Wallon Educação
Wallon Educação
Wallon Educação
Resumo
Abstract
This paper focuses on the contributions from Henri Wallon about the
relationship between cognition and affectivity in the education. It also
defines the complex interdependency between affective and cognitive
dimensions of such theory and emphasizes the notion of engaged person
as a fundamental synthesis to understanding the relationship between af-
fectivity and cognition in the educational field. This article also highlights
the importance of dialectical and humanist view of integral person for
educational practices and it incorporates the idea of “fundamental circu-
larity” of Francisco Varela aiming to updating the view of Wallon about
non-separateness between human beings and world.
Keywords: affectivity; cognition; education; Henri Wallon; fundamental
circularity.
Introdução
Por mim eu matava, tocava fogo e depois jogava o resto no mar. Não gosto
dele, nunca gostei. Minha mãe diz que ele é meu pai, mas não considero.
Saber fazer, soube. Às vezes, vai lá em casa, não mora mais com minha
mãe, e vai dando um de valente, que “butar” ordem, “butar” moral [...]
Ele veio dá um tapa na minha cara, minha mãe se meteu, se tivesse dado
ele ia vê... Pedi uma arma ao pessoal da esquina só esperando ele dá-lhe,
tava doida que ele desse, não dormi de noite só esperando, ele ia logo,
logo pra debaixo do chão (Gudimylla, 13 anos).
Eu vinha para o curso, aí a policia mandou parar, eu não tinha nada “haver”,
estava passando na esquina da escola Costa Porto, ai eles mandou ficar
de costa na parede, revistou dando tapa e dizendo gracinha, e ai foi logo
perguntando onde tava o roubo. Vocês são ladrão, eu sei, a gente escutava
e ficava calado. Aí mandou a gente baixar as calças e ficar nu na parede ai
depois mandou a gente ir embora (Lucas, 14 anos).
Afetividade em Wallon
Cognição em Wallon
A noção de pessoa apresentada por Wallon aponta para uma síntese dos
conjuntos funcionais (afetivo, motor e cognitivo) e para integração dinâmica
entre o orgânico e o social. Sua posição teórica era contrária à compreensão do
humano de forma fragmentada.
mecânica quântica, por exemplo, foi com frequência utilizado para se aderir a
um tipo de subjetivismo no qual a mente por si só “constrói” o mundo.
Quando nos voltamos para nós mesmos, para fazer de nossa própria mente
nosso tema de reflexão, fazendo uso da atenção consciente ou incorporada, que
é precisamente o que as visões integrais parecem fazer, nenhuma dessas posi-
ções – a que supõe um observador desincorporado ou a que supõe uma mente
desterrada – é adequada. É possível perceber nas duas posturas a manutenção
da tensão entre ciência e experiência.
Ir além dessas oposições constitui um desafio à reflexão contemporânea,
pois nenhum dos extremos funciona para uma sociedade pluralista. Negar a
efetividade de nossa própria experiência no estudo científico de nós mesmos
não é apenas insatisfatório, corresponde a transformar o estudo científico de nós
mesmos em um estudo sem objeto. No entanto, supor que a ciência não pode
contribuir para uma compreensão de nossa experiência pode ser abandonar, no
atual contexto, a tarefa da autocompreensão.
Varela, Thompson e Rosch, baseados nas ideias de Merleau-Ponty e de
Nagarjuna, traçam um percurso de reflexão no qual é possível perceber a pre-
sença do “sujeito engajado” proposta nas perspectivas educacionais críticas.
Tomando como exemplo um pesquisador refletindo sobre o que é ser humano,
assim como Wallon, eles começam destacando os níveis mais básicos presentes
nesta reflexão: a base biológica e as respostas por meio da conduta.
Esses autores dizem que é “somente porque essa estrutura, o cérebro, passa
por interações em um ambiente, que podemos rotular a conduta resultante [...]”.
Aqui estendemos “cérebro” como uma estrutura biológica. Assim, a pressupo-
sição básica da reflexão engajada, e de um sujeito concreto e engajado, é que
“podemos atribuir estruturas cerebrais específicas, mesmo que aproximadamente,
a todas as formas de comportamento e experiência. E, inversamente, mudan-
ças na estrutura cerebral se manifestam em alterações no comportamento e na
experiência” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 27). Isso reafirma a
noção de inseparatividade entre homem e mundo, presente na busca de síntese
dialética walloniana.
Assim, no nível básico de uma reflexão engajada, há uma interdependên-
cia ou “especificação mútua” entre a estrutura biológica e o comportamento/
experiência. Nas palavras de Wallon teríamos desde o início a integração
organismo meio.
Avançando nessa reflexão, percebemos que essas descrições de fenômenos,
tanto biológicos quanto mentais, devem por sua vez ser produto da estrutura do
nosso próprio sistema de reflexão. Existe uma interdependência entre o processo
de descrição científica e a nossa própria estrutura reflexiva como pesquisador.
Quando estamos realizando esse processo reflexivo sobre a noção de
“homem”, fica claro que esse ato não surge do nada. “Nós nos encontramos
realizando esse ato de reflexão a partir de um determinado background, no
sentido heideggeriano, de crenças e práticas biológicas, sociais e culturais”
(VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 28). Novamente temos a ideia de
que as estruturas biológicas encontram-se irremediavelmente ligadas ao meio,
aqui denominado de background.
Todo esse processo reflexivo não está ocorrendo mediante um “sobrevoo
do pensamento”, ele é engajado aqui e agora, enquanto o realizamos, como
apontam Varela, Thompson e Rosch (2003, p. 28): “[...] nossa própria postulação
de um tal background é algo que nós estamos fazendo; nós estamos aqui, seres
vivos incorporados, assentados pensando nesse esquema todo, incluindo o que
chamamos de background”.
Varela, Thompson e Rosch (2003, p. 29) apontam que essa reflexão de
forma engajada abre-se em “camadas que poderia continuar indefinidamente,
como um desenho de Escher”, contudo indica que o movimento de reflexão
engajada “ao invés de somar camadas de abstração continuada”, ou como
Merleau-Ponty diria, fazer um “sobrevoo de pensamento”, deveríamos “retor-
nar para onde iniciamos, para a concretude e a particularidade de nossa própria
experiência, mesmo no esforço da reflexão” (VARELA; THOMPSON; ROSCH,
2003, p. 29).
Assim, o desafio da educação da pessoa é estimular o processo de comple-
mentação continuado no giro dessa circularidade, de maneira que possamos ver
“nossas atividades como reflexos de uma estrutura, sem perder de vista nossa
experiência direta” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 29), ou seja, a
integração dos conjuntos funcionais e suas relações continuadas com o meio.
Quando pensamos um sujeito engajado, com base nesta visão de educação
voltada à integração walloniana, devemos nos atentar para a superação das ideias
que supõem um observador desincorporado ou que supõem uma mente “des-
terrada (disworlded)” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 22). Nesse
sentido, é fundamental a crítica aos três pressupostos básicos que sustentam
uma visão desincorporada, a saber:
• Habitamos um mundo com propriedades particulares, como extensão,
cor, movimento, som etc.
• Selecionamos ou recuperamos essas propriedades representando-as
internamente.
• Existe um “nós” subjetivo separado que realiza essas tarefas.
Esses três pressupostos, juntos, constituem um compromisso forte, frequen-
temente tácito e inquestionável com o realismo ou o objetivismo/subjetivismo
sobre a forma como é o mundo, sobre o que somos e como chegamos a conhe-
cer o mundo. E recebeu extensiva crítica desde Nagarjuna (KALUPAHANA,
Conclusão
Wallon, ainda indica que mesmo que seja difícil alcançar a meta da proposta de
integralidade, ela não deve ser abandonada, pois a compreensão da pessoa como
ser total nos conduz a um constante movimento produtor de transformações.
Nesse contexto, pensar a educação a partir da teoria walloniana pressupõe
uma ruptura nas finalidades formativas dos sistemas educativos atuais. Isso é
importante para marcar a posição que a educação não é um processo apenas
intelectual, como aponta Gadotti (2000, p. 10), ela visa ao: “Desenvolvimento
integral da pessoa: inteligência, sensibilidade, sentido ético e estético, respon-
sabilidade pessoal, espiritualidade, pensamento autônomo e crítico, imaginação,
criatividade, iniciativa. Para isso não se deve negligenciar nenhuma das poten-
cialidades de cada indivíduo.”
Tendo a pessoa como o eixo articulador dos diversos conjuntos funcionais
e de suas relações com o meio, a teoria walloniana permanece atual, capaz de
dialogar com as contribuições recentes no campo das teorias psicológicas,
como é o caso da “circularidade fundamental” de Varela, Thompson e Rosch,
que aponta a possibilidade de pensarmos a formação do sujeito engajado, sem
os extremos dualistas.
Assim, o desafio de qualquer proposta educativa apoiada nas reflexões
wallonianas é não se tornar mais um instrumento de adequação das pessoas
aos modelos perversos de opressão que imperam nas relações sociais baseadas
nos modelos econômicos dominantes. De maneira que, os diversos saberes e
aprendizagens que emergem das propostas integrativas não devem ser associados
à ideia de desenvolvimento de um indivíduo qualificado e criativo para compor
uma máquina perversa; isto distorceria a visão dialética, política e crítica de
Wallon e não favoreceria a formação da pessoa engajada, que em última instância
confunde-se com a noção de sujeito ético.
REFERÊNCIAS
VARELA, J. F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. Mente incorporada. São Paulo: Artes
Médicas, 2003.