca.
As duas primeiras analogias, ainda que relacionadas entre si, não se podem identificar. Têm funções
distintas. A analogia de proporcionalidade própria expressa o mistério de Deus, mediante um conceito preciso,
enquanto a de proporcionalidade imprópria se socorre de imagens, apenas, figuradas. O mistério de Deus é tão
grande que só o conceito não basta para expressá-lo, precisa das metáforas.
Tanto a analogia de proporcionalidade própria como a de atribuição intrínseca fundamentam-se na analogia
do ser, ou analogia entis. Quer isto dizer que há uma relação entre Deus e os homens (e as criaturas) porque ambos
são realidades existentes, possuem o ser, ainda que, em graus e circunstâncias diversos, o que permite apor alguns
atributos aos dois seres.
A analogia da fé possibilita um conhecimento de Deus mais profundo que o conhecimento racional, no qual
assenta a analogia do ser. Ela é a via fundamental da investigação teológica, que tem de ser consentânea com os
ensinamentos e com a revelação de Deus, em Jesus Cristo. Pela analogia fidei, o conhecimento de Deus parte de
uma relação mais íntima, de comunhão, com a revelação salvífica de Jesus.
A este propósito, Barth argumenta que a analogia só é possível num contexto e numa relação de fé, por
iniciativa, exclusiva, de Deus. Segundo ele, qualquer pretenso conhecimento racional de Deus é a manifestação de
“uma culpada arrogância religiosa” do homem. Daí que ele recuse a possibilidade, unicamente, racional de aceder a
Deus pela analogia entis.
Porém, ao confrontarmos a teologia revelada com a natural, devemos salvaguardar a complementaridade
entre o conhecimento pela fé e o conhecimento racional. Nem a fé, nem a razão bastam por si só. Exige-se uma
interpenetração dos dois conhecimentos, no aprofundamento dos mistérios divinos, não esquecendo que a fé
ilumina a razão, a qual, por sua vez, justifica a fé.

Missões
Toda a economia divina é obra comum das três Pessoas divinas. Assim como não têm senão uma e a mesma
natureza, a Trindade tem uma só e mesma operação. No entanto, cada pessoa divina realiza a obra comum segundo
a sua propriedade pessoal. São, sobretudo, as missões divinas, da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo
que manifestam as propriedades das pessoas divinas.
Na linguagem corrente, a missão é quando alguém é enviado a alguém, por outro. Uma missão divina é o
envio de uma Pessoa divina por outra, para se tornar presente de modo novo entre os homens. Podem ser visíveis (a
Encarnação do Verbo, ou a presença do Espírito Santo sob a forma de pomba, no baptismo de Jesus) ou invisíveis (a
inabitação na alma dos homens). A Pessoa enviada procede da Pessoa que envia. Assim o Pai não é enviado porque
não procede de nenhuma Pessoa: é princípio sem princípio. Dá-se à nossa alma mas não é enviado. Ele envia o Filho
e com o Filho envia o Espírito Santo.
Revelam a penetração da Trindade na história, para nos santificar pelo Espírito Santo e para nos fazer
participantes da salvação realizada por Cristo.
Processões
Na linguagem corrente significa que uma realidade provém de outra. Em analogia, a processão divina é o
processo pelo qual as pessoas divinas têm a sua origem noutra, ou noutras pessoas, por comunicação da mesma
natureza divina.
As processões divinas são imanentes e não se distinguem de Deus: são o próprio Deus. Mantém-se a
identidade numérica da essência divina.
São reais, isto é, não são simples modos de falar sobre a Trindade. A origem das Pessoas divinas é real e na
simplicidade espiritual de Deus não inclui algo acidental.
São operações de Deus: toda a processão divina imanente pressupõe uma acção ou operação vital que
permanece dentro de Deus. São eternas e identificam-se com a essência divina.
Têm a sua origem e o seu termo nas Pessoas, não na essência divina que, enquanto tal, não é sujeito de
acção. No Concílio de Latrão IV (1215) define-se que a essência divina “nem gera, nem é gerada, nem procede; mas é
o Pai que gera; o Filho o que é gerado; e o Espírito Santo o que procede; de modo que as distinções estão nas
pessoas e a unidade, na natureza”.
Em Deus há apenas duas processões imanentes: o Filho procede do Pai por via de entendimento e o Espírito
Santo procede do Pai e do Filho por via de amor. O Filho procede do Pai por geração eterna e o Espírito Santo do Pai
e do Filho por expiração.
Relações
A relação é a referência de uma pessoa ou de uma coisa a outra pessoa ou a outra coisa. É constituída por
três elementos: o sujeito, o termo e o fundamento.
As relações em Deus são subsistentes, existem em si mesmas e identificam-se com a substância divina, isto
é, em Deus a relação é Deus, mas quem gera é o Pai, não a substância, e quem expira é o Pai e o Filho, não a
substância. “Relação” e “substância” são dois conceitos distintos, que em Deus se identificam. Mas as relações em
Deus distinguem-se realmente entre si. O Concílio de Latrão IV ensina que as três Pessoas se identificam com a
substância divina e se distinguem exclusivamente pelas suas relações de origem: “Dado que há duas processões em
Deus (gerar e expirar), há quatro relações reais: Paternidade, Filiação, Expiração activa (sujeito: Pai e Filho, e termo:
Espírito Santo), e Expiração passiva (sujeito: Espírito Santo, e termo: Pai e Filho)”.
Estas relações em Deus são realidades, pois o Pai é verdadeiramente Pai, o Filho é verdadeiramente Filho e o
Espírito é verdadeiramente Espírito, pois Deus é relação.
Perikóresis
Perikóresis é um termo que quer dizer que as pessoas divinas não só se relacionam umas com as outras mas
que estão umas nas outras; refere-se à mútua inabitação ou interpenetração das três pessoas divinas; cada Pessoa
da Trindade habita nas outras e vice-versa; expressa a relação de co-presença e comunhão de vida das Pessoas
divinas. A tradição latina considera que a essência divina é o fundamento último da inabitação. A oriental, partindo
da escritura, afirma inabitação recíproca, fundando nela a igual dignidade das pessoas e a unidade da essência
divina.

É a partir da missão do Filho que, na Encarnação, revelou o desígnio salvífico do Pai, que tomamos
conhecimento da missão do Espírito Santo. O Espírito Santo é Deus, com o Pai e com o Filho. A sua presença traz
consigo o Filho e o Pai. Por ele, somos filhos no Filho e estamos em comunhão com o Pai.
O Novo Testamento manifestou com frequência a presença do Espírito no coração dos crentes e no entanto,
ele foi, antes de tudo, enviado para a santificação de Jesus como homem, fortalecendo a sua adesão e obediência à
vontade do Pai, que demonstrou, pela morte na cruz, a comunhão trinitária que o Espírito vivifica a todo o
momento.
Depois foi enviado aos homens onde habita nos seus corações, transformando-os na sua morada e fazendo
deles templos vivos a caminho da perfeição. Enviado, pelo Pai e pelo Filho, para prosseguir com o mandato redentor
de Cristo, o Espírito veio fortalecer-nos para a missão de testemunhar e anunciar Jesus ao mundo. Para isso,
recebemos a plenitude de seus dons bem como a capacidade de proclamar a todos a quem somos enviados o
Evangelho de Jesus. É ele o princípio de santificação que nos introduz na comunhão do Filho com o Pai, fazendo-nos
filhos com Jesus;
Outra missão do Espírito Santo, realçada pela Lumen Gentium, é guiar a Igreja nos caminhos da História para
que ela permaneça fiel ao Senhor e encontre sempre, de novo, os meios de evangelizar. A Igreja é impulsionada pelo
Espírito Santo para cooperar com o desígnio salvífico de Deus. E isso, o Espírito Santo faz assistindo e derramando os
seus carismas sobre todo o povo e a todos sustentando na missão de testemunhar o Evangelho. É pelo Espírito Santo
que Jesus continua presente e actuante na sua Igreja.

O ser humano é, antes de tudo, uma criatura. Não é criador de si mesmo. O seu ser é um dom de Deus. Foi
criado por amor. Por isso mesmo, o ser humano deve ser entendido sempre por referência ao Criador. Não só a sua
existência, mas também, a sua essência como ser inteligente, livre e social.
O ser humano é, pois, uma criatura singular, porque feito à imagem e semelhança de Deus e capaz de se
relacionar com ele, participando da sabedoria, da ciência e do amor divino. As próprias relações humanas são o
reflexo desta semelhança com Deus.
Manter uma relação pessoal com Deus significa, pois, um encontro com o criador a quem pode dirigir-se na
oração e confiar-se pela fé. Além disso, é também um encontro com cada uma das três Pessoas divinas.
Ao longo da história do Povo de Deus, o homem sempre foi surpreendido pelas manifestações de afecto de
Deus, o qual sempre o conduziu, concedendo-lhe a sua amizade e familiaridade. Nas Sagradas Escrituras, aqueles
que se relacionaram melhor com Deus — Abraão, Moisés, David, os profetas — trataram-no com intimidade.
Conversaram com Deus como se ele estivesse sentado numa cadeira ao lado deles, assim como alguém conversaria
com um pai ou com um irmão. Trataram-no como a uma pessoa e Deus respondeu manifestando emoções
profundas. Este relacionamento atinge a sua plenitude em Jesus Cristo, o qual vestiu Deus com a nossa carne,
assemelhando-o em tudo a nós excepto no mal e ensinando-nos a falar com Deus como a um Pai. Jesus Cristo é Deus
que se dirige à humanidade, sendo que o sujeito que fala em nome de Deus e o próprio Deus, são uma única
realidade. É, pois, em Jesus Cristo, nas suas acções e palavras, que o ser humano melhor identifica esta relação
pessoal.
Ora, esta relação de Deus com o homem é o espelho daquilo que são as relações entre as Pessoas da
Trindade. As relações divinas são o modelo da vida e das relações humanas. À luz das relações divinas, a Trindade
revela-se-nos como a mais perfeita realização da ‘comunhão entre distintos’ e, como tal, é luz que ilumina as
relações humanas interpessoais, com os outros e com o próprio Deus.
A aplicação do termo pessoa, quando nos referimos a Deus tem sempre um valor analógico, mas é a partir
da definição de pessoa, que o homem mantém uma relação eu-tu com Deus, na adesão aos seus desígnios divinos e
numa relação de confiança e familiaridade, como já foi exposto, construindo, assim, um conhecimento analítico do
próprio Deus como pessoa. Esta interpretação de Deus como pessoa é sólida porque, independentemente de todos
os pressupostos filosóficos, apoia-se directamente na fé.

Quase todo o texto é uma referência à unidade de Deus. Como exemplo citarei apenas algumas expressões:
“ Veremos um só Deus na Trindade”; “… uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho e outra a do Espírito Santo … mas
… têm uma só divindade …”; “… as três Pessoas entre si são co-eternas e co-iguais … há que venerar … a
unidade na Trindade”.
A unidade de Deus está presente, como uma verdade central da fé, em toda a Bíblia. Toda a história de Israel
é expressão da revelação de Deus que se vai comunicando aos homens e que, gradualmente, se apresenta como
libertador, como Deus nacional, como transcendente e criador e que manifesta o poder da sua acção, pela palavra e
pelo espírito. A fé do Povo de Israel é a resposta a um Deus único.
Em continuidade com esta imagem de Deus, a revelação de Jesus Cristo contribui, contudo, com traços
absolutamente novos: o Deus único que é, essencialmente, amor, é Pai, Filho e Espírito Santo. Com a revelação do
Verbo Encarnado, o monoteísmo adquire uma dimensão claramente trinitária.
Na Igreja primitiva, a partir das experiências da Páscoa e do Pentecostes, esta dimensão trinitária do Deus
único será amplamente desenvolvida e em todo o Novo Testamento, assim como nos escritos dos Padre da Igreja e
nos primeiros concílios, os dogmas trinitários, acerca da unidade de Deus, da consubstancialidade das Pessoas
divinas e das suas relações, serão praticamente definidos como os conhecemos hoje.
Ao aprofundar as intervenções salvíficas de Deus na Bíblia, tanto reconhecemos o Deus único e
transcendente que criou por amor, para fazer as criaturas participes da sua divindade, como o Deus – Mistério da
Trindade que nos foi revelado em Jesus Cristo. São o mesmo Deus, na sua unidade total. A realidade mais profunda
de Deus encontra-se na afirmação de S. João: “Deus é amor”.

O capítulo V da Dives in Misericordia apresenta-nos a chave fundamental para entender a paixão, o


sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo: o amor.
Dividido o capítulo em três temas: “A misericórdia revelada na Cruz e Ressurreição”,” O amor mais forte que
o pecado” e “A mãe da misericórdia”, João Paulo II enaltece a profundidade do amor de Deus manifestado na
exaltação da cruz e na total entrega do seu Filho. A doação do Filho ao sair de si mesmo, para redimir o homem,
representa a fidelidade à vontade do Pai e a consumação do desígnio salvífico de Deus.
A misericórdia divina revelada na cruz é a expressão mais convincente do amor de Deus para com os
homens. É mais forte que todo o mal, que todo o sofrimento, que todo o pecado, que a própria morte e resgata o
homem da sua condição de pecador, pela morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Também Maria experimentou de modo excepcional a misericórdia e tornou possível com o sacrifício do seu
coração a sua participação na revelação da misericórdia divina. Este seu sacrifício está intimamente ligado à cruz do
seu Filho, aos pés da qual ela haveria de encontrar-se no Calvário. Tal sacrifício de Maria é uma singular participação
na revelação da fidelidade absoluta de Deus ao próprio amor. Ninguém jamais experimentou, como a Mãe do
Crucificado, o mistério da Cruz, o impressionante encontro da transcendente justiça divina com o amor. Ninguém
como Maria acolheu tão profundamente no seu coração tal mistério, no qual se verifica a dimensão
verdadeiramente divina da Redenção, que se realizou no Calvário mediante a morte do seu Filho, acompanhada com
o sacrifício do seu coração de mãe.
Deus ao partilhar o sofrimento humano, no seu Filho Jesus Cristo, mostra a sua capacidade infinita de amar.
É o próprio Deus, feito homem, que carrega em si todo o nosso sofrimento, todo o nosso mal, toda a nossa dor e, no
fim, entrega-se ao Pai que, misericordiosamente, se compadece e sofre com a indiferença do homem e com a dureza
do seu coração, não num sentido de limitação divina, mas antes de uma forma analógica, como faceta do
incondicional amor que lhe dedica. É deste modo uma expressão máxima da solidariedade de Deus perante o
sofrimento humano apesar da sua perfeição e da sua plenitude de vida e de ser.

Deus é amor. É esta a imagem cristã de Deus. A Sagrada Escritura revela-nos um Deus que ama livremente o
homem desde a criação. Deus é Logos, como afirma o evangelho de S. João, princípio de todas as coisas e vivo desde
sempre. É o mesmo Deus de Israel, que é o Criador, no qual todas as coisas têm a sua verdade e do qual recebem a
sua inteligibilidade. Deus é pessoa e relaciona-se. Aproxima-se dos homens, entra e age na sua história e escolhe
para si um povo. Ama, defende e liberta esse povo, formando com ele uma aliança. É também o Deus de Jesus
Cristo, o Deus dos cristãos. Em Jesus Cristo vai revelar-se que Deus é acima de tudo amor, primeiramente em si
mesmo e depois também na sua relação com a criação e com a humanidade. Com Jesus Cristo, a revelação de Deus
dá novos e definitivos passos, chegando à plenitude do que Deus nos quis revelar sobre si mesmo.
Jesus revela-nos que Deus é Pai porque gerou um Filho, desde toda a eternidade, e que Ele, Jesus, é este
Filho eterno de Deus Pai. Este Filho é único e é igual ao Pai (consubstancial ao Pai). A geração eterna deste Filho é
um acto de amor do Pai. Ele gera por amor. O Filho é o amado do Pai. O Pai, gerando o Filho, dá-se sem reservas ao
Filho. Por isso, o Filho é igual ao Pai. O Pai é relação de amor com o Filho. Igualmente, o Filho ama o Pai e dá-se sem
reservas ao Pai no seu amor de Filho. Ele ama o Pai e aceita livremente fazer-se homem e vir ao mundo porque o Pai
assim o deseja. O Filho é-lhe absolutamente fiel e obediente. Assim se mostra que o Filho é totalmente relação com
o Pai. Se o Pai deseja que seu Filho se faça homem para nossa salvação, é porque o Pai ama os seres humanos e os
quer como filhos. Da mesma forma, também o Filho nos ama e, portanto, se faz homem por amor ao Pai e por amor
a nós. Na verdade, o Pai e o Filho são um. Quem vê o Filho, feito homem, vê o Pai.
Jesus revela que em Deus há uma terceira pessoa, quando diz que Ele e o Pai enviarão aos discípulos um
outro Consolador, o Espírito da Verdade. É o Espírito Santo que ensinará aos discípulos (e, portanto, à Igreja de Jesus
Cristo) toda a verdade; recordará aos discípulos tudo o que Jesus ensinou; não falará de si mesmo, mas de tudo o
que Jesus falou, o qual por sua vez recebeu do Pai a verdade que revelou aos homens. O Espírito Santo é portanto,
uma terceira pessoa em Deus. Ele é um com o Pai e com o Filho. Ele é o próprio Amor em Deus. Amor substancial,
absoluto e infinito. O Pai ama o Filho e o Filho ama o Pai e esse amor é o Espírito Santo. É ele que une o Pai e o Filho
e os distingue, mantendo-se por sua vez distinto do Pai e do Filho. Ele procede do Pai e do Filho. O Pai e o Filho dão-
se sem reservas ao Espírito Santo e vice-versa. Manifesta-se assim que Deus é uma comunidade de amor, uma
comunidade de três pessoas distintas, que formam um só Deus, no amor. Deus, portanto, é Amor e comunidade de
amor. Neste amor consiste seu ser, sua vida, seu dinamismo íntimo e sua felicidade sem fim e sem limites. Este é o
Deus dos cristãos. O Deus dos cristãos, que é Uno e Trino no amor. Este mesmo amor manifesta-se quando Deus
decide criar o mundo, em especial o ser humano. Deus cria por amor e desde o princípio mantém essa relação com
as suas criaturas, especialmente com o homem, um amor indestrutível e fiel. Este amor chega à sua plenitude em
Jesus Cristo, o Filho de Deus, feito homem e entregue à morte na cruz para a salvação da humanidade: “Deus amou
de tal modo o mundo, que lhe entregou o seu próprio Filho”.

Você também pode gostar