Dossie Missoes Ruinas1 PDF
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DOSSIÊ MISSÕES
As Ruínas
VOLUME III
DOSSIÊ MISSÕES: VOLUME III
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) - (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
2a Edição
2015
Isabela Marques Leite de Souza - Ruínas ou remanescentes? 7
Sandra Pesavento - Ruínas Falantes, fonte da imaginação 11
I. O Começo da Ruína: 23
administradores e indígenas na segunda metade do
século XVIII — M aria Cristina R azzera dos Santos
Ruínas ou remanescentes?
Isabela Marques Leite de Souza
Museóloga, Museu das Missões
Ruínas falantes,
fonte da imaginação
Sandra Pesavento
UFRGS
As Ruínas
VOLUME III
18 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
J.B.
I. O Começo da Ruína
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 23
I. O Começo da Ruína:
administradores e indígenas
na segunda metade do século XVIII1
1 O presente texto é uma síntese atualizada, traduzida e sintetizada de dois capítulos de tese
defendida na Universidade Complutense de Madri em 1993-1994 e aqui publicado pela
primeira vez no Brasil.
24 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
3 O corregedor trajava “casaco e calça de tecido azul, colete e avesso de tecido encarnado”.
O cacique, por sua vez, vestia “casaco e calça de tecido encarnado com colete e avesso de
tecido azul”. (ANA. Hist. Vol. 152, Nº 204; fol. 70R).
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 33
5 “Não há outro superior que possa ter poderes para exigir ordens, nem o Cabildo nem
qualquer cacique; eu também sou cacique e tive Escola e assim não existe ninguém que
possa impedir as minhas ordens [...]”. Reclamação dos caciques do povoado de Loreto, 17
de dezembro de 1770. AGN. IX: 17-4-2.
36 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
POVOADOS
1. S. Inácio Guazú 11. Santa Rosa 21. Santo Tomé
2. São Cosme 12. Santíssima Trinidade 22. La Cruz
3. Itapuã 13. Corpus Christi 23. Yapeyú
4. Candelária 14. São José 24. São Nicolau
5. Santa Ana 15. São Carlos 25. São Miguel
6. Loreto 16. Mártires 26. São Borja
7. São Inácio Miní 17. São Xavier 27. São Luis
8. St. Maria da Fé 18. Santa Maria Maior 28. S. Lorenço Mártir
9. Santiago 19. Apóstoles 29. Santo Ângelo
10. Jesus 20. Concepção 30. São João Batista
7 BNRJ. Mss. Vol.I-28-5-40. Parece que tal informe não foi considerado por nenhum dos
governantes superiores, pois não há qualquer referência posterior a isso.
40 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
8 Entre eles se destaca a Ordem Real de 1783 para averiguar a situação civil dos empregados
nas Índias, através das denúncias de algumas esposas que desconheciam se seus maridos
estavam “vivos, mortos ou amancebados” (AHNM. Consj. 21320, Nº 323). Uma dessas
mulheres, Dona Teresa Gómez Andrade de Lazcano, vizinha de Cádiz, mulher de D. Josef
Antonio de Lazcano “...expõe que seu marido se encontra há vinte e cinco anos naquele
Reino de Buenos Aires, com o motivo de não ter podido finalizar na Fazenda Real as contas
relativas ao Assentamento e Provisão das Missões, e que para lá foi em companhia de seu
parente. D. Juan Ángel de Lazcano [...] suplica [...] que tenha por bem comunicar àquele
Exmo Sr. Vice-Rei uma ordem a ser apresentada aos mencionados Lazcano, intimando-os
a finalizar as contas pendentes, sem aceitar qualquer desculpa que as atrasem. Cádiz, 15 de
fevereiro de 1797. AGI. BsAs. 323. Súplicas.
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 45
10 Ver também o ofício do administrador Manuel de Lasala para o vice-rei Vértiz. O ofício
avisa que o vigário de Concepción, de acordo com o corregedor, libertou dois réus, entre
outros excessos que “ocasionaram a decadência do povoado”. O administrador suplica para
que nenhum dos responsáveis pelo governo se intrometa em assuntos temporais, pois os
índios têm propensão a dar mais ouvidos aos sacerdotes do que aos administradores. AGN.
IX: 117-4-6. Concepción, 18 de dezembro de 1774.
11 A junta se formou no povoado de São Carlos e congregava os sacerdotes de tal povoado,
além dos de Mártires, Candelária, Santa Ana, São José e Santa Ana. Relatório de Antonio
Herrera, administrador de Santa Ana ao governador dos Trinta Povos. Santa Ana, 18 de
novembro de 1782. AGN. IX: 17-4-6.
52 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Os povoados: produção
e relações com o poder
17 Região I: Composta pelos povoados de Santos Mártires, São Xavier, Apóstoles, Con-
cepção, São Nicolau, São Luis, Santo Ângelo, São Lourenço e São Miguel, onde predomina
a produção de tecidos de algodão (52%) seguido da erva mate (42%) e o restante dividido
entre tabaco e couros. Região II: Os povoados de São Cosme, Jesús, Trinidade, Candelária,
Corpus, Loreto Itapuã São Ignacio Miní e Santa Ana, são os principais produtores de erva-
mate (73%), seguido de tecidos (14%) e couros (10%), restando ao tabaco a porcentagem
de 2%. Região III: composta pelos povoados Santo Tomé, São Borja, La Cruz, São José e
São Carlos está dividida entre a produção de erva (59%) e algodão (38%) com uma mínima
participação do tabaco. Região IV: Para os povoados de São Ignácio Guazú, Santiago, Santa
Rosa e Nossa Senhora da Fé, a quantia de 14% sobre o total comercializado nos ofícios, não
corresponde necessariamente a uma mínima participação na vida regional. A localização destes
povos, próximos a Assunção e Vila Rica, propicia que mantenham estreito contato com os
espanhóis. De fato é a única região a que os sacerdotes jesuítas permitem o estabelecimento,
em lugares predeterminados, dos comerciantes espanhóis.
18 Garavaglia ((1983) 1987:168-177) realizou esta análise para os anos de 1731-1767
(Pubelos y Doctrinas) e 1730-1745 (Santa Fe), baseado na Razão das Partidas dos frutos
que vieram dos Povoados e Doutrinas. AGN. IX-16-8-5.
64 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
O braço comunal
diários e, se a família é grande, resultam gastos exorbitantes de açúcar e outros produtos que,
em muitas vezes o povoado precisa comprar. Cada administrador tem os empregados que
desejar e todos comem e vestem à custa da comunidade. E é tanto o excesso que existe, que
se (os administradores) têm escravos, estes somente lhes servem como empregados domés-
ticos, e de aumentar os números de serventes indígenas, porque também precisam atender
aos escravos […] e se alguma escrava é usada como ama de leite, outra será utilizada para
carregar a criança no colo e lavar as fraldas, que é quando pode chegar o excesso (AGN. IX:
18-3-5. Concepción, 15 de septiembre de 1787).
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 75
25 AGN. IX: 17-4.2. Expediente sobre los Obrajes de Misiones. 15 de Junio de 1770.
26 CODA. 1970. Tomo V: 74. Memoria de Doblas. 1785.
27 Ver, por exemplo, a solicitação dos índios das missões para a construção do forte Bor-
bón. AHNM. Estado, 3389(1). Citada na carta de Joaquín Alós para Nicolás Arredondo.
Asunción, 13 de noviembre de 1792.
28 ANA. Historia, Vol. 59, Nº12, fol.89-118. Informe de D. Fulgencio de Yegros. Asunción,
10 de junio de 1769.
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 79
31 SUSNIK. 1965-66. Tomo II:59. Hf= Hombre fugitivo; Sf= Soltero fugitivo; Cf= Casado
fugitivo; Vf= Viudos fugitivos; STf= Fugitivos sobre el total de solteros; Thf= total de
hombres fugitivos.
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 81
O caminho liberalizante
33 AGI. BsAs, 322, Nº 14. Decreto del Marqués de Avilés de 17 de enero de 1800.
34 AGI. BsAs. 322, Nº 14. Ofìcio del Virrey al Intendente nombrando a los 323 jefes de
familia de 27 pueblos que fueron liberados de los trabajos de comunidad, por el Decreto de
27 de Enero. Buenos Aires, 18 de febrero de 1800.
92 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
A realidade econômica
e as propostas de mudança
Siglas utilizadas
Bibliografia
II. As Ruínas:
paisagens e personagens no século XIX
Jean Baptista
Os viajantes
Igrejas em ruínas
Novos ocupantes
Os caçadores de tesouros
Os índios
Considerações finais:
as ruínas em movimento
Referências Documentais
e Bibliográficas
Bibliografia de Consulta
Extratos Documentais
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 175
1820- Relato de
Auguste Saint-Hilaire
Da obra: Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1987.
Artífices
“Esse pátio e as construções que o circundam têm o
nome de curralão. Era aí que trabalhavam, no tempo dos
jesuítas, os operários de diferentes ofícios e onde hoje tra-
balham, por conta do rei, os poucos artífices que ainda
restam.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 276).
“Entre os artífices que restam em São Borja, con-
tam-se um torneiro, um serralheiro e alguns carpintei-
ros. Todos trabalham no curralão, por conta do rei, e
não se lhes pode mandar fazer a mínima coisa, sem a
permissão do comandante. Esses infelizes não recebem
nenhum pagamento além de uma ração semelhante à que
se dá aos soldados, quer dizer, quatro libras de carne por
dia, e, afora isso, representa injusta distribuição, pois o
homem casado recebe o mesmo que o solteiro, o que tam-
bém acontece em relação aos militares. Talvez não haja
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 179
Liderança indígena
“Em São Borja, hoje considerada apenas como uma
praça de guerra, não há mais cabildo, entretanto conser-
vou-se aí um administrador, mestiço de branco e guarani.
Mas, como não existe mais comunidade nessa aldeia, o
administrador não passa de um comissário do coman-
dante, limitando-se a transmitir suas ordens aos operá-
rios. Estes representam hoje um número muito pequeno,
são idosos e o último comandante negligenciou de lhes
formar aprendizes. Assim, a agricultura e os ofícios estão
igualmente a ponte de serem desconhecidos aos índios.
[...]
Além de administrador, conserva ainda em São Borja
dois cargos que remontam ao tempo dos jesuítas: o
cunhanrequaro (guardião das mulheres) e o avanuquaro
(guardião dos homens). Estes guardiões são encarrega-
dos de vigiar, um o trabalho das mulheres, o outro o
dos homens. Enquanto estive em São Borja, o coronel
mandou comprar certa quantidade de lã para fabricar
ponchos, incumbindo o cunhanrequaro de distribuí-los a
todas as mulheres para fiar.” (SAINT-HILAIRE: [1820]
1987, p. 293).
180 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Professor indígena
“Há um cura em São Nicolau, mas não o conheci,
porque se encontrava em sua chácara. No mesmo
povoado há, também, um mestre-escola de origem
guarani, e que ensina a ler, escrever e contar a uma
dúzia de crianças. Estive em sua casa enquanto dava
aula; cada criança tinha à mão um pedaço de papelão,
onde estavam escritos, pela mão do mestre, em letras
muito bem feitas, alguns versículos da Bíblia. Era a
lição sobre a qual as crianças se exercitavam na lei-
tura. Faltando livros, o professor é obrigado a escrever
o que os alunos devem ler, sendo tal prática comum
em quase todo o Brasil. O mestre-escola de São Nico-
lau recebe como retribuição da comunidade durante
longo tempo suas funções.” (SAINT-HILAIRE: [1820]
1987, p. 301).
182 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Imaginária e agricultores
“...os agricultores além de velhos são mal nutridos. [...]
Moram com suas mulheres a pouca distância da lavoura,
numa grande choupana, onde se vê um pequeno oratório
cheio de pedaços de imagens de santos. Semelhantes restos
de imagens se encontram em todas as casas e foram tira-
dos das igrejas destruídas da margem direita do Uruguai
e das capelas que tiveram a mesma sorte das aldeias por-
tuguesas.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 300).
População
“Estima-se em quatrocentas almas a população de
São Nicolau e das terras que dependem dessa aldeia;
aqui não há mais que trezentos e todos homens idosos,
mulheres e crianças; os jovens, como os de São Nicolau,
foram levados para o regimento e estão em São Borja.”
(SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 303).
Artífices
“Há em São Luís vários artífices, sobretudo tecelões,
que trabalham para a comunidade; mas tal é o relaxa-
mento do Marechal Chagas, que nunca deu ordens para
que esses operários ensinassem seu ofício às crianças.”
(SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 303).
184 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Agricultores e imaginária
“No meio das choupanas dos plantadores, constru-
ídas à margem esquerda do rio, existe uma pequena
capela, coberta de palha, dedicada a Santo Isidoro, na
qual o tenente corregedor me mostrou, com muito res-
peito, a imagem grosseiramente esculpida.” (SAINT-
HILAIRE: [1820] 1987, p. 304).
1 José Maria, conforme Saint-Hilaire, já administrara várias aldeias até ser exonerado pelo
Marechal Chagas. Posteriormente, foi readmitido como supervisor das aldeias pelo admi-
nistrador de São Borja, o coronel Paulette. Entre José Maria e os demais administradores
existe um desconforto quanto à forma da administração.
186 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
População
“Menor que a das outras aldeias é a população
deste povoado, pois só se contam duzentos indivíduos,
incluindo crianças, velhos e mulheres. São geralmente
sujos, mal vestidos, pouco honestos, tristes e dissimula-
dos; isto devido, certamente, aos maus tratos infligidos
pelo chefe.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 307).
São Miguel
“Perto de São Miguel, muitas chácaras dispersas
pelo campo. Essa povoação se localiza numa colina
188 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
População e agricultura
“Esta aldeia é a menos pobre de todas. Possui uma
considerável plantação de mate e uma importante estân-
cia onde se marcam três mil animais anualmente. Os
habitantes, bem nutridos, bem vestidos e tratados gentil-
mente por seu administrador, têm um ar alegre e franco,
parecendo contentes.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987,
p. 309).
Artífices
“Visitei hoje o curralão de São Miguel e o achei em
melhor estado que os das outras aldeias. Encontrei vários
tecelões, um curtidor, um bom serralheiro e um aprendiz
junto a cada artífice por determinação do administra-
dor.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 312).
População e agricultura
“A população se eleva apenas a 80 pessoas, sem
incluir as crianças com menos de oito a dez anos e, nesse
número, não há mais de quinze homens em condições
de trabalhar. Esses, no momento, estão ocupados em
fazer mate, e são as mulheres que cuidam das plantações.
Essas infelizes percorrem, diariamente, duas léguas para
ir ao seu trabalho e duas léguas para dele voltar. Supor-
tam todo o calor do dia, além de serem devoradas pelos
moscardos.” (SAINT-HILAIRE: [1820] 1987, p. 314).
Com o cura
“Passei algumas horas em companhia do cura, mora-
dor do convento e que me dispensou gentilezas; disse-
me com lágrimas nos olhos, que houve tempo em que a
miséria fora tão grande nesta aldeia que os índios iam
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 193
Varíola e despovoamento
“A varíola deve ser incluída entre as principais cau-
sas do despovoamento desta província. Desde o tempo
dos jesuítas, ela vem, de três em três anos, arrebatando
vidas. Sabe-se que essa moléstia, em geral, poupa menos
os índios que os homens de outras raças. Não obstante,
dizima grande número de pessoas [...]. No entanto, o
marechal Chagas jamais procurou introduzi-la [a vacina]
entre os índios das missões e mesmo após haver teste-
munhado o mal causado pela varíola não se preocupou
em antecipar-se contra o retorno do flagelo.” (SAINT-
HILAIRE: [1820] 1987, p. 304).
194 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Os Guarani
“A língua usual das Missões é a língua guarani:
sonora, eufônica e extremamente pitoresca: principia
já a ser popular desde o rio Pardo e nessa ultima vila
fala-se mesmo indiferentemente, e quase com a mesma
facilidade, a língua portuguesa e a língua indígena; pois
a população das Missões consta, pela maior parte, dos
restos da nação guarani: nação branda, dócil e sofredora,
sem, todavia, ser estrangeira ao préstimo militar: deixa-
rão fama no rio Grande os valentos lanceiros a cavalo,
outrora denominados do general Abreu, inteiramente
formados de naturais das Missões.
E quanto às qualidades físicas, as mulheres, fora a
cor geralmente escura com mais ou menos intensidade,
não tem certamente de que se queixarem dos rigores da
natureza, diferençando-se assim dos homens que não
lhe devem, por suas feições, agradecimentos alguns”.
(DREUS: [1817-1839] 1839, p.105).
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 203
Imaginária
“Os dourados são ainda muito frescos, não tinham
sido mais cuidados pelos jesuítas do que as pinturas e
imagens.
Essa mistura de capitéis, frontões, colunas torci-
das, estriadas ou lisas; esses quadros, esses ornamentos
carregados de dourados finos, de pinturas notáveis, de
esculturas delicadas; esses santos de todos os tamanhos,
de todas as ordens monásticas, destinadas a desempe-
nharem um papel imponente, no meio de um povo de
neófitos facilmente crédulos, tudo isso produziu em nós
o efeito de uma casa de teatro e nada mais.
Gemi de piedade, pensando na condição miserável
dos cristãos, cuja sorte se regulava pelo Concílio de
Trento ou no clã do secretário de Loyola sobre esse tema
fundamental; todos os meios são bons para fascinar os
povos!
Mas de piedade, passei em seguida para a indignação,
vendo santos de tamanho natural, cujos olhos móveis
nas órbitas estavam destinados a verterem lágrimas de
sangue!
Ao passo que outros santos tinham por missão espe-
cial fazerem sinais afirmativos ou negativos com a cabeça
ou mão!
‘E que faziam mais os idólatras, perguntaram meus
companheiros’
206 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Colégio e pomar
“À esquerda da igreja, num lugar encravado, estava
situado o colégio, atrás do qual se estendia soberbo
pomar cheio de laranjeiras, limoeiros, figueiras e de um
grande número de plantas indígenas, etc., e completa-
mente rodeado de um muro de pedra.
O colégio, como é lógico, estava ‘confortavelmente’
disposto e solidamente construído. Ao lado existia um
hospital e contíguos a este, oficinas públicas, armazéns
públicos, cozinhas públicas, etc.” (ISABELLE: [1833-34]
1983, p. 19).
Alimentação imigrantes
“A coisa começou com um almoço de infantil inge-
nuidade. Não abatiam gado todos os dias, mas somente
matavam um boi em cada três ou quatro semanas. Então
a carne é salgada e dependurada ao ar livre. Fica meio
fresca, mas com aparência muito suspeita. Quando a
vi, pensei à primeira vista que era sola umedecida do
sapateiro. Este charque, uma carne seca frescal, tem
muito bom gosto, mormente com aipim. Fiz a minha
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 209
Índios e mestiços
“Da colina desceram, galopando, alguns cavalei-
ros. Dois deles pareciam animais selvagens, mestiços
de índio, robustos, rosto atrevido e barba crespa. Toda
a aparência lhes traía a mesquinhez, mas também uma
certa originalidade. Da cinta pendia-lhes a longa faca
que, para eles, é tudo, o objeto predileto, seu ídolo
[...] Afiam a boa e elástica lâmina na soleira da porta
e experimentam-lhe o fio com os dedos, como se fos-
sem um quadro de Salvador Rosa. Enormes, [...] as
esporas. Tais monstrengos pesam cerca de meia libra;
as rosetas medem até quatro polegadas de diâmetro e
retinem no chão durante a marcha a pé. [...] Entremen-
tes, ficaram os cavalos arquejando diante da porta,
carregados com a complicada sela e mais trastes. Pois
estes tártaros do rio Uruguai não têm casa, levam vida
nômada. Acompanhavam-nos um jovem índio barri-
gudo e um negro. Compraram um bocado de pão e
de mate. Depois tudo foi metido num alforge, que o
jovem índio carregou timidamente atrás do semissel-
vagem, pois estes semianimais são nobres em relação
aos índios puro-sangue; são genuínos cavaleiros, que
vivem na sela e por isso não podem ter residência fixa.
Insolência, atrevimento e expressões vulgares são as
suas canções de trovador e o tinido das esporas o seu
tanger de guitarra. São realmente típicos esses gaviões,
como são chamados [...]. Foi-se o grupo num galope
louco e a poeira encobriu os animais.” (AVÉ-LALLE-
MANT: [1858] 1953, p. 215).
MORADORES DA RUÍNA
Igreja
“Foi nessa ocasião que pudemos examinar o estado
das ruínas.
O frontispício da antiga igreja estava perfeitamente
conservado, deixando apreciar seus lavores e adornos.
Aos lados da porta principal, existiam dois nichos,
um dos quais notava-se a estátua de pedra de Santo
Inácio de Loiola, paramentado de casula com um livro
debaixo do braço esquerdo, o outro nicho tinha uma
estátua de São Pedro Nolasco, mas estava decapitada.
À frente do frontispício notavam-se quatro grandes
colunas também de pedra, sendo duas caídas por terra e
as outras duas ainda aprumadas, todas com capitéis da
ordem compósita. Essas colunas serviam para sustentar o
pórtico, que precedia a entrada do templo.” (SILVEIRA:
[1855-1886] 1979, p.172).
Imaginária
“Uma das casas da praça era depósito das poucas
imagens salvas do incêndio da igreja, faltando a do
padroeiro, talvez envolvida e consumida nas chamas.
Vimos uma imagem de Nossa Senhora das Dores com
um vestido já velho de chita. Ponderamos ao morador
da casa contígua não ser decente aquele vestuário, nem a
imagem precisar disso, porque (não sendo de roca) tinha
o vestido da própria madeira pintada e dourada. Concor-
dou o homem, mas se lhe disséssemos, que todas as ima-
gens estavam incapazes de culto, talvez se molestasse.”
(SILVEIRA: [1855-1886] 1979, p. 181).
Igreja
“De tudo que vimos, nada foi tão belo e majestoso
como esse templo a cair lentamente em ruínas.
Nossa atenção prendeu-se logo a torre de pedras de
grés e granito ligadas a cimento, outros informaram-nos
que com espigões de metal.
As conjunturas nos ângulos são colunas guarnecidas
acima dos capitéis, de umas carrancas de leão perfeita-
mente esculpidas.
No cimo do zimbório da torre existiu por muitos anos
a figura de um galo, que pensavam fosse, pelo menos de
prata dourada.
[...]
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 235
Imaginária
“Em 1855 vimos a imagem desse tão venerado
Arcanjo. Era de estatura colossal. Tinha a seus pés um
enorme dragão, em cuja cabeça descansava o conto da
lança sustentada pela mão direita da grandiosa imagem.
Esse belo espécime de escultura bem merecia ter sido
conservado, pois mostraria como eram perfeitos o perfil
da estátua e as tintas e dourados, que afrontavam muitas
décadas decorridas. Levaram-na para a casa que servia
de matriz da paróquia de Santo Ângelo. Aí foi tratada
com tanto cuidado, que incendiou-se com o altar de
panos e sarrafos onde a colocaram. Tendo ficado muito
deformada o vigário fê-la reduzir a cinzas. Era essa a
imagem que deve ter ocupado o altar-mor da igreja de
São Miguel, pois a do frontispício era de pedra, como
já dissemos, repetindo o que outros viram e nô-lo referi-
ram.” (SILVEIRA: [1855-1886] 1979, p. 194).
Índios habitantes
“Nesse ano e ainda em 1860 viviam ainda três ou
quatro famílias de índios no andar térreo, ninguém que-
ria habitar o sobrado, para não ter o incômodo de subir
238 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Caçadores de tesouros
“Entre os sonhadores com tesouros dos jesuítas
conhecemos em São Miguel um capitão de navio mer-
cante por nome de Joaquim José Pereira, que abandonou
a profissão e a família e viveu por mais de dez anos a
fazer escavações. A última, na igreja, foi no espaço da
capela mor. Onde perfurou tanto o subsolo que encon-
trou uma abundante veia e te-lo-ia sepultado se um dos
seus escravos não o tivesse salvado. Desanimado, depois
disso, retirou-se para São João do Monte Negro, onde
faleceu com mais de noventa anos. Teve ele um filho,
muito ajuizado que foi professor em Porto Alegre, no
bairro menino Deus.
De um outro sonhador de tesouros jesuítas dá notí-
cia o Comércio de Joinville (Santa Catarina) nos termos
seguintes:
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 239
Lavatório de pedra
“No pátio interior do que outrora fora o colégio, cres-
cera o mato com espinhos, dificultando o exame do que
ainda pudesse existir perfeito. Entretanto, penetramos
até o espaço da antiga sala do refeitório e vimos caído
por terra o lavatório de pedra de grés, de que oferece-
mos um desenho. Era disposto em três partes, ficando
na superior uma águia dupla, coroada, entre duas pilas-
tras; sustentando nas garras um cano de metal (já sem
as torneiras); a parte da água servida; a parte inferior
eram três figuras grotescas, em cujas cabeças descansava
a bacia. Na pilastra, superior à esquerda, lia-se In anno,
na outra, à direita, 1694, como se verá o leitor no dese-
nho.” (SILVEIRA: [1855-1886] 1979, p. 201).
Cemitério e cruz
“No cemitério do lado oposto da igreja, existia uma
cruz monolita, com quatro braços, a chamada cruz
arquiepiscopal ou cardinalícia. Também damo-lo à
estampa, inclusive parte que foi partida, quando tenta-
ram apeá-la e transportá-la para Cruz Alta.” (SILVEIRA:
[1855-1886] 1979, p. 201).
Jean Baptista | Maria Cristina Dos Santos 241
Igreja
“O frontispício da igreja, aliás singelo, estava prumo,
bem como as paredes. [...]
Todas as naves da igreja estavam cheias de um mato
espesso e mais desenvolvido, pois haviam arrancado todo
o ladrilho que era de mosaico. Deixaram, entretanto, um
pequeno monte dos tijolos, que eram oitavados e perfei-
tamente coloridos.
Nos portais da parede do lado da epístola, conser-
vava a verga de cada uma das portas uma coroa ducal
sobre uma esferoide, e esta, circundando às iniciais JPH,
para nós, indecifráveis.” (SILVEIRA: [1855-1886] 1979,
p. 201)
“Dentro do mato que tem crescido, ainda podem ser
tirados colunas, capitéis e baixos-relevos.
Fora isso, nada mais resta...” (SILVEIRA: [1855-
1886] 1979, p. 203).
1875- Igreja
“Hoje, do grande templo da redução só resta o local
ocupado (não todo porque era muito espaçoso, mas uma
parte) com uma nova e singela capelinha.
Vinte anos depois (em 1875) vimos ainda existir
as paredes exteriores. O pavimento estava coberto de
grama, onde pastavam vacas e cavalos.” (SILVEIRA:
[1855-1886] 1979, p. 211).
Surge a cidade
“Além de um bom palacete para a intendência e con-
selho municipal, do cemitério extramuros e a nova igreja,
foram construídas: uma ponte mista sobre o rio Piratini,
uma no aroio Ximbocu-guaçu outra no Ximbocu-mirim,
244 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
Em ruína total
“Quase tudo quanto ficou descrito pelo sábio natura-
lista francês [Saint-Hilare] tem desaparecido no período
decorrido de mais de oitenta anos.
Todas as casas da redução vimo-las abatidas até os ali-
cerces. Por sobre os escombros e por todo o terreno urbano,
crescera um espesso e bem alto arvoredo de laranjas azedas,
onde em um ou outro lugar, conseguimos ver diversos capi-
téis de ordem dórica e fragmentos de colunas e pilares.
[...]
O cabildo desse povo, mais bem obrado que os das
demais reduções, ainda em parte está conservado e
246 Dossiê Missões Volume III: As Ruínas
População indígena
“A medida que afluía a população branca, os índios,
cediam-lhe facilmente suas casas da redução e parece
que até preferiam os ranchos, que facilmente construíam,
nos subúrbios, onde formavam uma população a parte.”
(SILVEIRA: [1855-1886] 1979, p. 250).