A Polissemia Do Verbo Ficar - Introdução A Gramatica de Casos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA í>

PROGRAMA DE PÕS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

POLI SSEMIA DO VERBO FICAR — MTRODOÇÃO Ã GRAMÃ.TICA DE CASOS

DISSERTAÇÃO APRESENTADA Ã UNIVERSIDADE

FEDERAL DE SANTA CATARINA PARA OBTEN­

ÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM LETRAS (ÂREA

DE CONCENTRAÇÃO: LINGÜÍSTICA TEÕRICA)

PELA ALUNA

ZÊLIA ANITA VIVIANI

FLORIANÕPOLIS

19 87
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do

Titulo

MESTRE EM LETRAS

Área de Concentração: Lingüística Teórica, pelo Programa de Põs-

Graduação.

Prof. Dr. Apostolo T. Nicolacopialos


Coordenador da Pós-Graduação em
Lingüística

Apostolo T. Nicolacopulos
Orientador

Apresentada a Banca Examinadora:

Prof. Dr. Apóstolo T. Nicolacopulos

4u ■ 'U todft l
Prof? Dr? Maria Marta Furlanetto

Prof. Dr. José Luís Meurer


•1
îii

Para:

ERNANI e LUCAS.
iv

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Apóstolo Theodoro Nicolacõpolus, cujas bri­

lhantes aulas no curso de Pós-Graduação me proporcionaram vis­

lumbrar uma nova luz nos caminhos do estudo da linguagem; pela

dedicação, sabedoria e amizade com que me orientou durante a

execução deste trabalho.

Aos demais professores do curso de Pós-Graduação em Lin­

güística, da UFSC e, em especial ao Prof. Dr. Dãrio F. Pagel,

primeiro incentivador.

à Secretaria da Educação, que me proporcionou o afastamen­

to das aulas para a realização deste trabalho.

à Elza Lemos, pelo incentivo constante.

A todos os familiares e amigos que acreditaram na impor­

tância da concretização desta dissertação para a minha vida

profissional e pessoal.
V

RESUMO

O objetivo deste trabalho ê tentar examinar o problema da

polissemia (com referência especial ao verbo ficar), um proble­

ma que não tem sido suficientemente analisado nas gramáticas

tradicional, estruturalista e gerativa.

Visto que a polissemia ê um problema essencialmente semân­

tico, a gramática de casos foi usada para tratar do nível se­

mântico, junto com o modelo da sintaxe gerativa, com a finali­

dade de integrar os dois níveis de análise.


vi

ABSTRACT

This paper is an attempt to examine the problem of polysemy

(with special reference to the verb FICAR) , a problem that has

not been sufficiently analysed in the traditional, structural

and generative grammars.

Given that polysemy is primarily a semantic problem, case

grammar has been used to approach the semantic level, along with

the generative syntax model, in order to integrate the two

levels of analysis.
vii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................... .................. 1

CAPÍTULO I - ANÃLISE DO VERBO FICAR NAS GRAMÁTICAS TRADI­

CIONAL, ESTRUTURALISTA E TRANSFORMACIONALIS-

TA ........................................ 4

1.1. Gramática Tradicional ................ ........... 5

1.1.1. Verbo .................................... 7

1.1.2. Verbos Auxiliares ........................ 13

1.1.3. Predicado Nominal ........................ 23

1.1.4. Predicações Comitativas .................. 30

1.2. Estruturalismo .................................. 36

1.2.1. Verbo .................................... 37

1.2.2. Verbos Auxiliares ........................ 39

1.2.3. Predicado Nominal ........................ 44

1.2.4. Predicações Comitativas ............ . 45

1.2.5. O Modelo de Tesnière ..................... 47

1.3. Transformacionalismo ............................ 51

1.3.1. Estruturas Sintáticas (Chomsky 57) ....... 52

1.3.2. Aspectos da Teoria da Sintaxe (Chomsky 65). 59

1.3.3. Aspectos: Capítulo II .................. 64

1.4. Tesnière, Chomsky e Fillmore .................... 68

CAPTTULO II - GRAMÁTICA DE CASOS ....................... 72

2.1. Modelo de Fillmore .............................. 73

2.1.1. Fillmore 196 8 ............................ 77

2.1.2. Fillmore 1971 ............................ 84

2.2. Modelo de Chafe ................................. 89

2.2.1. Estrutura Semântica ...................... 90


viii

2.2.2. Tipos de Verbos ........ ................... 98

2.2.3. Casos ................................... . 103

2.2.4. Relação entre Verbos ...................... 112

2.3. Considerações Gerais ............................. 113

CAPÍTULO III - POLISSEMIA DO VERBO FICAR -- TEORIA E PRÁ­

TICA ------------------------------------- 116

3.1. A Semântica e o Signo Lingüístico ................ 116

3.1.1. Teorias do Significado ..................... 119

3.2. Polissemia ....................................... 121

3.2.1. Polissemia verbal ......................... 124

3.2.2. Polissemia do verbo FICAR ................. 127

3.3. Análise das diversas ocorrências do verbo FICAR ... 129

CONCLUSÃO ............................................... 170

BIBLIOGRAFIA 174
INTRODUÇÃO

Escolhemos trabalhar com a questão da polissemia verbal,

motivados pelo tratamento escasso — e mesmo inadequado — que

lhe confere a Gramática Tradicional- Pensamos, evidentemente,

em nossos alunos, e numa maneira de facilitar-lhes a difícil

tarefa de analisar orações segundo as regras gramaticais impos­

tas por um modelo complexo e incoerente. Não se trata, porém,de

abandoná-lo: não acreditamos que a derrubada do passado possa

construir o presente. Trata-se, sim, de eliminar o excessivo

emaranhado de definições, de estabelecer critérios mais condi­

zentes com o uso lingüístico e, principalmente, de esclarecer

pontos obscuros ou falhos, de preencher lacunas./

Logo nas primeiras consultas a essa Gramática Tradicio­

nal, constatamos o uso indiscriminado de critérios semânticos

e sintáticos. O verbo FICAR, objeto do nosso trabalho, foi en­

contrado na classificação de verbos "de ligação", "vazió de


sentido", quando figurante dos predicados chamados "nominais".

Ora, como também fosse considerado um verbo indicador de "mu­

dança de estado", perguntamo-nos como poderia um verbo expres-

r•
2

sar alguma coisa — e, portanto, ter significado — e ao mesmo

tempo ser definido como "vazio de sentido".

Além disso, se em outros contextos (devido a sua polisse-

mia) o verbo FICAR pudesse ser classificado de outra forma, on­

de estava, nas nossas gramáticas, a análise dessas outras ocor­

rências?

Perguntamo-nos, então, se não haveria vim tipo de análise

que desse conta, de maneira satisfatória, da questão da polis-

semia: se um verbo (por exemplo) pode ter múltiplos sentidos,

como analis-ã-los em cada contexto, sem incorrer em excessiva e

intrincada terminologia?

A Gramática de Casos, proposta por Fillmore em 1966, sur­

giu-nos como a mais indicada para a solução de problemas semân­

ticos e, mais particularmente, para a análise de verbos polis-

sêmicos. E constatamos que, finalmente (talvez não no sentido

definitivo), poderíamos propor aos nossos alunos uma análise

mais simples e mais clara da relação que o verbo mantêm com

o(s) nome(s) que o cerca(m) na estrutura da oração.

Sendo um modelo semântico fechado e que, por isso mesmo,

pode ser usado com qualquer outro modelo sintático, utilizamos

também a análise sintática, com base, sobretudo, na teoria de

Chomsky (1965). Integrando os dois aspectos, considerando que

não se pode separar a dupla face do signo lingüístico (signifi-

cante/significado), chegamos a atingir o nosso objetivo, que é

propor um tratamento mais adequado para a questão dá polissemia

do verbo FICAR. Colocamos, assim, nos seus devidos lugares, o

nível sintático e o nível semântico.

Para atingirmos o nosso objetivo, percorremos o seguinte

caminho:
3

Inicialmente, revisamos a situação do verbo FICAR na Gra­

mática Tradicional; em seguida, repassamos a questão dentro do

Estruturalismo; como o Transformacionalismo surgisse em rea­

ção, foi necessário também ali rever o assunto. Assim ficou es­

truturado o nosso primeiro capítulo.

Constatadas as lacunas até aqui encontradas, embora sem

negar — e até mesmo utilizando — algumas das valiosas contri­

buições de todas essas teorias, passamos a discorrer sobre a

Gramática de Casos. Assim ficou composto o segundo capítulo

desta dissertação.

Por último, no terceiro capítulo, passamos a colocar em

prática as teorias apresentadas: análise das diversas ocorrên­

cias do verbo FICAR, à luz da Gramática de Casos, integrada ao

modelo sintático-gerativo.
CAPÍTULO I

ANÁLISE DO VERBO FICAR NAS GRAMÁTICAS TRADICIONAL, ESTRUTURA-


LISTA E TRANSFORMACIONALISTA.

Para examinarmos a situação do verbo FICAR na Gramática

Tradicional, escolhemos Evanildo Bechara, Celso Cunha, Celso

Luft e Rocha Lima (pela ordem). Em suas gramáticas, fomos pro­

curar os itens em que poderia figurar o verbo em estudo: defi­

nição de verbo e sua função, verbos auxiliares, predicado nomi­

nal e predicações comitativas.

Os mesmos itens foram revisados dentro do Estruturalismo.

Para tanto, pesquisamos Mattoso Camara Júnior e José Rebouças


Macambira. Dentro desta "corrente", havia, porém, o modelo de

Tesnière. Como não podíamos encontrar em sua obra os mesmos


itens acima (pelo menos, não colocados convencionalmente), ti­

vemos de analisá-lo à parte.

Dentro de um modelo Transformacionalista, ficamos com o


seu idealizador — Noam Chomsky. Resumimos as questões que mais

de perto nos interessavam nas suas obras "Estruturas Sintáti­

cas" (1957). e "Aspectos da Teoria da Sintaxe" (.1965), e não

particularmente a situação do verbo FICAR, que ali não pode ser

encontrada nos mesmos moldes das gramáticas tradicionais.


5

1.1. Gramática Tradicional

Remontando à antigüidade greco-romana, a nossa chamada

gramática tradicional tem sido freqüentemente criticada por ser

nacional. Em verdade, a concepção clássica da linguagem pren­

de-se a noções lógicas, segundo a visão filosófica de Aristó­

teles e seus seguidores — sobretudo Port-Royal — e, mais tar­

de, os que no racionalismo desta última se inspiraram, tais co­

mo Chomsky e Fillmore. Porém, se após o advento de Saussure, "a

língua deve ser encarada em si mesma e por si mesma", isto não

significa que se possa abandonar totalmente as considerações ex-

tralingüísticas, uma vez que a compreensão do universo se re­

flete, de certa forma, na linguagem. Se uma gramática concebida

em moldes nocionais apresenta as suas incoerências, também é

verdade que muitas das suas concepções perduram insubstituíveis

até hoje, e retombam em teorias mais modernas (em oposição aos

tempos antes do século XIX), cujos formuladores não podem delas

prescindir. O próprio Saussure não negou a sua validade: "Como

procederam aqueles que estudaram a língua antes da fundação dos

estudos lingüísticos [...]? É curioso constatar que o seu ponto

de vista [ ...] é absolutamente irrepreensível" (MOUNIN, 1960 :


134).

É certo, como já vimos, que os critérios nocionais embar­

gam freqüentemente a análise do fato lingüístico em si. Muitas

vezes, as definições das gramáticas clássicas são tão vagas,

que é mesmo impossível refutá-las. Mas o problema maior, no

nosso entender, reside na heterogeneidade de critérios: junta­

mente com o nocional, as gramáticas que analisamos mesclam a

morfologia e a sintaxe, de tal forma que muitas vezes ficamos

sem um ponto definido e coerente para nos apoiarmos na crítica


6

daquilo que percebíamos nao ser válido.

Ao lado da falta de objetividade, está o fato de serem

normativas as gramáticas estudadas. Não entraremos em discus­

sões a este respeito, pois que gramáticas normativas existem

como tal e, de certa forma, exteriores ao que Saussure chama

"estudos lingüísticos". Vamos abordá-las, porque são gramáti­

cas" e porque são utilizadas nas escolas. Mas teremos sempre

em mente a distinção entre uma gramática que prescreve, ditando

as regras do bem falar e escrever — e uma gramática descriti­

va.

Ao fazermos uma análise crítica da situação do verbo FICAR

na Gramática Tradicional, consideraremos, portanto, os fatores

apresentados acima, e que assim resumimos: 19) a inegável con­

tribuição de tantos quantos se ocuparam da linguagem na chamada

era pré-científica; 29) a mistura, no entanto, de critérios,

tais que o nocional, o morfológico e o sintático.

Assim, vamos considerar gramática tradicional as de cunho

essencialmente lõgico-filosõfico, nos moldes das gramáticas

clássicas.

A escolha dos autores prendeu-se à grande freqüência de

consulta de seus respectivos manuais, tanto por parte dos pro­

fessores de língua portuguesa, quanto por parte dos alunos. Foi

pensando especialmente nestes últimos que nos motivamos a ten­

tar esclarecer certas dificuldades que se lhes apresentam as

gramáticas escolares.

Vamos analisar, então: Bechara, Celso Cunha, Celso Luft e


7

Rocha Lima1. SAID ALI será consultado apenas nos pontos possi­

velmente mais "cruciais" do trabalho. Examinaremos como se po­

siciona cada autor a respeito do verbo FICAR. Para tanto, ana­

lisaremos questões como definição de verbo e sua função, verbos

auxiliares (locução verbal), predicação nominal, transitividade

(predicações comitativas).

1.1.1. Verbo

Desde Dionísio da Trãcia (fim do século II a.C.), a defi­

nição de verbo nas nossas gramáticas normativas apresenta-se

mesclada de critérios nocionais2 e morfológicos. Assim definiu

ele, o verbo: "o verbo é uma parte do discurso sem flexão de

caso, mas com flexões de tempo, pessoa e número, e designa uma

atividade ou fato de estar submetido a uma ação" (LYONS, 1969:

335). Esta definição foi estabelecida para uma língua como o

grego, ou o latim, e não pode ser aplicada a todas as línguas.

Basta ver que a flexão não é um traço universal, e as línguas

que a têm, nem sempre manifestam as categorias de caso, número

e tempo. Além disto, o gramático alexandrino baseava-se nas

propriedades da estrutura superficial das palavras, para a

1 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 29.ed., Sao Paulo, Com­


panhia Editora Nacional, 1985.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
2.ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1985.
LUFT, Celso Pedro. Gramatica Resumida. 8.ed., Porto Alegre, Editora Glo­
bo, 1978.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.
26.ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985.
2 ^ f
A gramatica "nocional" parte do pressuposto de que a linguagem traduz ca­
tegorias de pensamento universais. Ha, segundo Jespersen, categorias ex-
tralingüísticas independentes de fatos mais ou menos acidentais nas línguas
existentes" e sao "universais na medida em que se podem aplicar a todas as
línguas, embora tais categorias nelas venham raramente expressas de modo
claro e inequívovo." (Lyons, 1979:140).
8

classificação das partes do discurso. Hóje sabemos que elas de­

vem ser definidas como constituintes de frases na estrutura

profunda, assunto ao qual ainda voltaremos.

Para BECHARA, "verbo é a palavra que, exprimindo ação ou

apresentando estado ou mudança de um estado a outro, pode fazer

indicação de pessoa, número, tempo, modo e voz" (1985:103). Sem

chegarmos ao extremo do que pensa Bloomfield a respeito de uma

definição encontrada em gramática escolar: "Esta definição pres­

supõe mais saber filosófico e científico do que a raça humana

pode assimilar..." (MACAMBIRA, 1982:35), vamos, no entanto,con­

siderar a sua complexidade. O primeiro problema a constatar é

que em tal definição encontramos mescladas as concepções nocio-

nais (ação, estado, mudança de estado) e morfológicas (número,

tempo, modo e voz),num capítulo dedicado à morfologia. É então

justificada a crítica que se tem feito â análise tradicional,de

não ser objetiva. Os critérios nocionais, como "exprime ação" e

"apresenta estado", não ofereceriam então maiores problemas(nós

mesmos utilizaremos tais noções na gramática de casos), não fos­

se a falta de formalização. A respeito da distinção semântica

entre nomes e verbos, diz Mattoso Camara: "A interpretação fi­

losófica profunda não vem ao caso. Trata-se, [...] daquela ló­

gica, ou compreensão, intuitiva que permeia toda a vivência

humana e se reflete nas línguas" (Estrutura da Língua Portugue­

sa, 1985:78). Quanto à definição nocional de "mudança de esta­

do", temos as nossas objeções. Entretanto, voltaremos ao assun­


to mais adiante, uma vez que o nosso verbo FICAR está incluído

nessa noção.

Nos mesmos moldes, mas com características diferentes, en­

contramos a definição de verbo em CELSO CUNHA: "VERBO é uma

palavra de forma variável, que exprime o que se passa, isto ê,


9

um acontecimento representado no tempo" (19 85:367). Por forma

variável o autor entende o que Bechara cita já na definição,

quer seja "pessoa", "número" e "voz". Enfatiza e separa, no en­

tanto, a característica de tempo, comprovando-se mais vima vez

a não-universalidade de tal tipo de definição. Poder-se-ia jus­

tificar a incorporação da flexão temporal, alegando ser esta

vima gramática da língua portuguesa, mas como já dissemos no

início, os estudos lingüísticos voltam-se hoje para vima teoria

mais universal. Justamente por isto, separamos das demais as

gramáticas ora em estudo.

Constatamos igualmente em Celso Cunha, o nocional ("que ex­

prime o que se passa") e o morfológico ("forma variável"). Ou­

tro problema é que o autor define verbo como exprimindo "acon­

tecimento". Poderíamos nos perguntar como justificaria ele os

verbos que classifica como "estado". Além disto, seguindo sua

definição de verbo como acontecimento, o autor cita, entre ou­

tros, o exemplo: "Como estavam velhos" (p.367). A este propósi­

to vamos optar pela solução encontrada por Chafe ao especifi­

car os verbos de estado em não-acontecimento, e os que indicam

processo ou ação, em acontecimento ou evento. Não podemos con­

cordar, pois, com a definição de Celso Cunha: "acontecimento"

não abrange — como talvez pretendesse o autor — tudo o que o

verbo pode expressar.

Para CELSO LUFT, verbo é a "palavra que exprime vim proces­

so, apresentando ações (CORRER, TRABALHAR), fenômenos (VENTAR,

CHOVER), estados (SER, ESTAR) ou mudanças de estado (TORNAR,

FICAR), situados no tempo" (1978:93). Dentre os autores con­

sultados, LUFT ê o único que emprega o termo "processo". Vamos

ver mais adiante, na parte dedicada ao estudo do Estruturalismo,

que também Mattoso Camara e Tesnière assim definem o verbo,


10

adotando a definição de Meillet. Para este lingüista, proces­

so pode indicar tanto ação, quanto estado ou mudança de estado.

No entanto, para Chafe, cujo posicionamento adotaremos no pre­

sente trabalho, processo é uma das características que pode in­

dicar o verbo, ao lado de estado e ação — o que é bem diferen­

te. Poderíamos assim representar as duas concepções:

açao
MEILLET - verbo -> processo «
(e LUFT) estado ^mudança de estado

estado
CHAFE - verbo processo
ação
ação-processo

Quanto à inclusão de "fenômenos", na definição de Luft,

não vemos porque considera-los à parte: os fenômenos, ou são

estados ou são ações, como veremos no capítulo n . Além disso

(e portanto), não constituem um processo, como diz o autor.

à parte estas considerações, o que nos interessa mais de

perto é a inclusão do verbo FICAR em mudança de estado. Volta­

mos a dizer que, sobre este assunto vamos concordar com Chafe,

para quem mudança de estado é um processo: "... parece que es­

tamos tratando com PROCESSOS em que se diz que o nome MUDOU de

estado ou condição" (1979:100).

ROCHA LIMA não difere muito dos autores analisados, em sua

definição de verbo: "... denota ação, estado ou fenômeno, é a

parte da oração mais rica em variações de forma ou acidentes

gramaticais" (1985:107). De fato, a língua portuguesa, como de­

rivada do latim, apresenta grande quantidade de formas, o que

faz com que as classes se oponham com mais nitidez. Se para


11

Benveniste, por exemplo, a função sintática é o único argumento

válido para distinguir nome e verbo, é porque na língua inglesa

são quase ausentes as flexões nominais e verbais. Mas nosso ob­

jetivo, no presente trabalho, será propor um modelo semântico

que possa dar conta das relações entre o verbo e os nomes que

o cercam.

Tendo feito assim esse breve comentário sobre a definição

de verbo, passemos a considerar como se posicionam os autores

a respeito de sua função sintática. Embora de Platão para cã a

definição de, verbo esteja indissoluvelmente ligada a de predi­


cado, separamos os dois enfoques, pois é desta maneira que o

faz a maioria dos autores (à exceção de Celso Cunha): a defi­

nição de verbo no capítulo reservado à Morfologia e, a sua fun­

ção, na parte que trata da Sintaxe.

Apesar de nem sempre estar claramente expresso, entende-

se que, havendo um verbo na estrutura oracional, este desempe­

nhará obrigatoriamente a função de predicado.

Os autores são unânimes em definir o predicado como AQUILO

QUE SE DIZ DO SUJEITO. Por esta definição, subentende-se que

não pode haver predicado sem sujeito, pois que, então, predica­

do se resumiria em AQUILO QUE SE DIZ. No entanto, todos admi­

tem a oração sem sujeito. Ora, dizer que predicado ê "tudo o

que se diz do sujeito" e logo em seguida admitir que nem sempre

há sujeito, deixa-nos bastante inseguros. BECHARA ê um pouco

mais cuidadoso ao definir o predicado: "é tudo o que se declara

na oração, ordinariamente em relação ao sujeito" (1985:260).Mas

embora o autor tenha usado o termo "ordinariamente"- e isto sig­

nifica que nem sempre haverá sujeito — tal definição gera ex­

plicações à parte e não abrange então tudo o que pode indicar


12

o predicado. "Ê tudo o que se declara" ê um critério nocional e

um tanto vago. Se a determinação das relações recíprocas na

oração -— como o requer a sintaxe — está presente: "em relação

ao sujeito", o autor não pôde prescindir do sentido. Cabe assi­

nalar também, pois que será um ponto importante na gramática

de casos, que ao definir o predicado como citamos acima, Becha-

ra (e também os demais) coloca o predicado em função prima­

cial. CELSO LUFT nos diz, ao referir-se ao sujeito e ao predi­

cado: "0 mais importante dos dois, núcleo da oração, é o predi­

cado: há orações sem sujeito (com verbos impessoais), mas não

as há sem predicado" (1978:128). CELSO CUNHA expressa claramen­

te a função do verbo: "O SINTAGMA VERBAL (SV) constitui o pre­

dicado. Nele há sempre um verbo que, quando SIGNIFICATIVO, é o

seu núcleo" (1985:121).

Quanto à "atitude do sujeito" (.Celso Cunha, 19 85:128) em

relação aos verbos de ação, todos os autores afirmam ser ele

"agente" ou "paciente". Mas, se "os diferentes modos de predi­

cação representam os diferentes modos de ser dos objetos ou

dos seres animados" (Dicionário Dubois, 19 75:480), então há la­

cunas em nossas gramáticas, pois que não apresentam todos os

modos de ser do sujeito. Acreditamos que sõ uma gramática que

leve em conta a polissemia possa resolver tais problemas. A

questão retorna à definição de verbo: se os autores o definem

como exprimindo ação ou estado, como classificar, por exemplo,

a atitude do sujeito em: "0 combate cessou" (CHOMSKY, 1980:110)

em agente ou paciente? Por outro lado, também não é um verbo

de estado como os arrolados pelos autores. Assim não pode,igual­

mente, apresentar do sujeito "uma qualidade, estado ou condi­

ção" (BECHARA, 1985:202). Talvez apenas Celso Cunha tenha se

aproximado melhor do problema ao dizer que a atitude do sujeito


13

com os verbos de estado é de "neutralidade" (1985:128). Nesses

casos, para o autor, "o sujeito ê a sede do processo verbal, o

lugar onde ele se desenvolve" (id.:129). Veremos, mais adian­

te, no capítulo II que, para Fillmore, o caso objetivo é o mais

neutro semanticamente. Porém, o problema em Celso Cunha, é clas­

sificar esses verbos como estado (jã vimos anteriormente). Não

cabe também — e portanto — ao exemplo de Chomsky citado aci­


ma.

1.1.2. Verbos Auxiliares (Locução Verbal)

Os autores consultados não divergem muito quanto â defini­

ção de verbo auxiliar: estão praticamente acordes em que sua

função na chamada locução verbal é apenas gramatical. No entan­

to, há divergências quanto â listagem dos verbos auxiliares em

português. Passaremos à análise das abordagens relativas ao

conceito de auxiliaridade nas gramáticas jã citadas, dando es­

pecial atenção ao nosso verbo em estudo. Da mesma forma como

fizemos no item anterior, seguiremos, pela ordem, Bechara, Cel­

so Cunha, Celso Luft e Rocha Lima.

Como veremos em seguida, os conceitos de auxiliar e locu­

ção verbal, estão intimamente ligados. Assim, para BECHARA, lo­

cução verbal é "a combinação das diversas formas de um verbo

auxiliar com o infinitivo, gerúndio ou particípio de outro que

rse se chama PRINCIPAL: [...] (1985:110). Subentende-se aqui que


14

(pela definição do autor) o verbo auxiliar não tem um signifi­

cado, pois que são suas "formas" que vão combinax-se com o

principal. No entanto, logo em seguida: "Muitas vezes o auxi­

liar empresta um matiz semântico ao verbo principal, dando ori­

gem aos chamados ASPECTOS DO VERBO" (id.:110). Assim, ficamos

sem saber exatamente o que ê verbo principal: se ele tem signi­

ficado por si (embora o autor não o conceitue), não necessita

de que o auxiliar lhe empreste um "matiz semântico". Por outro

lado, "aspecto", segundo a visão tradicional, é uma caracterís­

tica gramatical, formal, e não semântica. Podemos mesmo depre­

ender, indo um pouco mais além, que os autores não estão . bem

certos de que o tempo da enunciação seja apenas uma categoria

gramatical. Não podemos prolongar esta discussão no presente

trabalho; hã, inclusive, vários estudos sobre o assunto. Porém,

é possível concluir que para Bechara, o "matiz semântico" infe­

rido nos verbos auxiliares dá origem aos aspectos do verbo.

0 verbo FICAR encontra-se expresso somente na classifica­

ção do verbo auxiliar como formador da voz passiva: "SER, ESTAR,

FICAR se combinam com o particípio (variável em gênero e núme­

ro) do verbo principal para constituir a voz passiva (de ação,

de estado e mudança de estado): [ ...] FICARAM RODEADOS" (id.:

111). Igualmente não podemos entrar em detalhes, neste traba­

lho, sobre assunto tão vasto e discutível como a voz passiva.

Vamos discorrer apenas sobre o exemplo: "ficaram rodeados".

Na definição de locuçáo verbal, o autor havia dito que o

auxiliar serve para combinar-se, através de suas formas, com o

verbo principal — do que depreendemos que não possui signifi­

cado. Aqui, indica voz passiva de "mudança de estado", critério

semântico. Jâ afirmamos que não estamos de acordo com a noção

de mudança de estado. Porém, não ê isto que cabe analisar no


15

momento, e sim a contradição entre atribuir-lhe função apenas

gramatical e depois classificá-lo com base no seu significado:

o sentido "mudança de estado" sõ pode ser conferido à locução

através do verbo FICAR. Quanto a constituir voz passiva, o

exemplo FICARAM RODEADOS, aparentemente não comporta objeções:

rodear ê verbo transitivo e está no particípio passado. No en­

tanto, apresenta certos problemas a considerar. No exemplo, há

uma ação (RODEAR) e ao mesmo tempo uma mudança de estado (FI­

CAR). Além disto, sabemos que o particípio equivale .muitas ve­

zes a uirt adjetivo, dificultando o saber se ê voz passiva ou

não.. A maioria dos autores está de acordo com Rocha Lima para

quem o particípio tem o valor e a forma de adjetivo.

Analisando orações com o verbo ESTAR, EUNICE PONTES (19 73)

nos diz: "Como ESTAR, há uma série de verbos que se combinam acm

particípio mas não constituem orações passivas: [...](1973:57).

Dentre os verbos citados, encontra-se FICAR. Parece-nos que há

o problema de que certos verbos no particípio passado estão

fossilizados como adjetivos. Como então fazer a distinção se,

além do mais, o agente nem sempre está expresso? A propósito,

diz Lyons: "0 sujeito da ativa não é necessariamente "expresso"

(claramente representado) na versão passiva da "mesma frase,"

[...] (1979:396). Se Bechara cita o exemplo FICARAM RODEADOS,

poderíamos igualmente citar outros com as mesmas característi­

cas, mas que dificilmente podem ser considerados passiva:

(1) João ficou calado.

(2) João ficou curado.

Examinando (1) e (2), vemos que não implicam necessariamente em

agente da passiva como "alguém calou joão" (1) ou "alguém cu­

rou João" (2). Se aplicarmos os testes de Chafe (1979:99 e 100)


16

aos quais voltaremos em maiores detalhes no estudo da gramáti­

ca de casos), veremos, inclusive que em (1) o próprio agente é

João. Assim: O QUE FEZ JOÃO? — ficou calado. Em (2), temos um

processo: 0 QUE ACONTECEU A JOÃO? — ficou curado.

Para a mesma definição de voz passiva, Celso Cunha cita o

exemplo: "FICOU MOLHADO" (1985:386). Um exemplo assim, sem um

agente expresso, pode gerar outras interpretações, que não voz

passiva, pelos motivos já expostos."FICOU MOLHADO" pode deixar

subentender vim agente — pela chuva — traduzindo, neste caso,

a voz passiva. Mas dificilmente encontraremos tal frase (como

voz passiva) no português coloquial. É mais freqüente ouvir-se,

por exemplo: "Ele apanhou chuva e ficou molhado" ou "Ele está

molhado de chuva". Um agente animado, no exemplo de Celso Cu­

nha, está totalmente fora de possibilidade: (?) "Ele ficou mo­

lhado por João".

Eunice Pontes, que utiliza o critério sintático para a

análise do assunto, argumenta que o critério semântico não é

seguro, "(...) uma vez que nem sempre temos casos claros de

sentido diverso" (1973:39). Mas embora seja preponderante o

critério sintático — e eficaz o seu estudo — não deixa ela de

usar também o critério semântico e, em nota ao pé da página,

refere-se â complexidade da relação entre a sintaxe e a ^semân­

tica. Voltaremos ainda â Eunice Pontes. Para o momento, vamos

..^ntinuar a nossa análise dos exemplos de voz passiva.

Celso Luft cita o mesmo exemplo de Bechara, expressando

entretanto o agente: "ELE FICOU RODEADO POR (DE) CURIOSOS"(1978:

105). Neste caso, considera igualmente o verbo FICAR como indi­

cador de mudança de estado. Embora o agente esteja expres­

so, cabem aqui as mesmas observações que fizemos a propósito


17

de Bechara.

ROCHA LIMA é o único a considerar apenas o verbo SER como

auxiliar da voz passiva: "Organiza-se a voz passiva com o verbo

auxiliar SER, conjugado em todas as suas formas, seguido do

particlpio do verbo que se quer apassivar" (1985:123). A propó­

sito, também para SAID ALI e MATTOSO CAMARA o auxiliar da voz

passiva é somente o verbo SER. Rocha Lima não distingue a voz

passiva em indicadora de ação, estado e mudança de estado, como

os outros. Não nos deteremos, então, na análise do assunto em

sua gramática, pois que (felizmente) o verbo FICAR não se en­

contra assim classificado. Vamos observar apenas, que fica bem

mais evidente — e talvez menos sujeito a controvérsias — a

ação da voz passiva com o verbo SER. Transpondo os exemplos de

Bechara e Celso Luft, teríamos:

(3) ELES FORAM RODEADOS POR CURIOSOS.

Passaremos agora a verificar como se encontram nos nossos

autores as construções com gerúndio e infinitivo.

BECHARA classifica os auxiliares em acurativos, modais,cau-

sativos e sensitivos, mas não encontramos neles nenhum exemplo

com o verbo FICAR. Deduzimos, porém, que o autor o inclui nos

chamados acurativos, indicadores de "DESENVOLVIMENTO GRADUAL

DA AÇÃO; DURAÇÃO: estar a escrever, andar escrevendo, [...]

etc." (1985:111), pois foi somente neste item que conseguimos

eacaixá-lo. A não ser que Bechara considere o verbo FICAR ape­

nas auxiliar de voz passiva.

Eunice Pontes (1973), dedica-se quase que exclusivamente

aos chamados (também por SAID ALI) auxiliares "caus ativos", "sen­

sitivos" e "modais", que se combinam com infinitivo. Alguns

"acurativos" são revistos aqui e ali. Portanto, nada encontra-


18

mos em seu trabalho especificamente sobre o verbo FICAR. Justi­

fica a autora: "Quanto a ESTAR e FICAR exigiriam um estudo mais

demorado" (1973:59). E, logo em seguida: "Deixaremos o estudo

dos verbos que se combinam com gerúndio para outro trabalho."De

nossa parte, não estamos cientes de que a autora tenha reali­

zado o seu intento. De qualquer forma lamentamos esta ausência,

pois que, temos certeza, seu trabalho em muito nos ajudaria. A-

pesar disto, tentaremos aplicar as conclusões a que chegou so­

bre os auxiliares acima citados — embora sintáticas — ao

nosso verbo em estudo.

: Uma das críticas à análise tradicional, que faz Eunice

Pontes, é a de que as locuções verbais não constituem um pro­

blema de morfologia, e sim, de sintaxe: "Como as LV consistem

de mais de uma palavra, não se pode compreender que seu estudo

seja feito na parte dedicada à Morfologia. Trata-se de iam pro­

blema claramente sintático, [...]" (1973:41). Constatamos que,

á exceção de Celso Cunha, cuja gramática não está dividida em

grandes capítulos, tais que FONÉTICA, MORFOLOGIA e SINTAXE,

todos os outros autores tratam do problema num capítulo expres­

samente reservado à Morfologia. De certa forma, há coerência oam

a sua compreensão de auxiliar como indicador de aspecto e, por

conseguinte, gramatical. Como já discutimos brevemente esta

questão, e por não se tratar de objeto maior do nosso trabalho,

deixemos assim a colocação de Eunice Pontes, com a qual, por

ora, vamos concordar.

CELSO CUNHA dá especial atenção ao verbo FICAR:

"FICAR, [ . ..] emprega-se:

a) com o GERÚNDIO, ou com o INFINITIVO do verbo principal

antecedido da preposição a, para indicar uma ação durativa cos-


19

tumeira, ou mais longa do que a expressa por ESTAR; comparem-

se:

Ficava cantando Ficou esperando

Estava cantando Esteve esperando

Ficava a cantar Ficou a esperar

Estava a cantar Esteve a esperar" (1985:386).

Sabemos que, segundo as nossas gramáticas, as construções

com infinitivo e com gerúndio (assim como as com particípio)

podem formar orações dependentes, no caso, orações subordina­

das reduzidas. Assim constituídas, portanto, tais construções

não formam locução verbal. A respeito,^Eunice Pontes cita o

caso de orações que apresentam ambigüidade, tais que:

(4) João anda estudando.

Esta oração admite duas interpretações, conforme andar in­

dique movimento ou aspecto durativo:

(5) a) João anda ao mesmo tempo-em que estuda.

b) João está estudando ultimamente" (19 73:58).

Uma das condições para que um verbo seja considerado auxi­

liar é que ele possa ser combinado com qualquer sujeito. Assim,

ANDAR, no sentido de movimento, não pode ser usado com um su­

jeito inanimado como:

(6)?"A pedra anda:" (id.)3

Então, a oração

(7) "A pedra anda caindo do morro" (id.).

3Na Gramática Transformacional, as oraçoes agramaticais sao assinaladas por


um asterisco. No presente trabalho, preferimos utilizar o ponto de inter-
rogaçao (?), como o faz Cruse, em seu artigo SOME THOUGHTS ON AGENTIVITY
(1973).
20

não será ambígua e fica claro tratar-se de uma locução verbal.

Além dessas restrições de seleção,e segundo Chomsky, o auxi­

liar não subcategoriza os verbos. Então, ANDAR, no sentido de

duração, é auxiliar, pois combina-se com qualquer verbo, inclu­

sive com os impessoais.

(8) "Anda chovendo muito, ultimamente" (1973:59).

Aplicando essas regras aos exemplos de FICAR com gerúndio

e infinitivo citados por Celso Cunha, parece então indiscutí­

vel tratar-se de verbos auxiliares. Tomemos um dos seus . exem­

plos: "Ficava cantando" (citado atrás). A restrição de seleção

deve ser feita em relação ao verbo CANTAR — que exige sujeito

animado — e não ao verbo FICAR. Este, combina-se com qualquer

sujeito:

(9) O quadro ficava pendurado,

e com qualquer sujeito:

(10) Ficava dançando, etc.

Parece-nos, então, que nas construções com gerúndio apre­

sentadas, e pelo critério sintático, o verbo FICAR ê realmente

um verbo auxiliar. No entanto, a nossa proposta no capítulo 3

deste trabalho, será a de apresentar um modelo semântico que

dê conta das diversas ocorrências do verbo FICAR, e suas rela­

ções com os nomes que o cercam. Não teremos, pois, a preocupa­

ção em classificá-lo ou não como "auxiliar". Tomaremos as pró­

prias incoerências da gramática tradicional, que ora diz que o

verbo auxiliar FICAR é "desprovido [...] da acepção semânti­

ca" (Celso Cunha, 19 85:371) — = critério histórico — ora o

classifica com base no seu sentido — (mudança de estado) —

critério semântico, e utilizaremos um modelo mais seguro.


A propósito ainda do auxiliar com gerúndio, abordaremos

as conclusões a que chegou MIRIAM LEMLE (19 84), no seu livro

A ANÁLISE SINTÁTICA ATRAVÉS DOS DIAGRAMAS. No entanto, reserva­

remos a análise do seu trabalho quando do estudo do estrutura-

lismo, e ficaremos aqui com as conclusões de Eunice Pontes.

Voltando aos exemplos citados por Celso Cunha, passaremos

a analisar brevemente o verbo FICAR com infinitivo: "Ficava a

cantar" (1985:386, citado atrás).

Neste caso, também pode ocorrer um sujeito qualquer. Mu­

dando-se o verbo no infinitivo, teríamos, por exemplo, constru­

ções com sujeito inanimado.

(11) A casa ficava a ranger.

(12) A casa ficava a estremecer.

Com infinitivo, FICAR também não subcategoriza o verbo, pois:

(13) Ficava a chover.

Mas, mesmo assim, tal análise não dá conta dos diversos "mati­

zes semânticos" (BECHARA, 19 85:110) que são conferidos a tais

construções justamente por encontrar-se nelas o verbo FICAR.

CELSO LUFT (1978:95), na sua definição de auxiliar, diz

que este tem "significação apenas gramatical", o que envolve

por si só uma contradição: "significação" e "gramatical".

Ac sistematizar os verbos auxiliares, LUFT utiliza prati­

camente a mesma classificação de Bechara, â exceção (também

aqui, felizmente) dos causativos e sensitivos. O nosso verbo

FICAR encontra-se no que classifica de "auxiliares que deter­

minam o momento do processo verbal:

b) freqüentativos (progressivos ou iterativos):


22

(ficar) a + infinitivo; ficar + gerúndio " (1978:96).

Sobre as construções com gerúndio, Eunice Pontes conside­

ra ainda que, quando os sujeitos são os mesmos, _\há locução

verbal. Construindo um exemplo com base na classificação de

Celso Luft, podemos ter:

(14) João ficou estudando.

A prova sintática para a existência de locução verbal seria a

identidade de sujeitos para ambos os verbos, no caso, JOÃO. As­

sim, não seria possível algó como:

(15) ? João ficou que Pedro estuda.

Outra prova é que estes verbos não podem ser negados independe-

temente, como:

(16) ? João ficou não estudando.

Voltando, então, aos nossos autores, concluímos com o que

encontramos em ROCHA LIMA. Este autor não se prolonga muito e

nem entra em detalhes na classificação do verbo auxiliar. Cita


apenas alguns verbos: "São numerosos os auxiliares em Portu­

guês: I...] , FICAR (fiquei a contemplá-la) , t - ..] " (1985:118).

Por este exemplo, e em comparação com os outros citados,

é que podemos voltar a afirmar a necessidade de um critério

semântico relacional na análise do auxiliar.

Conclusão

Embora superficialmente, foi necessário abordar o proble­

ma dos verbos auxiliares, pois que o verbo FICAR encontra-se

— como vimos — assim classificado nas gramáticas tradicio­

nais. Por ora, podemos chegar a algumas conclusões a respeito

do que acabamos de avaliar:


23

1) Nem sempre temos voz passiva còm o verbo FICAR, porque

na maioria dos casos o particípio (como se quer) que o acompa­

nha, é antes um adjetivo e não verbo. A propósito, encontramos

em Mattoso Camara: "Entretanto, o particípio foge até certo

ponto, do ponto de vista mõrfico, da natureza verbal" (Estrutu­

ra da Língua Portuguesa, 1985:103).

2) Pelas provas sintáticas apresentadas por Eunice Pontes,

as construções de FICAR com gerúndio, dificilmente deixam dú­

vidas de que ele seja um verbo auxiliar. No entanto, há neces­

sidade de se estabelecer as diversas relações que tal verbo

mantém com os nomes que o cercam.

3) As construções de FICAR com infinitivo são mais raras

no português do Brasil, preferindo-se, salvo poucas exceções,

FICAR mais gerúndio, assim, por exemplo:

(17) Ele ficava estudando.

1.1.3. Predicado Nominal

De um modo geral, todos os autores consultados classificam

o verbo FICAR como "verbo de ligação" servindo de nexo entre

o sujeito da oração e seu predicativo e expressando "mudança

de estado". Vejamos, porém, algumas particularidades quanto à

predicação nominal, encontradas nas quatro gramáticas em análi­

se .

O primeiro exemplo com o verbo FICAR encontrado em BECHA-

RA, está inserido na parte que trata da sintaxe, no tipo de

predicado que declara "uma QUALIDADE, ESTADO ou CONDIÇÃO: [...]

Os circunstantes ficaram ATÔNITOS com a cena [...] " (1985:202).

...

X
24

Dois problemas se nos apresentam quanto ao enquadramento do

verbo FICAR no item acima: primeiro, não está totalmente claro

se este predicado expressa qualidade, estado ou condição, uma

vez que temos no subtítulo estas três noções, seguidas de vá­

rios exemplos. Parece-nos, todavia, que o exemplo expresse es­

tado ou condição, porque — também por exclusão — não se pode

pensar que declare uma qualidade. Segundo, não sabemos se o

autor coloca estado e condição como sinônimos, pois estão liga­

dos por "ou". Além disto, torna-se difícil a compreensão exata

das noções "qualidade", "estado", "condição", principalmente es­

ta última, que envolve por si mesma várias interpretações. De

nossa parte, recorremos ao dicionário, e encontramos:

"condição sf. 1. Modo de ser, estado, situação (de coisa).

estado sm. 1. Modo de ser ou estar. 2. Situação ou dispo­

sição em que se acham as pessoas ou as coisas. [...] .

(Minidicionário da Língua Portuguesa — Aurélio Buarque

de Holanda Ferreira, 19 77).

As noções qualidade e estado também são muito próximas uma da

outra. A respeito diz Lyons (embora se refira à morfologia) :"Nos

tratamentos nocionais das partes do discurso diz-se freqüente­

mente que os adjetivos denotam "qualidades" e os verbos "ações"

ou "estados". Mas a diferença entre uma "qualidade" e um "esta­

do" se não é totalmente ilusória, ê menos marcante que diferen­

ça entre "ação" e "estado" (1979:340).

Não estamos querendo demonstrar que a gramática tradicio­

nal incorre, em suas definições, num círculo vicioso, pois nem

sempre isto acontece. O fato é que apresenta o nocional mes­

clado com a sintaxe — como no caso citado acima — derivando

disso a dificuldade de interpretação e de uma análise mais ri­


25

gorosa.

Logo em seguida, BECHARA diz que num predicado assim cons­

tituído o elemento principal é um nome. 0 predicado chama-se

então, "nominal" e o nome, "predicativo" (não voltaremos a es­

tas conceituações na análise dos outros autores, pois que con­

sideramos inútil repeti-las).

0 verbo FICAR encontra-se ainda em Bechara nos "verbos de

ligação":

"Chama-se de ligação o verbo que entra no predicado nomi­

nal. Seu ofício é apresentar do sujeito um estado, qualidade

ou condição que pode ser:

a) PERMANENTE: [,.I

b) PASSAGEIRO: [...]

c) MUDANÇA DE ESTADO:

Todos ficaram adoentados. [...]. (1985:203)

No nosso entender, o primeiro problema resulta da subdivi­

são èm "permanente", "passageiro" e "mudança de estado". Veja­

mos um dos exemplos de "passageiro": "O professor encontra-se

triste" (id.). Como podemos afirmar que seja passageiro? Então,

um tratamento semântico, numa abordagem sintática gera confusão

na análise. Considerar o verbo FICAR (no exemplo citado acima)

como verbo de "LIGAÇÃO" e ao mesmo tempo com o "ofício de apre­

sentar do sujeito" uma mudança de estado, incorre numa visão

até certo ponto incoerente.

Mas a nossa maior objeção, como já deixamos antever quando

da análise do auxiliar, é quanto a inclusão de FICAR nos predi­

cados indicadores de mudança de estado. Veja-se a respeito,CEL­


SO CUNHA: "Incluem-se naturalmente entre os verbos que evocam

vim estado, ou melhor, uma mudança de estado, os incoativos como


26

ADOECER, EMAGRECER, EMPALIDECER, equivalentes a FICAR DOENTE,

FICAR MAGRO, FICAR PÁLIDO" (1985:129).

No dicionário de Dubois (Dicionário de Lingüística — Jean

Dubois e outros, 1973) encontramos a seguinte definição de ver­

bo incoativo: [..] é o verbo que indica o início da ação ou do

processo [...]" (id.:335). E em Mattoso Camara: [...] o aspecto

se expressa lexicalmente em português por sufixos derivacio-

nais: a) - ECER, para o aspecto incoativo (ex.: ENTARDECER

"começar a ficar tarde") [...]" (1985:62).

Parece-nos que o verbo FICAR continua tendo apenas função

gramatical, pois que "incoativo" indica aspecto, segundo os au­

tores. No entanto, como já observamos, o aspecto se confunde

com o valor semântico. Celso Cunha nos diz, na mesma gramáti­

ca, que "É o próprio significado dos auxiliares que transmite

ao contexto os sentidos INCOATIVO, PERMANSIVO e CONCLUSIVO"(1985:

370). /

Ainda a respeito dos incoativos, observamos que Celso

Cunha os inclui entre os que indicam estado, "ou melhor, mudan­

ça de estado": adoecer, para ele, é igual a FICAR DOENTE. Nós

já salientamos que "processo" se distingue de "estado". Mas os

nossos autores incluem as noções de "ação", de "estado" e de

"mudança de estado", no que chamam processo verbal. A nossa o-

pinião será a mesma de Chafe: processo não é estado. Assim, se­

gundo o ponto de vista que adotaremos, há contradição em Celso

Cunha em dizer, ao referir-se aos verbos de estado: "O sujeito,

no caso, não é o agente nem o paciente, mas a sede do processo

verbal, o lugar onde ele se desenvolve" (1985:129). E, dentre

os exemplos: "Pedro é magro", "O porteiro ficou pálido" (id.).


Perguntamo-nos se é possível aplicar ao primeiro exemplo, "Pe­

dro" é o lugar onde se desenvolve o processo verbal? Parece-nos


27

que se trata puramente de um estado e não de desenvolvimento

de um processo. Já no segundo exemplo, cabem melhor as noções

de "desenvolvimento" e de "processo". Não concordamos, pois,com

Celso Cunha: os incoativos, para nós, indicam um processo e não

um estado e, se "ficar doente" equivale a "adoecer", conside­

ramos um processo a construção com o verbo FICAR.

Celso Cunha também inclui o verbo FICAR no predicado nomi­

nal, indicando mudança de estado: "Amaro ficou muito perturba­

do" (1985:130). Define igualmente os verbos de ligação como

funcionando "apenas como elo entre este e o seu predicativo"

(id.). ("Este", quer dizer o sujeito). Mas, na mesma observação

(nota) diz que "há verbos que se empregam ora como copulati-

vos, ora como significativos [...]" (id.). Entre os exemplos:

"Fiquei pesaroso" (copulativo) e "Fiquei no meu posto" (signi­

ficativo) . Da mesma forma, discordamos: ambos os exemplos são

significativos. Além disto, no primeiro exemplo, FICAR não é


verbo de ligação, pois o processo se traduz na frase, justamen­

te por se encontrar nela esse verbo.

Para CELSO iUFT, há cinco classes de verbos de ligação,

segundo o "aspecto" que apontam ao estado do sujeito. FICAR é

situado nos denotadores de mudança de estado que, segundo o au­

tor, expressam "aspecto transitório inceptivo: FICOU triste

r...]" (1985:133). (não encontramos nada sobre o significado de

"inceptivo" nem nos livros de Lingüística, nem nos Dicionários

de Dubois e de Mattoso Camara.

Encontramos ainda em LUFT, o verbo FICAR numa outra clas­

sificação de ligação, desta vez, nos que indicam "aspecto dura-

tivo": FICOU todo o tempo ajnuado [....] (1978:134). Neste exem­

plo temos, inclusive, vima ação por parte do sujeito: QUE FEZ

-v ''JOÃO? — ficou amuado. Como então classificá-lo como verbo de


28

estado?

Celso Luft empresta ainda (acreditamos) de SAID ALI, a

distinção entre verbos nocionais e relacionais. Veja-se Celso

Luft: "Há, assim, dois grupos de verbos NOCIONAIS — transiti­

vos/intransitivos — /RELACIONAIS ou de ligação" (id.:133).SAID

ALI estende ainda o seu conceito de verbo relacional aos auxi­

liares. Neste autor — que utiliza, como já vimos, o critério

da evolução histórica para definir os relacionais — encontra­

mos a seguinte colocação sobre o verbo FICAR: "FICAR TRISTE não

designa a permanência, e sim a transformação do estado de ale­

gria no de tristeza" (Gramática Histórica da Língua Portugue­

sa, 1971:165). Para nós, e segundo a gramática de casos, tanto

a permanência em um estado quanto a passagem de um estado a ou­

tro indicam processo:

0
(18) A festa / continua / animada.

0
(19) A festa / ficou / animada.

onde (18) expressa permanência em um estado e (19) passagem de

um estado a outro.

ROCHA LIMA, autor que viemos deixando para o final, coin­

cidentemente é o que apresenta de modo mais sucinto as coloca­

ções (pelo menos na parte que interessa ao nosso estudo). Nas

suas breves linhas sobre o predicado nominal, encontramos o

exemplo: "Pedro ficou doente" (1985:207), onde — também para

este autor — " a declaração feita relativamente ao sujeito PE­

DRO contêm-se no adjetivo DOENTE" (id.). O verbo FICAR, no ca­

so, é apenas um elemento indicativo do "aspecto" sob o qual se

considera a condição de doente em relação a Pedro. Também para

ele, chamam-se verbos de ligação.


29

Como não há divergências aqui em relação aos demais, dei­

xemos assim constatada a posição de Rocha Lima sobre o verbo

FICAR.

Conclusão

Seremos breves também na conclusão deste item, pois a nos­

sa opinião já pôde ser depreendida durante o desenvolvimento

da análise que acabamos de fazer. Será, antes, então, um resu­

mo das conclusões.

Se a divisão tradicional de tipos de predicado nem sempre

aponta uma correta análise dos verbos, faz-se necessário um

modelo que dê conta satisfatoriamente das suas diversas ocor­

rências. Sendo FICAR um verbo polissêmico, assim deve ser tra­

tado. Além disto, não é (sintaticamente) um verbo de ligação,

pois incorpora-se ã oração para dar-lhe significado, expressan­

do dela um processo. É comum utilizar-se o artifício didático

de dizer aos alunos que os verbos de ligação podem ser supri­

midos sem que se altere o sentido da frase. Perguntamo-nos como

é possível suprimir o "processo" que a frase traduz em "O Por­

teiro ficou pálido" (Celso Cunha, 1985:129) que difere sensi­

velmente de um estado "puro" como em "O porteiro é pálido".

Sem maiores objeções à concepção de predicado nominal (que

exigiria um estudo mais aprofundado em todos os seus detalhes),

queremos constatar aqui, que não existe predicado nominal (da

maneira como o definem os autores) quando figura na oração o

verbo FICAR. Comprovaremos tal afirmação no capítulo 3 do pre­

sente trabalho, quando então arrolaremos as diversas possíveis

ocorrências do verbo FICAR.


30

1.1.4. Predicações Comitativas (Transitividade)

As predicações comitativas (ou de acompanhamento) serão

revistas neste trabalho, devido ao fato de que nossas gramáti­

cas lhes têm dado um tratamento um tanto "vago", quando não

incompleto ou, mesmo, ausente. É nossa intenção, também, vol­

tarmos com mais insistência ao assunto no exame da Gramática de

Casos.

Devemos abordar aqui, também o problema da transitivida­

de, embora muitos autores (como BLINKENBERG1* e também Bechara)

considerem as construções em que figura a preposição COM, fora

desse domínio. Não daremos, no entanto, um tratamento substan­

cial ao assunto.

Vejamos, inicialmente BECHARA.

Os únicos exemplos encontrados neste autor, de construções

com a preposição COM, encontram-se: 1) na parte da Morfologia

que trata dos advérbios: "Sair com os amigos (companhia)"(1985:

152); 2) no estudo das preposições: "Os primos estudaram com

José" (id.:158).

Na análise da predicação, no entanto, não há nenhum exem­

plo com este tipo de preposição. Bechara refere-se indiretamen­

te ao assunto, ao tratar dos complementos verbais: "Poder-se-ia

ainda acrescentar a classe dos verbos TRANSITIVOS ADVERBIADOS

que pedem como complemento uma expressão adverbial como: IREI

À CIDADE ou VOLTEI DO TRABALHO. ANGB não agasalhou, entretanto,

este tipo de complemento, considerando-o, como veremos adian­

te, mero adjunto adverbial" (id.:207). A propósito do verbo IR,

Rocha Lima cita o exemplo: "Irei a Roma" (1985:222), conside-

’’Blinkenberg, A. (1960) Le Problème de la Transitivité en Français Moderne.


31

rando-o também um complemento circunstancial. E, em nota que

segue: "É o acusativo de direção do LATIM: ROMAM PRO FICISCI

(ir a Roma)" (id.:223). No caso, "é um complemento de natureza

adverbial — tão indispensável ã construção do verbo quanto, em

outros casos, os demais complementos verbais" (id.:222). Vemos

então que tanto Bechara quanto Rocha Lima consideram transitivo

o verbo IR, e o nome que o acompanha, um "complemento" e não

um "adjunto".

Voltemos a considerar, porém, o tratamento dado a constru­

ções com a preposição COM.

Ao classificar o adjunto adverbial, Rocha Lima nos diz

que isto "nem sempre se alcança fazer com facilidade" (1985:

22 8). Mas cita o exemplo: "Saiu com amigos" (id. ) , consideran­

do-o adjunto adverbial de companhia. Parece-nos que, segundo

o critério sintãtico-semântico adotado pelos nossos autores,

trata-se realmente de um adjunto adverbial: "com amigos", além

de possuir a preposição "claro valor significativo" (Celso

Luft, p. ), "não é indispensável à construção do verbo"(Rocha

Lima, 1985:222). Mas, se num exemplo como "saiu com amigos",

fica mais evidente tratar-se de um adjunto, um termo "acessó­

rio", como o querem os autores, uma construção como

(20) MARIA FICOU COM JOÂO.

exige uma reflexão mais rigorosa. Rocha Lima, por certo, o con­

sideraria intransitivo, pelo menos é o que pudemos depreender

de: "[...] SER, ESTAR e outros deixam de ser de ligação e figu­

ram intransitivamente, acompanhados de um adjunto adverbial

de lugar, de modo, de tempo etc." (Macambira, 1982:204).

Também em BLINKENBERG é bastante reduzido o tratamento da­

do a predicações comitativas. Cita, porém, os exemplos:


32

"aller (venir) avec q. (=£ accompagner q.)"

ir (vir) com alguém (£= acompanhar alguém)

em que, segundo o autor, AVEC (com) forma uma unidade semânti­

ca bastante forte com o verbo que ela acompanha, tendendo então

ao domínio da transitividade. Mas ressalta, em conclusão, apôs

outros exemplos, que se trata apenas de um esboço de evolução

para uma função transitiva. Aliás, ao arrolar as idéias expres­

sas pelos grupos transitivos e intransitivos, Blinkenberg não

se refere às que indicam companhia. Quanto ao instrumento, é

expresso por um complemento circunstancial introduzido também

pela preposição COM mas, conforme o autor, geralmente "refratã-

rio ã transitivação". 0 verbo RESTER (ficar), figura entre os

verbos "simples funcionalmente monovalentes, intransitivo.

Voltemos, porém, às nossas gramáticas escolares. Como vi­

mos, Bechara, Celso Luft e Rocha Lima, consideram como comple­

mentos certos adjuntos adverbiais adotados pela NGB, sobretudo

os de lugar. Quanto a proposições em que figura COM, resta ain­

da citar CELSO LUFT: "Saiu com ele (adjunto adverbial)" (1978:

111) e CELSO CUNHA: "Vivi com Daniel perto de dois anos" (1985:

148), adjunto adverbial de companhia.

Todos os autores consideram os adjuntos adverbiais termos

acessórios, em oposição aos termos integrantes. Já mencionamos

dois dos critérios para distinguir complemento (integrante), de

adjunto (acessório). Um deles, repetimos, é o que expressa cla­

ramente Celso Cunha: "Enquanto a preposição que encabeça iam ad­

junto adverbial possui claro valor significativo, a que intro­

duz vim objeto indireto apresenta acentuado esvaziamento de sen­

tido" (1985:141). Critério da evolução semântica, que também

utiliza Blinkenberg. 0 outro critério é que o adjunto adverbial

não é indispensável ã construção do verbo. Mas, como saber se


33

numa construção, como,

(21) MARIA FICOU COM JOÃO.

o termo sublinhado é dispensável? Os autores não nos dão um

critério seguro para assim qualificá-lo. Já quanto a COM pos­

suir valor significativo, parece-nos mais claro, pelo menos se

trabalharmos por oposição a, por exemplo:

(22) CONCORDOU COM ELE.

Em Blinkenberg encontramos um critério transformacional

bastante eficaz no nosso entender: Para distinguir o complemen­

to (objeto) do circunstancial, recorre ã transposição passiva.

Assim, em

Pierre mange le soir.

Pierre mange le gâteau.

teríamos

le gâteau est mangé par Pierre.

mas nao

le soir est mangé par Pierre5.

No entanto, o mesmo critério, isto é, a transposição pas­

siva, não é eficaz (segundo o autor) para distinção entre o ob­

jeto direto e o indireto.

Não podemos entrar em detalhes aqui, quanto aos critérios

para se distinguir objetos diretos e indiretos. Paíece-nos, to­

5Traduzindo:
Pierre come ã noite.
Pierre come o bolo.
teríamos
o bolo é comido por Pierre.
mas nao
a noite é comida por Pierre.
Observe-se que, em francês, tanto o circunstancial "le soir" quanto o com­
plemento "le gâteau" são introduzidos pelo artigo "le", enquanto que, em
português, temos a preposição expressa (ã).
34

davia, que o que prepondera é o substituir-se os "diretos" pe­

los pronomes oblíquos: "o, a, os, as" e os indiretos pelos

pronomes "lhe, lhes". De um modo geral, o objeto direto repre­

senta o ser sobre o qual recai a ação (paciente) e o indireto,

a pessoa ou a coisa a que se destina a ação. 0 critério da

substituição pela passiva — também usado pelos autores — quan­

do, então, o sujeito será o objeto direto, está fora de cogita­

ção, pois que não abrange todas as possíveis ocorrências.

Como poderemos testar e aplicar tais critérios e tais de­

finições para exemplos, como:

(23) MARIA FICOU COM JOÃO.

(24) 0 ALUNO FICOU COM O LIVRO.

Poderíamos receber a alegação de que o verbo FICAR é in­

transitivo — mas isto é uma noção circular — ; ou ainda, de

que não há uma AÇÃO e, portanto, fora do campo da transitivida­

de (embora BECHARA aponte outros "sentidos" dos verbos transi­

tivos, que não ação). Mas nós vamos demonstrar que há uma AÇÃO

nos exemplos (23) e (24) e é sobre a noção justamente de agen-

tividade que vamos trabalhar e não de transitividade.

Conclusão

Incluídas nos chamados adjuntos adverbiais, as predicações

comitativas requerem, no entanto, vima análise mais cuidadosa.


Todos os autores consultados, trabalhando apenas com estrutura

de superfície, deixam bastante vagas as relações entre sujei­

to e objeto do verbo. Quando o fazem, apresentam critérios nem

sempre aplicáveis a todas as ocorrências como ao definirem,

por exemplo, o objeto direto como a pessoa ou coisa que recebe

a ação verbal. Veja-se, por exemplo,


35

(25) O GAROTO GANHOU UMA BALA.

onde é o sujeito e não o objeto quem recebe alguma coisa. Além

disto, não há uma ação verbal. São critérios de base semântica

aplicáveis somente em certos casos. Devemos concordar com Blin-

kenberg, para quem cada caso deve ser analisado em suas parti­

cularidades.

O critério da substituição pela passiva foi também testado


por Blinkenberg. Não convém entrar em detalhes aqui — isto

nos obrigaria inclusive a citar vários exemplos — mas o autor

citado chega a conclusão que, embora a afinidade entre sujeito

e objeto fique bastante clara através da aplicação desse crité­

rio, ele não recobre todas as possibilidades com objeto direto

e é pouco aplicável ao indireto.

Quanto ao critério operacional de substituição por prono­


mes oblíquos (também não abrangente), parece-nos mais um "arti­

fício" do que propriamente critério científico. Além disto, os

pronomes oblíquos estão praticamente desaparecendo no português

coloquial — em conseqüência, não são muitos os que sabem usã~

los com exatidão.

Por último, e o que nos interessa mais de perto, é a dis­


tinção entre "complemento" e "adjunto". Resumindo o que já ex­

pomos, chegamos ã conclusão de que o critério para distingui-

los não é seguro. Dizer que o complemento é indispensável ao

sentido do verbo e o adjunto -- por oposição— dispensável,dei­

xa-nos em dúvida muitas vezes. Como explicar a um aluno, por

exemplo, que nas proposições

(26) MARIA FICOU COM JOÃO.

(27) PEDRO COMEU UMA BALA.

COM JOÃO é acessório e UMA BALA integrante, sem entrarmos na


36

complexidade que o assunto exige? Além do mais, não ficam cla­

ras as relações sujeito-objeto das frases. De nossa parte,abor­

daremos com mais cuidado este assunto, no segundo capítulo, re­

servado à Gramática de Casos.

1.2. Estruturalismo

Dentre os lingüistas estruturalistas (para simplificar,va­

mos considerá-los assim) escolhemos analisar MATTOSO CAMARA

JÚNIOR e José Rebouças MACAMBIRA6, principalmente porque se

distinguem das gramáticas anteriormente analisadas e que foram

enquadradas dentro do que chamamos Gramática Tradicional. Vamos

analisar — brevemente — também o modelo de TESNIÈRE. No en­

tanto, este deverá ser tratado à parte, por não ser possível

comparar a sua análise com a de Mattoso Camara ou Macambira e,

sobretudo, por estar mais próximo do modelo da Gramática de

Casos proposto por Fillmore.

Mattoso Camara e Macambira têm muitos pontos em comum. Po­

rém, enquanto aquele, numa visão mais "mentalista" dentro do

Estruturalismo, valoriza o critério semântico, este o rejeita

radicalemtne.

Não seremos exaustivos. Apenas confrontaremos os dois au­


tores nos pontos que de mais perto interessam ao nosso trabalho,

como já fizemos com os autores ditos tradicionais. Assim, ob­

servaremos noções como VERBO, AUXILIARIDADE, predicado nominal

e predicações comitativas.

6 CAMARA JÚNIOR, J.M. (1977) Princípios de Lingüística Geral e (1985) Di­


cionário de Lingüística e Gramática. MACAMBIRA (1982) A Estrutura Mor-
fo-Sintática do Português.
37

1.2.1. Verbo

MATTOSO CAMARA nos dá uma definição de verbo utilizando o

critério morfo^semãntico. No seu Dicionário de Lingüística e

Gramática (1985), vale-se da definição de Meillet: "indicam os

processos, quer se trate de ações, de estado ou da passagem de

um estado a outro" (1985:239). Diz que sua significação é DIN­

MICA e que se caracteriza por conter uma idéia temporal (justa­

mente o que faz com que seja dinâmico, ao contrário do nome; é

também uma palavra sujeita a flexão (conjugações).

MACAMBIRA, para quem o critério morfológico é o meio mais


seguro para a descrição das categorias gramaticais, critica a

Gramática Tradicional por recorrer ao sentido na classificação

do verbo ao invés de apoiar-se na sua riqueza formal ("só no mo­

do indicativo são trinta e poucas formas") (1982:39).

Ao criticar (assim entendemos) as definições semânticas

como AÇÃO, FENÔMENO e ESTADO, diz que só têm valor se encaradas

numa.perspectiva de tempo, que é o que vale, apenas. Para ele,

o verbo também pode indicar outras coisas, 11como por exemplo,

qualidade, no caso do verbo AZULAR: "Além, muito além daquela

serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema" (id.: 40).

Ora, o verbo aqui indica PROCESSO e não "qualidade" como pre­

tende o autor.

Ao considerar ainda o verbo sob o aspecto semântico, diz

que "indica PROCESSO, isto é, aquilo que se passa, naturalmen­

te aquilo que se passa no tempo" (id.:41). Mas, como veremos,

PROCESSO, para Chafe, não é o que se passa no tempo.

Como fizemos na 1? parte deste capítulo (1.1), veremos

agora o posicionamento de ambos os autores a respeito da função

sintática do verbo.
38

Dentro de vima linha estruturalista e inspirado em Saus-

sure, para quem a análise lingüística resume-se na depreensão

de sintagmas em ordem decrescente, MATTOSO CAMARA considera o

verbo um determinante e, como tal, subordinado ao determinado,

que é o sujeito. Apesar disto, não fica totalmente claro se o

sujeito tem função primacial. No seu Princípios de Lingüística

Geral (1977), diz que "o sujeito é o ponto de partida ou de re­

ferência na formulação da frase [...] ê o TEMA do que se vai

comunicar" (1977:176). E, logo adiante: "o sujeito não passa de

vim tema para a enunciação correspondente do predicado" (id. :177).

Para MACAMBIRA o sujeito é o termo principal da oração sob

o aspecto sintático e o verbo, o termo principal sob o aspecto

semântico. Nada teríamos a opor quanto a isto, se mais adiante

o autor não dissesse que "o facho da idéia (o grifo é nosso) se

origina do sujeito, donde passa para o predicado [...]" (1982:

153) .

Desde que se tomou a Lingüística "em si mesma e por si

mesma" a relação lógica "causa e efeito" felizmente não tem si­

do mais confundida com sujeito e predicado. No entanto as con­

trovérsias continuam em termos do que primeiro se passa na men­

te (ainda não, aqui, no sentido de estrutura profunda). Mattoso

Camara cita Hermann Paul, para quem "primeiramente se apresenta

a idéia do sujeito, para seguir^se-lhe a concepção de vim predi­

cado a ele aplicável" (1977:179). Cita mais adiante TRENDELEN­

BURG: "Pensainos por meio de predicados" (id.:178). É contra a

idéia de um sujeito psicológico, pois nas frases impessoais o

esquema se desmembra sem a formulação de um tema ou de um mar­


co de referência para o processo verbal. Parece-nos então que
para Mattoso Camara o predicado tem função primacial. No entanto,

tem razão Macambira em dizer que suas definições são anti-didã-


39

ticas e confusas. Macambira apresenta várias "provas sintáti­

cas" para identificar o sujeito, defendendo a idéia de sua fun­

ção primária: "SUBJECTUM 'o subjacente1, aquele que SUBJAZ, co­

mo fundamento, como alicerce, como sustentáculo da estrutura

sintática — ou o tema de que se trata" (1982:158).

Fizemos essas considerações em torno da definição de verbo

e de sua função na frase, pois defenderemos a idéia — dentro

de um enfoque semântico — da sua centralidade. Por ora, nos

interessava ver como se encontrava esta "categoria" nas gramá­

ticas de cunho estruturalista.

1.2.2. Verbos Auxiliares

Passaremos agora a discutir o que encontramos nos autores

a respeito de auxiliaridade e ver se o nosso verbo em estudo

encontra-se ali enquadrado.

.Para MATTOSO CAMARA "auxiliar é qualquer vocábulo que é

morfema categórico ou relacional" (Dicionário de Lingüística e

Gramática, 1985:64). Sendo o morfema vim elemento formal que se

combina com o semantema e portanto um mecanismo gramatical, é

também considerado por Mattoso Camara vazio de sentido. Morfema

categórico, para o autor, é aquele que indica, no caso do ver­

bo, as flexões de aspecto, modo e voz. Por "relacional" quer

dizer os que indicam vima relação dentro da enunciação, tais co­

mo sujeito-objeto. Vemos, portanto, que utiliza o critério da

evolução semântica — pois que (embora discutível) a gramatica-

lização é vim processo diacrônico. Utiliza também o critério

sintático ao tratar a locução como "a reunião de dois vocábulos

[...] que constituem vima unidade significativa para determinada

função" (Dicionário, 1985:162).


40

MACAMBIRA deixa-nos um tanto confusos ao definir a locução

verbal: "ê aquela cujos componentes constituem um todo indivi­

sível, de tal modo que um só deles pode ser entendido como par­

te, seja sob o aspecto mórfico, seja sob o.aspecto semântico"

(1982:110). Não nos fica claro o que quer dizer com "ser en­

tendido como parte" e "sob o aspecto mórfico": se é justamente

o auxiliar que se flexiona, pelo que temos visto até aqui.

Ao considerar as locuções com infinitivo, divide-as em dois

tipos, que chama de "estruturais": "I - TIPO INSUBSTITUÍVEL: é

aquele em que o infinitivo não é substituível por ISTO:" (id.:

111). E, entre outros exemplos: "vou renunciar", não é substi­

tuível por VOU ISTO.

No caso de "quero sair", que pode ser substituído por QUE­

RO ISTO, concorda com Mattoso Camara para quem os dois verbos

"guardam a sua significação verbal e a significação total é uma

soma das duas significações [...] e não houve a gramaticaliza-

ção do primeiro verbo" (Macambira, 1982:112) . O infinitivo,nes­

se caso, não constitui locução verbal.

Quanto ao verbo FICAR, encontra-se no "TIPO PREDICATIVO: é

aquele que o infinitivo está geralmente preposicionado, e tem

como auxiliar aspectivo (o grifo é nosso) qualquer verbo de li­

gação que não seja o verbo SER: [...] fiquei a meditar, fiquei

de resolver" (id.:113). Vejamos: anteriormente, Macambira havia

dito que, quando o infinitivo exerce a função de adjunto adver­

bial, não há locução verbal, e cita o exemplo: "Tu passaste a

cantar" (id.:112).

Não concordando com Macambira, apresentaremos rapidamente

ós nossos motivos que, de certa forma, já foram apresentados

quando do exame da gramática tradicional. Em primeiro lugar,não


41

sabemos qual o critério que usou para distinguir "a cantar" co­

mo adjunto adverbial e "a meditar" comú predicativo. Se con­

frontarmos as duas orações

(28) Tu passaste a cantar.

(29) Fiquei a meditar.

veremos que ambos os infinitivos podem ser considerados advér­

bios. No caso de (28), Macambira diz que é comum interpor-se

um termo entre os elementos, como por exemplo: "Tu passaste a

vida a cantar" (id.:113). Ora, perguntamo-nos se não é possí­

vel fazer o mesmo para (29), assim, por exemplo: "Fiquei longo

tempo a meditar". Talvez Macambira tenha considerado — como

todos os autores até aqui estudados — o verbo FICAR, um verbo

de ligação e pois, vazio de sentido. Mas este é um julgamento

muito apressado, e mesmo circular no nosso entender e, como

demonstramos acima, os seus próprios critérios (que são poucos)

negam o que expôs.

Quanto ã locução verbal com gerúndio, novamente diz que o

auxiliar aspectivo é um verbo de ligação e cita o exemplo: "fi­

quei sabendo" (id.:114).

Sobre as construções com gerúndio, no seu livro A ANÁLISE

SINTÁTICA ATRAVÉS DOS DIAGRAMAS MIRIAM LEMLE (1984) defende a

análise dos gerúndios como advérbios. Para tanto, apresenta três

argumentos que assim resumimos:

Primeiro, não há nenhum motivo gramatical que distinga

(30) Ele ficou relendo o texto. (1984:118)

de
(31) Ele adormeceu relendo o texto. (id.:119)

Segundo, a lista de auxiliares varia muito entre os auto­

res, e além do mais, nenhum dos verbos por eles arrolados tem
42

a função apenas de auxiliar. Por exemplo, o nosso verbo FICAR

(32) Ele ficou na cama. (id.:119)

é aqui verbo principal.

Terceiro, a ligação entre o verbo dito auxiliar e o princi­

pal pode ser cortada pela intromissão de um advérbio:

(33) Ele ficou no escritório até meia-noite relendo o

texto. (id.:119)

Como conclusão, diz a autora: "Com sustento nesses três

argumentos, mantenho a análise de gerúndios como advérbios para

os casos em que eles são tratados tradicionalmente como uma

forma verbal composta ou perifrástica" (id.:119). Apresenta,

então, a sua proposta de análise dos exemplos por nós citados,

através do diagrama:

ficou Adv SN

I
relendo o
/ \
texto

FIGURA 1

Assim sendo, e aplicando a mesma regra ao exemplo citado

por Macambira: "Fiquei sabendo", teríamos:


V SAdv
Eu
/ \
Adv SN
fiquei
/ \
sabendo da notícia

FIGURA 2

No entanto, parece-nos difícil aqui aplicar o terceiro ar­

gumento de Miriam Lemle que diz ser possível cortar a ligação

entre o "auxiliar" e o "principal" pela intromissão de um ad­

vérbio. Teríamos algo como:

(34) ? Eu fiquei em casa sabendo da notícia.

A respeito do auxiliar com particípio para a formação da

voz passiva, tanto Mattoso Camara (como já observamos no estudo

da gramática tradicional) quanto Macambira, consideram apenas

o verbo SER. Visto então que o verbo FICAR não se acha incluí­

do em tais construções -- na opinião desses autores -- não é

interessante abordarmos aqui o problema. Porém, cabe ressaltar

que Miriam Lemle também considera advérbios os particípios pas­

sados e, após a exposição dos argumentos em favor de tal posi­

ção, conclui: "Desse modo, podemos concluir que são desnecessá­

rios para a gramática do português os conceitos de tempo com­

posto e de verbo auxiliar, ..." (1984:126).


44

1.2.3. Predicado Nominal

MATTOSO CAMARA e MACAMBIRA apresentam o verbo FICAR como

verbo de ligação, nos chamados predicados nominais, ã semelhan­

ça, portanto, das gramáticas tradicionais. Sendo poucas então

as divergências, seremos breves.

Ambos classificam o verbo FICAR como vazio de sentido.Mat-

toso Camara fala em NEXO: "[...] em português o nexo é então ex­

presso pelo verbo SER (relação genérica) ou ESTAR, FICAR (que

frisam a duração) [...]" (Dicionário, 1985:197).

Macambira inclui FICAR entre os que denomina verbos de li­

gação impuros essenciais: "aqueles que encerram implicitamente

um adjunto adverbial:

b) ficar.... ser durativamente: fiquei alegre" (1985:148)

A respeito do exemplo acima, já manifestamos a nossa opinião

quando analisamos os autores tradicionais: o verbo FICAR não

pode ser considerado aqui "totalmente sem conteúdo significati­

vo" (como quer Macambira, 1982:148), pois que ele expressa in­

clusive uma AÇÃO. É um verbo NOGIONAL (emprestando para o mo­

mento a terminologia de SAID ALI) e não apenas de ligação. Ve-

ja-se ainda que ao classificar os verbos de ligação em "impu­

ros", Macambira deixa entender que não são totalmente vazios de

sentido. Aliás, classifica-os pelo que indicam, ou melhor, sig­

nificam.

Para -MATTOSO CAMARA, igualmente, o verbo FICAR constitui

um NEXO entre o sujeito e seu predicativo nas orações ditas

nominais. E diz que ESTAR, FICAR, TORNAR-SE etc. "não expri­

mem um processo e, sim, a existência de uma situação" (Dicioná­

rio, 1985:76).
45

Construindo exemplos com esses verbos "de ligação" arrola­

dos por Mattoso Camara, poderíamos ter:

(35) Ela está triste.

(36) Ela ficou triste.

onde (35) denota claramente a "existência de uma situação". No

entanto em (36), ao contrário do que considera o autor, há exa­

tamente um processo, o processo de "entristecer" (Como já ob­

servamos quando da análise dos incoativos em Celso Cunha). Tal

processo é conferido à frase pelo verbo FICAR, ã diferença de

(35) onde ESTAR indica a existência de uma situação. A propósi­

to, SAID ALI: "FICAR TRISTE não designa a permanência, e sim

a transformação do estado de alegria no de tristeza" (1971:157).

Finalmente, resta-nos dizer que a noção de "mudança de es­

tado" — unânime entre os autores tradicionais — não aparece

nos presentes autores, pelo menos não para incluir ali o verbo

FICAR (apenas Mattoso Camara ao citar a definição de verbo de

Meillet: "[...] passagem de um estado a outro"). Deve-se o fato

ã análise essencialmente morfo-sintática adotada sobretudo por

Macambira e condizente com o ponto de vista estruturalista.

1.2.4. Predicações Comitativas

Não entraremos em detalhes aqui sobre a análise da transi­

tividade por parte dos autores. Se possível, limitar-no-emos à

distinção entre adjunto (termo acessório) e objeto (termo inte­

grante) .

De modo geral, os dois autores excluem construções com o

verbo FICAR do âmbito da transitividade, pois que o consideram

um verbo copulativo. Para eles, apenas os verbos significativos


46

v
podem ser.classificados em transitivos ou intransitivos (ao con­

trário de Blinkenberg, para quem estes verbos não têm uma clas­

sificação diferente da dos outros).

MACAMBIRA, que adota preponderantemente o critério morfo­

lógico ("Quando falecem as indicações formais, a classificação

deve basear-se no critério sintático, que não é tão seguro como

o critério morfológico" (1982:18), critica o critério semântico

utilizado pelas gramáticas tradicionais e também por Mattoso

Camara, sobretudo por incorrerem em círculo vicioso.

Sobre os adjuntos adverbiais, considera vaga a definição

semântica de "palavra que exprime circunstância", por ser "cir­

cunstância" um termo aextralingtiístico e nem sempre fácil de

identificar. Apesar disto, ele próprio classifica os adjuntos

adverbiais em "circunstâncias adverbiadas". Para tanto, faz um

inventário e arrola vinte e duas circunstâncias (ou "categorias

adverbiais").

Encontramos o exemplo: "Viajarei junto com vocês" (1982:

331), como expressando COMPANHIA a preposição COM. Para Macam-

bira, apenas a locução "junto com" é monossêmica, enquanto que

a preposição COM é polissêmica. Só haverá circunstância de com­

panhia se a preposição COM for substituível por JUNTO COM (tam­

bém para SAID ALI).

Macambira também considera que apenas as preposições no-

cionais podem introduzir uma circunstância. Dentre as "que se

despiram completamente de qualquer significação" (id. :329) in-

ciui a preposição COM. Porém, deduzimos que não se trata de ex­

pressão de companhia pois que estas, mais adiante, classifica

como introduzindo adjunto adverbial. A. respeito das preposições

vazias de significação, diz que são as que apresentam maiores


47

problemas, visto que podem introduzir tanto adjunto adverbial

quanto objeto indireto. E conclui: "A verdade é que a distin­

ção entre objeto indireto e adjunto adverbial não está satis­

fatoriamente estabelecida e, quanto nos seja possível, quisé­

ramos concorrer para estabelecê-la com segurança" (id.:330).

MATTOSO CAMARA, que adota o termo geral de "complemento"

para os termos que completam ou ampliam a comunicação feita no

predicado, critica a denominação de ADJUNTO, dizendo que nem

sempre é exato considerá-lo acessório (cita o verbo IR, que ne­

cessita de um complemento de lugar para completá-lo). Assim, os

"complementos circunstanciais" podem figurar como advérbio, do

ponto de vista formal. No entanto, nada encontramos em suas

obras, sobre advérbio "de companhia" (como vimos na gramática

tradicional e também em Macambira). Para Mattoso Camara, os ad­

vérbios são em essência os locativos, os temporais e os modais.

1.2.5. O Modelo de TESNIÈRE (1953)

Ao defender o ponto de vista de que se deve manter a ter­

minologia tradicional para a denominação das classes de pala­

vras , Biderman critica Tesnière: "Não importam as improprieda-

des terminológicas que se possa detectar aqui ou ali. Importa

não incorrer no pecado do esoterismo como já sucedeu com vene­

ráveis figuras da ciência lingüística, Tesnière, por exemplo"

(1978:172).

Discordamos, em parte, da autora citada: o modelo de Tes­

nière, que passaremos a apresentar brevemente em seguida, não


é apenas uma variante terminológica do modelo classificatório

tradicional. Basta reconhecer, por exemplo, que a sua teoria


48

dos actantes como participantes da situação, coloca-os num mes­

mo plano, o que não acontece com o modelo lógico-tradiciona^que

opõe sujeito e predicado. Escolhemos analisar TESNIÈRE por ser

seu modelo semelhante em alguns pontos à teoria da Gramática

de Casos proposta Fillmore, apesar de ser aquele um modelo sin­

tático estrutural e este, semântico.

Da mesma maneira como vai propor Fillmore em seguida, o

modelo de Tesnière defende a centralidade do verbo. Assim, na

representação da frase pelo que denomina ESTEMA o verbo é o nó

central (o nó dos nós), que rege todos os outros termos subor­

dinados. Pelos estemas virtuais da frase:

Vôtre ami connaît mon jeune cousin

(Seu jovem amigo conhece meu jovem primo)

ami • connaît O -- 1 connaît

votre jeune cousin A A O ami cousin O O

ftion jeune A A votre jeune mon jeune A A A A

Steirma 81 Stemma 82 Stesnma 83 Sterrma 84

(1976:104)

FIGURA 3

Podemos ver que 81 e 82 colocam "votre jeune ami" e "mon jeune

cousin" em planos diferentes, o que não acontece com os este­

mas 83 e 84. Sendo o verbo o nó central, os actantes são os


seres ou as coisas que de algum modo participam do processo, e

não há necessidade de conferir a um mais importância do que a

outro. Desta forma, também os circunstantes -— os advérbios —


49

participam do processo no mesmo plano que os actantes, consti­

tuindo ambos os subordinados imediatos do verbo. É o que pode­

mos ver pelo estema:

fourre

FIGURA 4

Tesnière demonstra a diferença fundamental que há entre o seu

estema acima e aquele que representaria uma frase do ponto de

vista lógico-tradicional (e também do modelo clássico da gramá­

tica gerativa — que se assemelha, por sua vez, à estrutura ló­

gica da semântica gerativa)

Alfred-- :
------parle

lentement

FIGURA 5

onde é nítida a oposição sujeito-predicacdo.

Pela sua teoria da valência, distingue os verbos pelo nú­


mero de actantes que ele comporta. Os verbos sem actante — os

avalentes — correspondem aos verbos impessoais na gramática

tradicional e são essencialmente os que indicam fenômenos me­

teorológicos. Porém, para Tesnière, o termo impessoal não é

adequado pois que esses verbos existem tanto nos modos pes­

soais (indicativo, subjuntivo) quanto nos modos impessoais (in­


50

finitivo, particípio). Seguindo, então, sua comparação da frase

com um "pequeno drama", nos casos dos fenômenos meteorológicos

há iam cenário (onde cai a chuva, por exemplo) , mas sem atores.

Como não há actantes, não há, também, conexão entre estes e o

verbo.

Os verbos de um actante exprimem um processo do qual par­

ticipam apenas uma pessoa ou uma coisa. Em "Alfred tombe"

(Alfredo cai) não há necessidade de outro participante da ação

de "tomber" (cair). Mesmo numa frase como: "Alfred et Antoine

tombent" (Alfredo e Antônio caem) há apenas um actante, pois é

o mesmo papel que ambos representam.

Já no caso de "Alfred frappe Bernard” (Alfredo bate em Ber­

nardo) há dois actantes, pois tanto Alfredo quanto Bernardo

participam obrigatoriamente do processo, cada um no seu papel.

Os verbos de três actantes, como no caso de: "Alfred donne

le livre ã Charles" (Alfredo dá o livro a Carlos), exprimem um

processo do qual participam três actantes, cada vim representan­

do o seu papel.

O "número" de actantes revela a estrutura da frase; já


"espécie" de actantes, determinada sob o ponto de vista semân­

tico (segundo, evidentemente, Tesnière), e consiste na função

que representam em relação ao verbo: o primeiro actante é o

sujeito; o segundo actante, seria o objeto na ativa e o contra-

sujeito na passiva; o terceiro actante, aquele em benefício ou

em detrimento do qual se faz a ação.

Os actantes são sempre substantivos, enquanto que os cir­

cunstantes são advérbios ou equivalentes.

Concluindo esta breve exposição, podemos dizer que duas

propostas de Tesnière nos parecem fundamentais: o verbo____como


51

"nó" central, o regente por excelência, e a conexão, isto é, a

relação entre as unidades. Sobre este último elemento observa

Tesnière: "... «11énoncé Alfred parle n'est point formé de deux

unités mais de trois, la connexion entre les deux mots ayaut au­

tant, si non plus d'importance que ceux-ci" (1976:5).

Estas serão também as duas idéias básicas da proposta de

Fillmore, na sua Gramática de Casos, mas numa concepção semân­

tica. Vejamos: Tesnière coloca "verbo central" e "conexão" (ou

relação) em função de problemas sintáticos, mas não estuda a

complexidade — principalmente das relações — - na zona semânti­

ca. A "natureza" dos actantes, na sua teoria da valência, é

determinada pelo número deles na estrutura da frase (1976:106).

Fillmore vai mais além: pela Gramática de Casos, o verbo dita,

não só o número, mas também a qualidade dos seus argumentos.

1.3. Transformacionalismo

Uma revolução parte sempre de um descontentamentç, e é im­

pulsionada pela necessidade de uma nova posição. Não foi dife­

rente a "revolução chomskyana" (Lyons, 1979:279): insatisfeito

com a postura mecanicista da escola estruturalista que seguia

(foi discípulo de Harris) e que preconizava a teoria behavio-

rista do comportamento, Chomsky parte, através do estudo da

linguagem, para a derrubada de tal ideologia.. Surge o Transfor­

macionalismo e, com ele, a Estrutura Profunda, negando o enten­

dimento do sinal lingüístico apenas pela sua forma física ex­

terna. A Gramática deve representar a COMPETÊNCIA do falante,

que agora não é mais aquele que adquire a linguagem mediante a

repetição.
52

Não havíamos mencionado o termo Estrutura Profunda, nos

itens precedentes, porque os autores consultados ainda não a

concebiam. Podemos agora dizer, que muitos dos embaraços encon­

trados nas obras até aqui estudadas, devem-se a essa ausência na

formulação das regras gramaticais.

Em Chomsky, vamos ver que há muito da Gramática Tradicio­

nal: Sujeito (SN) , Predicado (SV), etc. Mas se esses conceitos

já existiam, não tinham sido sistematizados — nem mesmo apro­

ximadamente — da maneira como o fez Chomsky.

Mas, se a proposição da Estrutura Profunda cumpriu o seu

fim ideológico, como vimos no início, não foi aceita sem reser­

vas. Costuma-se situar em Katz e Postal (1964) o aparecimento

da Semântica Gerativa, com nova proposta sobre a Estrutura Pro­

funda (que veremois no capítulo 2). Porém, a base foi a "desco­

berta" de Chomsky — a valorização do nível subjacente.

Para expor o Transformacionalismo, ficamos, assim, com o

seu idealizador e, dentre suas obras.

Estruturas Sintáticas (1957) e Aspectos da Teoria da Sin­

taxe (1965).

1.3.1. Chomsky - Estruturas Sintáticas (1957)

Embora não seja imprescindível, acreditamos que uma rápi­

da passagem aos modelos anteriores ao proposto em ASPECTS, 1965

(que é o que nos interessa aqui), possa contribuir para uma me­

lhor compreensão das subseqüentes reformulações de Chomsky.

Em 1957, com a publicação de Syntactic Structures, de Noam

Chomsky, a Lingüística passa a tomar novos rumos. Até então, òs

"estruturalistas" limitavam-se ã análise dos dados de um"corpus"


53

e, por indução, passavam ao estágio classificatório. Durante

longo período, a Lingüística segue essa concepção taxionômica,

partindo sempre da Fonética, e só admitindo o nível de superfí­

cie para a descrição. Alertado, porém, para a nova tomada de

posição da Ciência, Chomsky propõe novos caminhos: a formulação

de hipóteses, isto é, o método dedutivo — também para a Ciên­

cia da Linguagem. No seu livro citado acima, apresenta os seus

três modelos de gramática: Gramática de Estados Finitos, Gramá­

tica Sintagmática e Gramática Transformacional. Embora o autor

considere inviável o primeiro modelo, insuficiente o segundo, e

venha a fazer importantes modificações relativas ao terceiro mo­

delo — o transformacional — faremos uma breve exposição de

cada um deles pelo motivo já exposto no primeiro parágrafo des­

te item.

A Gramática de Estados Finitos teve sua inspiração na teo­

ria da comunicação apresentada por Shannon e Weaver em 1949. 0

sistema, que na teoria matemática chama-se markoviano (de Mar-

kov, estatístico russo) possui um número finito de estados pos­

síveis e uma série de probabilidades de passagens. 0 modelo po­

de produzir um fonema ou vima palavra no momento da passagem de

um estado a outro, servindo então de fonte de informação. Há

sempre dependência de vim estado a vim sinal que o precede, e di­


zemos que esse estado produzido tem vima fonte que é de memória

1 ou 2, conforme a dependência estiver num só elemento prece­

dente ou em dois. Verificou-se, por exemplo, que as línguas na­

turais não ultrapassam a ordem de 5. Tomemos como exemplo o es­

tado inicial /t/, para compreendermos melhor o sistema em ter­

mos da sua aplicação ã linguagem. Em português, esse fonema po­

de ser seguido por qualquer vima das vogais, mas não por /p/ ou

/b/. Então, /t/ está submetido a vim certo número de coerções.


54

Também nos eixos paradigmático e sintagmático a emissão de um

elemento é determinada pelo conjunto dos sinais emitidos prece­

dentemente. Sendo que sõ podemos emitir, por exemplo, "o livro"

e não "livro o", vê-se claramente que a ordem das classes é to­

talmente coercitiva.

Com base nesse modelo, Chomsky apresenta uma gramática:

"cada máquina deste tipo define, assim, uma determinada língua,

isto é, o conjunto de frases que podem ser produzidas desta

forma. A qualquer língua que pode ser produzida por uma máquina

deste tipo chamaremos uma "língua de estados finitos"; e, ã

própria máquina, chamaremos "gramática de ESTADOS FINITOS"(Edi­

ção e tradução de 1980:22). Consciente de que este modelo de

gramática é o mais simples e restrito, Chomsky parte para a in­

dagação de sua validade. Considerando, em primeiro lugar, que

o inglês (e outras línguas naturais) não é uma língua de esta­

dos finitos, o modelo não serve. Não é possível introduzir no

programa da máquina, todos os dados estruturais necessários ã

formação de frases das línguas naturais (de domínio infinito),

podendo ser produzido, por outro lado, proposições que não per­

tencem a determinada língua. Além disto, embora o Sistema de

Markov dê conta das dependências, não pode prever os elementos

inseridos no interior de outras seqüências, como acontece em

alguns exemplos do alemão. Mesmo admitindo a viabilidade de al­

guns princípios do modelo markoviano, Chomsky considera que é

preciso procurar-se vima teoria mais poderosa. Propõe, assim, um

novo modelo, a gramática sintagmática, cujos fundamentos bási­

cos apresentaremos a seguir.

A Gramática Sintagmática baseia-se na teoria dos "consti­

tuintes imediatos" que, em forma simples já se encontra há mui­

to tempo nas escolas e que consiste em caracterizar as catego­


55

rias e as funções como "sujeito" e "predicado".

O primeiro a empregar o termo "constituintes imediatos"fo

Bloomfield, em 1933, na obra "Language". A partir de então, ou­

tros lingüistas americanos como Wells, Harris e Hockett passam

também a formular a teoria. Esta sistematização foi realizada

pelo método distribucional, próprio da lingüística estrutural

e tem sua origem na constatação empírica de que cada elemento

de uma língua se acha em certas posições particulares com rela­

ção aos outros. Em linhas simples e gerais, podemos dizer que

a análise em constituintes imediatos consiste em decompor cada

frase nos elementos que imediatamente a constituem, em seguida

decompô-los nos seus próprios constituintes, e assim por dian­

te. Sob o ponto de vista de que todas as frases têm uma estru­

tura linear simples, descrita como uma cadeia, a teoria apre­

senta as frases como uma combinação ou concatenação de consti­

tuintes. Assim, a frase: "O MENINO COME O BISCOITO" é descrita

como a combinação de dois constituintes: um sintagma nominal

(o mènino) e um sintagma verbal (come o biscoito) . Cada vim des­

tes dois constituintes é, por sua vez, formado de outros cons­

tituintes: o sintagma nominal "o menino" é formado de um deter­

minante (o) e de um nome (menino), o sintagma verbal "come o

biscoito" é formado de um verbo (come) e de um sintagma nominal

(o biscoito). As palavras O MENINO, COME, O, BISCOITO, são os

constituintes finais da frase.

Tal análise, convém repetir, em nada difere daquela dos


gramáticos tradicionais. 0 que surge aqui de maneira diferen­

te, talvez seja a representação da estrutura da frase. Sem en­


trarmos em detalhes exaustivos, mencionemos a "caixa" de Hoc­

kett (Ruwet, 1975:101): deficiente porque não permite mostrar a

"classe" de constituintes (que "menino" é um nome, por exemplo)


56

e porque, por outro lado, permite què uma mesma classe ocupe

outro número em outra frase, mesmo exercendo a mesma função. 0

sistema de parentetização proposto por Wells apresenta as mes­

mas deficiências. Assim, tendo constatado a incompletude de

tais representações, Chomsky propõe uma nova maneira de repre­

sentar os constituintes imediatos: o diagrama em ramos (ou ar­

vore) . Sob esta forma fica expressa a noção de categoria (nome,

verbo, etc.); fica claro como uma frase se decompõe em sintag­

mas e que estes se decompõem em unidades menores; e, ainda, que

dois ou mais elementos terminais se combinam para formar um de­

terminado constituinte (por exemplo, "o" e "menino" formam um

sintagma nominal); que certos constituintes, embora contíguos,

não formam um único (exemplo: "o", "menino", "comia", "o"); en­

fim, que cada nõ domina todos os elementos a ele ligados, ex­

cluindo outros.

Além da representação em forma de árvore, Chomsky apresen­

ta as regras de uma gramática sintagmãtica que, obviamente,

não podemos comentar em detalhes aqui. De um modo geral, pode­

mos dizer que uma regra básica do, tipo F -*■ SN + SV, que de­

monstra que uma frase se reescreve automaticamente SN e SV,por­

tanto independente de contexto, pode satisfazer a uma gramáti­

ca de tal tipo. Portanto, embora considerando que, no caso das


gramáticas independentes de contexto, a gramática sintagmãtica

tenha feito alguns progressos, é sobretudo no caso das depen­

dentes de contexto que ela se encontra deficiente. Um exemplo

de regra dependente de contexto, seria: V Vtr/--- SN em que

verbo se reescreve verbo transitivo no contexto de um sintagma

nominal.

Sendo que a avaliação de qualquer um dos tipos de gramá­

tica apresentados, incluindo não só as independentes e depen-


57

dentes de contexto, mas também a gramática de estados finitos,

é feita levando-se em conta a sua capacidade gerativa, ficou

constatado que uma gramática sintagmática possui capacidade ge­

rativa fraca. (Assim também foi classificada por Gross (1964)

a gramática de dependências, cuja origem está no modelo de

Tesnière, 1959) (Ruwet, 1975:143). Ela é incapaz de levar em

conta, de maneira completa e suficientemente simples, um con­

junto de irituições relacionados ã estrutura das frases, que

fazem parte da competência dos falantes. Não mostra, também,

a relação que existe entre uma frase ativa e uma passiva, por

exemplo. Alguns tipos de ambigüidade são mostrados por uma gra­

mática sintagmática, mas não as relações existentes nas frases

ambíguas.. Outra dificuldade de tal tipo de gramática encontra-

se nos chamados "constituintes descontínuos" (como por exemplo

"escrever-lhe-ei", ou a negação "ne..pas", do francês), pois

ela apresenta somente constituintes contíguos. Não há resultan­

tes de casos de coordenação (como "João e Maria e Paulo", em

que poderíamos ter ou (João e Maria) e Paulo, ou (João) e Maria

e Paulo).

Apresentamos aqui apenas alguns problemas praticamente in­

solúveis para a gramática em constituintes. Outros, porém, po­

dem ser apresentados rapidamente... Por exemplo, uma gramática


assim constituída tende a atribuir muita estrutura às frases,

tornando-as muito complexas, ou negligenciando aspectos essen­


ciais a elas. O sistema em divisão binária é correto para fra­

ses simples, mas não pode ser aplicado para frases complexas.

Resumindo ainda mais, podemos dizer que a gramática sintagmãti-

ca deixa de apresentar, em muitos casos, os "níveis de sucesso


de uma gramática, tais como: capacidade gerativa forte, ser fi­

nita, e não derivar nenhuma frase agramatical.


58

Chomsky vai considerar, porém, os vários fatores que tra­

duzem a eficácia da Gramática Sintagmática em muitos aspectos.

É a partir desses pontos de suficiência, que ele parte em busca

de uma adaptação, através das TRANSFORMAÇÕES. Propõe, então, um

modelo de Gramática Transformacional e, em seguida, o concei­

to de estrutura profunda (a Gramática Sintagmática faz vima aná­

lise puramente da estrutura de superfície) . De vima maneira ex­

tremamente generalizada, vejamos os fundamentos básicos de uma

teoria gerativo-transformacional, expostos por Chomsky em 1957.

Embora as bases da Gramática Sintagmática encontrem-se nes­

te terceiro tipo de gramática (regras de reescrever, como F ■+

SN + SV), o acréscimo de um componente transformacional veio

a contribuir consideravelmente para o enriquecimento da teoria.

As "transformações" foram estabelecidas para se poder des­

crever a relação entre a frase de base a derivada (como por

exemplo a ativa para a passiva, cuja regra é:

SNX -- AUX -- Vt — - SN2 + SN2 — AUX + SER -- PP -- Sff^ + POR) .

a propósito diz-nos Lyons: "Uma das vantagens de uma gramática

transformacional é que ela nos permite relacionar frases super­

ficialmente distintas e distinguir frases superficialmente i-

dênticas" (Novos Horizontes em Lingüística, 1976:117). Além dis­

to, elas simplificam consideravelmente a gramática. Faz-se pri­

meiramente uma análise estrutural da frase, em seguida passa-se

ã transformação, aplicando-se ali, e por último, uma série de


transformações fonológicas. As regras sintagmáticas e as re­

gras fonológicas, ligadas entre si pelas transformações (regras

que acrescentam, retiram, ou mudam a ordem dos elementos da

cadeia lingüística) , formam vim conjunto que permitiu a Chomsky

obter a imagem de uma gramática de três partes (ou tripartida).


59

Porém, a Gramática Transformacional, tal como foi apresen­

tada em 1957, vai sofrer várias alterações nos anos subseqüen­

tes. É no seu livro ASPECTS OF THE THEORY OF SYNTAX, de 1965,

que Chomsky apresenta o segundo modelo de uma gramática gera-

tiva-transformácional. Sendo que o que nos interessa no presen­

te trabalho é sobretudo esse livro, e particularmente o seu ca­

pítulo II, a ele nos dedicaremos. Embora Chomsky tenha também

reformulado algumas regras desse módelo (1972, por exemplo) e,

sem dúvida, continue ainda aprimorando sua teoria, o capítulo

II de ASPECTS apresenta teses que vão ser contra-argumentadas

mais tarde por Fillmore, quando da apresentação da sua Gramáti­

ca de Casos. Vejamos, primeiramente, alguns pontos importantes

e gerais do Aspects.

1.3.2. Aspectos da Teoria da Sintaxe (1965)

É principalmente a composição do componente sintático — ou

seja, o sub-componente categorial e o léxico — e o papel da

EP (estrutura profunda), tais como os apresenta Chomsky em 1965,

os motivos da contra-argumentação de Fillmore a que nos referi­

mos anteriormente.

Em 1957, Chomsky considera que a significação da frase es­

tá num nível diretamente observável e que a sua estrutura pro­

funda corresponde aos seus elementos concretos: "Para compreen­

der lima frase é necessário (embora não, evidentemente, sufici­

ente), reconstruir a sua representação em cada nível, incluindo

o nível transformacional, em que as frases-núcleo subjacentes

a uma dada frase podem, em certo sentido, ser encaradas como as


"unidades elementares de conteúdo" a partir das quais a frase

é construída" (Estruturas Sintácticas, 1980:117).


60

A sua proposição de uma Estrutura Profunda, inspirada so­

bretudo na concepção dos gramáticos de Port-Royal, que jã men­

cionavam o aspecto interno ;(o significado) e o aspecto externo

(os sons) da linguagem humana, leva-o a deslocar os dados se­

mânticos para além da estrutura real das frases. Desaparece,

assim, em 1965, a "frase-nücleo" (na citação acima) como com-

portadora do conteúdo. Gs dados semânticos se apresentarão num

nível mais abstrato, isto ê, na EP, que é a que permite deter­

minar o conteúdo semântico da frase. Chomsky adota, assim, o

resultado de investigações semânticas elaboradas principalmente

por Katz e Postal (1964). A estrutura profunda, no segundo mo­

delo transformacional, possui as seguintes propriedades: ê nes­

se nível que se efetua a inserção lexical; serve de "entrada"

ao componente transformacional e âs regras que o ligam à repre­

sentação semântica; é nesse nível também que se formulam as

restrições de seleção e de co-ocorrência entre itens lexicais

e as relações funcionais como sujeito e objeto.

Ém Aspects, uma gramática consiste de três tipos de regras:

sintáticas, semânticas e fonolõgicas. As regras sintáticas são

as que "geram" as frases da língua, sendo este componente (o

sintático) o único elemento criador. Elas especificam a EP e


transformam as frases em estrutura superficial. 0 caráter gera­

dor de tais regras, constitui a base de uma teoria sintática.

Já os componentes semântico e fonolõgico são interpretativos das

estruturas abstratas geradas pela sintaxe e "não desempenhando

qualquer papel na geração recursiva das estruturas das frases"

(Edição e tradução de 1975:231).

A estrutura profunda ê gerada pelo componente de BASE; es­

sas estruturas serão convertidas em estruturas de superfície

pelo componente TRANSFORMACIONAL. Assim está estruturada uma

gramática segundo o chamado "modelo-padrão":


61

regras
categoriais
COMPONENTE
rbase --- SEMÂNTICO
t
I
I
léxico
I
I
I
I
I
Componente
Sintático
I
1
I regras COMPONENTE
f trans formacio- FONOLÔGICO
1 nais
*. .,, _ ,

FIGURA 6

(Fonte: Lyons, Novos Horizontes em Lingüística, 1976:120).

Vemos que as regras sintagmáticas (que definem funções e

relações gramaticais) mais um léxico finito, geram a EP. A es­

ta, são aplicadas as transformações, que resultam numa seqüên­

cia linear de morfemas: a estrutura superficial, à qual se a-

plicam regras fonolõgicas, obténdo^se, afinal, a frase deseja­

da. Pode-se ver, ainda, pelo quadro, que tanto o componente

transformacional, quanto as regras fonolõgicas e semânticas,


são interpretativos. (A isto vão se insurgir os defensores da

semântica gerativa, para quem toda a interpretação semântica

está na estrutura profunda).

Trataremos agora dos dois componentes da BASE: o sub-com-

ponente categorial e o léxico.

As regras categoriais geram um indicador sintagmãtico (co­


62

mo SN e SV). Esses indicadores contêm "vazios" lexicais que

são preenchidos segundo traços sintáticos específicos; o léxico

especifica assim as propriedades sintáticas, semânticas e fono-

lógicas de cada unidade léxica. Uma regra sintagmãtica, do tipo

apresentado em 1957 (como, por exemplo, N -»-{irmão, livro, ...}

introduzia itens lexicais no indicador sintagmãtico subjacente,

enquanto aqui, como vimos, eles são introduzidos por regras es­

peciais de substituição. Esta é uma das inovações de Aspects.

Outra, e que diz respeito também às regras categoriais, é que

agora elas permitem a ocorrência do símbolo inicial (F) no lado

direito da flecha: SN Det N (F) . Voltemos, porém, ao sub-com-

ponente categorial.

Um exemplo de uma cadeia pré-terminal, gerada pelo compo­

nente categorial de base, pode ser:

Art (def.) + A + Aux (pres.) + A + Art (indef.) + A

Inserindo-se itens lexicais no lugar de A (símbolo complexo,

vazio) teremos, por regras transformacionais de substituição,

uma cadeia terminal que pode representar, por exemplo:

(37) O menino pega uma bola.'

Como, porém, o léxico não foi selecionado, tal cadeia pode re­

presentar outras orações da língua, e mesmo, agramaticais. A

inserção léxica deve obedecer, então, a condições de analisabi-

lidade, subcategorização estrita e seleção (Mário Perini, 1979:

170) . Sendo um ramo de y,ma árvore

SN

A
63

podemos inserir no símbolo complexo (À), dominado pelo símbolo

categorial N, a palavra BOLO, por exemplo, que é marcada [+N].

Mas, como a condição de analisabilidade não é suficiente para

derivar apenas frases gramaticais, ê necessário acrescentar res­

trições de contexto. Assim, a um traço categorial [+ verbo],por

exemplo, acrescentamos o traço de subcategorização estrita

[+ --- SN], se ele for um verbo transitivo, ou [+ ---], se for

um verbo intransitivo. Definem, portanto, o contexto do morfema

em termos de categoria.

Estes traços, porém, ainda não são suficientes: é preciso

também especificar, por exemplo, o tipo de sujeito que o verbo

pode ter. Mário Perini (1979:175) cita o exemplo,do verbo FALE­

CER, que não pode ocorrer com um sujeito marcado [ - humano],em

que teríamos: "O gato faleceu". O verbo também pode fazer res­

trições selecionais quanto ao seu objeto: CONVENCER, por exem­

plo, não pode aparecer com um objeto [- animado], pois podería­

mos ter:? "Convenci o livro a entrar no ônibus".

Quanto ao caso da subcategorização do verbo, Chomsky aler­

ta: "É bem sabido que em construções do tipo Verbo-Sintagma Pre­

posicional se podem observar vários graus de "coesão" entre o

Verbo e o Sintagma Preposicional que o acompanha" (1975:188). 0

exemplo

(38) Ele decidiu sobre o barco.

é uma frase ambígua, porque tanto pode significar — ele deci­

diu acerca do barco — como — ele decidiu qualquer coisa en­

quanto estava no barco. No primeiro caso, há uma conexão íntima

com o verbo; no segundo, o adverbial de lugar modifica a frase

inteira, pois não mantém nenhuma relação especial com o verbo.

Para resolver a questão dos Sintagmas Preposicionais, Chomsky

vai propor algumas modificações ãs regras de base. De qualquer


64

forma, eles continuam fazendo parte do Sintagma Verbal. Fillmo-

re vai criticar posteriormente esta posição, dizendo que tal re­

gra mistura dois tipos de noção: a categoria dos sintagmas (SV),

e a função deles (Lugar, Tempo, etc.). Voltaremos, porém, ao

assunto, no capítulo dedicado à Gramática de Casos.

1.3.3. Capítulo II de Aspects

Salientamos anteriormente, que foi sobretudo o contido no

capítulo II de Aspects, o motivo das refutações de Fillmore. Já

fizemos um resumo das principais idéias ali expostas. Mas, como

Chomsky vai, nesse capítulo, formalizar o que propôs vejamos su­

cintamente no que consiste tal formalização.

Como já vimos, uma importante inovação em Aspects, é aque­

la que concerne ao léxico. Tomando como base a frase

(39) A sinceridade pode assustar o rapaz. (1975:149)

Chomsky argumenta que regras do tipo

N Sinceridade (id.:152)

devem ser separadas do sistema das regras de reescrita. Em pri­

meiro lugar, porque não são regras de ramificação (como

F -*■ SN Aux SV (id.:171);

em segundo, porque excluindo-se das regras de reescrita as pro­

priedades gramaticais dos formativos e inscrevendo-as direta­

mente nas entradas lexicais a que pertencem, simplifica-se con­

sideravelmente a gramática. Voltemos, portanto, à frase:

A sinceridade pode assustar o rapaz. (39)

Uma das informações que uma gramática tradicional pode dar a

esta frase é: a) É uma Frase (F); ASSUSTAR O RAPAZ é um Sintag-


65

ma Verbal (SV) que consiste num Verbo (V) ASSUSTAR e num Sin­

tagma Nominal (SN) O RAPAZ; SINCERIDADE é também um SN; o SN

0 RAPAZ consiste num Determinante (Det) o, seguido por um Nome

(N); o SN SINCERIDADE consiste apenas em um N; o ê, além dis­

so, um Artigo (Art) ; PODE é um Verbo Auxiliar (Aux) e, além dis­

so, um Modal (M) .

Sendo correta tal informação, Chomsky propõe a seguinte a-

presentação formal a ela:

SN
i
AUX
\ SV

N M V SN

Sinceridade pode assustar


Det N

o rapaz (1975:149)

FIGURA 7

Como vimos no item precedente, tal formalização constitui-se de

regras de reescrita que, por sua vez, constituem uma parte da

base do componente sintático. Esta é, na verdade, uma Gramáti­

ca Sintagmática, sistema que também está implicitamente conti­

do nas gramáticas estruturalistas (1975:151). Porém, este sis­

tema é inadequado (segundo aspectos já mencionados anterior­

mente por nós) e pode, inclusive, gerar seqüências mal cons­

truídas como:

? O rapaz pode assustar a sinceridade. (id.:152)

É então que Chomsky vai considerar a distinção entre as regras


66

que introduzem formativos lexicais e as restantes. Partindo de

outra informação (dada também por uma gramática tradicional):

b) 0 SN SINCERIDADE funciona como Sujeito da frase (39) , ao

passo que o SV ASSUSTAR 0 RAPAZ funciona como Predicado desta

frase; o SN O RAPAZ funciona como Objeto do SV, e o V ASSUSTAR

como Verbo Principal do SV; a relação gramatical Sujeito-Verbo

estabelece-se entre o par (SINCERIDADE, ASSUSTAR) e a relação

gramatical Verbo-Objeto estabelece-se entre o par (ASSUSTAR, O

RAPAZ) (id.:148). Chomsky propõe que "noções funcionais" como

Sujeito, Predicado, devem ser rigorosamente distinguidas de no­

ções categoriais como "Sintagma Nominal" (id.:153). Assim, pela

análise binária adotada por Chomsky, o Sujeito é o SN direta­

mente "dominado", um constituinte imediato de F, e o Objeto é o

SN diretamente dominado por SV. Uma vez que não há necessidade

de se explicitar a etiquetagem funcional, "I...] são redundan­

tes, visto que as noções de Sujeito, Predicado, Verbo Princi­

pal, e Objeto, por serem relacionais, estão já(automaticamente)

representadas no Indicador Sintagmático, não sendo necessá­

rias outras regras de reescrita para as introduzir" (id.:154),

torna-se evidente, na formalização de Chomsky, a prioridade

da classificação categorial. São estes pontos da teoria de

Aspects o essencial das críticas posteriores, feitas, entre ou­

tros, por Mc Cawley (1968), Fillmore (1968), Anderson (1966),

que abordaremos no capítulo seguinte.

Outra informação "indispensável a qualquer explicação do

modo como a linguagem é usada ou adquirida" (1975:148) é a se­

guinte :

(c) O N RAPAZ é um Nome Numerável e ê um Nome Comum; além disso

é um Nome Animado; ASSUSTAR é um Verbo Transitivo e não admite

livremente o apagamento do Objeto; pode tomar livremente o As-


67

pecto Progressivo; admite Sujeitos Abstratos e Objetos Humanos

(id.:148).

Diz-nos Chomsky que tal informação concerne à subcatego-

rização e não ã "ramificação" (isto é, a análise de uma cate­

goria numa série de categorias, como quando, por exemplo, se

analisa F em SN AUX SV, ou SN em Det N ) . Adotando a hipótese de

Mattews (1975, 1958) para quem as regras de reescrita não eram

apropriadas para efetuar a subcategorização das categorias le­

xicais, principalmente por ser não-hierárquica a subcategori­

zação, Chomsky propõe a teoria dos traços sintáticos, já apre­

sentada resumidamente por nós no item precedente. Assim, ao in­

vés de regras como N -»■ SINCERIDADE, a gramática conterá um

LÉXICO que será, então, um conjunto de entradas lexicais. As­

sim:

ART 'V, AUX V


+ anim. + intrans.
+ comum - Q t atividade - Q
- humano + S .anim.
<

cavalo pres correr

v
D

FIGURA 8

(Fonte: FRANCISCO S. BORBA, 197 6:39)

Sendo Q um símbolo complexo de uma cadeia pré-terminal,cu­

jos traços darão a entrada de N = cavalo e de V = correr, vemos


68

que D pôde substituir Q, impedindo a geração de uma frase como,

por exemplo: "O cavalo sorri."

Fillmore vai se insurgir exatamente sobre a questão desses

traços, concluindo que nem sempre poderão dar conta de demons­

trar a relação entre verbos. Como veremos mais adiante, não

podem explicar a diferença entre VER e MATAR, por exemplo. Pro­

porá, então, a Gramática de Casos, para alcançar explicar essas

relações.

1.4. Tesnière, Chomsky e Fillmore

Neste ponto do trabalho, acreditamos ser cabível um con­

fronto (mesmo que generalizado) entre os três lingüistas men­

cionados acima, embora alguma coisa a respeito já tenha sido

dita no decorrer da exposição das respectivas teorias.

:Nicolas Ruwet (1967) , faz uma comparação entre alguns lin­

güistas estruturalistas (como Bally, Benveniste, Blinkenberg e

Tesnière) e o modelo de Chomsky. Diz-nos ele.que, embora muitos

estruturalistas tenham tentado uma formalização baseada em

Chomsky, os seus modelos podem ser comparados apenas à Gramáti­

ca Sintagmática (estrutura de constituintes).e poucos chegaram

a uma aproximação do modelo transformacional..

Quanto a Tesnière, há uma noção relevante em sua teoria

que, propositadamente, deixamos para comentar no presente item:

é a noção de TRANSLAÇÃO. Para Tesnière, "a translação consiste


em fazer passar uma palavra plena de uma classe gramatical a

outra classe gramatical" (1976:364) . Por exemplo, em: "0 azul do

céu", o azul passou da classe do adjetivo para a do substantivo.


69

Ou "O livro de Alfredo", de Alfredo é um adjetivo, equivalente

a vermelho, em "o livro vermelho". No primeiro caso, temos uma

translação deadjetival, em que "azul" transformou-se em subs­

tantivo pelo artigo "o"; no segundo, uma translação desubstan-

tival, onde o substantivo "Alfredo" passou a adjetivo, pela pre­

posição "de". Em ambos os casos, temos palavras em função trans-

lativa: "o", "de", pois permitem a passagem de uma unidade, de

uma categoria para outra. Há outros tipos de translação, mas

acreditamos não ser necessário abordá-las todas aqui: os dois

exemplos são suficientes para compreendermos a critica que faz

Ruwet a tal noção.

Diz-nos o autor que, em "O livro de Alfredo", Alfredo con­

tinua um nome próprio, uma vez que pode receber um determinante

como, "O livro de Alfredo o Grande". "Por outro lado, há nesta

formulação uma grande confusão sobre as relações entre cate­

gorias (reduzidas às categorias de palavras) e funções" (1967:

200) .

Quanto ao abandono da distinção sujeito-predicado, em Tes-

nière, Ruwet considera um posicionamento "lamentável".Além dis­

so, os limites da sintaxe de Tesnière — como já afirmamos an­

teriormente — podem sér demonstrados pela constatação de Gross

(1964), de que é um modelo "equivalente em capacidade gerativa

fraca a uma linguagem sintagmática independente de contexto"(Ru­

wet, 1967:201).

Tais observações referem-se a uma comparação no que con­

cerne ao caráter "transformacionalista" de ambas as teorias.

Mas, é possível também fazer um confronto entre o modelo choms-

kyano e o de Tesnière, no que diz respeito aos fundamentos ló­

gicos. De outro lado, confrontá-los com o modelo de Fillmo-

re (dentro de uma concepção semãntico-gerativa).


70

Uma das mais fortes críticas que faz Tesnière ao modelo-pa-

drão é o de vincular-se ã lógica "clássica". Se, numa represen­

tação sintagmática, podemos deduzir as funções tradicionais de

Sujeito e Predicado, também é verdade que apenas essas relações

podem dali ser Subentendidas: a relação (SN, F) define o Sujei­

to; (SV, F) demonstra o Predicado. Sua crítica, que está con­

forme com a de Fillmore, é que os fundamentos lógicos, nos quais

se desenvolveu a gramática desde Aristóteles, não corresponde

aos fatos lingüísticos em si. Fillmore vai ainda além,observan­

do que a representação sintagmática proposta por Chomsky, "obs­

curece" as relações Sujeito-Objeto.

Tanto Tesnière, quanto Fillmore, vão tentar desvincular-se

de uma tal base lógica, e proporão uma formalização mais de

acordo com a lógica "simbólica".

A primeira conseqüência é, então, a impossibilidade de as­

sociar-se à noção de Sujeito, os valores a ele atribuídos pela

Gramática Tradicional (e Transformacional): "o ser de quem se

diz alguma coisa" — pelo fato de que nenhuma noção semântica

está nele implicada. Do mesmo modo, o Predicado (SV, pela teo-

ria-padrão) introduz distinções entre os nomes (SN) que não

correspondem ã verdadeira utilização da língua.

A estrutura lógica (simbólica) da Semântica-Gerativa pro­

põe, então, apenas três categorias ao nível não-terminal das

estruturas subjacentes: P, SN, V, isto é, Proposição, Argumen­

tos, Predicado. A frase é formada como um V, colocado em rela­

ção a um ou vários SN. Neste sentido, os modelos de Tesnière e

de Fillmore se aproximam:
71

ALFREDO DÃ O LIVRO A CARLOS

(Tesnière)

Alfredo o livro a Carlos

(Fillmore)

DAR Alfredo o livro a Carlos

Mas distinguem-se em outros aspectos: enquanto Tesnière

considera Sujeito (ponto de vista semântico) apenas o primei­

ro actante, Fillmore optará por considerar actante, tudo o que

puder ser. sujeito, mesmo que ^de natureza adverbial (coro os locativos).

Além disso, Fillmore vai mais além do que Tesnière, ao

considerar também os casos, isto é, os tipos de argumentos exi­

gidos pelo verbo (a análise de Tesnière é essencialmente estru­

tural) .

Outra conseqüência, é o desaparecimento da EP sintática

e com ela o desaparecimento do sistema sintagmático das regras

de reescrita.

De qualquer forma, seja a lógica clássica, seja a lógica


dos predicados, é possivel concluir que "toda gramática se fun­

da mais ou menos explicitamente sobre um sistema lógico" (Galmi-

che, 1975:156).
CAPÍTULO II

GRAMÁTICA DE CASOS

Dentre as primeiras reações ao modelo gerativo-transforma-

cional, surge a proposta de Charles Fillmore, em "THE CASE FOR

CASE", 1968.

Nesta época, estavam se consolidando algumas tentativas

esparsas (J. Katz, Mc Cawley) de substituição da proposição de

Estrutura Profunda, tal como a sustentava Chomsky. Enquanto que,

para este último, a EP concentrava todo o poder explicativo de

uma gramática, para outros, como Fillmore, era "um nível de re­
presentação semântica o único capaz de alcançar o poder expli­

cativo que se espera de um nível subjacente" (Galmiche, 1975:

43) .

Fillmore vai, então, propor a sua Gramática dè Casos, con-

tra-argumentando sobretudo as noções de sujeito e objeto: se

tais funções não têm pertinência semântica, pois que intervêm

apenas nas questões relativas aos fenômenos de superfície (po­

sição, concordância gramatical), o nível de "estrutura profun­

da" não pode, também, comportar a interpretação semântica.

Na sua Gramática de Casos, considera a frase (proposição)


73

como se compondo de um Verbo e de uma série de Sintagmas Nomi­

nais, estes últimos compostos de etiquetas semânticas, como "a-

gente", "instrumento", "beneficiário". Denomina tais etiquetas,

de casos, concebendo-os como "papéis" representativos de con­

ceitos universais.

Neste capítulo 2, faremos uma exposição da sua teoria a-

presentada em 1966, seu artigo pioneiro de 1968 ("THE CASE FOR

CASE") e também o seu posterior modelo, apresentado em 1971.

Outros lingüistas apresentaram depois novas propostas, com

base na de Fillmore: Chafe (1970), Cóok (1970-1978), Anderson

(1971).

Como vamos utilizar preponderantemente o modelo de Chafe,

apresentaremos a sua teoria, mas com propostas de algumas modi­

ficações feitas principalmente por Cook (1970-1978).

2.1. Modelo de Fillmore

Fillmore (1966) apresenta o seu modelo de Gramática de

Casos, em reação, principalmente, ao modelo transformacionalis-

ta de Chomsky, 1965.

Duas séries de exemplos de Fillmore podem ser apresentadas

para ilustrar o ponto de partida para a sua Gramática:

(1) a. João deu um golpe em Paulo.


b. João recebeu um golpe de Paulo.

(2) a. 0 açúcar carameliza.


b. Maria carameliza o açúcar.

Os exemplos são apresentados em 1966 (veja-se que um ano

após a publicação de Aspects, de Chomsky), justamente para de­


74

monstrar no que consiste o engano fundamental das análises

tradicional e transformacional. Vejamos: em (1) , "João" é con­

siderado por essas gramáticas, como tendo a mesma função, isto

é, Sujeito. Fillmore quer demonstrar que "João" não tem o mesmo

papel nas duas frases, uma vez que faz alguma coisa em (1) a e,

que nada faz em (1) b, pelo contrário, recebe a ação de Paulo.

Em (2) a e (2) b, "o açúcar" é analisado pelas citadas gramáti­

cas, como Sujeito na primeira frase e Objeto na segunda, o que

não corresponde ao verdadeiro papel desempenhado pelo termo,que

é o mesmo em ambas as frases. Assim propõe Fillmore a análise

das frases:

A
João / deu / um golpe em Paulo

D
João / recebeu / um golpe de Paulo.

0
O açúcar / carameliza.

A 0
Maria /carameliza / o açúcar.

Sendo que as frases de superfície são o resultado de di­

versas transformações que partem da estrutura profunda, e que

esta última é a mais apropriada ã descrição do "sentido", é nes­

te nível que devem aparecer os papéis desempenhados por "João"

e por "o açúcar", nas frases acima. E sendo que Sujeito e Obje­

to não correspondem a funções semânticas, £ sim a noções grama­

ticais, devem aparecer somente na estrutura superficial.

A principal crítica ã Gramática Transformacional, e parti- .


cularmente ao modelo-padrão (referente ao apresentado em "As-

pects") relaciona-se, portanto, â definição das funções. Numa

árvore "configuracional" das funções — em que um elemento é


75

diretamente dominado por outro — Sujeito e Objeto podem ser

bem definidos pela posição dos respectivos SN. No entanto, tal

árvore não representará a não-identidade do papel de "João" e

a identidade do papel de "o açúcar" nas frases mais acima. Vi­

mos anteriormente, que Chomsky considera tanto as categorias

(SN, SV, V, SP), quanto as funções (Sujeito, Objeto), na Base

do componente sintático, isto é, na estrutura profunda. Fillmo-

re propõe uma estrutura ainda mais profunda, onde estariam re­

presentados os "papéis" dos participantes e também as relações

do verbo com os seus nomes. Tomemos dois exemplos para que fi­

que mais clara a diferença entre as duas análises:

(3) João viu Maria.

(4) João matou Maria.

Pelas regras de subcategorização estrita e de seleção, teríamos

o mesmo esquema para os dois verbos: [+V, + — SN] [+SN -- -SN].


+hum +hum
Chomsky mesmo admitiu, em "Alguns Problemas Residuais",de As-

pects, a necessidade de uma noção mais abstrata de relações gra­

maticais, para dar conta de tais problemas. Fillmore propõe a

seguinte análise para os exemplos:

\
(5) Joao / viu / Maria. ver + [ --- E, O]
E 0 (

(6) João / matou / Maria, matar + [ --- A, O]


A 0

Tal análise, como podemos ver, distingue perfeitamente os dois

verbos: VER exige em nome Experienciador, e MATAR, vim Agente,

(proposta apresentada no modelo de 1971). Assim, uma estrutura


de "casos" num dado contexto em que o verbo pode aparecer,subs­

titui a subcategorização estrita e, traços„associados a casos

particulares, substituem as regras selecionais.


76

Outra crítica ao modelo-padrão refere-se aos sintagmas

preposicionais. Vimos que Chomsky os considera um constituinte,

ou do Sintagma Verbal, ou da Frase — dependendo do grau de

"coesão" que mantêm com o verbo que os acompanha. No seu arti­

go "A PROPQSAL CONCERNING ENGLISH PREPOSITIONS" (1966), Fillmo-

re critica a introdução direta dos Sintagmas Preposicionais nas

.regras sintagmáticas. Argumenta que "circunstanciais de tempo"

ou de "lugar", estando sob a dominação direta de (F), como

F -*■ SN + SV (SP) (SP), além de não serem distinguidos, são con­

siderados como categorias (SN, SV), o que não corresponde à

verdade, pois que representam funções. Propõe, então, que as

locuções prepositivas (LP) sejam classificadas em termos de

casos.

Pelo que expusemos acima, ê possível perceber a divergên­

cia entre Chomsky e Fillmore a respeito da estrutura profunda.

Pela teoria-padrão, o papel da estrutura profunda é o de conter

os fatos semânticos. Mas, considerando que o papel semântico

que a ela se atribuía era muito limitado (dava conta apenas das
funções lógicas dos sintagmas nominais relativamente aos seus

verbos) Katz e Postal (1964) propuseram que toda a informação

semântica estivesse representada no nível sintático da estrutu­

ra profunda. A tal proposição costuma-se chamar "hipertrofia da

estrutura profunda", fato que gerou a corrente conhecida como

Semântica Gerativa. Os seguidores de tal corrente adotam a po­

sição de que todo o poder "gerativo" da gramática situa-se no

componente semântico. A proposta de sintatização dos sintagmas

nominais foi tentada por Lakoff (não convém discuti-la aqui) e

também por Fillmore. Para este último, a informação da função


semântica dos sintagmas nominais está na própria estrutura pro­

funda da oração. Todas as relações sintáticas, semanticamente


77

pertinentes,são representadas por etiquetas "casuais"

2.1.1. Fillmore 1968

Vejamos, a partir de exemplos do autor, outros fundamen­

tos básicos da sua teoria, desta vez apresentados em 1968

("The Case for Case").

(7) João abriu a porta com a chave.

(8) A chave abre a porta.

Para a frase (7) Fillmore propõe a seguinte representa­

ção:

LN

pass i
N

abrir <t> a porta com a chave por joão

FIGURA 1

Pode-se ver que a representação semântica (ou estrutura

profunda) compreende, para o conteúdo proposicional, um verbo e

uma série de elementos nominais, que levam a etiqueta de seu

papel, isto é, seu caso. As regras são as seguintes:

Regra 1: S M + P

Regra 2 : P -*■ V + C^ + C2 + . Cn
78

Regra 3: C ->- K + LN

É preciso marcar, então, que no nível profundo, "a chave"

(conforme (7) e (8)) é sempre um Instrumento, embora tenha fun­

ções diferentes de superfície. Transformações Sintáticas apli­

cadas ao nível subjacente, "criarão" um sujeito de superfície:

em (7) será sujeito o Agente (João) e em (8) o Instrumento (a

chave). Pela escolha hierárquica do sujeito, temos a regra que

faz com que, em havendo um Agente, será ele o sujeito de super­

fície. 0 agente, então, é mòvido para a esquerda da árvore, uma


vez que os casos estão ordenados da direita para a esquerda.

Assim:

(VOS = Verbo, Objeto, Sujeito)

V O I A

FIGURA 2

Esta ordem, não sendo econômica, será modificada em 71,is­

to é, os casos serão ordenados da esquerda para a direita:

(VSO = Verbo, Sujeito, Objeto)


V A O I

FIGURA 3

Quando da apresentação do seu modelo, Walter Cook (1970)a-

dotará a mesma posição. Wallace Chafe (1970), infelizmente,

conservará a ordem não-econômica de ordenar os casos da direita

para a esquerda, baseando-se em Fillmore 68.


79

Pode-se ver ainda, pela FIGURA 1 que há a presença de mar­

cadores casuais (K = preposições) na estrutura profunda. O ar­

gumento de Fillmore para justificar a presença de tais marcado­

res, é que em línguas sem desinências casuais, os "papéis",

ou "casos", são representados por preposições. Porém, no seu

modelo de 1971, não mais aparecerão esses marcadores. Da mesma

forma, Chafe (1970) e Cook (1970-1978), optarão por tal ausên­

cia, o que confirma a não-necessidade deles na EP. Justifica-

se, pois as preposições não afetam o sentido: aparecem apenas

depois, na estrutura superficial, através de regras de trans­

formação .

A FIGURA 1 nos mostra ainda a separação da Modalidade e da

Proposição. Já vimos no que consiste a Proposição. Quanto à

Modalidade, envolve todos os elementos significativos da fra­

se, que não estão na Proposição, como Tempo, Modo, Aspecto,

Negação, etc.). Em 1971, desaparece o constituinte da Modali­

dade e também os marcadores casuais da Estrutura Profunda. Cha­

fe também abandonará a divisão Mòdalidade-Proposição, pois pelo

seu modelo, não há nódulo superior: tudo partirá do Verbo (V) .

Quanto à lista de casos, apresentada por Fillmore em 1968,

é a seguinte:

Agentivo (A) - instigador da ação (animado):

(9) João / abrirá / a porta.


A O

Instrumental (I) - instrumento ou causa da ação ou do estado

(objeto ou força inanimados) .'

(10) A chave / abriu / a porta.


I O

Dativo (D) - pessoa afetada pelo estado ou ação (animado).


80

(11) João / é interessante.


D

Objetivo (0) - "o mais neutro semanticamente" (o papel na si­

tuação seria dado pelo próprio verbo), limitado aos não-anima-

dos afetados pela ação ou estado (o "affectum).

(12) João / quebrou / a vidraça.


A O

Locativo (L) - lugar ou direção da ação ou do estado:

(13) Chicago / é ventoso.


' L

Factitivo (F) - objeto ou ser resultante da ação (o "effectum"

- objeto criado):

(14) João / construiu/ a casa.


A F

Vamos ver mais adiante, que Chafe tomará como base este

modelo casual de Fillmore.Fará, no entanto, algumas modifica­

ções, que já podemos deixar antever aqui, pois que também cons­

tituem a nossa opinião a respeito.

Ao fazer a seleção de (+ animado) para o Agente, Fillmore

exclui a possibilidade de um (- animado) ser agentivo. Em: "A

chave abriu a porta", não sendo "a chave" + animado, não pode

ser agente. O caso I, no nosso entender, pode muito bem ser ex­

cluído — ou, pelo menos, enfraquecido— pois pode ser incor­

porado ao A. Assim:

(15) A chave / abriu / a porta.


A O

0 Dativo não distingue claramente de que forma a pessoa

é afetada. Vejamos:

(16) João / viu / a cobra.


D 0
81

(17) Maria / ganhou / um carro.


D 0

Em (16) e (17) "João" e "Maria" são afetados de maneiras

diferentes, uma vez que os verbos (ver e ganhar) assim o exi­

gem. Por este motivo, Chafe optará pelos casos Experienciador

e Beneficiário, que dão conta perfeitamente da relação "afeta­

do", introduzida por Fillmore. De qualquer forma, Fillmore tam­

bém abandonará o Dativo, em 1971, porém redistribuindo-o de uma

maneira que não resolve satisfatoriamente o problema, como ve­

remos .

Quanto ao caso Factitivo, pode ser incorporado ao Objeti­

vo, que é o que faz Cook, em 1976. Comparando:

(18) João / escreveu / um poema. (Fillmore 68)


A F

(19) João escreveu / um poema. (Cook 76)


O

Para a classificação dos verbos, Fillmore baseia-se em

Lakoff (1966), dividindo-os em Estados e Não-estados (Ações).Pa­

ra detectá-los, usa os seguintes testes:

Estados - imperativo
- progressivo

Exemplo:
(20) Paulò ê interessante.

não pode ser imperativizado, como: "Seja interessante", e tam­

bém não pode ser usado na forma progressiva: "Paulo está sendo

interessante."

Ações: + imperativo
+ progressivo

Exemplo:
82

(21) Paulo bebeu o leite.

Imperativizando, temos: "Beba o leite". E, na forma progressi­

va: "Paulo está bebendo o leite."

Tais testes serão criticados posteriormente por Cruse, em

seu Artigo "Some Thoughts on Agentivity" (1973). A opinião do

autor, com a qual concordamos, é que tais testes implicam uma

noção de voluntariedade, uma vez que só podemos imperativizar

(para o caso dos verbos de ação) uma ação voluntária. Pelo

exemplo

(22) O vendaval destruiu a cidade

em que temos um Agente (o vendaval), verificamos que o teste

não pode ser aplicado, pois

(23) ? Destrua a cidade (sem querer).

Sendo então que os testes detectam apenas ações voluntá­

rias, não se pode considerá-los completos.. Além do mais, a no­

ção de voluntariedade é referencial, e não relacional, como o

requer o nível de análise de uma gramática de Casos. Mas, vol­

taremos ainda a Cruse, no estudo do. modelo de Chafe. Para o

momento, podemos ainda observar que os testes utilizados por

Fillmore, têm o objetivo de detectar somente os verbos de Es­

tado e de Ação, uma vez que o autor não concebia os verbos de

Processo.

Assim Còok vai esquematizar os tipos de verbos possíveis

com o modelo de Fillmore 1968. Para tanto, coloca-os dentro de

uma matriz:
83

tipos de verbos básicos instrumentais dativos locativos


0 I, 0 D, 0 0, L
1. estados quebrar, Vi quebrar, Vt gostar estar em

-
A, 0

>

O
A, D, 0 A, 0, L

H
2. ações quebrar, Vt quebrar, Vt mostrar colocar

FIGURA 4

Como vemos, os verbos A e 0 são básicos; os outros, não-básicos

I, D, L, são mutuamente excludentes. Pelo esquema casual apre­

sentado, há verbos de 1, 2 e 3 argumentos, representados pelos

sinais + ou -, seguidos de um quadro dentro do qual eles podem

ser inseridos: CORRER será associado a + [A ---], ABRIR a +

[--- o + A], DAR a + [--- O + D + A ] , e assim por diante. Como

certos verbos podem aparecer em ambientes diferentes de casos,

parênteses indicarão a presença de elementos opcionais, como:

ABRIR + [--- 0(1)(A)]. Cook criticará posteriormente tal repre­

sentação, adotando o seguinte esquema para o mesmo verbo: ABRIR

Vi, + [--- 0] ABRIR Vt, + [--- A, 0] .. Vemos, então, que para

Cook, o A não pode ser opcionál em se tratando de verbos transi­

tivos. Tal posição está de acordo com o que já expusemos antes

a respeito dc caso I: deve ser considerado Agente.

Continuando a apresentar o esquema casual de Fillmore, ve­

jamos, por exemplo, as possibilidades que podem ocorrer com o

verbo abrir:

+ [--- 0] A porta abriu.

+ [--- 0 + A] João abriu a porta.'

+ [--- 0 + I] O vento abriu a porta.


+ [--- O + I + A] João abriu a porta com a chave.
(Fonte: Galmiche, 1975:49)
84

2.1.2. Fillmore 1971

Em 1971, Fillmore faz uma revisão dos seus trabalhos. Já

apresentamos algumas modificações ao sistema de casos de 1968.

Vejamos agora o modelo proposto em 1971:

Agente (A) - instigador da ação, animado.

Comentamos anteriormente a nossa posição a respeito do tra­

ço + animado para o caso Agentivo. Resta ainda dizer, que Cha-

fe fortalecerá este caso, considerando Agente também os nomes

inanimados ("pedra") e as forças naturais ("trovão"). Quanto a

ser o caso Agentivo o instigador da ação, parece-nos que os

exemplos abaixo podem contradizer tal definição:

(24) Maria / instigou / João / a matar / o gato.


A E 0

teríamos:

(25) João / matou / o gato.


A O

Fillmore vai justificar dizendo que, pelo princípio da

Contrastividade("um só exemplo por proposição") devemos pensar

que há mais de uma proposição e, que "instigar a matar", não é

só um verbo descontínuo. Assim, segundo o autor, uma proposição

não pode conter dois agentes. No seu artigo já citado, Cruse

cita o exemplo:

(26) John marched the prisoners.


(João fez os prisioneiros marcharem.) (1973:11)

em que teríamos dois agentes: "John" e "prisoners". 0 exemplo

não ocorre em língua portuguesa, mas poderíamos citar:

(27) Zico levantou a galera.

que apresenta dois agentes: "Zico" e "a galera".


85

Para substituir o Dativo, Fillmoré apresenta o caso Expe­

rienciador: afetado pela ação, animado (experienciador de um

acontecimento psicológico). Comparando os dois modelos:

(28) João / gosta / de Maria.


D 0

(29) Maria / agrada / João.


0 D

(Fillmoré 68)

(30) João / gosta / de Maria.


E O

(31) Maria /agrada / João.


1 E
(Fillmoré 71)

Vemos que o segundo modelo destrói a relação semântica, en­

quanto que o primeiro a conservava. Porém, o Experienciador,co­

mo já havíamos assinalado, era necessário para indicar uma das

formas como a pessoa pode ser afetada.

O caso Instrumental aparece agora com duas definições:cau­

sa imediata, de um acontecimento, ou estímulo da experiência,

nos casos de predicações psicológicas. Exemplificando:

(32) O palhaço / assusta / a criança.


1 E

Novamente voltamos, a assinalar que o I é desnecessário. Cook,

por exemplo, sugere a seguinte análise:


O E
(33) O palhaço / assusta / a criança.

Para ele, o Instrumento, de Fillmoré, é um caso Objetivo, isto

é, o conteúdo da experiência. Quanto a "o palhaço" não ser Agen­


te por não agir voluntariamente, repetimos que o nível de aná­

lise deve ser relacional, o que invalida a noção referencial de


86

voluntariedade. Assim, consideramos que o fato de agir volun­

tariamente ou não, sendo uma noção referencial, não deve ser

levado em conta: importa que "0 palhaço" é agente. Portanto,

(33) deve assim ser analisado, segundo o nosso entender:

A=0 E
(34) 0 palhaço / assusta / a criança.

Parafraseando (34), temos:

A=0 E
(35) 0 palhaço / fez / a criança ficar assustada.

0 caso Objetivo, neste segundo modelo, é "a entidade que

sofre deslocamento ou mudança".

0 antigo Factitivo torna-se Meta. Assim:

(36) João / escreveu / um poema. (Fillmore 68)


A F

(37) João / escreveu / um poema. (Fillmore 71)


A M

Meta é, assim, "o lugar, estado ou momento posterior, o

resultado final de uma ação ou de uma mudança."

Já Origem, outro caso apresentado no modelo de 71, é o

"lugar, estado ou momento anterior:

A=0r O M_
(38) Pedro / vendeu / um carro / a Joao.

A vantagem da introdução do Caso Origem pode ser observada

comparando-se a frase acima com a seguinte:

A=M 0 0r
(39) João / comprou / um carro / de Pedro.

Pode-se ver claramente a diferença entre os verbos

VENDER + A-0r/M

COMPRAR + A-M/0r
87

0 sistema proposto em 1971, sendo um modelo localista,con­

sidera os casos Tempo e Benefactivo, como elementos opcionais.

Assim, concordamos com Fillmore nos exemplos que seguem:

T
(40) João viu Maria / hoje.
B
(41) João lavou o carro / para Maria.

Em que, na verdade, T (40) e B (41), são elementos modais. Mas

há casos em que eles são exigidos pelo verbo:

(42) Este assunto / fica / para amanhã.


O T

(43) João / deu / um livro / a Maria.


A O B

üm modelo localista, como este de Fillmore (1971) apresen­

ta a grande desvantagem de perder-se Experienciador e Benefi­

ciário, em favor da Locação. Assim, são locativos apenas os

estáticos, enquanto que os agentivos direcionais se dividem

entre Origem e Meta. Um modelo não-localista como o de Chafe

(1970) e Cook (1970), considera Locativos, tanto os estáticos

quanto os direcionais, o que fortalece não só os casos E e B,

mas também o próprio Locativo.

Uma das grandes vantagens do modelo de 1971, é a introdu­

ção da teoria do apagamento. Chomsky já havia salientado a di­


ficuldade de uma gramática do tipo apresentado em Aspects em

relacionar os verbos de forma satisfatória e simplificada. Ve­

jamos, resumidamente, a proposta de Fillmore.

Segundo a teoria do apagamento, há casos manifestos e ca­

sos ocultos, estes sub-divididos em parcialmente ocultos e to­

talmente ocultos.

Os casos manifestos estão sempre presentes na Estrutura


88

Superficial:

(44) Maria /cozinhou / batatas.


A O

Onde todos os casos exigidos pelo verbo COZINHAR + [--- A, 0]

estão presentes.

O caso parcialmente oculto, como em:

(45) Maria / cozinhou.


A

é um caso apagãvel, podendo estar presente às vezes na ES.Sendo

o verbo COZINHAR, + [--- A, O] este (O) está apagado: I--- A,(O)].

Os casos totalmente ocultos estão sempre ausentes na ES ;

são os casos de lexicalização e de correferência.

A lexicalização é um fenômeno de incorporação. A.ssim, por

exemplo:

(46) O patrão / gratificou / seus funcionários.


A 0=Lex. B

Onde o verbo GRATIFICAR teria o seguinte esquema casual: GRATI­

FICAR + [--- A, B, O / O = Lexicalizado].


*

Outro exemplo:

(47) João / engarrafou / o vinho.


A L=lex. 0

Onde, ENGARRAFAR; + [-— A, O, L / L = lex.].

Quando temos um caso com duas funções profundas, temos o

fenômeno da correferência.

(48) João / foi / ã Universidade.


A=0 L

"João" é, ao mesmo tempo, o Agente e o Objeto (que se move).Es­


89

te caso não deve ser confundido com reflexivização, como:

A 0
(49) Maria / matou-/se.

que é, aliás, a primeira evidência da não correferencialidade

semântica.

Conclusão

Apesar das críticas feitas sobretudo por Lakoff (1968),Katz

(1970) e McCawley (1970), o modelo apresentado por Fillmore em

1968, parece ser o mais adequado. Em primeiro lugar (â parte

a forte vinculação com a sintaxe), é um modelo mais simplifica-,

do; em segundo, não é um modelo localista, como o de 1971, cu­

jas desvantagens já apresentamos.

2.2. .Modelo de Chafe

Formado em um dos maiores centros estruturalistas america­

nos (Yale), Wallace Chafe sentiu, porém, a necessidade de aban­


donar os princípios de tal corrente, assim que começou a minis­

trar aulas em Berkeley, no ano de 1962.

Duas foram as idéias que o conduziram à procura da formu­

lação de um "modelo coerente da estrutura da língua": primeiro,

considerar a língua como um sistema que liga significado e som

(Chomsky^ "havia descartado toda consideração relativa ao SENTI­

DO na elaboração de uma sintaxe explícita, que, segundo ele,

devia constituir o ESSENCIAL da descrição lingüística." Gal-

miche, 1975:9); segundo, identificar as relações nome-verbo co­

mo formadoras da "espinha dorsal" da estrutura semântica. ,


90

De início, não acreditou muito nas novidades que consigo


/■
trazia o modelo de Chomsky, de 1957, considerando-o apenas uma

caricatura do modelo de constituintes i m e d i a t o s L octo, porém,

percebeu que a concepção racionalista daquela teoria oferecia

liberdades que o empirismo exagerado da escola estruturalista

sufocava. E percebeu, "que já estava de posse de numerosos exem­

plos que demonstravam o valor dessa liberdade" (Chafe, 1979:7).

A partir dessas idéias, e também estimulado pelo trabalho

de Charles Fillmore, especialmente o de 1968, vai elaborar o

seu modelo, que surge em explicações detalhadas no livro "Sig­

nificado e Estrutura Lingüísticas", publicado em 1970. Foram as

idéias expressas nesse livro, sobretudo a concepção de Verbo

como "processo" (ao lado de "estado" e "ação"), que nos impul­

sionaram a usar o seu modelo no presente trabalho — mais par­

ticularmente no último capítulo — para a análise do verbo FI­

CAR. Antes, porém, é preciso ver no que consiste a sua proposta

de um sistema casual. Para isso, resumiremos inicialmente a sua

concepção de Estrutura Semântica; em seguida, os tipos de Verbo

que o modelo comporta, a lista de Casos e a relação entre Ver­

bos .

2.2.1. Estrutura Semântica

Preocupado sobretudo com a ligação entre significado e

som, Chafe vai demonstrar que — ao contrário do que lhe pare­

cera de início — existe na verdade um grande hiato que os se­

para. Se, em conseqüência, hâ uma grande distância entre estru­

tura semântica e estrutura superficial e, se os caminhos para

se chegar de uma a outra são muitas vezes bastante tortuosos,

necessário se faz explicar os tipos de discrepáncias entre elas.


91

Chafe está consciente da extrema complexidade de tal tarefa,

justamente por serem essas discrepâncias de variados tipos.Vai,

então, introduzi-las gradualmente, até chegar a um quadro que

possibilite "uma compreensão da variedade dos fatores que en­

tram no esquema da língua como ela existe atualmente" (1979:18).

Um dos primeiros fatores a considerar é o problema da LI­

NEARIDADE. Se as letras (e som) são lineares, pois que assim

fluem através do tempo, o mesmo não acontece com os conceitos.

Por exemplo, nada nos diz que nos conceitos de "GATO" e de"PLU-

RAL", GATO precede a plural ou vice versa. Então, um processo

de linearização ê necessário para que determinadas estruturas

semânticas se transformem em som: ao resultado., pode-se chamar

de "estrutura superficial" e, ao passo subseqüente, "estrutura

fonética" — que nos dará "GATOS" para a conversão dos concei­

tos de "gato" e de "plural". Tal conversão pode ser assim re­

presentada:

o O
«
o> >< U>
< < < <H < C
« u N tóu N « <
D H H D H H D O
Eh E-< « H Pu vA B H
O Z <c Pí O D EH
«« w Pí H m «M3
E-i S z EH CU s tH 2
CO W H co Ed H CO O
W CO a W co CO W tu

gato gato plural gato


plural (1979:29)

FIGURA 5

No entanto, como a língua está sujeita a "ALTERAÇÕES" no


tempo, o sistema apresentado acima deve ser modificado. As al­

terações dos símbolos ou dos conceitos introduzem outro tipo

de complicação na transformação de significativo em som. Atra-


92

vés da análise de algumas particularidades de uma língua iro-

quesa, Chafe chega ã conclusão de que o sistema, descrito acima

não se assemelha sem exceções ã língua. E, através de exemplos

(não convém citar aqui), conclui que a simbolização não conduz

diretamente a uma estrutura fonética, mas antes a uma "estrutu­

ra fonológica subjacente". Sugere, pois, que na verdade há todo

um aparato abstrato que faz com que a transformação do signifi­

cado em som não seja sempre direta. Assim, ao invés de se re­

presentar diretamente a simbolização ã estrutura fonética, é

necessário interpor-se estruturas fonológicas subjacentes. É o

que exige o fenômeno histórico da alteração fonética.

Outro fenômeno (também histórico) vai fazer com que se mo­

difique o sistema descrito mais acima, separando a estrutura

semântica do processo de simbolização: é o fenômeno da "IDIO-

MATIZAÇÃO". Este fenômeno pode ser explicado como sendo um tipo

de alteração semântica em que um novo significado se desenvolve

a partir de um velho. O hiato que se forma — a partir da "Idio-

matização" — entre a estrutura semântica e a simbolização , —

poderia ser considerado., então, como um processo pós-semântico

que se,converte em outra unidade semântica. É o caso dos idio-


matismos restritos a contextos muito limitados. Chafe cita o

exemplo de "red" (vermelho) no contexto de "hair" (cabelo) —

"cabelo vermelho". No caso, "red" provém de um outro signifi­

cado de red, mais antigo, a que Chafe denomina de "literaliza-

ção dos idiomatismos".

Ambos os processos — idiomatismos e literalização — são

unidades semânticas do mesmo tipo. No entanto, há os idiomatis­

mos não-restritos, como no caso de "Mike is off base" (Mike

está fora da base) que significa, literalmente, estar sem con­

tato com a base, no beisebol. Mais tarde, "off base" se tornou


93

uma nova unidade semântica: algo como, em português, "estar to­

talmente errado". Consiste, então, de uma unidade única, "off

base", que não eclipsou o significado anterior. Assim, é ambí­

gua a representação fonética "Mike estã fora da base", pois

contém dois significados: o concreto (do beisebol) e o abstra­

to (estar totalmente errado). A conclusão a que se chega, é que

"off base" não tem uma simbolização própria, necessitando de

uma literalização, antes que a simbolização possa ocorrer.

Resumimos alguns processos pós- semânticos que operam para

converter uma estrutura semântica numa estrutura superficial.

Chafe aborda e exemplifica outros processos, como os de concor­

dância do verbo com o seu Sujeito, e os de pronominalização, em

que uma unidade lexical deixa atrás de si um traço ("você", por

exemplo, que deixa um nome). Estes últimos processos citados,

quer seja os.de "concordância" e os de "pronominalização", Cha­

fe acrescenta aos primeiros ("literalização" e "idiomatismos"),

que já haviam sido esboçados em 1965, 1967 e 1968.

0 quadro resultante, partindo da proposição de que língua

é uma forma de converter significado em som, seria:

8 é
£ bs o
ÍS M H O
W ij § O R "
w @5 i-3 o m
I cn £ o S <
O ^ ^ i§ o § c
. o * e|
O çn r, n o çn h
co Q W h w Q M
Ui rn rn ^ w m
wu ao aS m oCQ wV unww
O Q O<Ç S O QW
g gas K g sS
ESTRUTURA ESTRUTURA PÓS- ^ ^ ESTRUTURA ^ESTRUTURA ^ ESTRUTURA ESTRUTURA
SEMÂNTICA ^ SEMÂNTICA IN- DE SUPERFÍCIE PONOIDGICA PONOIDGICA PONÊTICA
TEFMEDIÁRIA SUBJACENTE INIERMEDIÂ
RIA
FIGURA 6
94

Na explanação do quadro resultante, Chafe segue apresen­

tando vários argumentos em favor da Semântica, defendendo a sua

centralidade. Refere-se ao Estruturalismo, dizendo que "não se

pode chegar a uma compreensão adequada da língua quando há uma

restrição apenas aos dados fonéticos" (1979:61). E que, além

disto, ao preocupar-se essencialmente com o que era concreta-

mente observável, a lingüística estrutural evitou o "abstrato"

e, conseqüentemente, qualquer reconhecimento de "processos" na

língua.

Quanto ã posterior concepção sintaticista — a de Chomsky,

sobretudo — embora caracterizando-se por um desejo de expli­

car os dados fonéticos através de abstrações, também não reco­

nhece o processo de "simbolização". A Estrutura Profunda, da

maneira como a concebe a visão sintaticista, não é capaz, tam­

bém, de abarcar totalmente o significado, pela razão já expos­

ta: não ocorre uma direção única, nem direta, do significado ao

som.

Chafe prossegue, defendendo a Estrutura Semântica como o


lugar onde se determina a boa-formação dos enunciados lingüís­

ticos, e não na Estrutura Profunda nos moldes do Transformacio-

nalismo. Apresenta, para justificar tal posicionamento, quatro

argumentos:

19) o semanticismo tem mais mérito estético do que o sin-

taticismo, se é que este fator deve ser considerado: "certamen­

te as melhores teorias sobre qualquer assunto são teorias be­

las, e o cientista, não menos que o artista, é uma pessoa cuja

carreira se dedica à procura da beleza" (1979:66);

29) é mais fácil explicar o uso da língua com base no mo­

delo semanticista;
95

39) a teoria semanticista "é significativamente mais con­

soante com uma investigação que sabe por que a língua é como é"

(1979:67). (Refere-se âs características da comunicação animal

— abandonada pelo sintaticismo — que, no esquema semanticista

são consideradas como antecedentes das características da lín­

gua) ;

49) o aspecto criativo da língua reside na estrutura se­

mântica, e não na "incerta" e "intermediária" estrutura profun­

da, como o defende o sintaticismo.

Após essas considerações iniciais- sobre Estrutura Semânti­

ca, vejamos mais particularmente a posição do Verbo no modelo

de Chafe.

0 autor considera que é "o verbo que dita a presença e a

natureza do nome, e não vice-versa" (1979:97). A propósito,con­

vém reportarmo-nos a Fillmore 71 que, ao indicar as técnicas

para detectar casos, e entre elas, a da "contrastividade",parte

do nome, e não do verbo. Eis os exemplos por ele apresentados:

1 / am warm.
E

The room / is warm.


L
Summer / is warm.
T

This stone / is warm.


O

My jacket / is warm.
I

Vê-se que Fillmore identifica os casos pelos nomes, enquanto

que, para os mesmos exemplos, Chafe partiria do Verbo, como

o requer a Gramática de Casos. Sendo assim, pelo modelo de Cha­

fe teríamos duas diferenciações, apenas: E (Experienciador) pa­


96

ra a primeira frase, enquanto que todos os outros nomes ("the

room", "summer", "this stone", "my jacket") seriam analisados

em Oe (Objetivo — verbo de estado).

Em Chafe, então, o Verbo é central e o nome, periférico.

Em seu modelo não há, como em Chomsky 65, ou Fillmore 68, um

nódulo superior: "Parece não haver necessidade de um símbolo

independente O como ponto de partida para a geração de orações:

o verbo é o único ponto de partida de que precisamos" (1979:

98). Seu sistema de representação é algo como um móbile,

,------- , , que usaremos mais adiante durante o decorrer da ex-


* N
v
posição.

Já havíamos visto anteriormente que o modelo de Tesnière

(1950) também apresenta o verbo como central. A diferença, en­

tretanto, e de acordo com a citação de Chafe mais acima, é que

na Gramática de Casos, o verbo dita também a natureza do nome.

Pela teoria da valência, de Tesnière, o verbo dita apenas o

número de nomes que o cercam (o que está, aliás, de acordo com

uma teoria sintática). A Semântica Gerativa (Mc Cawley 1968),

embora proponhaS inicial superior, também apresenta os LN (no-

mes) seguindo o verbo, mas apenas o número de casos, não a sua

qualidade.

Em Chafe, a Estrutura Profunda é gerada de um V (verbo),

símbolo inicial, através de regras de formação semântica de

três tipos. Vamos abordá-las a partir de um exemplo:

(50) Maria / vendeu / um carro / para João.


A 0 B

Tal análise tem a seguinte representação:


açao contável contável

processo contável potente potente

benefactivo animado animado

carro humano humano

vender único feminino

único

Joao Maria

FIGURA 7

Há, então, as regras que desenvolvem V (verbo), pela adi-


t
ção de unidades semânticas. No exemplo acima, temos as unidades

SELECIONAIS (como ação), a unidade lexical (vender), e a unida­

de FLEXIONAI, (passado) . As regras que adicionam N (nomes) ao

V: um caso é adicionado para cada unidade selecionai (A = ação).

E, por último, as regras que desenvolvem N, pela adição de tra­


ços semânticos. Pelo exemplo apresentado, temos unidades SELE­

CIONAIS (como CONTÁVEL, por exemplo), unidade LEXICAL (João,

Maria) e unidades FLEXIONAIS.

Assim está composta a Estrutura Semântica; em seguida, vi­

rão as regras de transformação para a Estrutura Superficial,

como, por exemplo, a regra de deslocamento de Agente para Su­

jeito, ou de Objeto para Sujeito.

As regras de formação semântica apresentadas acima com­

portam, entretanto, um problema, que está ligado à questão de

"nível". Se ã Gramática de Casos opera com o nível RELACIONAL,


98

então a posição do Verbo está correta no móbile acima: seus tra­

ços são relacionais, ditando a presença e o tipo de nomes que o

acompanham. Agora, colocar os nomes nesse mesmo nível relacio­

nal, não nos parece correto, pois os traços do N são apenas

REFERENCIAIS. A subcategorização deve entrar somente num segun­

do nível, uma vez que as unidades do N são referenciais, e não

relacionais.

Quanto à ordenação dos casos da direita para a esquerda,

em que temos Verbo, Objeto, Sujeito (VOS):


---------------------------------------------------------------- j

ag
---------------- ?
beN
r " '
---- t
pac

já observamos anteriormente (no exame do modelo de Fillmore),que

não é uma ordem econômica. Embora não haja ordem, a rigor, para

formar o Sujeito, deve-se mover o elemento A p a r a frente, por

inversão do V-LN; regra desnecessária, no nosso entender.

0 ponto de partida V (e não um S ou 0 superior), acarreta

a dificuldade de inserir-se os elementos modais; por outro la­

do, porém, fortalece., a centralidade do Verbo, o que torna o

modelo coerente com uma gramática de base semântica. Outra van­

tagem do modelo ê a ausência de preposições que, como também

já vimos, não afetam o sentido.

2.2.2. Tipos de Verbos

Sendo o Verbo elemento central, vejamos como Chafe os es­

pecifica. Tomemos, para tanto, quatro dos vários exemplos que

utiliza para essa classificação:


99

(51)

a. A madeira está seca.

b. A madeira secou.

c. Miguel correu.

d. Miguel secou a madeira.

Em (51) a, o verbo é classificado como ESTADO, e o nome

que o acompanha está num certo estado e é seu PACIENTE:

1 ~ 1 [A madeira está seca.]


I pac
V
estado ^

Em (51)b, há um PROCESSO, em que o nome mudou de estado

ou condição. Como no ESTADO, o nome é também PACIENTE do verbo:

t
pac IA madeira secou]

N
processo

Convém reportarmo-nos aqui ao que havíamos dito anteriormen­

te sobre a classificação tradicional de verbos de mudança de

estado: não são estados, e sim PROCESSOS (e neles incluído o

verbo FICAR). A classificação dos verbos também em PROCESSO,foi

a mais forte razão de termos escolhido Chafe para este traba­

lho. Poderíamos ter ficado com Fillmore 68, que tem um bom mo­

delo de casos; mas não apresenta a classificação dos verbos em

PROCESSO. Cook (1976) poderia ser usado, mas como se baseia

fortemente em Chafe, preferimos utilizar este último.

Em (51) c, temos uma AÇÃO, e o verbo se faz acompanhar por

um agente. AÇÃO expressa uma atividade, alguma coisa que alguém

faz:
100

—t
ag [Miguel correu.]
V N

ação

Em (51) d, temos simultaneamente PROCESSO e AÇÃO: há uma

mudança na condição de um n o m e — paciente do processo — e,

ao mesmo tempo, uma AÇÃO (onde alguém faz algo ao paciente do

processo):

pac ág [Miguel secou a madeira.]


I (
V N N

processo

ação

Esses quatro tipos de verbos, como vimos, se fazem acom­

panhar de nomes pacientes ou agentes. Há, porém, a possibilida­

de de não ocorrer nenhum nome, como nas orações que Chafe deno­

mina de AMBIENTE:

(52)

a. É tarde.

b. Está chovendo.

Aqui, temos apenas predicações de 0 argumento. O verbo cobre o

ambiente total, e não apenas um objeto, ou objetos que estejam

nele. Nesses casos, o verbo é especificado como ESTADO (É tarde),

ou como AÇÃO (Está chovendo), sem indicar, no entanto, nenhum

agente:

V [Está quente.]

estado

ambiente
101 -
' li

V [Está chovendo.]

ação

ambiente

Os verbos de AMBIENTE — na classificação de Chafe — re­

cebem em Tesnière a denominação de AVALENTES, como já havíamos

memcionado: são os verbos sem actante, caso dos fenômenos me­

teorológicos, onde ocorre um drama, mas sem que se possa preci­

sar seus atores. A diferença é que Tesnière concebe tais ver­

bos como PROCESSO (não no mesmo sentido de Chafe, como vimos),

indicando ou ESTADO ("Está quente"), ou AÇÃO (como em francês:

"II fait chaud"). Apesar da aparente semelhança (ambos os clas­

sificam em estado ou ação), Chafe separa nitidamente tais ver­

bos da noção de PROCESSO.

Essas seriam as relações básicas entre um verbo e seu(s)no­

me (s). Porém, há a necessidade de detectá-los com o máximo pos­

sível de segurança: como diagnosticar um verbo de ação, por e-

xemplo? A questão da Agentividade tem sido bastante discutida

e há discordâncias não apenas quanto ao termo "Agentivo", mas

igualmente quanto a que verbos ou nomes devem assim ser consi­

derados ,

Em seu artigo SOME THOUGHTS ON AGENTIVITY (1973), Cruse

faz um apanhado de alguns autores que tratam do assunto, tais

como Fillmore, Gruber, Lyons, Chafe e Halliday.

Considerando as inadequações dos testes apresentados por

esses autores, Cruse vai propor, a adoção dos testes utilizados

por Chafe (1970) que, na verdade, são superiores aos demais.Ve­

jamos no que consistem tais testes, retornando ã nossa indaga­

ção inicial: como detectar as relações básicas de ação, proces­

so, estado e processo-ação que o verbo mantém com os seus no-


102

mes?

O exemplo de Chafe mais atrás, (51.a) A MADEIRA ESTÃ SECA,

como indicando ESTADO, pode ser detectado negativamente como

NÃO-ACONTECIMENTO, assim: O que aconteceu foi: — que a madeira

está seca. Como isto não é possível, temos um ESTADO. Veja-se

que o teste da pergunta para diagnosticar ACONTECIMENTO: "O que

aconteceu?" não pode ser aplicado aqui, pois teríamos a res­

posta inviável: — a madeira foi seca. (não se entenda "seca"co­

mo particípio passado). Chafe menciona ainda os testes apresen­

tados por Lakoff, em 1966 — e também usados por Fillmore —

isto é, um ESTADO não pode ocorrer na forma progressiva como:

"A madeira está sendo seca" (novamente não se trata de um par­

ticípio) . Embora mencione os testes usados por Lakoff, Chafe

não os adota, preferindo usar os seus próprios.

Já ao exemplo (51) b, "A madeira secou", podemos aplicar o

teste para detectar ACONTECIMENTO e teremos uma resposta satis­

fatória: O que aconteceu ã madeira? — A madeira secou. Como

vimos, temos então um PROCESSO, justamente detectável como um

acontecimento, porém não-agentivo.

Em (51) c, "Miguel correu", podemos detectar a AÇÃO pelo

teste: "O que é que Miguel fez?" — Miguel correu. Aqui não ca­

be "o que aconteceu a Miguel foi que ele correu". Trata-se,por­

tanto, de um acontecimento, desta vez, Agentivo.

Em (51) d, "Miguel secou a madeira" detectamos igualmente

a ação pela pergunta: "O que é que Miguel fez?" — secou a ma­

deira. E, na mesma frase, um processo: "O que aconteceu à ma­

deira?" — a madeira secou. Como já vimos, temos aqui uma AÇÃO-

PROCESSO.

Todas as predicações de ação (em Chafe) são consideradas


103

A=0
por Cook como ação — processo. Como conseqüência da obriga­

toriedade do O ("O Objeto é um caso obrigatório encontrado em

todos os verbos" (Cook, 1979:202).

2.2.3. Casos

Considerando assim, que as relações nome-verbo mencionadas

foram apenas as de Agente e Paciente e que, embora básicas, não

são as únicas, Chafe vai apresentar outras relações que podem,

conseqüentemente, exigir novas especializações de verbos. São

os outros "casos" que o verbo mantém com os seus nomes e que

veremos a seguir:

EXPERIENCIADOR -

Num exemplo como

(53) João soube a resposta.

não podemos dizer que "João" é Agente, ou Instigador de uma a-

ção (como o propunha Fillmore), pois ele não é alguém que faz

algo, e sim, alguém que "experimenta" alguma coisa. "João é al­

guém que estava mentalmente disposto a conhecer uma resposta —


é o "experienciador". No caso, o verbo SABER é um verbo de Ex­
periência, e é especificado como ESTADO: não responde ã pergun­

ta: "O que aconteceu?", e não pode ser usado na forma progressi­

va como "Tom estava sabendo a resposta. Quanto ao termo "res­

posta", é um nome-paciente, que especifica o objeto que é co­

nhecido.

Outro exemplo de verbo de Experiência é o verbo VER, como

mo exemplo:

(54) João viu uma serpente.

desta vez especificado como PROCESSO: "Que aconteceu a João?" —


104

viu uma serpente, perfeitamente mais cabível do que: "O que

fez João?".. A propósito, Gruber também considera o verbo VER

como não-agentivo. Já Lyons classifica o sujeito de SEE (ver)

como Agentivo, e Fillmore o coloca no Caso Dativo (pessoa afe­

tada pelo estado ou ação" — Fillmore 68). Na nossa opinião,

o teste para detectar processo se aplica perfeitamente ao exem­

plo citado, resolvendo então as controvérsias sobre o verbo

VER. Chafe argumenta ainda mais, em favor da classificação de

"João" como Experienciador, pela paráfrase: "Uma serpente se

tornou visível em relação à experiência de João" (1979:149).

Os verbos de Experiência podem ainda ser especificados co­

mo AÇÃO, mas somente no caso em que sejam causativamente deri­

vados de processos, como por exemplo:

(55) João mostrou a serpente a Pedro.

derivada do processo: "João viu uma serpente". No caso, temos

uma AÇÃO-PROCESSO.

Os verbos de Experiência podem, então, ser assim resumi­

dos:

a) ESTADO + [--- E, Oe], saber, gostar, querer.

b) PROCESSO + [--- E, O] , lembrar, sentir, ouvir.

c) AÇÃO-PROCESSO + [--- A, E, O], mostrar, olhar, ensinar.

BENEFICIÁRIO

(Transferência de propriedade, possessão).

Vimos que os verbos de Experiência são Estados e Proces­

so (Ação, somente em derivados de processos). Já os verbos Be-


nefactivos são estados, processos e ações-processos, como vere­

mos a seguir.
105

Chafe propõe o caso Beneficiário, ;por considerar que há

orações em que o nome — diferentemente do que ocorre com os

verbos de Experiência — não é o vivenciador de uma situação,

mas sim alguém que se beneficia do que é comunicado pela ora­


ção. Nas frases

(56)

a. João tem os bilhetes.

b. João tem um conversível.

c. João possui um conversível.

podemos ver que "João" não é um agente. Ós verbos benefactivos

são, neste caso, verbos de ESTADO. Os nomes-pacientes, como

"bilhetes" e "conversível", são possuídos de diferentes manei­

ras. Em (56) a. observa-se que bilhetes estão na posse transi­

tória de João, uma vez que se pode imaginar que assim ficam tan-

porariamente. Em (5 6 b, há posse não-transitõria, pois "con­

versíveis" normalmente ficam por mais tempo na posse de alguém.

E, em (56) c, "conversível" é propriedade privada de João. Cha­

fe salienta que, embora posse não-transitõria e propriedade pri­

vada apresentem diferenças pequenas, é preciso, porém, consi-


derã-las.

Os verbos benefactivos podem também ser PROCESSOS:

(57) João ganhou os bilhetes.

onde há um acontecimento, detectável pela pergunta: "0 que a-

conteceu a João?" — ganhou os bilhetes. João é, igualmente a-

qui, um beneficiário, neste caso, de um PROCESSO benefactivo.

Já na frase

(58) Maria comprou um carro para joão.

há uma ação, pois Maria fez algo. "João" é um benefactivo e


106

"carro" um nome-paciente. Temos também um processo. Tal frase

se classifica, então, como ação-processo.

Cabe aqui fazer algum confronto com o modelo de Fillmore

68. Tendo Chafe se baseado sobretudo neste modelo, podemos já,

entretanto, observar certas diferenças entre os dois.

Fillmore 68 colocava no Dativo sentenças como as apresen­

tadas por Chafe nos casos Experienciador e Beneficiário. O caso

Dativo, porém, da maneira como o apresentava Fillmore, não abar- „

cava as relações distintas de "experiência" e de "beneficiário".

0 Dativo indicava a pessoa (portanto, animado) afetada pelo

estado ou ação. Mas como o comprova Chafe, a pessoa pode ser

afetada de duas maneiras e, em ambas, o verbo não será de Ação.

Em 1971, Fillmore vai ter uma concepção de Experienciador

e Beneficiário mas em situações diferentes. Assim, apenas o E

(Experienciador) absorve o Dativo, enquanto qué o B (Beneficiá­

rio) vai ser considerado um caso "possível", absorvido por um

dos casos L. A melhora é apenas aparente, pois na verdade Fill­

more rejeita o caso Beneficiário (seria somente Modal), em fa­

vor da Locação. Neste modelo, assim ficaria analisada a mesma

frase apresentada mais acima..

A=M O Or
Maria / comprou / um carro / de João.

Veja-se que a ênfase é dada à Meta (que neste caso é o re­

ceptor da ação) e não a um caso Beneficiário.

Apesar das deficiências de um tal modelo "localista", há

a considerar a grande vantagem de relacionar, por exemplo (con­

forme já assinalamos quando da apresentação do modelo de Fill­

more 71) :
107

(59) João / comprou / um carro / dè Pedro.


A=M O Or

(60) Pedro / vendeu / um carro / para João.


A=Or O M

Nenhum modelo consegue fazer esta relação. Mesmo Cook vai

considerar "João" e "Pedro", apenas A (Agente).

Os verbos benefactivos, do modelo de Chafe, podem assim

ser apresentados (segundo notação de Fillmore):

a) ESTADO + [--- B, Oe] ter, possuir.

b) PROCESSO + [--- B, O] perder, ganhar.

c) AÇÃO-PROCESSO + [--- A, E, O] comprar, vender, dar.

INSTRUMENTO

Em 1968, Fillmore apresentou o Instrumental como o "Ins­

trumento ou causa da ação ou do estado". Não o considerava Agen­

te, apenas a força ou o objeto "casualmente envolvidos" (inani­

mados) . Já observamos que, no exemplo

(61) A chave / abriu / a porta.


I O

"A chave" expressa A, não havendo, então, necessidade de um ca­

so I.

Chafe vai chegar a uma melhor conclusão a respeito do caso

Instrumental. Vejamos:

Em

(62) João abriu a porta com uma chave.

"Com uma chave" não é a força motivadora, a causa, ou o insti­

gador, embora desempenhe um papel no processo. É somente "sub­

sidiário para o agente — algo que o agente usa" (1979:157).Cha-


108

fe vai considerá-lo, porém, por ser vima relação possível de um

nome com o verbo, mas sem atribuir-lhe demasiada importância,

isto é, considerando-o apenas èlemento opcional. Depreende-se

daí a concepção de Modalidade, em Chafe. Se o I (e também ou­

tros casos, como veremos) é facultativo, isto significa o mesmo

que "modal", embora o autor não o explicite.

Mesmo sendo Modal, o I é uma relação nome-verbo. Ê preciso

ver, então, como são especificados os verbos em que tal caso

ocorre. Na frase imediatamente acima (62), "João" é o Agente

real; "com uma chave" é o instrumento usado para Mudar a condi­

ção da porta (de fechada para aberta). No caso, o verbo expres­

sa uma ação-processo. Veja-se que o Instrumento é "enfraqueci­

do", no modelo de Chafe, justamente por ser um caso que não tem

traço relacional contido no verbo.

Já em

A chave abriu a porta. (Conforme (61) mais acima).

"A chave" é tão-somente um Agente, da mesma maneira que

"João", no exemplo anterior. Não há necessidade de compreen­

der-se um Instrumento presente nela.

COMPLEMENTO

Em uma frase como:

(62) Maria cantou uma canção.

podemos observar que "uma canção" não é um paciente, mas antes,

algo que "completa ou especifica mais estreitamente o significa­

do do verbo" (1979:162). No exemplo, o verbo "cantar" descreve

uma ação, complementada por um nome que especifica o que é cria­

do. Este nome é facultativo pois, por sua própria natureza, a

ação de cantar implica um conceito nominal. Seria, então, outro


109

exemplo de caso Modal (embora implícito) aludido acima.

Já em

(63) João pesa 80 kg.

onde temos um ESTADO, 80 kg deve complementar obrigatoriamente

o verbo (não poderíamos ter, por exemplo: "João pesa".)

Há também certos verbos de AÇÃO, como FAZER, que requerem

complementos:

(64) Ele fez uma mesa.

Um verbo de 'AÇÃO, completável facultativamente, possui uma raiz

verbal que implica e determina a raiz do seu nome-complemento

(como CANTAR implica uma CANÇÃO). Isto não acontece, porém, em

orações como acima, em que "uma mesa" deve completar obrigato­

riamente o verbo.

Vemos, então, que a proposta de Complemento feita por Cha-

fe, exigiria — como ele mesmo o admite — um grande número de

regras. A sua intenção, parece-nos, foi substituir o Factiti-

vo (Objeto criado, do modelo de Fillmore 68). Este distinguia,

por exemplo:
A F
(65) João / escreveu / um poema.

A O
(66) João / encerou / a mesa.

o objetivo criado ("effectum") do objeto afetado ("affectum").

"Um poema" seria Factitivo — objeto ou ser resultante da ação;

"a mesa", Objeto — não-animados, afetados pela ação ou estado.

Mas, observando que ambas as análises (o Complemento, de

Chafe, e a Factitivo, de Fillmore) apresentam problemas, Cook

vai propor a análise em Objeto, também para frases como:


Oe Oe
(67) João / pesa / 80 kg.
110

(68) A mesa / mede / 3 mts.

Oe Oe
(69) O livro / custa / 20,00.

em que "80 kg", "3 mts", e "20,00", estão em relação de equiva­

lência a "João", "livro", "mesa". Parece-nos bem mais apropria­

da a análise de Cook, isto é, ambos os casos como O para as

frases apresentadas. Para Cook, "parece ser um complemento ver­

bal superficial e poderia ser facilmente classificado na EP co­

mo outro exemplo do caso paciente" (1976:46).

LOCAÇÃO (Lugar)

A relação de lugar que um nome mantém com o seu verbo, é

exemplificada porChafe pelas frases:

(70) A faca está na caixa.

(71) João caiu da cadeira.

(72) João sentóu-se na cadeira.

A primeira frase (7 0) contém verbo de ESTADO (não-aconteci-

mento) locativo, pois se acompanha de um nome que mantém com

ele a relação de lugar — "na caixa".

No segundo exemplo (71) temos um PROCESSO locativo: "Que

aconteceu a João?" — caiu da cadeira; em que "da cadeira" é

um nome de lugar.

Por último (72), temos uma AÇÃO: "Que fez João?" — sen­

tou-se na cadeira. Novamente "na cadeira" é o lugar, ditado


pelo verbo de ação locativo "sentar-se em".

Mas há também orações, como:

(73) João atirou a faca dentro da caixa.


1 d) c
C iS H >
d) 4-> 4-J o n
3 (0 x : to
tJ< 5-1 54 54 O 4-1
d) <U -H X 10
54 10 to d) 54 d) O
(0 M-l (0
+J - 1 4-1 - C
tO d) d) tá (0 0 tá
ll+ lfl d) T3 >
complementos

5-1 54
U 5-i tá (0 54
tá -P X CJ -P tá
to to C tn 54 X
ü (D 0 ^ tá O d)
o a o <C O *i—>i—i

d) 1
E to 54 03
d) d) 1 H3 54 d)
locação

T3 54 -n (0 54 E
^ U (0 d) ‘ O (d d)
tá J 5-1 1-3 4-> 4J o o w n -
-4-1 •H C co H C 54 54
ü tO v fO E *■ 0) £ tá - O tá (0 (0
O d) O O d) < tO d) 54 < U H - 01
beneficiários

5-1
54 -H O u
•rH 5-) 54 H m 54
u d d) tá M -H * 54 d)
O to C O Í (!) d m PQ CUTl
5h to H flí! t? X E C 54
- d) 0 - d) «3 O t! W. •» O d) tá
m +j a CQ ÇU tP tá tá < < ü > '0
experimentos

O 54 54 H
5-1 H 5-1 ctí f0 fd
Ü d) 54 tá -H 5-1 -.n c n
O M d l+ J O -P -H W W -P -H Si
0
) í ffl C > U X to to E
•» d tá o - <ü d d) - 0 C d)
H D1 « t r W to 0 > < < Ê d )H

0 1 1 -H t 4 *r4 -H 4-1
U 11 Dl O •H *H > > > > >
d) d <U -P > - > -P -P
CO tF 54 u u > H >
(0
básicos

- o «- tá (0 5-i 54 54
MHOE 54 54 - 5 4 » d ) d) (ti 54 54 54 54
tá táno fd XI H X! 54 H 54 4-> tá O XI tá

4-> 4-> tá 54 O d) ‘W d) -P M 54 54 C H O
d) 4J
U UI 10 M Id OJ 3 O 3 C o o -H (0 d - d tá
d)
O d) d) ^3 -P O !0 t? Cí-H E < O 54 U& < 10 0* E

o 0 O
r-' to CO
O CO tfl
i—i T5 0) 1 d)
tá o 0 o o
-P o ttá itá o
w CO 54 O O- 54
Pu d) Oi (0 •tá CU
< • t • .
ffi
u rH <N m rr
111

em que temos um paciente "a faca", um agente "João" e um lugar

"caixa". Tais frases são classificadas como ações-processos lo-

cativos.

Os verbos locativos podem, então, ser assim esquematizados:

a) ESTADO + [- • Oe, L] estar em

b) PROCESSO + [— O, L] cair de (algum lugar)

c) AÇÃO + [--- A, L] sentar-se em

d) AÇÃO-PROCESSO + [--- A, 0, L] atirar em (algum lugar)

Para concluir o item 2.2.3, podemos apresentar a matriz

elaborada por Cook, esquematizando o sistema casual de Chafe

1970:

CHAFE (1970)

básicos experimentos beneficiários locação complementos amb.

1. estado Oe E, 0Ê- B, Oe Oe, L oei' c estar quen­


estar seco querêr ter estar em pesar te, ser tar
estar que­ saber possuir custar de, ser ter
brado, es­ gostar ça-feira
tar morto

2. processo 0 E, 0 B, 0 0, L
secar, vi sentir perder cair de,
quebrar, ouvir ganhar em X X
refl. ver achar
quebrar adquirir
intr.
morrer,vi

3. ação A A, E A, B A, L A, C estar choven


correr vi sentar-se cantar do, estar n£
rir vi em jogar vando
X X
cantar vi rastejar ler
pular vi

4. ação- A, O A, E, O A, B, O A, O, L
processo secar vt mostrar comprar colocar
quebrar vt ensinar vender lançar
matar vt lembrar dar (arremes­
sar)
112

2.2.4. Relação entre Verbos

Para a relação entre verbos, Chafe propõe regras deriva-

cionais, por um sistema bi-direcional. Assim:

Exemplificando:

estado + incoativo = processo: SECO/SECAR, vi

processo + resultativo = estado: QUEBRAR, vi / QUEBRADO

processo + causativo = ação: QUEBRAR, vi / QUEBRAR, vt

ação-processo + decausativo = processo: CORTAR, vt/cortar, vi

As regras, então, são as seguintes:

1) Dadas duas formas de estado / não-estado relacionadas, a for­

ma intrínseca ou básica é a morfologicamente mais simples:

quebrado / quebrar, vi (mais simples)

seco (mais simples) / secar

2) Dadas duas formas adjetivas, sendo uma um adjetivo e outra

um particípio passado, o adjetivo é a forma básica:

quente / esquentado.

3) Duas formas que sejam processo / ação, o processo será bási­

co quando se tratar de um intransitivo puro, verdadeiro:

secar, vi / secar, vt

4) Dadas duas formas processo/ação, a ação será básica quando

o processo for pseudo-intransitivo (ocorre com um advérbio

de modo: "A faca corta bem"):

cortar vi / cortar, vt

Pode-se ver que o sistema de derivação proposto por Chafe,


113

considera a relação entre verbos, morfológica e sintática,quan­

do ela deve ser considerada uma relação semântica.

2.3. Considerações Gerais (Gramática de Casos)

Apesar de haver diversidade de propostas entre os segui­

dores da Gramática de Casos (Fillmore, Chafe, Gruber, Cook, An-

derson, por exemplo), há muitas características em comum nes­

sas gramáticas.

Na 11SeriEncontros" (1987, ano II, n9 1), Maurício Brito

de Carvalho (da UFES), arrola algumas dessas características

comuns âs principais propostas das gramáticas de casos. Dentre

elas, apresentaremos três:

a) "Uma forma mais fácil de explicar o uso da linguagem,

baseando-se num modelo semântico;

b) centralidade do predicado, com certos argumentos depen­

dentes dele, cada argumento ocupando determinada função de caso


profundo (como um universal da linguagem).

c) um número bem limitado de relações de caso profundo que

podem ser propostos por uma teoria (usualmente, não menos de

quatro e não mais de dez)".

A respeito do item (c), podemos fazer, como o autor (Mau­

rício Brito de Carvalho), um levantamento de casos propostos por

diferentes analistas. Limitar-no-emos, porém, a Fillmore (1968),

Fillmore (1971) e Chafe (197 0), modelos apresentados por nós

neste capítulo:
114

FILLMORE 1968 FILLMORE 1971 CHAFE 1970

1. Agentivo 1. Agente 1. Agente


2 . Instrumental 2. Instrumento 2. Instrumento

3. Dativo 3. Experienciador 3. Experienci ador


4. Factitivo 4. Locativo 4. Beneficiário

5. Locativo 5. Objetivo 5. Complemento

6. Objetivo 6. Origem 6. Locativo

7 . (Benefactivo) 7 . Alvo 7. Paciente

8. (Tempo) 8. (Benefactivo)

9. (Comitativo) 9. (Tempo)

10. (Iterativo)

Os casos entre parênteses representam casos modais, isto

é, aqueles que não são necessariamente exigidos pelos verbos

(diferentemente dos casos proposicionais, constituintes da pro­

posição) .

Outras considerações a respeito dos casos inventariados a-

cima podem ser feitas, por serem de interesse para a nossa aná­

lise da polissemia de FICAR, que faremos no próximo capítulo.

Vê-se que apenas Fillmore 68 considera um caso Comitati-


vo (acompanhamento). Aliás, dos 9 (nove) modelos apresentados

por Maurício de Carvalho, Fillmore 1968 é o único a mencionar

este caso; mesmo assim, modal.

Utilizando o modelo de Chafe (197 0), sentimos falta do ca­

so Comitativo, ao analisarmos a seguinte frase com FICAR:

(74) João ficou com Maria,

em que "com Maria", além de Comitativo é caso proposicional.

Outra lacuna sentida no modelo de Chafe (197 0) refere-

se ao caso Tempo (modal em Fillmore 1968 e 1971):


115

(75) Este assunto fica para amanhã.

A frase (75) apresenta, segundo a nossa compreensão, um

caso Tempo, exigido pelo verbo.

Apesar disso, o modelo de Chafe (1970) mostrou-se bastante

consistente, e capaz de resolver a maior parte da análise.

à parte essas considerações (a diversidade de propostas

entre os analistas), a Gramática de Casos se nos apresentou co­

mo um modelo extremamente capaz de resolver problemas semânti­

cos e, em especial, o problema semântico da polissemia verbal.


CAPÍTULO III

POLISSEMIA DO VERBO FICAR - TEORIA E PRÁTICA

Não podemos abordar a questão da POLISSEMIA (segundo LEECH

"a mesma forma tendo mais de um significado" (1981:44) sem an­

tes tratarmos das diversas noções que o. assunto envolve. Desta

forma, passaremos a rever brevemente a questão do Signo Lin­

güístico e algumas teorias que se ocupam mais especificamente do

Significado, dentro da área que se denomina Semântica. Tais

teorias, são justamente aquelas que, de uma forma ou de outra,

nos forneceram subsídios para a análise da polissemia do verbo

FICAR.

Mas a base, sem dúvida, ê a Gramática de Casos e, dentro

dessa perspectiva, o modelo de Chafe*Como o nível sintático po­

de integrar-se â semântica, utilizamos também a análise baseada

na sintaxe-gerativa.

3.1. A Semântica e o Signo Lingüístico

Em 1897, Bréal usou pela primeira vez a palavra Semântica,

com o objetivo de denominar o estudo da alteração da significa-


117

ção das palavras. Era, portanto, essencialmente diacrônica e

também chamada Semântica Histórica. Somente a partir de Saussu-

re temos o que caracteriza a semântica moderna: o estudo sin-

crônico do Significado. De fato, foi a partir da sistematização

do signo, que os estudos lingüísticos começaram a empreender

esforços com vistas a formalizar também o estudo do Significado.

Mas os estruturalistas, sobretudo os seguidores de Bloomfield,

negaram tal possibilidade. Nas décadas de 50 e 60, poucos acre­

ditavam no valor científico da palavra, se vista como unidade

semântica. Alguns poucos tentaram reagir, como Ullmann: "A pre­

cisão científica teria um preço alto demais se isso significas­

se a marginalização da face semântica da linguagem" (Biderman,

1978:114).

A gramática gerativo-transformacional deu primazia à sin­

taxe. Como vimos no capítulo I, Chomsky (1957) tentou deixar de

lado uma teoria semântica da estrutura gramatical. Embora in­

cluísse o léxico na gramática (para caracterizar toda a compe­

tência lingüística do falante-ouvinte), pouca atenção foi dada

ao significado das palavras e das frases. Para uma Gramática

como a de Chomsky, apoiada na Lógica Matemática, é importante

que a frase seja gramatical, do ponto de vista sintático.

Mas foi justamente essa gramática — com a valorização da

estrutura subjacente — que chamou a atenção para os estudos

semânticos. Como a estrutura sintática profunda fosse a encar­

regada de receber a interpretação semântica, Katz e Fodor(1963)

e Katz e Postal (1964) tomaram posição contrária e novas solu­

ções foram apresentadas, em seguida, também pelos semânticos

gerativistas. Os seguidores de tal corrente concebem uma estru­

tura semântica profunda, muito mais distanciada da estrutura

de superfície. A partir daí, os estudos semânticos começaram a


118

tomar maior vigor, e hoje jã podemos mesmo afirmar, concordando

com LEECH (1981:59), que a Semântica é uma ciência.

Deve-se tal conquista, como já vimos, ã concepção de Sig­

no, por Ferdinand de Saussure. No seu "Cours" (1916), aparece

pela primeira vez a noção de Signo Lingüístico (até então en­

globado nos conceitos de símbolo, índice, ou sinal). Para o

mestre genebrino, o signo une, indissoluvelmente, um signifi-

cante (imagem acústica) com um significado (conceito). Sendo

os signos essencialmente p s í q u i c o s a imagem acústica não é um

som material, mas a impressão psíquica do som. Quanto ao signi­

ficado, também psíquico, Saussure o define como sinônimo de

Conceito.

Uma das características do Signo, ou melhor, do laço que

une o significante ao significado, é o fato de ser arbitrário.

No entanto, o próprio mestre ressalta que o Significado não de­

pende da livre escolha do que fala: o indivíduo não tem o di­

reito de "trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele es­

tabelecido num grupo lingüístico" (1916:83). Assim, a relação

se torna necessariamente arbitrária entre o signo lingüístico

(Significante/Significado) e a realidade extra-lingüística, mas

dentro do sistema ao qual pertence passa a ser motivado.

A partir de Saussure, vários estudos têm sido empreendi­

dos, quer modificando, quer ampliando a concepção diãdica (Sig-

nificante + significado) do signo. Ogden e Richards (1929) in­

cluíram, no seu triângulo, o referente:

pensamento, SIGNIFICADO, referência

símbolo,SIGNIFICANTE J _____ \ objeto, coisa, REFERENTE

FIGURA 1
■EY-in-t-o» rn árH ç; Knalc Rphfe? 1d t . 1Qfifi;fi2)
119

Tal ampliação, porém, não dá conta ainda de precisar o signo

lingüístico, uma vez que não pode explicar a polissemia (vários

significados para apenas um significante).

Sendo que não há correspondência bi-unívoca entre o signi­

ficante e o significado, o Signo Lingüístico continua a ofere­

cer dificuldades. Talvez a proposição do trapézio, por Heger,

possa melhor mostrar a polissemia lingüística:

SIGNIFICADO SEMEMA CONCEITO

FIGURA 2

A propósito, diz-nos Gládis: "Esse modelo possui várias vanta­

gens: podemos, por meio dele, perceber melhor a relação que une

significado e significante, bem como a polissemia lingüística

com a depreensão dos traços mínimos do significado, os semas,

que irão constituir os sememas" (id.:63).

3.1.1. Teorias do Significado

Georges Mounin (1968) apresenta-nos, resumidamente, três

tipos de abordagens do Significado: uma teoria lógica, uma teo­

ria contextual e outra, situacional.

Hjelmslev deu o primeiro impulso no sentido de precisar o


que hoje se denomina "traços semanticamente pertinentes" — Se­

gundo ele, uma unidade "carro", por exemplo, é semanticamente


120

decomponível em unidades de significação menores: "veículo +

tração por motor + quatro rodas + para o transporte de pes­

soas", traços comutáveis entre si separadamente. A análise com-

ponencial valeu-se, em suas linhas básicas, desse princípio.

Uma teoria contextuai do Significado é defendida sobretudo

por Meillet: "o sentido de uma palavra só se deixa definir por

uma média entre, por um lado, o uso lingüístico, e, por outro

lado, os indivíduos e os grupos de uma mesma sociedade"(Mounin,

1968:136). Também para-Hjelmslev, a Significação, alêm-de de­

correr do contexto, só existe com relação a ele: "Considerado

isoladamente, signo algum tem significação. Toda significação

de signo nasce de um contexto, quer entendamos por isso um con­

texto de situação ou um contexto explícito, o que vem a dar no

mesmo" (Biderman, 197 8:145).

Réhfeldt (1980) resume muito bem a importância do contexto

para o estudo da polissemia. Baseia-se em Palmer (197 6) para

afirmar: "quando se é indagado sobre o significado de certa pa­

lavra (polissêmica) ou de certa frase (ambígua), a primeira rea­

ção que se tem é a de perguntar onde a palavra foi ouvida" (1980:

72) .

Bloomfield propõe uma teoria do significado baseada na

análise do comportamento (behaviorismo). Segundo ele, a signi­

ficação de uma unidade é "a situação na qual o locutor a enun­

cia e a resposta (comportamental, incluindo o comportamento lin­

güístico) que provoca da parte do ouvinte". Por muito tempo con­

siderado fator extralingüístico, a "situação" é importante a

considerar, principalmente em análise de texto, pois ela "exer­

ce direta influência na sua organização lingüística" (Madre O-

lívia e..., Sintaxe-Semãntica, base para Gramática de Texto,

1985 :42) .
121

Assim conclui Mounin (1968) a apresentação das três teo­

rias: "A investigação, actualmente, em vez de considerar estes

três processos como concorrentes, exclusivos uns dos outros,

admite antes a hipótese de que são convergentes e que o signi­

ficado mínimo é ou pode ser uma estrutura constituída por tra­

ços pertinentes situacionais, por traços pertinentes contextu­

ais e por traços pertinentes lógicos ou lingüísticos, propria­

mente ditos" (id.:138).

3.2. Polissemia

Decompondo a palavra POLISSEMIA, encontra-se em seu inte­

rior o radical grego SEMA que, de forma geral, equivale a sig­

nificado. Sendo POLY (grego) o equivalente a vários, parece não

haver problemas quanto ã definição de POLISSEMIA: palavra que

comporta vários significados.

Revisando as gramáticas normativas consultadas e apresen­

tadas no capítulo 1, constatamos que apenas Bechara e Rocha Li­

ma referem-se ao assunto:

"Polissemia — é o fato de ter um vocábulo mais de uma

significação" (Bechara, 1985:344).

"No âmbito puro da denotação, é preciso levar em conta a

POLISSEMIA — vale dizer a multiplicidade de sentidos imanente

em toda palavra" (Rocha Lima, 1985:449). Com esta definição,Ro­

cha Lima demonstra estar de acordo com muitos lingüistas, para

quem "a pluralidade de sentidos, longe de ser um fato excepcio­

nal, se encontraria em muitos signos" (Christian Baylon e Paul

Fabre, 1978:161).

Mas o tratamento dado ã questão, nas gramáticas normati-


122

vas, é breve e superficial, limitando-se os autores ã definição

e alguns poucos exemplos.

Dentre as gramáticas de cunho estruturalista, apenas Mat-

toso Camara: "Propriedade da significação lingüística de abar­

car toda uma gama de significações, que se definem e precisam

dentro de um contexto" (Dicionário, 1985:194), pois Macambira

não se refere ao assunto, talvez coerente com a sua posição de

ignorar o sentido e tratar apenas da estrutura morfo-sintãtica

da língua portuguesa.

No Dicionário de Lingüística (Dubois, e outros) encontra­

mos: "Chama-se polissemia ã propriedade do signo lingüístico

que possui várias significações" (1973:471).

Mas, é em LEECH (1981:94) que vamos encontrar a definição

mais apropriada, segundo o nosso entender: "a mesma forma tendo

mais de um significado". Mais apropriada porque, usando o termo

"forma", LEECH simplifica e evita problemas que podem suscitar

termos como vocábulo ou signo lingüístico, presentes nas outras

definições.

Se não há, como acabamos de ver, divergências quanto a de­

finição de polissemia, há, porém, duas controvérsias sobre o

assunto, que merecem ser apontadas.

A primeira, refere-se ao caráter polissêmico do vocabulá­

rio. Alguns lingüistas (seguindo a mesma posição de Leibniz),

consideram que a polissemia seja uma lacuna, uma limitação ao

pensamento científico. Outros, como Bréal, acreditam que o en­

riquecimento polissêmico das unidades lexicais está vincula­

do ao desenvolvimento de uma sociedade. De nossa parte, concor­

damos com Madre Olívia (Sintaxe-Semântica, 1985:29), para quem

a polissemia não é uma deficiência, mas sim, um traço natural


123

do idioma, que manifesta uma habilidade humana.

A outra controvérsia gira em torno da oposição entre po-

lissemia e homonímia.

Sendo que polissemia é a mesma forma com mais de um signi­

ficado, a homonímia é definida como dois ou mais signos com

significantes idênticos, mas com vários significados. Assim(sob

o ponto de vista da lexicografia), uma palavra polissêmica tem

apenas uma entrada no dicionário, enquanto que duas homônimas

teriam duas entradas. Exemplo: CABO, "acidente geográfico" —

CABO, "posto militar" (Dicionário Dubois, 1973:326).

Em "La Sémantique" (Christian Baylon et Paul Fabre, 1978:

162), citam o exemplo da forma, LOUER (francês), que pode sig­

nificar "ALUGAR" ou "ELOGIAR". Sendo homógrafos (mesma grafia,

LOUER e LOUER), os autores se perguntam se é preciso ver, no

caso, duas acepções de uma mesma palavra (polissemia) ou duas

palavras LOUER de mesma forma.

A justificativa que se encontra para a distinção entre

polissemia e homonímia, parece fundamentar-se na etimologia (his­

tória da palavra): a homonímia seria confirmada, diacronicamen-

te, com base na etimologia distinta, enquanto que as palavras

polissêmicas seriam constituídas do mesmo étimo. Mas o critério

etimológico nem sempre é satisfatório, devido principalmente,

ã falta de documentação histórica.

Além de apontar esse critério, e também considerá-lo ino­

perante em muitos casos, Mattoso Camara propõe a distribuição

das formas: CABO (acidente geográfico) e CABO (posto militar)

é forma polissêmica, pois além de serem substantivos, distri­

buem-se na frase da mesma maneira, isto é, como sujeito ou como

objeto. Já CANTO (substantivo) e CANTO (forma verbal) têm dis­


124

tribuição sintática diferente — seriam, então, homônimos (Reh-

feldt, 1982 :80). A solução parece válida se considerarmos a ques­

tão apenas sob o ponto de vista sintático, mas não esclarece

problemas semânticos.

Christian Baylon e Paul Fabre (1978) apontam outro crité­

rio para distinguir polissemia e homonímia, baseado no aspecto

semântico. Por exemplo: FRUTO (organismo vegetal) pode derivar

FRUTEIRA; FRUTO (produto, resultado)deriva INFRUTÍFERO/ como

apresentam derivados diferentes, são homônimos; por outro lado,

os diversos sentidos de uma unidade polissêmica, apresentariam

um denominador semântico comum, e seus sinônimos seriam então,

parecidos uns com os outros.

Concluindo a discussão que acabamos de apresentar, deve­

mos dizer que ela não é relevante sob a ótica gerativa. Sob

este ângulo, basta constatar que uma forma possui vários senti­

dos. Parece-nos que ela seja de alguma importância ao nível do

tratamento das unidades lexicais, para decidir-se sobre as en­

tradas do dicionário.

Assim, considerando que o nosso objetivo é analisar as di­

versas ocorrências e diversos sentidos do verbo FICAR, não

vamos nos preocupar com a distinção polissemia x homonímia: o

verbo em estudo possui vários sentidos e será considerado por

nós uma forma polissêmica.

3.2.1. Polissemia Verbal

Depois de Chomsky, muitos lingüistas, tais como Katz e

Fodor, Jackendoff, Bierwich,Weinreich e Stockwell, além dos

semânticos gerativistas, têm procurado soluções para a questão


125

da entrada lexical. A leitura de tais propostas nos deu maiores

esclarecimentos sobre o assunto, mas considerando que a nossa

opção é a de trabalhar sob a luz da Gramática de Casos (Semânti­

ca) , concomitantemente com a Sintaxe (Chomsky), e que esta é

também a sugestão de Stockwell, trataremos de apresentar ape­

nas, e brevemente, tais posições.

Já vimos no Capítulo 1, que em Chomsky (1965), o componen­

te sintático consta de uma base e de um subcomponente transfor-

macional, sendo que a base consta de um subcomponente catego-

rial e de um léxico. Gerando estruturas terminais, as regras de

base são formadas de elementos gramaticais e de símbolos com­

plexos (A) que serão substituídos por itens léxicos através da

inserção léxica. Revisando Mário Perini: "Um item léxico é um

conjunto de traços que' dão informações sobre: (a) a pronúncia

do item; (b) seu comportamento sintático; e (c) suas caracte­

rísticas semânticas" (1979:166).

Não há necessidade de expormos novamente aqui a teoria-pa-

drão (Chomsky, 1965). Apenas consideramos oportuno resumir as

restrições para a entrada lexical do verbo.

Chomsky define o verbo em termos de seus traços e seus com­

plementos, considerando que sua inserção está restrita a regras

de subcategorização estrita e regras de seleção. Assim, por

exemplo, (João viu Maria e João matou Maria) os verbos VER e

MATAR, teriam as seguintes regras para sua entrada:

1? regra: V -*■ [+ V, + --- SN] (subcategorização)

2? regra: V ■* [+ V, + --- SN] -*■ [+SN --- SN] (seleçãò)


+ hum + hum

Vemos que as regras dão conta perfeitamente de problemas

sintáticos, como a exigência de um SN 2 na função de Objeto —


126

indicando que o verbo é transitivo — além do SN^ em função de

sujeito da oração. Os traços seletivos [+ humano] também dão

conta de especificar o tipo de SN exigido.

Tais regras, porém, não alcançam demonstrar a RELAÇÃO se­

mântica entre o verbo e seus nomes, que distingue "João viu Ma­

ria" e "João matou Maria". No caso de VER, "João" é Experien-

ciador de uma sensação (visão), e em MATAR, "João" é Agente —

realiza uma ação. O objeto (semântico) "Maria", é paciente dè

uma experiência, no caso de VER, e de uma ação, no caso de MA­

TAR.

Vimos, no capítulo 1, que também a Gramática Tradicional,

negligenciava essas relações. E aqui, revisando Chomsky, cons­

tatamos igualmente essa lacuna. É assim que Fillmore vai pro­

por uma forma de demonstrar as relações entre o verbo e seus no­

mes, através da Gramática de Casos (exposta no capítulo 2). Ve­

jamos :

E 0
João viu Maria. ver + [--- E, 0]

A 0
João matou Maria. matar + [--- A, 0]

É Stockwell (1973) quem nos dá a idéia de um método de

análise que integre as duas teorias resumidas acima. Baseando-

se nas linhas do Stanford University Computational Linguistics

Project (Friedman e Bredt, 1968), propõe a forma para a entrada

lexical. Mas antes, deve-se dizer que a sua Gramática une as

duas hipóteses sobre a natureza da estrutura profunda: a) a hi­

pótese lexicalista (Chomsky, 1968)e,b) a hipótese do Caso Pro­

fundo (Fillmore, 1967a).

Adotando o LÉXICO, do componente de BASE, Stockwell deixa


127

fixo o componente categorial, pois considera que a saída A des­

te último marca a posição, apenas, das categorias lexicais e

dos formativos gramaticais. Para o LÉXICO, incorpora também um

componente do Sistema de Friedman, onde os verbos são inseridos

antes dos nomes. Cada palavra do vocabulário tem associado con­

sigo um símbolo complexo, contendo 4 tipos de componentes: 1)

em componente categorial (Nome ou Verbo); 2) um componente con­

textual (representado por CASOS); 3) traços inerentes [+ anima­

do; + humano, etc.]; 4) componente de regras (referem-se a

transformações que podem se aplicar ao item lexical).

Quanto ao item lexical passível de ocupar a posição de

predicado na estrutura profunda, deve-se especificar os Casos

que aceita e/ou exige e as preposições que deverão ser inseri­

das para introduzir cada caso na estrutura superficial. "Além

disso, conterá uma matriz morfo-fonolõgica, uma matriz sintáti­

ca (categoria a que pertence e contextos superficiais em que po­

de ocorrer e, por fim, a especificação semântica" (Liney de Mel­

lo Gonçalves, 1983:32). Voltaremos a Stockwell no item seguin­

te .

3.2.2. Polissemiã do Verbo FICAR

A breve passagem a algumas teorias ou noções relativas ao

Significado e também ã questão da entrada lexical em teoria ge-

rativa, fortaleceram a nossa intenção de trabalhar integrando

Semântica e Sintaxe. Acreditamos que ambas se acham em estrei­

ta colaboração, e nesse ponto concordamos com Weinreich: "a Sin­

taxe e a Semântica, essas duas partes do processo lingüístico,

se produzem simultaneamente" (Madre Olivia, 1979:71) ou com Todo-

rov: "... nenhuma teoria da sintaxe será satisfatória se não


128

combinar harmoniosamente com a semântica" (id.:73).

Ao lado da grande base, que é, sem dúvida, a Gramática de

Casos, em muito nos auxiliaram a elucidar a questão da polis-

semia, as teorias que se ocupam dos traços semânticos (análise

componencial); as que insistem no contexto e/ou situação; as

teorias gerativas (Chomsky, principalmente).

0 fato de introduzirmos também a sintaxe na nossa análi­

se, não está incoerente com o que dissemos no capitulo 1 a res­

peito da Gramática Tradicional: o seu maior problema é misturar

Sintaxe e Semântica. É que, como também já afirmamos, a Gramáti­

ca Tradicional tem os mesmos moldes da Gramática Clássica, que

não estudava o fenômeno lingüístico em si mesmo, mas a língua

do ponto de vista lógico.

Assim, chegamos a um método de análise, da Polissemia de

FICAR, unindo Sintaxe e Gramática de Casos, baseado na propos­

ta de Stockwell.

Em relação a verbos polissêmicos, podemos dizer que, de

acordo com a Gramática de Casos, quando um verbo apresenta um

esquema casual diferente, ele é polissêmico. Assim sendo, o ver­

bo FICAR, na acepção de TORNAR-SE,segundo nossa pesquisa, tem

os seguintes esquemas casuais:

Por apresentarem esquemas casuais diferentes, estes verbos

são polissêmicos, porquanto a "idéia" de TORNAR-SE (que expres­

sa mudança de estado) ocorre em diferentes campos semânticos:


12 9

básico, experimentativo, benefactivo.

Quanto ã entrada lexical, utilizaremos as seguintes espe­

cificações: 1) +V, para indicar a categoria gramatical; 2) SN^,

na função de Sujeito, acompanhado ou não de um SN2 na função

de Objeto, ou de uma LP (locução prepositiva acompanhada da

respectiva preposição) — para a descrição sintática; 3) Casos,

para indicar as relações semânticas exigidas pelo verbo; 4) o

item lexical (ou unidade lexical, segundo Chafe), que vai indi­

car a escolha do falante por aquele item específico a nível le­

xical.

Quanto às diversas ocorrências do verbo FICAR, fomos bus­

cá-las no Dicionário Aurélio (1986), integrando-as à nossa

reflexão e observação.

Assim, primeiramente, vamos analisar as frases encontra­

das no mencionado Dicionário mas, para este primeiro passo,ape­

nas ã luz da Gramática de Casos.

3.3. Análise das Diversas Ocorrências do Verbo FICAR

No "Novo Dicionário da Língua Portuguesa" (Aurélio Buar-

que de Holanda Ferreira, 1986), encontramos 32 (trinta e dois)

significados do verbo FICAR, excluídas as expressões idiomáti­

cas e o uso do verbo como auxiliar. Arrolaremos as diversas

acepções7 encontradas, da seguinte maneira: a ordem será con­

servada, assim como os significados do verbo FICAR; a quantida­

de de exemplos, porém, será diminuída, a fim de que tenhamos a­

7 Para este trabalho, não consideramos relevante as eventuais distinções en­


tre "significado", "sentido", "acepção". Assim, vamos empregar ora ura, ora
outro termo.
130

penas uma frase para cada significado; casa exemplo — ou fra­

se — será analisado de acordo com o modelo casual de Chafe,

incluídas as propostas de algumas modificações, que expusemos

no capítulo 2 deste trabalho. Vejamos:

FICAR (Dicionário Aurélio, 1986)

1. Estacionar (em algum lugar); não sair dele; permanecer:


ÍA=Ol k
/ FICAR / em casa.

2. Estar situado:
Oe L
Brasília / FICA / no Planalto Central.

3. Não deve ser conhecido senão por (uma ou mais pessoas):

O E
Isto / FICA / entre nós.

4. Albegar-se, pernoitar:

(A=0) L
Anoiteceu, e / FICAMOS / num rancho próximo.

5. Restar, sobrar: T, i
O
Não lhe /FICOU / um só livro.

6. Ajustar, combinar, assentar:

A=E (A=E)
"Aceitei o oferecimento e a moça / FICOU / de vir
O
noitinha".

7. Ser adiado, transferido, procrastinado:

O T
Este assunto / FICA / para amanhã.

8. Não dizer mais; não ir além de:

O (A)
Disse três palavras, e nisto / FICOU /.
131

9. Obrigar-se (a alguma coisa); prometer:

A O (E)
/ FICOU / de trazer a resposta hoje.

10. Convir, concordar:

(A=E) O
Afinal, / FICAMOS / de voltar imediatamente.

11. Provir, proceder, resultar:

O
Da abundância de pau-brasil na Terra de Santa Cruz lhe / FI-
0
COU. / o nome de Brasil.

12. Caber por quinhão; tocar por sorte:

O B
Recebeu a parte da herança que lhe / FICOU /.

13. Adquirir, comprar:


(A=B) O (B)
Acabou/ FICANDO / com a mercadoria.

14. Ser adquirido pelo preço de; custar:

O O
Cada um dos livros / FICOU / em 25 cruzados.

15. Ajustar-se, quadrar:

O L
Esta roupa lhe / FICA / bem.

16. Estar sob a responsabilidade (de alguém):

O E
Isto / FICA / por sua conta.

17. Afiançar, assegurar, prometer:

(A) E O
/ FIQUEI/-lhe que faria o prometido.

18. Permanecer em determinada disposição de espírito ou situa-


132

çao:

(E=0)
Durante dias / FICOU / triste.

19. Continuar, permanecer:

0
Isto não / FICARÁ / assim.

20. Converter-se em; tornar-se:

O O
Os tábuas, depois de batidas, / FICAM / mesa,

21. Vir a estar em determinado estado ou situação; tornar-

se, fazer-se:

O (E)
"Os campos /FICARAM / tristes".

22. Ser nomeado ou escolhido para cargo:

(O) O
/ FICOU / para chefe.

23. Conservar-se através dos tempos; durar, perdurar, subsis­

tir:
O
Vão-se os homens, porém suas obras / FICAM /.

24. Parar de repente; estacar:

(A=0)
Ao ver-me, / FICOU /.

25. Restar, sobrar:

O
Trouxe o que pôde, porém muita coisa / FICOU /.

26. Não dar mais passo; parar:

A=0 (L)
Seguiram todos e ele / FICOU-se/.

27. Permanecer, conservar-se, demorar-se, deter-se, quedar-se:


1$3

Vai ã serra, e ° V FICA-TE/ lá um mês.

28. Reter em seu poder:

A=B O
Na herança, /FICOU-se / com a parte melhor.

29. Entregar-se à guarda e proteção de alguém:

(Sem exemplos).

30. Cessar de comprar cartas em alguns jogos:

(Sem exemplos).

31. Fazer-se, tornar-se:

O
"Mais te procuro, mais te / FICAS / alto..."

32. Seguido da preposição por mais verbo no infinitivo, expres­

sa que não se praticou a ação indicada por esse verbo:

O O
O trabalho / FICOU / por fazer.

Veja-se que o Dicionário Aurélio aponta-nos 32 (trinta e

dois significados do verbo FICAR (arrolados e analisados acima).

Em termos de Significado (e não de casos), há algumas acepções

que se repetem. Por exemplo:

FICAR = PROMETER

"9. Ficou de trazer a resposta hoje.

17. Fiquei-lhe que faria o prometido" (Dic. Aurélio).

Como são acepções que se repetem, segundo, o nosso enten­

der, agrupamos PROMETER num só item (veja-se na página ao lado

a coluna II, agrupando as acepções da coluna I).

O nosso procedimento seguinte foi analisar cada acepção

de acordo com a Gramática de Casos — o que nos possibilitou a


134

constatação de que, nos casos 9 e 17 (enumeração do Aurélio),há

apenas um Sistema casual, isto é: A, E, 0 e, portanto, também

apenas um significado de PROMETER.

Já no caso de FICAR = PERMANECER, que o Dicionário Aurélio

traz nos itens 1, 18, 19, 27, chegamos à conclusão de que sig­

nificam o mesmo (PERMANECER) também nos itens 3, 4, 23 e 29

(veja-se, novamente, colunas I e II, na página ao lado). Fèito

isto, passamos a analisar cada frase (itens 1, 3, 4, 18, 19,23,

29 = PERMANECER) de acordo com o sistema casual, o que nos deu

7 (sete) casos: A= O, L — 0, L — E = 0 -— 0 — A = 0, C — 0, C

— B=0, demonstrando que PERMANECER e seus significados, são

polissémicos. Mantivemos, porém, um só exemplo para cada caso.

Ao final, tivemos, de acordo com a nossa análise casual

(integrada â sintaxe), 31 ocorrências do verbo FICAR.

SIGNIFICADOS DO VERBO FICAR

I II

DICIONÁRIO AURÉLIO - NOSSOS

1. Estacionar (em algum lugar); 1. tornar-se


não sair dele; permanecer. 20, 21, 22, 31.
PERMANECER 2. permanecer
1, 3, 4, 18, 19, 24, 27
2. Estar situado. 29.
ESTAR SITUADO 3. estar situado
2
3. Não dever ser conhecido senão 4. ser adiado
por (uma ou mais pessoas).
7
PERMANECER 5. prometer
4. Albegar-se, pernoitar. 9, 17
PERMANECER 6. sobrar
5, 25, 32
5. Restar, sobrar. 7. combinar
SOBRAR 6 , 10
6. Ajustar, combinar, assentar. 8. custar
COMBINAR 14
9. caber..
7. Ser adiado, transferido, pro­ 12 1
crastinado . 10. caber_
SER ADIADO 16 ^
135

8. Não dizer mais; não ir além 11. parar


de. 8, 24, 26, 30
PARAR 12. resultar
11
9. Obrigar-se (a alguma coisa); 13. comprar
prometer. 13
PROMETER 14. ajustar-se
10. Convir, concordar. 15
COMBINAR 15. reter
28
11. Provir, proceder, resultar. 16. escolher
RESULTAR (não consta no Aurélio)
12. Caber por quinhão; tocar por 17. apresentar
sorte. (não consta no Aurélio)
CABER1 18. faltar
(não consta no Aurélio).
13. Adquirir, comprar.
COMPRAR
14. Ser adquirido pelo preço de;
custar.
CUSTAR
15. Ajustar-se, quadrar.
AJUSTAR
16. Estar sob a responsabilidade
(de alguém).
caber2
17. Afiançar, assegurar, prometer.
PROMETER
18. Permanecer.em determinada dis­
posição de espírito ou situação.
PERMANECER
19. Continuar, permanecer.
PERMANECER
20. Converter-se em; tornar-se.
TORNAR-SE
21. vir a estar em determinado esta­
do ou situação; tornar-se, fazer
-se.
TORNAR-SE
22. Ser nomeado ou escolhido para
cargo.
TORNAR-SE
23. Conservar-se através dos tempos;
durar, perdurar.
PERMANECER
24. Parar de repente; estacar.
PARAR
25. Restar, sobrar.
SOBRAR
26. Não dar mais passo; parar.
PARAR
27. Permanecer, conservar-se, demo­
rar-se, deter-se, quedar-se.
PERMANECER
136

28. Reter em seu poder.


RETER
29. Entregar-se ã guarda e pro­
teção de alguém.
.PERMANECER
30. Cessar de comprar cartas em
alguns jogos.
PARAR
31. Fazer-se, tornar-se.
TORNAR-SE
32. Seguido da preposição por
expressa que não se praticou
a ação expressa por este ver­
bo.

A=0 L
(1) João ficou em casa.
O L
(2) João ficou em casa.

(E=0)
(3) Durante dias ficou triste. (Aurélio)

O
(4) Vão-se os homens, porém suas obras ficam. (Aurélio)

A=0 C
(5) João ficou com Maria.

0 C
(6) João ficou com Maria.

B=0
(7) Maria ficou bem (de vida).

Além das relações básicas, ação e processo, o verbo FICAR

expressa também os casos: Locativo, Experienciador, Comitativo

e Benefactivo. Passaremos agora ã análise dos exemplos citados

acima, em que FICAR = PERMANECER. Antes, porém, é preciso as-


137

sinalar que, havendo 7 (sete) ocorrências de FICAR = PERMANECER,

temos também 7 significados de permanecer — são, portanto v e r ­

bos polissêmicos.

A=_0 L
(I) João (í-ícou em c a i a .

Aplicando o teste de Chafe para detectar agente, temos: "0

que João fez? — ficou (= permaneceu) em casa". Não há estado,

portanto, pois passa no teste da agentividade; igualmente não

se trata de um processo, pois as perguntas mais acima são pre­

feríveis a "0 que aconteceu a João foi que ele — ficou em casa

(teste para detectar processo). 0 teste de Lakoff (1966), + im­

perativo, pode ser aplicado: "João, fique em casa", nos mostra

que, se pode ser imperatizado, há ação. O teste de Chafe, po­

rém, dá conta perfeitamente da questão. Além de Agente, "João"

é também Objeto, segundo a teoria da correferência, de Fillmo-

re, e também adotada por Cook.

"Em casa", é o Locativo, proposicional, pois é exigido pe­

lo verbo nas condições A=0 acima. Utilizando a representação

semântica sob forma de móbile (Chafe 1970) , teríamos:

1
lugar pac

V N N
ação casa João

locativo

em

Além dos critérios semânticos de Chafe, podemos incluir

também os critérios sintáticos de Chomsky, com base na propos­

ta de Stockwell. Assim, o verbo FICAR, no exemplo (1), exige


138

um SN^CJoão") seguido de um SN2 ("casa") acompanhado de sua

preposição (em).

Por último, o significado de FICAR, no presente contexto.

Sendo que este é PERMANECER, assim teríamos formalizada a aná­

lise do verbo FICAR na frase em questão (1):

FICAR

+ V
+ SN^ - - - (em) + SN2

casos: A*, O, L/ A=0

PERMANECER

Mas a mesma frase (1), pode também expressar um processo.

Veja-se: se considerarmos uma situação em que, digamos, todos

saíram e "João", por um motivo qualquer, atrasou-se e acabou

ficando (em casa). Não foi agente, no caso, pois não houve deli­

beração de sua parte: algo simplesmente lhe aconteceu. 0 teste

de Chafe para detectar processo cabe, então, aqui: "O que acon­

teceu a João foi que ele — ficou (= permaneceu) em casa."

Teríamos, então, a seguida entrada lexical:

(2) João fi-ícou e.m c a i a .

FICAR

+ V
+ SNX - - - (em) + SN2

casos: 0, L

PERMANECER
139

I E = °)
(3) Vu.Ka.ntz dÃ.a.6 (Ç-tcou. tn.*.òtz. (ÁufitZi.0)

0 processo pode ser detectado pelo teste (Chafe,1970): "O

que aconteceu a ele foi que — ficou (permaneceu) triste du­

rante dias." 0 que temos, é a permanência num estado — lin-

gtiisticamente um processo, e não, estado, como o consideraria

uma análise lógica. Se houve, anteriormente, a passagem de um

estado a outro, houve processo, que se reflete depois, também,

na permanência no estado. "Alguém" torna-se triste (processo) e

permanece no estado que se processou (processo).

A análise em Experienciador se justifica pela presença de

uma predicação psicológica (entristecer-se): alguém é experien­

ciador de uma emoção (tristeza) e, ao mesmo tempo, é o próprio

Objeto desta emoção.

Sintaticamente, o verbo FICAR exige, nestas condições, um

SN^ e iam Adjetivo. Para este último, achamos conveniente espe­

cificar que seja do tipo Experiência (Sensação, Emoção, Conhe­

cimento, Ouvinte dos verbos de Comunicação), para eliminar a

possibilidade de dar-se entrada a um adjetivo tipicamente de es­

tado (alto) ou tipicamente de ação (ágil), conforme a proposta

de Lakoff (1966) .

Como FICAR (em (3))significa PERMANECER, temos:

i* ''l
FICAR

+ V
+ SN^ - - - Adj. (exp.)

casos: E*, 0/E=0

PERMANECER
*- s
Uma frase como:

E O
João ficou triste com a notícia.
140

em que não há correferência ("João", E=0, em (3) acima), não

tem o seu esquema casual afetado, apenas, duas realizações di­

ferentes na superfície. Assim, seria diferente a sua especifi­


cação sintática: "com a notícia" ê elemènto facultativo, que
colocamos entre colchetes.
r~ ''í
FICAR

+ V

+ SN^ - - - adj .: (exp.) + [(com) + S ^ ]

casos: E, O

PERMANECER

0
(4) Vão-AZ o-
6 hom e.n-&, p otiím Auaò ob/iaò {jZcam . (Au/ié-Cxo)

O processo é detectado pelo teste: "O que acontece às o-

bras? — ficam (= permanecem), ou "O que acontece é que as o-

bras --- ficam (= permanecem)". Igualmente admite o teste +

progressivo (Lakoff, 1966): "As obras estão ficando (= permane­

cendo)". Pela teoria de casos, "obras" é o Objeto exigido pelo

verbo.

Sintaticamente, FICAR exige aqui apenas um SN^ (que, se­

gundo Chomsky, exerceria a função de Sujeito).

Sendo que o sentido de FICAR é PERMANECER, teríamos:


N.
FICAR
+ V

+ SN1 -- /---

casos: O

PERMANECER
141

A=0 C
(5) João faicou. com MaA-ia.

"João" é agente: "0 que João fez? — ficou (= permaneceu)

com Maria"; ou ”0 que João fez foi — ficar com Maria". Pode,

também, ser imperativizado: "João, fique com Maria."

"Com Maria", é um caso Comitativo, proposicional, porque

está em relação de acompanhamento com o verbo FICAR. Já numa

frase como: "João foi ao cinema com Maria", "Com Maria" ê ele­

mento modal, pois não está em relação de acompanhamento com IR.

Lembramos que o caso Comitativo (relação de acompanhamento = em

companhia de) é proposto por Fillmore (1966), e não é adotado

por Chafe (1970).

Do ponto de vista sintático, FICAR exige um SN^ ("João") e

um SN2 ("Maria") acompanhado da preposição COM.

Como FICAR significa PERMANECER, temos:

FICAR

+ V

+ SN^ - - - (com) + SN2

casos: A*, 0, C/A=0


PERMANECER

A mesma frase (5) pode também expressar um processo, se

considerarmos que "João" não ficou voluntariamente em companhia

de Maria. "João. ficou com Maria" pode ser parafraseado: "acabou

ficando com Maria", como algo que lhe aconteceu, e não como

uma ação realizada por ele. Aplicando-se o teste para detectar

processo: "O que aconteceu a João? — ficou (acabou ficando =

permanecendo) com Maria"; ou "O que aconteceu a João foi que

ele — ficou (= acabou ficando = permanecendo) com Maria", con­


142

firma-se que FICAR, no caso, ê processual. Podemos eliminar a

hipótese da agentividade, utilizando a mesma paráfrase acima

e o teste + imperativo (Lakoff 66): ? "João, fique (acabe fi­

cando) com Maria (sem querer) 8.

Sendo que a especificação sintática e a especificação se­

mântica são as mesmas, temos:

0 C
[6] João fiÁcou com UaK-ia.

FICAR

+ V
+ SN1 -- (com) + SN2

casos: O, C

PERMANECER
'v. s

8= 0
(7) Uan.Á.a cou be.m (de vZda) .

Processo: "0 que aconteceu à Maria? — ficou (= permane­

ceu) bem." Não é estado, portanto. Ação também não há, pois não

passa no teste da agentividade:? "0 que Maria fez? — ficou

(= permaneceu) bem." Temos, além disso, a permanência num esta­

do, que. expressa um processo.

Sendo que o caso Benefactivo (processual) é a "entidade

que sofre ganho ou perda", "Maria" ê Benefactivo e, aqui, tam­

bém o Objeto do ganho (correferencial).

Sintaticamente, FICAR exige aqui um SN^ ("Maria") e um ad-

vérbio de modo ("bem").


8 Gruber (1967) e também Reer consideraram a causativização relacionada ã
voluntariedade. Cruse (1973) critica tal posição, dizendo que os autores
definem causatividade referencialmente, enquanto que ela deve ser defini­
da relacionalmente.
143

FICAR, significa PERMANECER (mais adiante, veremos que

também pode significar TORNAR-SE), assim:

f" '■v.
FICAR

+ V

+ SN^ - - - Adv. modo

casos: B*, 0/B=0

PERMANECER
s. S

E, O

/ °
FICAR = TORNAR-SE^-A*, 0/A=0
\^B*, 0/B=0
O, O

E O
(8) Maria ficou alegre com a notícia.

O
(9) João ficou velho.

A=0
(10) João ficou calmo.

B=0
(11) Maria ficou bem (de vidá).

O O
(12) Ele ficou para chefe. (Aurélio)

Apoiando-se em Lakoff (1966), Cook define os predicados

atômicos: FAZER, seria o verbo tipicamente representativo de

uma AÇÃO; TORNAR-SE (COME ABOUT), predicado atômico, verbo re­

presentativo, por excelência, de um PROCESSO; e SER, verbo es­

sencialmente de ESTADO.

Uma frase como: MAX matou HARRY, onde MATAR = FAZER FICAR

MORTO, teria o seguinte diagrama:


144

+J
>

a
%
a

ESTAR MORTO HARRY

Onde podemos ver FICAR, expressando PROCESSO.

Como ficar alegre significa alegrar-se (8), porque, segun­

do a semântica gerativa, é o resultado da aplicação da regra

de alçamento do predicativo (FICAR + ESTAR ALEGRE) e posterior

inserção lexical, optamos por analisar ficar alegre como um

processo no campo da experimentação (E, 0). Assim sendo, ficar

alegre e alegrar-se serão ambos analisados como E, O.

O mesmo ocorrerá com ficar velho (9) e envelhecer(ambos O),

ficar calmo (10) e acalmar-se (A, 0).

E 0
S) M aAia fa-Lcou alCQfia com a noticia..

Aplicando os testes de Chafe (197 0): "0 que aconteceu â

Maria? — ficou (= tornou-se) alegre com a noticia"; ou "O que

aconteceu à Maria foi que ela — ficou (= tornou-se) alegre com

a notícia. Os testes revele.n processo, e não, ação:? "O que Ma­

ria fez foi — ficar alegre com a notícia."


145

"Maria", é o Experienciador de uma emoção (alegria) e "a

notícia", o Objeto desta experiência.

Na frase (3), mais acima, ("Durante dias ficou triste"),vi­

mos que FICAR traduz a permanência num estado -*■ processo; na

presente frase (8), há mudança de estado -*■ processo. Assim, o

esquema casual idêntico prova mais uma vez, que tanto mudança

de estado quanto permanência num estado, constituem processo.

Sintaticamente, o verbo FICAR exige um SN^ ("Maria") ,e


um adjetivo de experiência. "Com a notícia" ê facultativo.

Sendo que FICAR significa TORNAR-SE, temos:


%
FICAR

+ V
+ SN^ - - -ad j .: (exp.) [(com) + SN2 ]

casos: E, O

TORNAR-SE

q
(9) Joao ÚÁ.COU. vzZho.

Testes de Chafe para detectar processo: "0 que aconteceu

a João? — ficou (= tornou-se) velho"; ou "O que aconteceu a

João foi que ele — ficou (= tornou-se) velho". Como não pode­

mos dizer que João fez alguma coisa, não passa no teste da a-

gentividade:? "0 que João fez? — ficou velho". Se a pergunta

para detectar processo recebe resposta satisfatória, então tam­

bém não podemos dizer que a frase expressa um estado, mas sim,

mudança.de estado + processo.

"João" é Objeto, pois a frase revela um processo básico,

de 0 argumento.

A exigência sintática seria um SN^ ("João") e um Adjeti-


146

vo, especificado como de "estado básico" (Cook, 1979:80) ("ve­

lho"). A proposta para tal especificação do adjetivo, vem-nos

de LAKOFF (1966): há adjetivos de estado (alto, baixo, velho) e

adjetivos de ação (ágil, educado, honesto...). Os primeiros,não

podem ser imperativizados: ?"Seja alto" (ou:? "Seja velho") e

os segundos, sim: "Seja ágil", ou "seja educado". Lakoff pro­

põe, então, que os adjetivos fiquem na categoria de verbos e,

dessa forma, revive Platão, para quem o adjetivo é um tipo de

verbo, pois faz o jogo da predicação.

FICAR significa TORNAR-SE, o que nós dá, portanto, a se­

guinte análise:

FICAR

+ V

+ S N l - - Adj. (estado
básico)

casos: O

TORNAR-SE

A=0
10) João á-ccoa calmo.

A frase passa no teste da agentividade: "O que João fez? —

ficou (= tornou-se) calmo", ou "O que João fez foi — ficar

(= tornar-se) calmo". Não podemos, no entanto, confundir a

ação realizada por João (FICAR = TORNAR-SE) com o processo que


O
a mesma frase (superficialmente) pode indicar:"João ficou cal­

mo", em que FICAR = PERMANECER, pode indicar tanto mudança,quan­

to permanência num estado e revela processo e não, ação9.

9 Teríamos a seguinte entrada lexical para a frase processual:


0
João ficou çàlmo. FICAR
+ V
+ SN^ --- Adj. (estado básico)
casos: 0
PERMANECER
147

Na especificação sintática, deve-se fazer constar um SN^

("João") e um Adjetivo, especificado como "agentivo básico"(oon-

forme Lakoff 1966).

FICAR significando TORNAR-SE, temos:

FICAR

+ V

+ SN. - - - Adj. (agentivo


básico)

casos: A*, 0/A=0

TORNAR-SE

B=0
(7 7) M afila filcou. bem d e v i d a .

Esta frase tem o mesmo esquema casual da frase (7), mais

acima, e assim, também indica processo: "0 que aconteceu à Ma­

ria? — ficou (= tornou-se) bem de vida". A diferença é que a

frase acima revela mudança, e não, permanência e, embora ambas

constituam processo, em (11) FICAR significa TORNAR-SE (mudança

de estado) enquanto que em (7), FICAR significa PERMANECER(per­

manência num estado).

Sendo que a exigência sintática é a mesma, temos:

FICAR

+ V
+ SN^ -- adv. de modo

casos: B*, 0/B=0

TORNAR-SE
k J

0 0
(72) E£e filcou. patia chz^e.. (ÂuAe-ílo)

"O que aconteceu a ele? — ficou (= tornou-se), chefe", ou


148

"O que aconteceu a ele foi que — ficou (= tornou-se) chefe".

Os testes revelam processo, como algo que aconteceu a ele, e

não como algo que ele fez. Além disso, há uma mudança de esta­

do -*■ processo, também revelada aqui pelo predicado atômico TOR­

NAR-SE .

0 SN^ ("Ele"), é exigido sintaticamente, assim como o SN2

("chefe"). No entanto, o Dicionário Aurélio (1986) traz este

SN2 acompanhado da preposição para. De nossa parte, como acre­

ditamos que o uso seja um fator importante a considerar, acha­

mos estranha a presença da preposição. Parece-nos que é mais

comum dizer-se: "Ele ficou chefe", ou "Ele ficou gerente", no

sentido de TORNAR-SE.

De qualquer forma, a nossa análise inclui a preposição pa­

ra, uma vez que ela figura no exemplo citado pelo referido Di­

cionário :
✓ N
FICAR

+ V

+ S N ^ -- [(para)]+SN2

casos: O, O

TORNAR-SE

FICAR = ESTAR SITUADO --- Oe, L

0<L^r L
(13) Btiai>ZlÁ.a ^ ic a no PlanaZto Co.Yith.aJL. ( Aun.Õ.ZÃ.0 )

Lembramos que Chafe (1970) sugere que o estado seja de­

tectado negativamente. Assim: ?"0 que acontece a Brasília? —

fica (= está situada) no Planalto Central", revela-nos que o ver­


bo não expressa acontecimento; ?"o que Brasília faz é — ficar (es­

tar situada) no Planalto Central", elimina a possibilidade de

haver um Agente. Portanto, o exemplo acima expressa um estado.


149

Os testes de Lakoff (66) também podem ser aplicados: — impera­

tivo (? "Brasília, fique no Planalto Central".), — progressi­

vo (? "Brasília está ficando no Planalto Central.

"Planalto Central" é Locativo, proposicional pois é exigi­

do pelo verbo. A representação semântica de uma oração com ver­

bo locativo (de estado) é assim formalizada por Chafe(1979:165):

THE KNIFE IS IN THE BOX. [A faca está na mSbile. ]

lugar pac

V N N

estado box ipofrile

locativo

in 10

Pela formalização, observa-se que o verbo é o que Chafe

chama "intrinsecamente" locativo (1979:167), isto é, a raiz

verbal contém uma preposição de lugar (em, sobre, sob), que

vai requerer, portanto, o acompanhamento de um nome locativo.

0 mesmo se sucede com exemplo de FICAR = ESTAR SITUADO, em (13).

A exigência sintática de um SN^ ("Brasília") e de uma Lo­

cução Prepositiva, constituída de um SN2 ("Planalto Central") e

de uma preposição ("em") corresponde a Oe, L, com a diferença

que os casos mostram mais claramente a relação de LUGAR. Assim:

1 0 Chafe coloca o nome de iugar, mais próximo do verbo do que o paciente.


As razões são explicadas no seu livro (1970), no capítulo Informações No­
vas e Velhas, onde explica que BOX seria informação nova (o equivalente a
comentário, ou rema, ou predicado), e que Knife é informação velha (tópi­
co, tema, ou sujeito).
150

FICAR

+ V

+ - - - (em) + SN2

casos: Oe, L

ESTAR SITUADO
\

FICAR = PROMETER --- A, O, E

(A ) ^ (E)
(74) Fico a de tuazcn. a h.còpo&ta h o je . (A u a z I I o )

"Alguém" (suponhamos "João") é agente: "O que fez Jão? —

ficou (= prometeu) de trazer a resposta hoje", preferível a ?"0

que aconteceu a João foi que ele — ficou (= prometeu) de tra­

zer a resposta hoje". Detectada a ação, passemos a considerar as

outras relações do verbo com os nomes: "Resposta" é o Objeto da

ação praticada por João, que comporta outra ação, a ação de

TRAZER. Assim, o Objeto (semântico) da ação de PROMETER (FICAR

DE... fazer alguma coisa), ê uma outra Proposição. "Hoje",

é relação de tempo, modal, pois não é exigido pelo verbo nas

presentes condições.

Temos, também aqui, um Experienciador, aquele que é ouvin­

te dos verbos de Comunicação (dizer, prometer11). Estã apagado

na frase, mas é obrigatoriamente requerido pelo verbo. Os ver­

bos de comunicação (A, E, O) pedem: 1. Um agente (o falante);2.

Um experienciador (que nas situações de "comunicação" expres­

sa o interlocutor); e, 3. Um objeto (a coisa sobre a qual se fa­

la) .

1 1 A propósito de PROMETER, hã os trabalhos da filosofia analítica inglesa


(os "enunciados performativos, de Austin (1962) e os "atos ilocucionãrios,
de Searle (1969)). Segundo esses estudos (e também Ducrot (1972), incluin­
do a teoria da pressuposição), um enunciado como: "Je te promets de venir"
[Eu te prometo vir], constitui um ato, pois, dizendo Eu prometo, faço o
ato mencionado no enunciado.
151

Do ponto de vista sintático, temos um SN^ (que não se a-

presenta na superfície) e um SN2, que se constitui de uma Ora­

ção, iniciada pela preposição de:

FICAR

+ V

+ (SN.) - - - 0 (oração)
(de + SN2)

casos: A, E, 0 / (A ap; E ap)

PROMETER
J

FICAR = SER ADIADO --- O, T

0 T
(15) Eòte. aAAunto {^ica pah.a amanhã. (AutizZÃ.o)

Testes de Chafe (1970): "O que acontece ao assunto? — fi­

ca (= é adiado) para amanhã"; ou: "O que acontece ê que o as­

sunto — fica (= é adiado) para amanhã". Não é estado, portan­

to. A agentividade também é excluída:? "O que o assunto faz? —

fica (= é adiado) para amanhã". "Amanhã", é o tempo, proposi-

cional, pois é exigido pelo verbo. A propósito das predicações

temporais, ressaltamos que elas não são previstas no modelo de

Chafe (1970). Como elas são de suma importância (confirme-se

com o exemplo acima, (15)), sugerimos a inclusão do elemento

T (tempo) no referido modelo.

Do ponto de vista sintático, FICAR exige, no exemplo, um

SN^ ("assunto") e um Advérbio (especificado como tempo) acom­

panhado da preposição para.

Sendo que FICAR significa SER ADIADO, temos:


152

FICAR

+ V

+ SN^ - - - (para) + Adv. tempo

casos: O, T

SER ADIADO

FICAR = SOBRAR --- O

0
[ 16) biao Ihz £Ã.cou um t>o IJLvxo. ( A an.zl-Lo)

Para detectar processo: "O que aconteceu? — não ficou (=

sobrou) um só livro". O processo (não ficar = não sobrar ne­

nhum livro) se traduz pelo acontecimento: algo aconteceu.

A exigência sintática se faz pela presença de um SN^, ape­

nas .

Sendo que o significado de FICAR, ê SOBRAR, temos:

FICAR

+ V
+ SN1 ---- / ----

casos: 0

SOBRAR
*SN> S

O Dicionário Aurélio traz também o seguinte exemplo para

esta acepção (FICAR = SOBRAR):


O
"Trouxe o que pôde, porém muita coisa ficou".

Concordando com Aurélio (1986), teríamos a mesma análise

de (16) acima. Mas o exemplo: "Trouxe o que pôde, porém muita

coisa ficou", pode ter também o sentido de PERMANECER (além de

SOBRAR). Assim, FICAR é um verbo locativo e, embora tal elemen­

to esteja apagado, é essencial nesta acepção. Analisando a fra-


153

se pela Gramática de Casos:

O (L)
"Trouxe o que pôde, porém muita coisa ficou."

A análise assim se apresentaria: O, L/L-ap. Não colocamos este

exemplo no item FICAR = PERMANECER, por já termos um exemplo

com a mesma análise (0, L).

FICAR = COMBINAR --- A*, E, 0/A=E

A-E 0
(17) A fin a l, ~ ^Ã.camoò de volta*. Zme.di.atame.nte.. {Aun.zlÁ.o)

Para detectar agentividade, novamente aplicamos o teste de

Chafe: "0 que (nôs) fizemos? — ficamos (= combinamos) de vol­

tar imediatamente." Excluindo a possibilidade de processo: "O

que aconteceu (a nós)? — ficamos (= combinamos) de voltar ime­

diatamente." Detectada a agentividade, pois houve a ação de

combinar.

Além de uma ação, há um Experienciador, pois FICAR, no

sentido de COMBINAR, enquadra-se nos verbos de Comunicação. A

propósito, Moskey (1979), trata tais verbos como sendo de ação

recíproca, envolvendo duas pessoas: no caso, "combina-se" algu­

ma coisa, e sempre "com alguém", sendo ambos Experienciadores

e Agentes. Moskey nos diz ainda, que há uma "relação recíproca

entre os agentes, cada um contribuindo igualmente para a ati­

vidade" (id.:38). São recíprocos e correferenciais (conforme

a nossa análise (A=E). Deveria haver, então, outro A=E, como

no caso da frase:
(A=E)
"Aceitei o oferecimento e a moça ficou (com alguem)de

0
vir à noitinha". (Aurélio)

A=E A=E
Isto é, "a moça" combinou (comigo) de vir ã noitinha, o
154

que daria, segundo Moskey: A=E, A=E. Na nossa frase mais aci­

ma, (17), o segundo A=E estaria já incluído em "NÕS", confir­

mando ainda mais claramente a análise de Moskey, com a qual

concordamos.

A exigência sintática é um SN^, na função de Sujeito("nós

— oculto), e um SN2 , na função de Objeto, representado por uma

Oração iniciada pela preposição DE.

O Significado de FICAR i COMBINAR, segundo o nosso enten­

der, embora o Dicionário Aurélio traga como CONVIR, CONCORDAR.

Assim:

FICAR

+ V

+ (SN ) - - - O (oração)
(de + SN2)

casos: A*, E, 0/A=E

COMBINAR

FICAR = CUSTAR --- O, 0

0 0
(7 S ) C a d a um do& fa-Lcou. em 2 5 c A u z a d o ó . { A ua . q.Z ã. o )

"0 que aconteceu aos livros? --- cada um ficou (= custou)em

25 cruzados". Sendo que a resposta é satisfatória, fica detecta­

do o processo. Podemos aplicar aqui, também a paráfrase de um

processo (acabar custando): "Cada um dos livros acabou ficando

(= custando) em 25 cruzados". Ao expor o caso Complemento (C),

Chafe considera que é uma relação exigida por verbos de estado

("O livro pesa uma libra.") e por verbos de ação, neste caso,

facultativamente ("Maria cantou uma canção."). A respeito da

relação entre um Complemento e um verbo de processo, diz: "No

momento não sei de nenhum verbo de processo que seja acompanha-


155

do por um complemento, nem obrigatoriamente nem facultativamen­

te" (1979:163). Na verdade, uma proposição como: "Este livro

custa 20 cruzados" expressa um estado. Mas (18) revela proces­

so, através do verbo FICAR. Nesta acepção, podemos dizer, con­

cluindo, que os verbos que exigem complemento são intrinseca­

mente de estado,' podem, porém, ser processualizados.

Para representar o Complemento, usamos a formalização de

Cook (O), embora Chafe considere esta relação "bem distinta da

de paciente" (1979:162), uma vez que ele completa mais estri­

tamente o Significado do verbo. Ressalta, ainda, que o Comple­

mento não pode ser considerado objeto da estrutura de super­

fície, pois não reflete paciente semântico. (Relação de equi­

valência para Cook).

A exigência sintática, para uma oração como (18), é um SN^

("livro") e um SN2 acompanhado, no caso, da preposição em.

A acepção de FICAR, no exemplo, é CUSTAR. Assim:

FICAR

+ V

+ SN^ - - - (em)SN2
casos: O, O

CUSTAR

FICAR = CABER^ (por sorte, por quinhão) --- C, B

0 8
(19) Recebeu a paAte. da hzfiança quz lho. l-Ldou.

Processo: "O que aconteceu a ele? — recebeu a parte da

herança que lhe ficou (= coube)". Não há agente, pois ele nada

fez, a herança lhe coube — é um Beneficiário. Lembramos, para

confirmar, que o Beneficiário processual, é a "entidade que


15 6

sofre ganho ou perda" (Cook, 197 6).

Sintaticamente, o "lhe" corresponde a "para ele", portan­

to, devemos incluir a preposição na especificação do SN2 ("ele").

Quanto ao Significado de FICAR, no exemplo, concordamos

com Aurélio (1986): caber por quinhão, tocar por sorte. Como

apontaremos outro Significado para CABER, enumeramos o presente,

em CABER^. Assim:


FICAR

+ V

+ SN^ - - - (para)+ SN2

casos: O, B

CABER1

FICAR = CABER2 (por responsabilidade) --- 0, E

0 E
(20) lòto &£ca pofi bua con ta. {A u a c H o )

Testes de Chafe: "0 que acontece a isto? — fica (= cabe)

por sua conta", ou "0 que acontece é que isto — fica (cabe) por

sua conta". É processo, então. Excluindo a possibilidade de a-

ção: "0 que isto faz é — ficar por sua conta".

O Experienciador se justifica pelo que Cook denomina

"General Experiencer". No caso (20), alguém é experimentador de

uma responsabilidade que lhe coube.

0 SN^, no papel de sujeito, é obrigatório, como também o

SN2 : " ‘ica = cabe" a alguém tal tarefa. Em (20) o SN2 é repre­

sentado superficialmente pelo pronome "sua".

Sendo FICAR = CABER (sob sua responsabilidade, temos:


157

FICAR

+ V

S ^ ---- (por)+SN2

casos: O, E

CABER»

C, A
FICAR = PARAR < A*, O, L/A=0

0
(A)
(27) Vlòòz tnlò palavftaò, e nlòto [kan.zllo

(22) Ao (Aun.(i&ío)

Como vemos, FICAR, no sentido de PARAR, comporta dois ca­

sos e, apesar de serem ambos agentivos, são polissêmicos.

0 (A)
(27) Ví&òz paíavKaò, e nZòto ^lc.oa

Detectando agentividade: "0 que (ele) fez? — ficou (=

parou) nisto", ou "O que ele fez foi — ficar (= parar) nis­

to". "Nisto" (equivalente a "alguma coisa", "assunto", por

exemplo) é o Objeto (semântico) da ação de parar.

0 SN^, na função de Sujeito, está oculto, mas é obrigató­


rio; é seguido de um SN2, antecedido da preposição em ("vista")

Sendo que FICAR = PARAR, temos:

FICAR

+ V

(+ S N , ) -- (em) + SN?
1 *•

casos: A, O

PARAR
158

( 22) Ao ye/t-Bie, á-icou.

Teste de Chafe para detectar agente: "0 que (ele) fez? —

ficou (= parou)", ou"0 que ele fez foi — ficar (= parar)".

0 Locativo, embora apagado, ê proposicional, portanto, ca­

so obrigatório: FICAR (= PARAR) em algum lugar, é locativo de

movimento, agentivo.

FICAR

+ V

+ (SN1) — /---

casos: *A, *0, *L/A=0, A-0 ap; L-ap

PARAR
.
__ ^

Pela descrição sintática, vê-se que a exigência de um SN^,

apenas, não mostra a obrigatoriedade de um Locativo. Por este

motivo, mais uma vez confirma-se a necessidade de integrar-se

Semântica e Sintaxe.

FICAR = RESULTAR --- O, O

0
(2 3) Va a b u n d â n cia de. pau-bn.aòX.1 na T zuna de. S a n t a Ctiuz
0
the. llc o u o nome. de. Bn.a-i>lt. (Auh.Õ.lZo)

Aplicando os testes para detectar processo: "O que aconte­

ceu (ao país)? — lhe ficou (= resultou) o nome de Brasil (da

abundância de pau-brasil)", ou "0 que aconteceu foi que o nome

de Brasil — lhe ficou (= resultou) da abundância de pau-brasil".

Os casos a "abundância" e o ("nome") estão em relação de

equivalência.

Sintaticamente, temos um SN^, na posição de sujeito ("nome")


159

e um SN2 ("abundância de pau-brasil...") antecedido da prepo­

sição DE: o "nome" resultou "disto".

Sendo que FICAR = RESULTAR, temos:

FICAR

+ V

+ S t ^ ---- (de)+ SN2

casos: 0, 0

RESULTAR
^ J

FICAR = COMPRAR --- A*,B, O, B/A=B

A=B 0 (B)
(24) Acabou g e a n d o com a mtficadoK-ia. [Auncl-Lo]

Aplicando o teste de Chafe para detectar agentividade, te­

mos: "0 que ele fez? — acabou ficando (= comprando) a mercado­

ria". Há um agente, que é, ao mesmo tempo (correferencialmente),

Beneficiário, pois ao comprar, beneficiou-se do seu ato. Como

os verbos de transação comercial, agentivos, exigem dois bene­

ficiários, temos outro B na frase: alguém que se beneficia, ga­

nhando em pagamento pelo que vendeu12. Este Beneficiário está

apagado, no exemplo,acima, mas faz parte, obrigatoriamente, da

relação verbo-nome.

Sintaticamente, temos um SN^ ("ele" - oculto), e um SN2

acompanhado da preposição COM.

12 A propósito dos verbos benefactivos agentivos, veja-se o que dissemos a


página 1Q7 desta dissertação, ao referirmo-nos sobre as vantagens da Teo­
ria Localista.
160

FICAR

+ V

+ (SN^) - - - (com) + SN2

casos: A*, B, B*, 0/A=B; B-ap

COMPRAR

FICAR = FICAR EM POSSE DE --- B, O, B

B 0 _ (B )
(25) Acabou g e a n d o com o d-Lnhe.i.h.0 . (que a c h o u ],

O exemplo (24) (acima), pode também expressar um processo,

no sentido de "alguém ficar em posse de uma mercadoria", mas

involuntariamente. Como o sentido de FICAR é, então, diferente,

citamos outro exemplo:

(B) 0 (B)
(25) Acabou geando com o dÁ.nhzÁ.h.0 [quo, a c hou) .

No sentido de "FICAR EM POSSE DE", passa no teste de pro­

cesso: "O que aconteceu (a ele)? — acabou ficando (= ficando an

posse de) com o dinheiro. Este exemplo também poderia expres­

sar agentividade, no caso de alguém ficar voluntariamente com

o dinheiro achado, em que teríamos o mesmo esquema casual de

(24). Mas aqui (25), expressa processo, isto é, a pessoa procu­

rou devolver, mas não encontrou o destinatário, assim, acabou

ficando (involuntariamente) com o dinheiro.

Há, então, um Benefactivo processual ("entidade que sofre

ganho") e um Benefactivo processual ("entidade que sofre per­

da"), a pessoa que perdeu o seu dinheiro.

O SN^, na função de Sujeito, está oculto, mas é obrigató­

rio; é seguido de um SN2 acompanhado da preposição COM.

O sentido de FICAR é FICAR EM POSSE DE:


161

FICAR

+ V

+ (SN^) - - - (com) + SN2

casos: B, B*, O/B-ap

FICAR EM POSSE DE

Oe, L

< O, L

Oe. L
(26) E it a Aoupa lha ^i.ca bem. IA liaU IZ o )

0 L
(27) Eòta sioupa lhe. ca bem. ( £d. )

Vemos que, no sentido de AJUSTAR-SE, o verbo FICAR apre­

senta dois casos: um, estático (26), outro, processual (27).São,

portanto verbos polissêmicos. Passemos â análise das frases:

Oe L
(26) Eóta fioapa I h z l-ica bem.

Detectamos o estado, negativamente:? "O que esta roupa

faz? — lhe fica bem". Não há ação, pois "roupa" não é agente.

O processo pode também ser eliminado, se considerarmos que o

verbo é estático: ?"0 que acontece ã roupa? — lhe fica bem".

0 locativo ("lhe") é obrigatório, portanto, proposicional:

"esta roupa" fica bem em alguém, que comporta a locação, isto

é, o lugar onde a roupa se ajusta.

Sintaticamente, há o SN^ (esta roupa) e o SN2 , represen­

tado pelo pronome "lhe", isto é, preposição "em" + SN2 r antece­

dido do advérbio de modo "bem".

FICAR = AJUSTAR-SE, tem a seguinte entrada:


162

FICAR

+ V

+ SN - - - adv. de modo bem (em) + SN»


1 ^
casos: Ce, L

AJUSTAR-SE

Mas, como a mesma frase pode ser processualizada, indi­

cando, assim, outro sentido do verbo FICAR, temos:

0 L
(27) E&ta fioupa lhe l<Lca bem.

Aqui, cabe a pergunta para detectar o processo: "0 que

acontece a esta roupa? — lhe fica bem". Ou o teste + progressi­

vo: "Esta roupa está ficando bem em você", comprovando o pro­

cesso .

Sendo que a exigência sintática é mesma, temos:

~N
FICAR

+ V

+ SN^ - - - adv. de modo bem (em) + SN2

casos: Oe, L
AJUSTAR-SE

FICAR = RETER --- A*, B, 0/A=B

A =B 0
(2 S) Ma heAança, fiÁcou-Ae com a pasite melhofi. [ktin.eli.o)

Aplicando o teste para detectar agentividade: "O que "ele"

fez? — ficou (reteve) com a parte melhor"; ou "0 que "ele" fez

foi — ficar (= reter) com a parte melhor". "Alguém agiu, no

sentido de tomar para si (= reter) a melhor parte de uma heran­

ça.
163

Quanto ao caso Beneficiário, havíamos dito que os verbos

beneficiários agentivos exigem dois B. Mas isso para os verbos

de transação comercial ("comprar"). No exemplo acima, "reter a

parte melhor" refere-se à herança, e faz parte deste contexto.

Para comprovar a exigência de apenas um Beneficiário, podemos


B 0
analisar a proposição: "Eu herdei uma casa". FICAR, no senti­

do de "RETER a parte melhor de uma herança", tem, portanto ape­

nas um Benefactivo (agentivo). "A parte melhor", é o Objeto

(Semântico) da ação de FICAR = RETER.

A exigência sintática é um SN^ ("se" = alguém) e um SN2

acompanhado da preposição COM. Sendo FICAR = RETER, temos

FICAR

+ V

+ SN^ - - - (com) + SN2

casos: A*, B, 0/ A=B

RETER

A mesma frase (28), pode também indicar processo, uma vez

que "alguém" pode ter ficado com a parte melhor de uma herança,

sem ter agido para que isso acontecesse. Veja-se: "O que acon­

teceu a João? — ficou com a parte melhor da herança". A dife­

rença reside no Significado de FICAR: em (28), como vimos, FI­

CAR é igual a RETER (agentivo) e na mesma frase, processualiza-

da, FICAR significa CABER por quinhão, por sorte (conforme 19).

Neste caso, a frase terá a mesma análise de (19), isto é, B, O.

Como já temos um exemplo desta mesma ocorrência (19), não há

necessidade de considerar outro exemplo. Não concordamos, as­

sim, com o Dicionário Aurélio, quando cita o exemplo (28) ape­

nas como significando RETER EM SEU PODER.


164

FICAR = ESCOLHER --- A, O

A 0
(2 9) 0 aluno fiZcou com o lLvh.0 de cAÔnZcab.

A ação pode ser detectada pelos testes de Chafe: "0 que o

aluno fez? — ficou (= escolheu) com o livro de crônicas" ou

"O que o aluno fez foi — ficar (= escolher) com o livro de crô­

nicas" . Fica assim detectada a agentividade, pois que "o alu­

no" agiu, escolhendo o livro.

A exigência sintática é um SN^ (função de sujeito: "o alu­

no") e um SN2 (objeto sintático: "o livro de crônicas") acom­

panhado da preposição COM.

Sendo que FICAR = ESCOLHER, temos:

FICAR

+ V

+ SN^ - - - (com) + SN2

casos: A, 0

ESCOLHER

FICAR = APARENTAR --- 0, E

(0J _ (E>
(30) Nao iaca ít>to: nao &lca bem.

Detectando processo: "0 que acontece a isto? — não fica

(= não aparenta) bem".

Nesta acepção (FICAR = APARENTAR), deve haver, obrigatoria­

mente, um Experienciador — aquele que tem a sensação da "apa­

rência". Colocando a frase na forma afirmativa, temos: "Isto

fica bem", que deixa subentender "fica bem para alguém" (E).

Sintaticamente, temos um SN^ ("isto") e um advérbio de mo­

do ("bem"). Podemos ter, também, um adjetivo, como: "Isto fica


165

feio", ou "Isto fica interessante" (adjetivos de experiência,nu­

ma análise semântica).

FICAR = APARENTAR, portanto:

FICAR

+ V

adv. modo

adj. exp.

casos: 0, E

APARENTAR

FICAR = FALTAR --- 0, 0

0 0
(37) 0 tfiabatho faÁ.cou pofi ^azefi.

O processo pode ser detectado pelo teste: "0 que aconteceu

ao trabalho? — ficou (= faltou) por fazer".

0 SN^,função de Sujeito ("o trabalho") é obrigatório, como

também o SN2 , na função de objeto ("por fazer" — oracional).

O significado de FICAR ê FALTAR. Portanto:

. N.
FICAR

+ V

+ SN^- - - por + SN2 (oracional)

casos: 0, 0

FALTAR
166

Eis, em resumo, a análise das frases de acordo com c Gramã-

tica de Casos:

A=° L
(1) João ficou em casa.

0_ L
(2) João ficou em casa.

E=0
(3) Durante dias ficou triste.

(4) Vao-se os homens, porém suas obras ficam.


A=0 C
(5) João ficou com Maria.

O C
(6) João ficou com Maria.

B=0
(7) Maria ficou bem (de vida).

*C
*r

E O
(8) Maria ficou alegre com a notícia.

(9) João ficou velho.

A=0
(10) João ficou calmo.

B=0
(11) Maria ficou bem de vida.

O 0
(12) Ele ficou para chefe.
FICAR = ESTAR SITUADO -------------- Oe, L
Oe L
(13) Brasília fica no Planalto Central.

FICAR = PROMETER ------------ :


---- A, O, E

(A) O (E)
(14) Ficou de trazer a resposta hoje.

FICAR = SER ADIADO -------------- O, T

O T
(15) Este assunto fica para amanhã.

FICAR = SOBRAR

O
(16) Não lhe ficou um s5 livro.

FICAR = COMBINAR A, *E, 0/A=E

A=e 0
n» Afinal,
, ficamos de voltar imediatamente.
(17)

FICAR = CUSTAR ------------------ 0, 0

O 0
(18) Cada um dos livros ficou em 25 cruzados,

FICAR = CABER^ ------------------ O, B (por sorte, por quinhão)

0 B
(19) Recebeu a parte da herança que lhe ficou.

FICAR = CABER2 ------------------ 0, E (por responsabilidade)

O E
(20) Isto fica por sua conta.
168

0 (A)
(21) Disse três palavras e nisto ficou.

(A=0) (L)
(22) Ao ver-me, ficou.

FICAR = RESULTAR -------------- 0, O

O
(23) Da abundância de pau-brasil na Terra de Santa Cruz, lhe fi-
0
cou o nome de Brasil.

FICAR = COMPRAR --------------- A, *B, 0, B/A=B

(A=B) O (B)
(24) Acabou ficando com a mercadoria.

FICAR = FICAR EM POSSE DE ------ B, 0, B

(B) O (B)
(25) Acabou ficando com o dinheiro (que achou.)

FICAR = AJUSTAR-SE

Oe L
(26) Esta roupa lhe fica bem.

O L
(27) Esta roupa lhe fica bem.

FICAR = RETER ----------- ----- A, *B, 0/A=B

A=B 0
(28) Na herança, ficou-se com a parte melhor,

FICAR = ESCOLHER ------------ A, O

A 0
(2 9) 0 aluno ficou com o livro de crônicas,

FICAR = APARENTAR -- :
--- ---- 0, E

(O) (E)
(30) Não faça isto: nao fica bem.
169

FICAR = FALTAR -------------- O, O

O O
(31) O trabalho ficou por fazer.

A, *0, L/A=0
0, L
E / *0/E=0
1. PERMANECER 0
A, *0, C/A=0
0, C
B , *0/B=0

E, 0
0
2. TORNAR-SE A/ *0/A=0
B, *0/B=0
O, 0

3. ESTAR SITUADO

4. PROMETER

5. SER ADIADO

6. SOBRAR

7. COMBINAR

8. CUSTAR

FICAR = 9. CABER

10. CABER

11. PARAR

12. RESULTAR O, 0

13. COMPRAR - ■A, *B, O, B/A=B

14. FICAR EM POSSE DE — B, 0, B

15. AJUSTAR-SE Oe, L


O, L
16. RETER ------------- A, *B, 0/A=B

17. ESCOLHER ---------- -A f O

18. APARENTAR --------- -°/ E

19. FALTAR ------------ -°t 'O

■N
CONCLUSÃO

Embora as principais conclusões já tenham sido apresenta­

das no decorrer do trabalho, necessário se faz retomá-las aqui,

para que fique mais claro o alcance dos objetivos propostos na

introdução.

Pela análise que acabamos de fazer (capitulo 3), foi pos­

sível observar que, dentre as 31 (trinta e uma) ocorrências do

verbo FICAR, 19. expressam acontecimento; 10 expressam ação;

apenas 2 (duas) expressam estado. Neste último caso (estado),as

predicações são locativas. Revisando:

Oe L
(13) Brasília fica no Planalto Central.

Oe L
(26) Esta roupa lhe fica bem.

Assim, concluímos mais uma vez que a classificação do verbo

FICAR como verbo "de estado" não está adequada nas nossas Gra­

máticas Tradicionais (relembramos a frase, por exemplo: "0 por­

teiro ficou pálido", classificada por Celso Cunha (1985:128)co­

mo verbo de estado e que, segundo a nossa análise, traduz um

processo).
171

A nossa proposta inclui então, e primeiramente, uma revisão

na definição de verbo: que as idéias de "mudança de estado" e

dé "permanência num estado" não fiquem incluídas na classifi­

cação de "estado", mas sim, na de "processo"; e que a noção de

processo seja, por sua vez, distinguida das noções de "estado"

e "ação" (conforme página 10 do capítulo 1 deste trabalho).

Além disso, para a Gramática Tradicional, sugerimos um

tratamento mais consistente para a polissemia verbal, visto que

a lacuna existente quanto a este aspecto, obscurece as várias

possibilidades de uso da linguagem e, mais particularmente, do

signo lingüístico.

Estudando mais atentamente a Gramática de Casos, chegamos

â conclusão de que apresenta, na verdade, um modelo mais abran­

gente e capaz de explicar — em poucos termos — não só a po­

lissemia verbal, como também as relações semânticas do verbo

com os seus nomes e as relações entre verbos. Acreditamos que,

em se partindo do Verbo, para a análise de uma oração, se possa

ver com mais clareza a função do(s) nome(s) que o cerca(m). A-

creditamos também, que muitos dos embaraços surgidos numa aná­

lise sintática tradicional, decorrem de partir-se em primeiro

lugar do nome. Tomemos, por exemplo, a frase:

João ganhou um livro.

Uma frase fácil de analisar sob o ponto de vista sintáti-

co-tradicional. Nossos alunos não teriam dificuldade em procu­

rar primeiramente "quem é que ganhou alguma coisa" e encontraro

sujeito "João",* passariam em seguida a procurar "o que João ga­

nhou" e encontrariam o objeto "um livro". Ficaria assim anali­

sada a frase, sob o aspecto imprescindível da análise sintática.

Mas nossos alunos estariam privados do aspecto semântico, de


172

identificar "João" como Beneficiário, e, portanto, de encontrar

a "qualidade" do nome e o papel que representa no processo.Além

disso, como incluir o verbo "ganhou" em estado ou ação?

Se partirmos do Verbo e verificarmos primeiramente se ex­

pressa ação, estado ou processo, teremos também uma classifica­

ção semântica para os seus nomes: Assim, "João" será o benefi­

ciário de um processo, pois que "ganhar" assim o exige. Como

"ganhar" exige também um objeto(não apenas sintático, mas tam­

bém semântico), verificar-se-á que "um livro" é objeto do pro­

cesso verbal, e não de uma ação, como propõe a Gramática Tra­

dicional (a maioria dos autores define, por exemplo Rocha . Li­

ma — o objeto direto como o paciente da ação verbal).

A Gramática de Casos revelou-se-nos, assim, a grande cum­

pridora da tarefa de analisar a polissemia verbal, pela sua

proposta de "casos subjacentes". Mas como as funções "de super­

fície" (funções gramaticais como Sujeito e Objeto) são igual­

mente relevantes, a sintaxe gerativa cumpriu o seu papel. Se­

mântica e Sintaxe integradas ao nível referencial (escolha de

determinado signo pelo falante), possibilitou-nos chegar às

diferentes entradas lexicais do verbo FICAR e comprovar assim a

sua polissemia.

Quanto ao estabelecimento do "corpus", foi o Dicionário Au­

rélio quem nos poupou o primeiro passo, a paciente tarefa de

verificar os diversos usos do verbo FICAR: à exceção de três sig­

nificados ("escolher", "aparentar", "faltar") encontramos ali

as ocorrências mais freqüentes do verbo em estudo. Tais ocor­

rências, aliadas ã nossa observação e introspecção, constituem

o que acreditamos ser usado atualmente com o verbo FICAR.

Quanto à Gramática de Casos, podemos ainda concluir que,


173

sendo uma análise intra-oracional, revela-se um primeiro passo

para uma análise inter-oracional (análise do discurso), cons­

tituindo assim uma base semântica para a passagem da análise

da frase â análise do texto.


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