A Escravidao Na America Latina e No Cari

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ISSN: 2177 - 0786

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 2


ISSN: 2177 – 0786

Ilustração da capa: Quadro Escena Patriótica de Johann Moritz Rugendas


séc. XIX.

EDITORES-CHEFE

Prof. Cléber Roberto Silva de Carvalho


Prof. Pablo Michel C. A. Magalhães
Prof. Rafael de Oliveira Cruz

EQUIPE DE EDIÇÃO

Aldo Rabelo de Amorim


Dielson da Silva Vieira
Maria do Socorro Fonseca
Tadeu Henrique Araújo Silva

ARTE E DESIGN

Christoval Araújo Júnior

CONSELHO EDITORIAL

Profª Dra. Lina Maria Brandão de Aras Profª Ms. Andréa Bandeira (UPE)
(UFBA) Prof. Ms. Harley Abrantes (UPE)
Prof. Dr. Nilton Almeida ( UNIVASF ) Prof. Ms. Moisés Almeida (UPE)
Prof. Ms. Reinaldo Forte (UPE) Profª Ms. Sheyla Farias (UPE)

OBJETIVO DA REVISTA

A Revista Historien é uma produção do Grupo de Estudos Históricos Sapientia


et Virtute, sendo que seus membros são discentes da Licenciatura Plena em
História da Universidade de Pernambuco - Campus Petrolina, juntamente com
professores do corpo docente do referido curso. A proposta da Historien é o
incentivo a produção textual dos alunos da licenciatura, visando a expansão do
conhecimento em história por meio da produção dos próprios acadêmicos.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer


meio. A violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido
no artigo 184 do Código Penal.

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Petrolina – PE, Nº 5 – jun./nov. 2011

Sumário

EDITORIAL .............................................................................................................. 6

HISTORIA EM FOCO

- ARGENTINA: DE VICE-REINO A UM ESTADO DE PROVÍNCIAS. ......................... 9


Leonardo Mercher

- EL CHOQUE FINAL ENTRE DOS REVOLUCIONES: DE LA EXPEDICIÓN


NAPOLEÓNICA A LA INDEPENDENCIA DE HAITÍ. .............................................. 26
Juan Francisco Martinez Peria

- LA REVOLUCIÓN HISPANOAMERICANA: UMA CARACTERIZACIÓN................... 48


Germán Ibañez

- BICENTENARIO DE LA INDEPENDENCIA ARGENTINA: UNA PERSPECTIVA


DESDE LA HISTORIA ECONÓMICA ..................................................................... 74
Agustina Vence Conti
E. Martín Cuesta

- EL BICENTENARIO SEGÚN LISA SIMPSON O LA CONSTRUCCIÓN SOCIAL DE


LOS HÉROES.......................................................................................................... 88
Julio Osaba

- LA CRISIS DEL CONVIVIR EN LA HISTORIA Y LA CULTURA REPUBLICANA EN


CHILE....................................................................................................................101
Jorge Rueda Castro
- EL "NUEVO MUNDO" EN EL ESPEJO DE EUROPA - REFLEXIONES SOBRE LA
CONSTRUCCIÓN IDENTARIA ESTATAL...............................................................126
Natalia Bustelo

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ARTIGOS

- POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO: UMA HISTÓRIA DE ESBULHOS DAS


TERRAS, CONFLITOS E DE MOBILIZAÇÃO POR SEUS DIREITOS..................139
Edson Silva

- HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS DO FAZER


PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA.............................................................156
Silvano Fidelis de Lira)

- ENTRE MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO: PELO FIM DE UMA LONGA MÁ


CONSCIÊNCIA.............,,,,,,,....................................................................................167
Ulisses do Valle

- A DEMONIZAÇÃO DO PARAÍSO: FÉ E RELIGIOSIDADE NO BRASIL


COLONIAL............................................................................................................ 183
Márcio Douglas de Carvalho e Silva

- AÇÃO JESUÍTICA E CATOLICISMO NO BRASIL COLONIAL DO SÉCULO


XVI........................................................................................................................ 204
Emanuel Luiz Souza e Silva

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 5


Prezado leitor,

Nos últimos anos, a historiografia latino-americana tem dedicado um


interesse especial em discutir os fatores que conduziram ao processo de
emancipação das colônias luso-espanholas no princípio do século XIX. No
Brasil em especial, notamos que a partir de 2008 um crescente interesse pelos
aspectos que marcaram a vinda da Corte Portuguesa em 1808 e a consolidação
de nossa independência política em 1822.
Outras nações latino-americanas, colonizadas em sua maioria pela
Espanha, também empreenderam estudos acerca de seus movimentos
emancipacionistas. A idéia da presente edição nasceu em 2010, quando um
dos integrantes da Revista Historien, Christoval Araújo em parceria com o Prof.
Dr. Eduardo Martín Cuesta, propuseram uma edição conjunta entre
pesquisadores brasileiros e outros historiadores da América Latina.
A proposta concretizou-se e agora apresentamos a quinta edição da
Revista Historien em que navegaremos no debate do Bicentenário da
Independência das Nações Latino- Americanas.
Em Argentina: de vice-reino a um Estado de províncias, Leonardo Mercher
busca relatar como através de processos políticos regionais, durante o século
XIX e XX é formado o estado argentino. Juan Francisco Martinez Peria, propõe
um estudo acerca da última etapa da Revolução do Haiti, seu artigo é: El
choque final entre dos revoluciones: De la expedición napoleónica a la
independencia de Haiti.
Germán Ibañez introduz a questão da descolonização como dimensão
fundamental a ser explorada nos processos de independencia, seu artigo La
Revolución Hispanoamericana: Una caracterización, aborda o processo
revolucionário hispanoamericano com a culminância da independência de
maior parte da América espanhola.
Eduardo Martín Cuesta escreve junto a Agustina Vence Conti o artigo
Bicentenário de la Independencia Argentina: una perspectiva desde la historia

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econômica, ensaiando algumas perguntas acerca das características gerais da
economia do que hoje é o espaço da República Argentina através da observação
de três momentos históricos: 1810, 1910 e 2010.
Com uma proposta no mínimo inovadora, Julio Osaba escreve El
Bicentenário Según Lisa Simpson o la Construcción Social de los Héroes. O autor
trará uma visão acerca do Bicentenário no Uruguai usando a figura do Herói
nacional, sua construção e desejo social, para isso, fará um contraponto com o
ícone Lisa Simpson, do desenho animado Os Simpsons.
Jorge Rueda e Laura Rueda nos brinda com o artigo La Crisis del
Convivir en la Historia y la Cultura Republicana en Chile, descrevendo aspectos
na construção e historiografia da república chilena como sendo uma nação que
assim fixada nas elites dominantes se encarregou de construir fronteiras
culturais e de identidade.
Lina Constanza Díaz Boada no texto La Élite Local ante la crisis de la
Monarquía Española: Redes Sociales de Poder em el Cabildo de Pamplona –
Virreinato de Nueva Granada, 1800-1810 analisa as diversas respostas
desenvolvidas pela elite de Pamplona de Indias no Vice-Reinado de Nova
Granada, em 1810, diante da crise da monarquia espanhola. E finalizando a
História em Foco, Natalia Bustelo escreve El Nuevo Mundo en Espejo de Europa:
Reflexiones Sobre la Construcción Identitaria Estatal, uma análise dos traços de
imagens que foram usadas para representação do nacional e do latino-
americano e sua relação com a Europa.
Edson Silva no artigo Povos Indígenas do Sertão: Uma História de
Esbulhos das Terras, Conflitos e de Mobilização por seus Direitos discute sobre
a atual situação dos povos indígenas no interior do Nordeste; Silvano Fidelis de
Lira escreve Histórias em Quadrinhos: Possibilidades e Perspectivas do Fazer
Pedagógico no Ensino de História em que trata das possibilidades de utilização
de um instrumento de fácil acesso aos estudantes dentro da sala-de-aula e
suas possibilidades de enriquecimento do conhecimento transmitido aos
alunos.

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Abordando a temática História e Memória, temos o artigo de Ulisses do
Vale com o trabalho Entre Memória e Imaginação: Pelo Fim de uma Longa Má
Consciência buscando refletir acerca do debate dentro do meio acadêmico sobre
a relação entre a História e a Memória.
Por fim, dois artigos que abordam o Brasil Colonial: o primeiro de Marcio
Douglas de Carvalho e Silva, A Demonização do Paraiso: Fé e Religiosidade no
Brasil Colonial em que aborda as relações entre a religião oficial trazida pelo
colonizador europeu e as diversas manifestações religiosas surgidas no Brasil a
partir das influências de elementos africanos e indígenas; e o segundo de
Emãnuel Luiz Souza e Silva, Ação Jesuítica e Catolicismo no Brasil Colonial do
Século XIX que faz uma análise do padre jesuíta Luís da Gram em sua
propagação da fé católica no Brasil do século XVI.
É com imensa satisfação que reafirmamos com compromisso do iniciado
em novembro de 2009, nós do Grupo “Sapientia et Virtute” e do Departamento
de História da Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina, em ampliar e
divulgar o conhecimento entre pesquisadores de História e diversas áreas do
conhecimento das Ciências Humanas e Sociais de diversas regiões do Brasil e
agora com a colaboração de pesquisadores de diversas regiões do continente
americano. Não poderíamos deixar de transmitir o nosso agradecimento a
Maria Fernanda Sabio pelo apoio na idealização e construção dessa edição.

Boa leitura!

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

ARGENTINA: DE VICE-REINO A UM ESTADO DE


PROVÍNCIAS

Leonardo Mercher1

Resumo: O presente artigo busca descrever, através de processos


políticos regionais, no século XVIII e XIX, a formação do Estado
argentino. É proposto um estudo em que a atuação inicial do Vice-Reino
do Peru interferiu na criação do Vice-Reino do Prata, bem como a
instabilidade entre as províncias platinas marcou todo o processo de
independência e de consolidação conflituosa na Argentina do século
XIX. A metodologia usada consiste em revisão de literatura em
abordagem histórica e da ciência política. Os resultados obtidos
reforçam o papel do Vice-Reino do Peru nos processos de criação do
Vice-Reino do Prata e que, os conflitos gerados em sua criação
determinaram os processos políticos de independência e consolidação
da Argentina.

Palavras-chave: Argentina. Independência. Geopolítica.

INTRODUÇÂO

Dada a colonização de boa parte do continente americano pela


Espanha, a grande extensão territorial exigiu desta metrópole uma
logística administrativa capaz de garantir os interesses de sua Coroa e
o comprometimento dos colonos. A produção de insumos que
1
Mestrando em Ciência Política pela UFPR. Graduado e Especialista em Relações Internacionais pela
PUC-Rio.Endereço: Rua Alferes Poli, 381/604, Centro. Curitiba, PR. CEP: 80230-090.Contatos: 41-
8515-6222; [email protected]

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

abasteciam a metrópole era o grande foco das preocupações espanholas


no Novo Mundo. Os bens obtidos nas colônias americanas precisavam
valer os investimentos na região. No século XVI a América espanhola é
dividida em Vice-Reinos e Capitanias para facilitar o controle espanhol
contra investidas de potências estrangeiras e das populações nativas,
bem como reforçar a presença da Coroa e seus interesses no
continente. Porém, essa decisão trouxe ao continente uma autonomia
administrativa fragmentada.
Nos séculos XVI, XVII e XVIII a América espanhola dividiu seu
poder em duas cidades construídas sobre as ruínas dos impérios pré-
colombianos; a Cidade do México, sobre as estruturas astecas; e Lima,
entre o Pacífico e as terras andinas dos incas. Aproveitando parte dos
caminhos que integravam os povoados andinos sob domínio inca, a
cidade de Lima tornou-se, ainda no século XVI, em 1543, o centro
administrativo de toda colônia espanhola na América do Sul. Os
produtos agrícolas, minerais e as demais produções da região seguiam
pelas cordilheiras ate chegarem à capital do Vice-Reino do Peru. De lá,
desciam até o litoral, sob forte guarda, para seguirem viagem até a
Espanha. Essa centralidade em Lima permitia melhor logística de
controle e defesa no escoamento dos bens coloniais à Europa.
Apesar de ser o polo administrativo da Coroa na região, a
diversidade territorial, dos materiais e de suas explorações, ao longo de
todo o continente, fez surgir especificidades e interesses econômicos
locais, que nem sempre se harmonizavam com as medidas vindas dos
Andes. A grande produção mineral nas costas dos Andes, a exploração
tropical ao norte e a produção de couro e outros materiais da
agropecuária ao sul fizeram com que surgissem pequenas elites
econômicas com interesses próprios. A centralização em Lima, já na
segunda metade do século XVIII, passou a gerar gastos e conflitos no
continente por aqueles que defendiam, ao menos, o direito de suas
regiões terem uma relação direta com a metrópole.
Atendendo à necessidade de melhorar a produção regional
especializada, e também minimizar os choques regionais, a Espanha

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

firma um relacionamento direto com o Cone Sul do continente e seus


polos de produção. Em 1776, é criado o Vice-Reino do Prata – o último
a surgir antes dos processos de independência. Essa decisão da Coroa
espanhola se impôs sobre fortes protestos locais, como os de Assunção,
Córdoba e de Montevidéu, principalmente por ter elevado Buenos Aires
à sede administrativa de toda a região, que hoje equivaleria aos atuais
Estados da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e parte do Chile e do
Brasil. A partir de 1776 surge um período marcado por instabilidades
políticas nas Américas e na Europa.
Com as independências dos Estados Unidos e do Haiti; o
fortalecimento das elites locais; a ocupação da metrópole pelas tropas
francesas e; com os novos ares iluministas e liberais a chegarem,
levantes regionais se multiplicam e resultarão aos processos de
independência. Em 1810 surge, em Buenos Aires, o primeiro governo
argentino; apoiado por um conjunto de cidades que não tardaram a
ressuscitar velhos desagrados político-administrativos. Após quase
quarenta anos como sede administrativa colonial, 1778-1810, Buenos
Aires tenta, junto ao processo de independência, manter centralizado
em si o novo corpo político nacional.
A nova capital entra em choque com as velha rivalidades internas
do Vice-Reino do Prata que, por sua vez, traz desentendimentos à toda
região. A relação entre capital e interior será conflituosa por quase todo
o século XIX, resultando em períodos de fragmentação do Estado. As
tentativas de unir em uma só nação todas as antigas cidades e
províncias produziram muitos acordos desgastados em acirrados jogos
de poder. O processo de independência da Argentina não pode ser
pensado apenas em sua proclamação, como um Estado-Nação livre,
mas sim em sua trajetória ao longo de todos os processos conflituosos
entre; governos locais e interesses nacionais; interior e litoral e; entre
Buenos Aires e as demais províncias.
Se hoje a Argentina é concebida como uma federação, deve-se
ressaltar que a mesma passou por negociações políticas intensas até
que, em 1880 ficou acordado em comum que, a partir de então, os

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

atuais governos platinos aceitariam formar e atuar como uma só nação.


Ao longo deste artigo seguem abordagens de alguns dos principais fatos
a marcar esse processo que se inicia, desde as intervenções regionais
pelo Vice-Reino do Peru até o desenrolar conflitante dos interesses
locais para se integrarem à Buenos Aires em um Estado independente.

Andes e Prata, um desequilíbrio no Vice-Reino do Peru

As estruturas coloniais espanholas na América, divididas por


níveis regionais, foram planejadas para facilitar a administração dos
recursos coloniais, assim como para otimizar a defesa em relação as
demais potências europeias. As maiores estruturas administrativas
eram os Vice-Reinos que, em seus núcleos de povoamento, vilas e
cidades, contavam com uma organização administrativa local,
centralizadora e dirigida pelos vice-reis. Essas estruturas continentais
eram compostas por três órgãos; audiência, cabildo e igreja.
O primeiro incorporava a câmara de justiça, as funções judiciais e
seus respectivos controles. O segundo, comumente denominados
cabildos “cumpriam funções em teoria municipais, mas que, tratando
de cidades tão distantes entre si, na verdade, exerciam todas as
funções do governo, incluindo as militares” (LUNA, 1995, p.12). Por
último tinha-se a igreja como órgão de equilíbrio, bem como
“legitimador” dos dois primeiros órgãos à população local. Enquanto
que a Igreja possuía o poder divino permanente, concedido por Deus, os
governos políticos possuía o poder divino provisório, quando
reconhecidos pela Igreja Católica. Assim se tornava legítimo para os
cristãos o exercício do poder em suas vidas (PEREIRA, 2007, p.52).
Já o Vice-Reino do Peru era responsável pela relação entre a Coroa
espanhola e as cidades coloniais sul-americanas. Era também
responsável pela fiscalização comercial e defesa de toda região. A
centralidade litorânea de Lima na colônia espanhola – também
protegida pela Cordilheira dos Andes – a tornou eficiente aos interesses
da metrópole para escoar a maior parte dos produtos coloniais nos

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séculos XVI, XVII e, em parte do XVIII. Entretanto, apesar de melhor


posicionada, Lima também contava com pontos desfavoráveis,
principalmente após o crescimento de investidas e povoamentos no
Novo Mundo. Ainda que pudesse ser o centro das rotas comerciais
espanholas no continente, sua ligação com o Pacífico estendia o tempo
das viagens marítimas por longos recortes no litoral do continente. A
opção de atravessar os rios selvagens amazônicos até o mar do Caribe
também se mostrava pouco segura.
Todavia, essas desvantagens foram solucionadas pela Espanha
que restringiu os gastos mercantes entre os dois continentes fazendo
apenas duas grandes viagens por ano. Atuando em larga esquadra,
para fazer frente aos assaltos de piratas nos portos ou nos mares, a
metrópole viu mais vantagens em investir na defesa centralizada em
Lima do que em outras regiões, como na Bacia do Prata. Os portos
platinos, ainda que possuindo melhor potencial de rota direta, ao se
situarem em um dos dois grandes portões de entrada da América do
Sul (Bacia do Prata e Bacia Amazônica), estavam longe demais dos
centros de produção tropical – produtos de maior valor comercial na
Europa – e perto demais dos navegantes rivais; portugueses, franceses,
ingleses e holandeses. Assim, Assunção, Buenos Aires e Montevidéu
foram preteridas por Lima nos séculos XVI e XVII.

Os elementos condicionantes da localização da


atividade econômica na América colonial explicam
os motivos pelos quais o território argentino tenha
sido um dos menos desenvolvidos àquela época.
Suas terras não ofereciam elementos de atração
para a produção destinada à exportação. O território
localizado ao sul do Trópico de Capricórnio, a leste
dos Andes e a oeste do rio Uruguai não possuía o
tipo de recursos naturais de magnitude e localização
geográficas adequadas para que se convertesse em
centro importante da economia colonial (FERRER,
2006, p.21).

Por mais que fosse remota a transferência administrativa colonial


de Lima para cidades como Buenos Aires, os cabildos andinos se

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preocupavam com essa possibilidade. Uma nova rota de escoamento


colonial poderia surgir no Prata, invertendo a situação de controle
exercida nos Andes. Temendo essa perda política e econômica, os
cabildos centrais do Vice-Reino do Peru responderam às pressões das
pequenas elites dos Andes e firmaram um cerco fiscal aos platinos.
Apesar de Buenos Aires já sobreviver de contrabando desde sua
fundação, as demais cidades do interior platino eram dependentes das
rotas comerciais que levavam até Lima. Mesmo sendo Buenos Aires,
Assunção e Montevidéu cidades de maior facilidade para esse
escoamento, o medo da pirataria, que só iria diminuir no final do século
XVIII, tornava mais seguro o escoamento pelo norte do continente.
Este, por sua vez, criou obstáculos ao desenvolvimento das cidades ao
sul, impedindo que essas alcançassem algum ponto de concorrência
com os Andes.
Por ser capital do Vice-Reino, Lima ganhou a autonomia de cria
aduanas no continente para sustentar o crescimento de sua
infraestrutura e demais gastos regionais. No final do século XVII, e ao
longo de boa parte do século XVIII, a região platina recebeu aduanas
secas e, ainda que não fosse a mais rica das regiões, os postos de
fiscalização mantinham rígidos no controle dos fluxos comerciais,
“dificultando e impedindo a entrada de produtos espanhóis” (LUNA,
1995, p.6), tanto da metrópole, como das demais colônias. Até 1690 já
havia sido instaladas aduanas em Córdoba, Santiago Del Estero e
Jujuy, controlando as três rotas que ligavam a região ao norte do
continente.
A medida de cercar comercialmente toda uma região delimitou
uma área que sobreviveu através das trocas internas e da
especialização de produção. As cidades prejudicadas buscaram no
‘mercado interno’ suprir suas necessidades; Tucumán pela facilidade de
encontrar madeira buscou produzir em maior quantidade carretas e
outros derivados, Santiago Del Esterro apoiou-se na mão-de-obra
indígena para a produção têxtil e Córdoba em sua criação de mulas
próprias para o transporte na região. “Como já se sabe, os mercados

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costumam ser o pré-requisito para formar uma nação. A história fixava


o marco do que seria o território da futura Argentina” (LUNA, 1995,
p.7).
Essa situação, ao contrário do esperado pelos andinos, ao longo de
um século, fortaleceu a subsidiariedade da região e ampliou os
interesses da Coroa na região. Assim, ao tentar isolar as cidades da
região, Lima acabou por traçar as fronteiras do futuro Vice-Reino do
Prata que, posteriormente, em 1820, enviaria tropas para cidades
andinas e forçariam a independência do Peru. Portanto, os processos
que se deram na fragmentação do Vice-Reino do Peru, no século XVIII,
têm grande relevância para se entender o movimento de independência
e consolidação do Estado Argentino.

No Vice-Reino do Prata; a independência

O fato dessas cidades se encontrarem enclausuradas na mesma


situação não significou ainda que surgisse ali uma cooperação
harmônica, muito menos a ausência de rivalidades entre os cabildos
locais. Várias contendas passaram a ocorrer como; a questão das
vacarias entre Buenos Aires, Santa Fé e os conflitos do Porto, em 1730
e em 1804; os de Montevidéu junto aos cabildos da margem ocidental e;
as ameaças indígenas que levantaram conflitos entre as cidades do
interior e as litorâneas. Na segunda metade do século XVIII, as cidades
platinas já não obedeciam à Lima. Tentando evitar maiores conflitos e
perdas econômicas, a metrópole eleva, em 1776, toda região abaixo das
aduanas secas a Vice-Reino do Rio da Prata.
Os cabildos platinos, que até então eram subordinados ao governo
do vice-rei em Lima, ganham a oportunidade de defenderem seus
interesses específicos diretamente com outras regiões e com a Coroa.
Porém, o Vice-Reino do Prata presenciou, através da competição
interna, por autonomia política, a ampliação dos conflitos regionais. A
formação das elites econômicas em elites políticas, no final do século
XVIII, coincidiu com a fragilização da metrópole. Desde dívidas de

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

guerra – que aumentaram o peso dos impostos nas Américas – até a


instabilidade dos novos regimes no velho continente fez crescer um
movimento por autonomia que ganhou simpatizantes nesse cenário de
incertezas. Defensores portenhos do direito clássico espanhol, cujo bem
comum deveria ser maior do que qualquer interesse; “Obedeço, mas
não cumpro, que poderia ser interpretado como reconheço a autoridade
da Coroa, mas em determinados assuntos farei o que quero”
(SHUMWAY, 2008, p.25), defendiam que os cabildos platinos, que já
resistiam em acatar as ordens de Lima, tornassem ainda mais críticos
em acatar ordens de uma metrópole distante da realidade local.
A consciência de um interesse local e o exercício de sua defesa em
maior amplitude acabou por fortalecer uma identidade de autonomia
política e possivelmente o esboço de uma futura federação. Mas, como
dito anteriormente, os interesses das cidades platinas, nem sempre se
acordavam entre si. No Vice-Reino do Prata via-se uma dificuldade em
localizar, por exemplo, um centro político em liderança comum, que
todos aceitassem de bom grado. O caminho natural para a
compreensão da formação argentina é o de localizar na cidade de
Buenos Aires – a capital –, o ponto unificador desse novo Estado.
Entretanto, Buenos Aires sempre fora o pivô de muitos dos grandes
desentendimentos na região, desde o período do Vice-Reino até a
consolidação final da República, na década de 1880.
Logo em sua elevação à capital do Vice-Reino – em detrimento de
outras cidades importantes para a região, como Córdoba, Potosí,
Montevidéu e Assunção –, em 1778, Buenos Aires inflamou a rivalidade
das demais cidades que não aceitavam e nem compreendiam se
subordinarem a ela. Assunção, por exemplo, reivindicava ser sede por
ter sido a cidade de fundação mais antiga na região. Montevidéu fazia o
mesmo, alegando possuir maior porto e, Potosí por sempre ter
alcançado os maiores índices de produção no Prata. Em argumento da
Coroa, a escolha de Buenos Aires, segundo Félix Luna, defendeu-se por
que; “apesar de sua localização periférica, era o lugar ideal para se
construir resistência ao avanço português” (LUNA, 1995, p.21). Se

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Buenos Aires seria, de fato, a nova capital, a Coroa teve, ao menos, que
garantir às demais uma jurisdição própria.
Quando da invasão napoleônica na Espanha e a ausência de um
chefe real legitimo em liberdade, as colônias espanholas se viram em
uma nova situação política. Napoleão colocara seu irmão José
Bonaparte como novo rei de Espanha enquanto que a Família Real
Espanhola estava sob domínio e em cárcere francês. Já a única
herdeira em liberdade, a Infanta D. Carlota Joaquina também fora
negada, por Portugal e Inglaterra, de assumir sua posição de chefe de
Estado para com as colônias espanholas. Buscando autonomias que
defendessem interesses locais, o Vice-Reino do Prata rapidamente se
fragmentou em novos Estados e, Buenos Aires, ainda que com
dificuldades em ser reconhecida como capital administrativa colonial,
tentou buscar centralizar o movimento de independência na região e se
manter como capital.
Após Napoleão e a fragmentação do Vice-Reino do Prata, passando
pela proclamação de independência, em 1810, até a consolidação de
um Estado livre, em 1816, as províncias platinas e suas cidades
seguiram em crises políticas, principalmente ao terem que reconhecer,
mais uma vez, Buenos Aires como sede administrativa. Sem o apoio da
metrópole, sitiada pelos franceses, a cidade portenha teve grande
dificuldade em manter uma unidade política no Prata. Em 13 de maio
de 1810, quando as tropas inglesas anunciaram aos platinos que a
França napoleônica havia destituído o rei Fernando VII e o substituindo
por José Bonaparte – irmão de Napoleão – os portenhos, já nas
semanas seguintes incentivaram as elites locais para que, em 25 de
maio de 1810, se organizassem em uma junta que ficou conhecida
como marco inicial da Revolução de Maio ou da independência à
Espanha napoleônica;

Do cabildo de Buenos Aires emergiu o primeiro


órgão de governo argentino independente da
Espanha, conhecido na história como La Primeira
Junta. Os membros da Junta assumiram duas

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

tarefas principais: organizar um exército para repelir


os espanhóis favoráveis a Napoleão, em nome de
Fernando; e formar um congresso com
representantes das diferentes províncias para
governar o vice-reinado até que a ordem pudesse ser
restaurada. Em 25 de maio de 1810, portenhos de
todas as tendências políticas juraram obediência à
Primeira Junta [...] Embora os argentinos
considerem 25 de maio de 1810 como o Dia da
Independência, esse juramento só pode ser
considerado uma declaração de libertação da
Espanha no contexto dos confusos eventos políticos
da época (SHUMWAY, 2008, p.47).

O conflito político nas demais regiões do Prata, iniciado com o


surgimento da Primeira Junta em Buenos Aires, dividiu a sociedade
platina em pelo menos três grandes grupos; os que queriam a
independência naquele momento; aqueles que se mantinham fiéis à
Coroa napoleônica; e aqueles que desejavam maior autonomia política
negociável com uma Espanha livre. Os favoráveis à independência,
liderados, após 1812, por José San Martín – pai da pátria argentina –
conseguiram, em 1816, proclamar a independência total à Espanha.
Entretanto, as cidades do interior que defendiam a independência
queriam, não apenas se livrarem da metrópole europeia, como também
de Buenos Aires.
No próprio movimento pela independência, de 1810 até 1816,
iniciada pelos portenhos, teve resposta armada de Córdoba, Mendonça
e Salta através de uma contrarrevolução ainda em 1810.
Diferentemente de outras cidades administrativas coloniais, a futura
capital, Buenos Aires, não possuía força bélica suficiente para se impor
em liderança e teve que abrir negociações extensas e onerosas com
suas rivais. Cabildos do interior, por muitas vezes ignorados em seus
pedidos de ajuda aos do litoral contra ameaças indígenas, resistiram
por longo período até aceitarem fazer parte do novo governo que duraria
até 1820. O governo provisório de 1816 mal se instalara quando as
retiradas das tropas napoleônicas da Península Ibérica, simbolizadas
pela libertação de Madrid, em 1817, trouxe um novo período de

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incertezas que ressuscitaram os conflitos iniciais da Revolução de Maio.


Pela instituição de um primeiro governo provisório, de 1816 até
1820, baseado no diálogo entre os unitários e os federais – aqueles que
defendiam um novo Estado centralizador e aqueles que defendiam uma
união por autonomias subnacionais – a Argentina surge como um novo
Estado na região. Todavia, com as mudanças no velho continente, as
cidades platinas, suas províncias e suas elites caudilhas rapidamente
fomentaram crises e conflitos que levaram à secessão. Buenos Aires, ao
longo de boa parte do século XIX, tentará unificar e manter um Estado
argentino, sobretudo através dos jogos de cidades; se posicionar sempre
ao lado das cidades do interior que, por algum motivo, se rebelavam
contra os governos de suas províncias.
A cidade portenha era constantemente procurada pelas cidades do
interior que se indispunham com os caudilhos que as governavam de
suas províncias. Os governos provençais, para fazerem valer suas
políticas em seus territórios e cidades, acabavam por ter que enfrentar
Buenos Aires no campo político e, principalmente no econômico – visto
que, com os conflitos na região do Uruguai, a capital argentina tornara-
se um dos principais portos de escoamento para os produtos do
interior. Já a capital não hesitava em dar apoio aos interesses das
cidades beligerantes, objetivando enfraquecer as elites caudilhas locais
e, com isso, se manter em uma posição menos vulnerável à coalizão de
suas rivais.
Entretanto, ainda assim, a posição da capital não era das mais
confortáveis, pois o jogo de equilíbrio de poder com as cidades e
províncias não era capaz de solucionar todos os conflitos e resultando
em outros processos de fragmentação do Estado no século XIX. A
dinâmica frágil entre os governos locais do recém-criado Estado
argentino, bem como a tentativa de centralizar as decisões em Buenos
Aires, fez com que a Argentina passasse boa parte do século XIX em
lutas internas, se fragmentando, acordando as partes, reunificando-se
e se desentendendo novamente. A independência tornou-se então
apenas uma das tantas outras etapas político-históricas para se chegar

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à consolidação do atual Estado-Nação argentino.

A questão da unidade nacional

O Estado-Nação é classicamente definido como a somatória entre


três aspectos: território, população e governo. O território refere-se “ao
espaço geográfico de cada Estado, delimitado por fronteiras
reconhecidas por outros Estados e dentro do qual esta unidade política
individual possui soberania e autonomia política” (PECEQUILO, 2004,
p.43). Ao longo da interação entre esses três pilares, seriam criados
símbolos gerais e uma identidade a os unir numa só nação. A
Argentina, bem como quase todos os novos Estados que surgiram na
América do século XIX, teve dificuldades em encontrar um vínculo
entre sua população e a nova identidade de caráter nacional. No caso
argentino, diferentemente de outros como no Brasil, os atores políticos
envolvidos na questão territorial do Prata não conseguiam admitir uma
centralização das decisões em Buenos Aires.

O Brasil colônia nunca desfrutou das grandes


estruturas administrativas da América espanhola,
como os Vice-reinos do México e do Peru. Esse
sistema administrativo hispânico favorecia
interesses das elites locais enquanto que no Brasil o
poder e os interesses das elites sempre foram
rigorosamente centralizados pela coroa portuguesa
e, posteriormente pelos governos brasileiros em uma
só direção política e econômica. A sustentação do
regime imperial deu-se pela congregação das elites
que conseguiram representar eficazmente seus
interesses unitários nos cenários interno e
internacional (BERNARDES, 1997, p.12).

A cidade de Buenos Aires, que tinha sido elevada a sede do Vice-


Reino do Prata, apenas em 1778 – dois anos após o desmembramento
do Vice-Reino do Peru devido a conflitos internos –, após os processos
de independência, de 1810 a 1816, competia politicamente com as
principais cidades as quais deveria cooperar. As fragmentações

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territoriais, por conflitos de interesses e a recusa da subordinação


política das províncias fez com que a integração da unidade territorial
se colocasse como uma das maiores dificuldades para a consolidação
do novo Estado argentino. Essa relação entre as cidades e suas
províncias, províncias e Buenos Aires e, Buenos Aires com as demais
cidades, tornou complexa, instável e, portanto, demorada a unidade
argentina.
Apesar de se tornar o maior escoadouro dos produtos para os
compradores estrangeiros, Buenos Aires também dependia dos
produtos vindos das províncias rivais para abastecer seu mercado
interno. Tanto pela ausência de um senso comum, como talvez por não
ter existido um poder econômico, político ou bélico que se sobrepusesse
aos demais, ao longo do século XIX, o antigo Vice-Reino do Prata se
fragmenta em vários Estado, como Paraguai, Uruguai e, em parte, Chile
e Bolívia. A Argentina herda boa parte desse território colonial, mas em
uma situação interna frágil.
De 1820 até 1842 autonomias e secessões marcavam o cenário da
primeira unidade no Prata, que só sobreviveu pela implementação dos
Tratados Interprovinciais, onde as províncias poderiam ser autônomas
por pelo menos mais quarenta anos. De fato, o tratado só vigorou de
1829 até 1842. Durante 1829 até 1832 o governo central conferiu
maior autonomia para as províncias – ou aos seus caudilhos, que eram
a política, a economia e a lei em suas localidades. Os debates de
estruturação do novo país passam a ter, em teoria, uma abertura maior
à participação do interior e das grandes cidades nas decisões nacionais.
Os envolvidos com o novo governo buscavam, com essas reformas,
algo que se aproximava da essência federalista; “diferente do Brasil que
o Imperador escolhia os responsáveis pelas províncias na Corte, na
Argentina as pessoas se reuniam e designavam alguém que as
representassem em Buenos Aires” (LUNA, 1995, p.41). Mas, a partir de
1832, sob as novas ideias de Juan Manuel Rosas, as províncias se
sentem ameaçadas por um plano político centralizador, e passam a
retirar apoios à Buenos Aires. Em 1842, Rosas, já como ditador e com

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apoio francês, consegue controlar militarmente boa parte do território


argentino, domínio esse que resultará em revoltas, guerra civil e
novamente em secessão.
No período de 1850-1852, sob o regime do General Urquiza,
acontecem desentendimentos entre províncias que, mais uma vez,
resultam num processo de fragmentação territorial. Durante a Guerra
do Paraguai, de 1864 a 1870, a Argentina continuou sofrendo lutas por
autonomias em conflitos políticos armados até que, em 1880, com um
novo governo, apoiado pela maior parte da elite oligárquica latifundiária
do litoral e das províncias autônomas ou independentes no interior,
finalmente aceitam retomar a defesa de uma única nação. No final do
século XIX inicia-se a preocupação das elites econômicas por um
desenvolvimento integrado, que até meados do século XX receberá
respaldo na assimilação do foco agropecuarista. A elite econômica
agropecuarista passa a dominar a economia e, consequentemente, o
cenário político nacional nessa nova fase de integração nacional.
A estabilidade interna e externa torna-se necessária para
ampliação dos ganhos comerciais e diplomáticos e as relações de
tolerância são ampliadas. A busca pelo respeito ao federalismo torna-se
o primeiro passo para a consolidação da Argentina moderna que, tendo
as províncias se comprometido a não voltarem ao antigo sistema de
jogos de poder entre províncias e cidades, possibilita mais um avanço
na unidade territorial e na consolidação de uma identidade nacional
integrada. Gradativamente, a representatividade política dentro das
províncias, após 1880, cresce significativamente. A política nacional
torna-se um espaço aberto para debates e decisões de interesses, tanto
das cidades, como os provençais, que irão concordar em seguir um
novo governo central ao qual participam e fazem parte como federação.

Considerações finais

Os processos políticos regionais, consequentes do modelo


administrativo colonial espanhol, interferiram desde a delimitação de

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boa parte do atual território argentino como em sua relação com os


Estados que se estabeleceram na América do Sul. A formação do
Estado argentino se estendeu, ao menos, por um século de trincadas
relações de poder sob o equilíbrio dos interesses caudilhos na região.
Enquanto esses interesses locais conflitavam entre si, crises e
secessões se fizeram permanentes no cenário político platino dos
séculos XVIII e XIX. Se no século XVI os cabildos andinos se
desenvolveram e se articularam em Lima – como sede do Vice-Reino do
Peru – para isolar os cabildos do Cone Sul; estes, por sua vez, se
mantiveram em uma relação frágil que dificultava a defesa de seus
interesses como uma unidade regional.
Por outro lado, isolados em suas próprias subsistências, as elites
platinas responderam historicamente ao cerco comercial andino com o
fortalecimento de uma interdependência comercial especializada que
possibilitou maior autonomia econômica. Deve-se entender que os
impactos das dinâmicas entre o Vice-Reino do Peru e a região platina,
nos séculos XVII e XVIII, precisam ser vistos como essencial para se
compreender o processo de consolidação do Estado-Nação argentino no
século XIX. Enquanto que as aduanas secas, impostas por Lima à
Bacia do Prata, fizeram surgir dificuldades que levaram às
especializações comerciais, também foram as responsáveis pela
delimitação econômica-territorial e, consequentemente, pela elevação
da região, em 1776, a Vice-Reino do Prata, desmembrando-o do Vice-
Reino do Peru.
Essa elevação dada pela Coroa materializou os receios dos cabildos
andinos de uma nova rota econômica e, principalmente política que
concorreria e diminuiria o status e os investimentos repassados pelo
sistema mercantilista espanhol aos Andes. O enfraquecimento de Lima,
na segunda metade do século XVIII, bem como o da Espanha sitiada
pelos franceses de Napoleão, trouxe tempos de incertezas e um cenário
de lutas e levantes favoráveis aos processos de autonomia que
redesenhariam as fronteiras da América do Sul ainda no século XIX. Os
ares liberais após a independência dos Estados Unidos e do Haiti, no

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final do século XVIII, bem como a ausência de uma metrópole em poder


legítimo, resultou nos debates portenhos que, em maio de 1810,
sustentaram um governo provisório autônomo da Espanha; a Junta da
Revolução de Maio.
Os debates e incertezas políticas do momento vieram a fragmentar
o império colonial espanhol na América do Sul. Os traçados
administrativos dos Vice-Reinos se tornaram a base política para a
delimitação dos novos governos. A partir de então, um novo momento
político se desdobra sobre o Cone Sul americano. Em Buenos Aires,
sede do Vice-Reino do Prata, ainda que se tentasse, através da Junta de
Maio, manter a região platina unida, os interesses de cabildos em suas
províncias no interior não se harmonizavam com os do litoral O novo
governo portenho acabou por esbarrar nos interesses de velhas rivais
coloniais que não aceitavam se submeter ao governo proposto. Os
desentendimentos políticos na região se estenderão pela história do
Estado argentino até 1880, quando este finalmente se reunifica sob um
regime de interesses econômicos comuns e amplia a participação dos
governos locais na trajetória do novo Estado-Nação.
Vinda de um contexto em que sua formação fora forjada em
posicionamentos regionais, cuja defesa de interesses, se preciso, ia da
autonomia à secessão da União, a Argentina viu que seu governo
central, quando dado a atitudes impositivas aos demais entes
federados, não obtinha êxito por muito tempo. O histórico em demanda
por autonomia e participação efetiva das províncias nas tomadas de
decisões, assim como suas cidades que recorriam à Buenos Aires – em
seu contrapeso aos governos de suas províncias – fortaleceram o
caráter federativo e a autonomia política de seus entes. Os processos
políticos na Argentina dos séculos XVIII e XIX forjaram um Estado que
aprendeu a lidar com os interesses divergentes entre suas esferas
subnacionais. Da capital às províncias, do litoral ao interior, a
Argentina conseguiu consolidar suas bases de autonomia local que hoje
sustentam o seu federalismo nacional.

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Referência bibliográfica

BERNARDES, Denis. Um Império entre repúblicas. São Paulo: Global,


1997, 85 p.
FERRER, Aldo. A economia argentina: de suas origens ao início do
século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 2006, 305 p.
LUNA, Felix. Breve história dos argentinos. Rio de Janeiro: Quartet,
1995, 190 p.
PECEQUILO, Cristina. Introdução às Relações Internacionais.
Petrópolis: Vozes, 2004, 248 p.
PEREIRA, Otto. Diálogos Monárquicos. Rio de Janeiro: IDII, 2007, 512
p.
SHUMWAY, Nicolas. A invenção da Argentina: história de uma ideia.
São Paulo: Edusp/UnB, 2008, 397 p.

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

EL CHOQUE FINAL ENTRE DOS REVOLUCIONES: DE LA


EXPEDICIÓN NAPOLEÓNICA A LA INDEPENDENCIA DE
HAITÍ.

Juan Francisco Martinez Peria1

Resumen: en este breve trabajo nos proponemos estudiar la última


etapa de la Revolución de Haití, desde 1801 hasta 1804.
Particularmente analizamos la expedición napoleónica y la guerra de
independencia que esta, como reacción, generó. Intentaremos
demostrar que este proceso, puede ser visto como un choque militar,
político y cultural entre la concepción eurocentrica/colonial y racista de
los derechos del hombre enarbolada por la Revolución Francesa y la
interpretación universalista de los derechos del hombre sostenida por la
Revolución de Haití. En nuestra interpretación aquella colisión entre
ambas revoluciones, derivó en la postura anticolonialista de los rebeldes
de Saint Domingue y finalmente en la declaración de independencia de
Haití en 1804.

Introducción

En 1801, luego de largos años de lucha revolucionaria en los que


los esclavos insurrectos2 consiguieron la abolición de la esclavitud por

1
Abogado ( UBA), Magister en Ciencia Política y Sociología (FLACSO), Magister en Historia (
Universidad Pompeu Fabra), Doctorando en Historia ( Universidad Pompeu Fabra). Docente de Historia
y Sociología en la Facultad de Derecho- UBA. Docente de Historia Argentina y de Historia
Latinoamericana en la Universidad Popular de Madres de Plaza de Mayo. Docente de Sociología en la
Universidad del Museo Social Argentino. Docente del Centro de Estudios Latinoamericanos de la
Universidad de San Martín. Investigador del Departamento de Historia del Centro Cultural de la
Cooperación Floreal Gorini.
2
Los esclavos se rebelaron masivamente la noche del 22 de Agosto de 1791 en la región Norte de la
colonia.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

parte del Imperio Francés3, la Revolución Haitiana entró en una etapa


de gran radicalidad y de concreción de importantes logros socio-
políticos. Para aquel año, Toussaint Louverture, el líder de los negros,
se erigió en gobernador de Saint Domingue, conquistó Santo Domingo,
expandiendo la revolución y promulgó una constitución para toda la
isla. Esta legalizaba el nuevo orden socio-político post racial y post
esclavista, hegemonizado por los negros, garantizando la igualdad y la
libertad universal a todos los habitantes. Asimismo en cuanto a lo
económico, aunque mantenía la estructura agroexportadora basada en
las plantaciones, fijaba el trabajo salarial y un fuerte estatismo, por el
cual la mitad de las haciendas eran administradas por el estado. Sin
embargo, lo más llamativo era que, aunque reconocía a Saint Domingue
como parte del Imperio Francés, no le otorgaba a la metrópoli ningún
rol político ni económico efectivo. 4 Esto, representaba la independencia
de facto de la isla. Pero, ¿Por qué Toussaint, no declaró la
Independencia? No hay una respuesta clara, pero creemos que su
intención no fue la de independizarse totalmente de Francia. Al parecer,
su proyecto era el de establecer una suerte de commonwealth por el
cual Saint Domingue fuese un estado asociado integrante del Imperio
Francés, al que se le respetaría su autonomía política y comercial. 5 Así,
buscaba terminar con el racismo y la esclavitud e intentaba renegociar
el lazo colonial con la metrópoli en términos de mayor igualdad y
autogobierno pero sin romperlo del todo. De esta manera, Toussaint y
sus lugartenientes Jean Jacques Dessalines, Henri Christophe, Belair,
etc habían dado un paso enorme hacia una mayor autonomía sin
embargo, no habían declarado la independencia. Pero tampoco era
necesario más para que las autoridades metropolitanas se

3
La abolición de la esclavitud fue declarada inicialmente por el comisionado Sonthonax el 29/8/1793 y
luego fue aprobada por la Convención Nacional francesa, hegemonizada por los jacobinos, el 4/2/1794.
La emancipación general, fue claramente una política pragmática, ya que se utilizó para evitar la perdida
de la colonia a manos de los Ingleses y Españoles.Debido a esta medida la mayoría de los esclavos
rebeldes, liderados por Toussaint Louverture se aliaron al bando republicano francés.
4
CLR James, The Black Jacobins, Vintage, New York, 1989 , pg 264
5
Aime Cesaire, Toussaint Louverture, La Revolución Francesa y el problema colonial, La Habana,
Instituto del Libro, 1967, p. 342

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escandalizaran. Los ex-esclavos ya habían ido demasiado lejos, era hora


de ponerle fin a aquel extraño experimento democrático en el Caribe. El
choque final entre las dos revoluciones se acercaba.

Los planes de Napoleón

Después de la caída de los jacobinos en 1794, la revolución


francesa dio un brusco giro a la derecha que se aceleró a partir del golpe
de estado de Napoleón.6 En materia colonial, durante el Directorio, este
giro implicó una profundización del eurocentrismo inherente al proceso
revolucionario, que se manifestó en un intento, por afirmar el control
imperial sobre las antillas y en un sostenido proceso de re-
particularización de los derechos del hombre. Aquella política, fue
radicalizada por Napoleón, al promulgar la Constitución del Año VIII, que
fijó leyes especiales para las colonias y al proyectar planes militares para
reconstruir la gloria del Imperio Francés.7 A tal efecto, Napoleón tomó
una primera medida expansionista adquiriendo Louisiana de España,
mediante el tratado de San Ildefonso.8 Asimismo, empezó a idear
expediciones bélicas, para restablecer el ferro control metropolitano y el
trabajo esclavo en las antillas. Los emigrados y la burguesía de las
ciudades de Nantes, Rouen, Burdeos, Le Havre, promovieron y apoyaron
esta medida para recuperar la vieja prosperidad económica.9 A aquellas
influencias debe añadirse los importantes cambios que ocurrieron a nivel
internacional. Gran Bretaña y el Estados Unidos de Jefferson, empezaron
a apoyar una expedición francesa a Saint Domingue. 10Los gobiernos de
ambos países, estaban preocupados, por el ejemplo de una revolución de

6
Lefebvre,Gustave, La Revolución Francesa y el Imperio, México, Fondo de Cultura Económica, 1970,
pp. 170-208.
7
Benot, Yves , La demence Coloniale Sous Napoleon , Paris, La Decouverte , 1991, pgs 21,22, “Carta
de Napoleon Bonaparte a Saint Domingue de 25/12/1799”, compilado en Nesbitt, Nick, Toussaint
Louverture and The Haitian Revolution, Londres ,Verso, 2008, pp. 36,37.
8
Franco, José Luciano, Historia de la revolución de Haití , Santo Domingo , Editora Nacional, , 1971,p.
292.
9
Ott, Thomas: The Haitian Revolution , Knoxville, University Tenesse Press, 1973, pp. 140-141,
Schoelcher , Victor , Vie de Toussaint Louverture, Paris, Karthala, 1982,p. 314.
10
Ott, Th, op cit, p. 142, Smartt Bell, Madison, Toussaint Louverture, New York, Vintage Books, 2007,
p.223.
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esclavos victoriosa que amenazaba con expandirse y preferían que la Isla


fuera dominada por Francia antes que por los negros rebeldes. Inglaterra
había intentado conquistarla11, pero después de fracasar, era mejor que
la autoridad recayerá bajo sus antiguos dueños. Según Henry Addigton,
el primer Ministro británico: “los intereses de los dos gobiernos son los
mismos, destruir el jacobinismo, especialmente el de los negros”.12Esta
opción, fue facilitada por la Paz de Amiens, entre Gran Bretaña y Francia
firmada en 1801, que le abría el camino a la metrópoli para reconquistar
su colonia.13 Estos factores se vieron reforzados por la política
autonomista de Louverture, que enfureció a Napoleón y lo convencieron
de que la Revolución en Saint Domingue había ido demasiado lejos14. Por
último, merece señalarse, el racismo de Napoleón y del núcleo
gobernante, que discriminaban a los negros, viéndolos como bárbaros
que no merecían la libertad y la igualdad “concedida” por Francia.15Sus
palabras son contundentes: “¿Como voy a otorgarle la libertad (…), a
hombres absolutamente incivilizados que ni siquiera sabían lo que era
una colonia, lo que era Francia?”16Todos estos elementos convencieron a
Napoleón y a mediados de 1801 ordenó la preparación de una expedición
de conquista. Organizada velozmente, esta contaba con 20.000 soldados
y 20.000 marinos, dirigidos por el Gral. Victor Emmanuel Leclerc. Lo
acompañaban, un cuadro de veteranos oficiales y su segundo al mando
era el Gral. Rocheambau quien tenía experiencia bélica en el Caribe. 17
Asimismo, eran de la partida los affranchis exiliados Rigaud, Villlate,
Petion, etc, enemigos de Toussaint, que intentarían organizar a los
mulatos a favor de los franceses.18 Por último, como presente troyano,
Leclerc, llevaba a los hijos de Louverture, Placide e Isaac, quienes serían

11
Desde 1793 hasta 1798.
12
Citado por Dubois, Laurent, Avengers of the New World, Boston, Harvard University .Press ,USA
2004, p. 256.
13
Franco, J, op cit , p. 292 , Stoddard, T. Lothrop ,The French Revolution in San Domingo, New York,
Kessinger Publishing, 2007, p. 303.
14
Franco, J, op cit, p. 292, Smartt Bell, M, op cit , p. 221, Ott , op cit , p. 143.
15
Cohen , William , The French Encounter with Africans , Indiana, Indiana Univ Press , 2003, p. 119.
16
Citado por Ott, Th, op cit , p. 144, Cohen , W, op cit , p.119.
17
James, CLR, op cit, pp. 274,275, Lacroix ,Pamphile , Memoires por servir A L’Histoire de la
Revolution de Saint Domingue , Tomo II, Paris, Chez Pillet Aine , 1819, p. 319, Barsket, James, History
of the Island of St Domingo, New York, Mahlon Day, 1824, p. 127.
18
Parkinson, Wanda, The Gilded African Toussaint L‘Overture ,London, Quartet ,London ,1978, p. 157.
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utilizados para negociar traicioneramente. Napoleón, dio ordenes precisas


a su cuñado de cómo debería actuar. De manera introductoria, sobre el
apoyo internacional que tenía la misión decía:

La amenaza de una república negra es igual de


preocupante para los españoles, ingleses y
americanos. (…) debe escribir circulares (…) para
hacerles saber el objetivo del gobierno, y la común
ventaja que los europeos tienen en destruir esta
rebelión de negros. (…) Jefferson nos ha prometido
(…) que tomara todas las medidas necesarias para
hambrear a Toussaint y asistir a nuestro ejercito.”19

Luego, dividía la operación en tres etapas:

Durante la primera fase, no seremos demandantes


trataremos con Toussaint , le prometeremos todo lo
que pida , para poder tomar posesión de los lugares
claves, e introducirnos en el país.(…).Toussaint será
considerado vencido únicamente cuando (…) jure
lealtad a la Republica. En ese mismo día debemos, sin
escándalo (…) con honores y consideraron ponerlo en
una fragata y enviarlo a Francia. 20

Luego en la segunda etapa, se debía encarcelar a Moyse, Dessalines y lo


propio debía hacerse con Toussaint si se negaba a someterse al poder de
Leclerc, lo cual podría eventualmente llevar a una guerra que debería
ejecutarse con ferocidad. Según Napoleón la tercera fase
será el momento en el que se debe asegurar para
siempre la colonia para Francia. Desde ese mismo
día (…) arrestar a todos los hombres en posiciones
de mando que no sean confiables, sin importar su
color , y poner a los generales negros en los barcos
(…) .Todos los negros que se han portado bien, pero
que por su grado no pueden ser dejado en la Isla
serán enviados a Brest. Todos los negros (…) que se
han portado mal (…) serán (…) dejados en el puerto
de la Isla de Córcega.(…) Sin importar lo que suceda
, nosotros creemos que en el transcurso de la

19
“Instrucciones de Napoleón Bonaparte a Victor Emmanuel Leclerc” compilado por Dubois, Laurent y
Garrigus John, Slave Revolution in the Caribbean, 1789-1804: A Brief History with Documents, Boston,
Bedford, 2006, pp. 176,177.
20
Ibidem, p. 176
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tercera etapa debemos desarmar a todos los negros


(…) y debemos ponerlo de vuelta a trabajar en las
plantaciones.21

El Primer Cónsul tenía un objetivo claro, el fin de la revolución y la


restauración del antiguo régimen.
La expedición finalmente partió en diciembre de 1801, soberbia se
creía invencible, pero errores estratégicos, una serie de imprevistos y
sobre todo la furiosa respuesta de los ex –esclavos, le deparaba un
terrible destino.
Toussaint, supo que Francia tramaba algo, aunque no estaba del
todo seguro si tenía como objetivo reimponer la esclavitud o reafirmar
su poder sobre las antillas.22 Esta duda y la ambivalencia que lo
caracterizaba frente a Francia, lo llevaron a sostener en público un
discurso dual. Por un lado amenazaba a la metrópoli que de ser atacados
se defenderían ferozmente y por el otro, afirmaba su lealtad a la
República. Como señala, CLR James, esta actitud dubitativa y su
incapacidad para declarar la independencia fue un gran error, que le
costó caro, por que no solo le impidió obrar con libertad, sino que
además no le permitió encolumnar a sus seguidores tras un objetivo
preciso, sumiéndolos en la perplejidad.23 A pesar de ello, Toussaint,
actúo esperando lo peor, suponiendo que era una expedición de
conquista. Sin saber donde podían desembarcar los enemigos,
Louverutre, trazó una estrategia inteligente, amplió sus cuerpos de
milicianos, acopió pertrechos en las zonas más impenetrables de la sla y
estableció las tropas en las ciudades costeras. Una vez que los franceses
desembarcasen se intentaría resistir, pero de ser imposible las fuerzas se
retirarían hacia las montañas, arrasando con todo, para desde allí
continuar la lucha.24Ambos líderes, Napoleón y Toussaint, habían
planeado sus estrategias, las cartas estaban echadas, faltaba muy poco

21
Ibidem, pp. 177,178, Stoddard, op cit, p.306.
22
Smartt Bell, M, op cit , p. 229
23
James, CLR, op cit , pp. 280-288
24
Dubois, L, op cit ,p. 262 , Korngold, Ralph , Citizen Toussaint, London,Gollanz ,1944, p. 188.
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para que Saint Domingue viviese la última y más sangrienta etapa de su


revolución.

La invasión y el comienzo de la guerra

El 29 de enero de 1802, la expedición napoleónica finalmente


arribó al extremo oriental de la isla. Alertado de la presencia francesa,
Toussaint, se encaminó hacia el interior y envió emisarios para poner en
marcha la resistencia. Por su lado Leclerc también inició sus operaciones,
como parte de su ofensiva encomendó a Boudet a tomar Port au Prince, a
Kerverseau a Santo Domingo y a Darbois a la región Sur.25 El mismo se
dirigió, a ocupar Le Cap, una vez allí, el 2 de febrero inició,
conversaciones con Christophe, le presentó una proclama de Napoleón y
le ordenó que le entregara la ciudad.26 Este se negó y amenazó con
incendiarla si decidían desembarcar por la fuerza, asimismo le dijo a
Leclerc que debía esperar para recibir ordenes de Toussaint. 27 No se sabe
si Christophe hablo con su comandante, pero lo cierto es que Leclerc
pasó a la ofensiva enviando a Rocheambeau a tomar Fort Dauphin para
rodear a Christophe, cosa que este logró con éxito.28 Finalmente el 4 de
febrero, el propio Leclerc decidió desembarcar y atacar la ciudad. En
respuesta Christophe ordenó evacuar a la población y prender fuego la
ciudad y dejando tras de si una hecatombe ígnea, se retiró con su ejercito
hacia el interior.29 Así Leclerc, ocupo Le Cap y paso seguido declaró a
Louverture, Dessalines y Christophe como rebeldes fuera de la ley.30 Casi
simultáneamente, la ofensiva avanzó exitosamente en otros puntos de la
colonia. De esta manera, a los pocos días, Boudet consiguió tomar Port
au Prince luego de que el Gral. Age junto con la población blanca y la
mayoría de los mulatos se pasaran al bando francés. Asimismo,

25
Korngold, R op cit , p.197.
26
Parkinson , W, op cit, p. 160, Dubroca , Louis , Vida de J. J. Dessalines: gefe de los negros de Santo
Domingo, Madrid, Imprenta Real, 1805, p.54.
27
,Schoelcher,V, op cit, pp. 322 , 323, Dubroca , op cit, pp. 54,55.
28
Korngold, R, op cit , p. 199, Parkinson , W, op cit, p. 161, Lacroix, P, op cit , tomo II, pp. 70, 72.
29
James , CLR, p. 296 , Lacroix, P,op cit, pp. 80-88, Dubroca ,L, op cit ,pp.59 , 60.
30
Franco, J, op cit,p. 297.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 32
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Kerverseau logró hacerse con Santo Domingo, luego de que Paul


Louverture la entregara a los franceses, al hacerle creer, falsificando una
carta, que su hermano había ordenado la capitulación. Las victorias
militares se sucedieron a la ocupación de gran parte del Sur, gracias a la
traición del mulato Gral. Laplume. En general en toda la colonia, un
amplio sector de los affranchis, resentidos por la política represiva de
Toussaint, siguieron el mismo camino dando una alegre bienvenida a los
franceses. Así las cosas, muy rápidamente Leclerc controlaba la mayoría
de las ciudades de la costa, una porción muy relevante del Sur y Santo
Domingo sin sufrir grandes bajas.31 Frente a este avance Toussaint,
repetía su estrategia en una carta a Dessallines :
Mientras esperamos a la temporada de lluvias (…), no
tenemos otro recurso que la destrucción y las llamas.
Recuerda que el suelo bañado con nuestro sudor no
debe otorgarle a nuestros enemigos ni el más mínimo
alimento. Destruye las rutas a cañonazos, tira
cadáveres y caballos en todas las fuentes, quema y
destruye todo, en orden de que aquellos que han
venido a reducirnos a la esclavitud tengan frente a
sus ojos la imagen del infierno que merecen 32

De esta manera, siguiendo las líneas directrices del plan


louvertiano, los ejércitos de ex–esclavos se retiraban destruyendo todo a
su paso y a pesar de la ofensiva, se mantenían sólidos en el interior y
habían logrado algunas victorias parciales en una serie de batallas
menores. No todo estaba perdido. Para el 12 de febrero Leclerc, comenzó
a darse cuenta de que sus enemigos eran mejores guerreros de lo que
suponía. Por ello decidió abrir negociaciones con Toussaint, enviándole a
través de Isaac y Placide Louverture una serie de cartas. En estas
misivas, se le informaba que su intención era asegurar paz en la colonia y
se le ofrecía, a cambio de que este depusiera las armas: el puesto de
vicegobernador de la colonia, el reconocimiento de la libertad de los

31
Ott,Th, op cit, pp. 152,53, Dubois,L, op cit, p. 267.
32
“Carta de Toussaint Louverture a Jean Jacques Dessalines , 8 de Febrero” compilada por Nesbitt, N, op
cit , p. 76.
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cultivadores y el mantenimiento de los negros en el ejército. 33 En


respuesta Toussaint, decidió ofrecer una breve tregua para pensar su
decisión y ganar tiempo.34 El armisticio, duró poco, ya que finalmente
Toussaint, rechazó la paz y retomó el camino de la guerra
revolucionaria.35 En respuesta a esta tesitura, Leclerc declaró
nuevamente en rebeldía al comandante36 y lanzó un ataque múltiple
contra Gonaïves, donde se encontraban las fuerzas de Louverture. En el
trayecto, las tropas francesas sufrieron una dura contra-ofensiva de parte
de Dessalines y la emboscada de Toussaint, ambas operaciones en las
que los invasores tuvieron importantes bajas. Sin embargo, estas
lograron avanzar, ocupando la ciudad, pero sin conseguir apresar a
Louverture.37 Durante marzo, la guerra continuó con sangrientos
combates en todo el territorio, desatascándose la batalla por el control del
fuerte de Crete a Pierrot.38 Atrincheradas en el, las fuerzas lideradas por
Dessalines resistieron un largo sitio, manteniendo en vilo a sus mas de
8.000 mil atacantes. Para sostener la moral alta, como era costumbre los
ex – esclavos negros (en una muestra de su sincretismo cultural)
cantaban la marsellesa dándole su propio sentido anti-esclavista. El
general francés Lacroix, relata que esto sorprendió a los soldados
invasores, que empezaron a tener serias dudas sobre la justicia de la
causa y se preguntaban: “¿Acaso estos no eran nuestros enemigos
bárbaros? No somos nosotros los únicos soldados de la republica? Acaso
nos hemos convertido en serviles instrumentos políticos?”39,
interrogantes que en muchos casos erosionaron el convencimiento
político de las tropas y que dieron lugar, no solo al desgano sino también
al cambio abierto de bando. La contradicción entre la predica falsamente
universalista de la revolución francesa y su verdadero rostro eurocentrico
que implicaba una aplicación particularista en las colonias, comenzó así,

33
Beard , John y Louverture, Toussaint , Toussaint Louverture Biography and Autobiography, New York,
Ed.Cosimo Classics , 1886, pp 170-181.
34
Parkinson, W, op cit, pp. 166-169, Barsket, J, op cit, pp. 137-142.
35
Ott, Th, op cit , pp. 154-155
36
Barsket, J, op cit , pp. 142-143.
37
Ott, Th, op cit , pp. 154-155.
38
James, CLR, op cit , p. 319.
39
Lacroix, Ph, op cit , tomo II, p. 164 .
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 34
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a despertar dudas entre los invasores sinceramente republicanos.


Asimismo, esta batalla aportó la formulación de un proyecto
independentista para Saint Domingue. En una arenga militar
Dessalines, pronunció la palabra clave que vislumbraba un nuevo futuro
post-colonial, “Los blancos de Francia no pueden con nosotros en Saint
Domingue. (…)Les repito tengan coraje y verán que cuando los franceses
estén reducidos a pequeños (…) números los atracáremos y golpearemos,
quemaremos las cosechas e iremos a las montañas. Estarán obligados a
partir. Después yo los haré independientes.”40 Aunque todavía no
representaba un ideario global de los rebeldes, anunciaba lo que estaba
por venir.
La batalla finalmente se resolvió a favor de los franceses, sin
embargo fue una victoria pirrica, ya que el ejercito negro, al huir lo hizo
rompiendo las filas enemigas, dejando un tendal de 2000 muertos en su
camino.41 A estas acciones les siguieron muchas otras, que permitieron
un sostenido avance de las tropas rebeldes y de las guerrillas cimarronas
de Macaya, San Souci y Sylla (que actuaban autónomamente)
consolidaron sus posiciones en la región Norte.42 Lacroix definía este
duro enemigo: “Como una hidra de cien cabezas renacían ante cada
ataque .Ante una orden de Toussaint Louverture aparecían de debajo de
la tierra. El suelo estaba cubierto de ellos. Su nombre estaba en boca de
todos. Hablaban solo de él.”43 Asimismo como señala Ott, esta ofensiva,
se vio agravada por la fiebre amarilla, la falta de suministros y la pérdida
de apoyo de un sector de los affranchis, luego de que Rigaud y algunos de
sus hombres fueran desterrados por Leclerc.44Frente al empeoramiento
de la situación Leclerc, comenzó a profundizar su política de seducción
de rebeldes. Esta, táctica le dio un éxito inmediato a mediados de abril,
cuando consiguió que Christophe, aceptará su oferta y defeccionará, a
cambio de garantizarle su rango y de que no se esclavizaría a los

40
, Dubois, L, op cit , p. 273, Fick, Carolyn , The Making of the Haiti Revolution ,Knoxville, University
Tenesse Press, 1992, pp. 211-212.
41
Franco, J, op cit , pp. 297, 298 , Parkinson, W, op cit , p. 177.
42
James, CLR, op cit , p. 324 , Dubois, L, op cit, p. 274
43
Lacroix, citado por Korngold,R, op cit, p. 223.
44
Benot , Y, op cit , p. 79 , James, CLR, op cit , p. 322.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 35
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cultivadores.45 Porque tomó esta decisión es una verdadero misterio,


algunos como Ott y CLR James entienden que lo hizo siguiendo ordenes
de Toussaint, otros como Dubois y Parkinson, aventuran que tuvo que
ver con intereses personales y por pensar que la resistencia no tenía
futuro.46 Como sea, fue un duro golpe para los rebeldes, debido a que
perdieron importantes fuerzas y a uno de sus oficiales más eficaces. Este
acontecimiento junto al arribo de la noticia de la Paz de Amiens, llevaron
a Toussaint a pensar que era necesaria una salida pactada al conflicto. 47
Convencido de esta tesitura, abrió puentes de dialogo con Leclerc, que
inmediatamente fueron bienvenidos. Finalmente, el 1 de Mayo Toussaint,
se rindió a cambio de: el reconocimiento de la libertad de los ex esclavos,
la continuidad de los oficiales negros en el ejército y que se le permitiese
retirarse a sus plantaciones acompañado de su guardia personal. 48 El 6
de Mayo, Toussaint entró a Le Cap, donde se formalizó el acuerdo, con la
subsiguiente rendición de Dessallines y Belair. ¿Por qué Toussaint,
decidió dar ese paso en un momento donde los franceses estaban tan
golpeados? La historiografía ha ensayado distintas respuestas. Para
Korngold, Aime Cesaire y CLR James, la rendición, no fue mas que una
estrategia, que apuntaba a ganar tiempo y carcomer el ejército invasor
desde adentro. Según aquellos autores, Toussaint apostaba a que el
enemigo finalmente sería derrotado cuando la fiebre amarilla irrumpiese
con más fuerza e hiciera posible una revuelta victoriosa.49 En
contraposición, Ott sugiere que tomó aquella decisión, por que creía que
los revolucionarios, luego de las deserciones y de la Paz de Amiens,
habían quedado demasiado debilitados, como para ganar la guerra.
Según Ott, Toussaint pensaba que era mejor negociar en aquella
situación, donde todavía se podían arrancar algunas concesiones
fundamentales, que hacerlo luego donde estarían casi indefensos gracias

45
Benot, Y, op cit, p. 78, Dubroca, L, op cit , pp. 38-3.
46
Dubois, L, op cit, pp. 274-275, Ott, Th, op cit, p. 159, James, CLR, op cit , pp. 325-326, Parkinson,W,
op cit, p. 181, Smartt Bell, M, op cit, pp. 258-259.
47
Ott, Th, op cit ,pp. 159-160.
48
Benot, Y, op cit ,p. 78, Parkinson ,W, op cit, pp. 181-184, Lacroix, Ph, op cit , pp. 181-182.
49
Korngold , op cit, pp. 237-238 , James, CLR, op cit, p. 329, Dubroca, L, op cit, pp 42 ,43,Cesaire ,
Aime , op cit, pp.369-374.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 36
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a los refuerzos metropolitanos.50 En nuestra opinión, encontrar una


respuesta certera a dicho interrogante, es muy difícil, ya que no hay
fuentes que permitan afirmar nada con seguridad. Empero, creemos que
ambas interpretaciones podrían conciliarse parcialmente, teniendo en
cuenta los acontecimientos posteriores. Consideramos que se podría
sugerir una tercera postura, que Toussaint decidió negociar por que en
ese momento creía que la guerra difícilmente podía ganarse de manera
inmediata y lo mejor era llegar a un compromiso con Francia, sin
embargo, por su mente podía pasar la idea de continuar la lucha en
condiciones mas favorables si es que no se cumplía con lo pactado,
mediante una nueva rebelión de cultivadores y militares negros. En
definitiva, esto fue lo que finalmente Toussaint intentó y en gran medida,
sucedió posteriormente, aunque ya sin su presencia. Nos parece
improbable que esta estrategia no se le haya ni siquiera ocurrido.
Leclerc creía que la guerra había casi concluido, sin embargo
muchos oficiales de segundo rango siguieron luchando junto con miles de
soldados y cimarrones, convencidos de que los invasores no cumplirían
sus promesas.51 En mayo, la resistencia logro debilitar seriamente a los
invasores, que sufrieron una perdida estrepitosa de hombres, por las
acciones bélicas y por la fiebre amarilla.52 Ahora si los errores
estratégicos cometidos por Napoleón, la subestimación del enemigo, la
dificultad del terreno, la escasa cantidad de tropas y de recursos
médicos comenzaron a hacerse evidentes dejando a Leclerc cada vez mas
aislado y dependiente del grupo de soldados afrodescendiente para
defender su posición.53 Desde su rendición Toussaint, se mantenía en su
plantación en Ennery junto con su familia y su guardia personal.
Empero, ante la decadencia de sus enemigos renació en él la llama
revolucionaria y aprovechando el contexto favorable empezó a enviar
emisarios para generalizar el levantamiento de los cultivadores que
todavía le eran leales. Esta táctica dio resultados y reforzó la posición

50
Ottt ,Th, op cit , pp.160-161
51
Benot, Y, op cit , p. 78, Ott, Th, op cit, p. 161, Dubois, L, op cit, pp. 276-277.
52
Ott, Th, op cit , p. 170
53
James, CLR, op cit, pp. 332-333.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 37
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de los rebeldes. 54 Los franceses se enteraron de aquellos movimientos y


Leclerc decidió que era necesario completar la primera parte del plan de
Napoleón. Para ello, le tendieron una trampa, el 7 de junio lo invitaron a
parlamentar con un general francés sobre los problemas de la guerra y al
asistir al conclave casi sin custodia fue apresado. Increíblemente,
Toussaint, confió en Leclerc y pagó demasiado caro su error. Acto seguido
fue puesto en un barco y junto con su familia enviado a la Metrópoli.55
Se iba así, el líder más importante de la Revolución Haitiana, el que aun
con limitaciones, había logrado acaudillar a los esclavos insurrectos en
su gesta por la emancipación y la materialización de la universalización
de los derechos del hombre. En Francia, Toussaint, fue mantenido
prisionero en Fort Joux y durante meses intentó reclamó justicia. Sus
pedidos nunca fueron atendidos y luego de una larga agonía finalmente
murió, de neumonía, el 7 de Abril de 1803.56
Sin embargo, al momento de ser desterrado forzosamente de la
colonia, Toussaint lanzó una amenaza que resultaría profética; “Al
derrocarme, han cortado solamente el tronco de la libertad. Pero este
renacerá nuevamente por que sus raíces son numerosas y muy
profundas”57.Louverture sabía de lo que hablaba.

Hacia la Independencia.

Cumplidas, la primera y segunda etapa, Leclerc decidió en Julio de


1802, que era hora de desarmar a la población afrodescendiente en
general para asestarle la estocada final a la revolución.58 Para alcanzar
aquel objetivo, comenzó a utilizar la tortura y el asesinato masivo de
soldados y civiles.59 Empero, su voluntad y la de sus oficiales chocaron
rápidamente contra la dura realidad, ya que ante las noticias del
apresamiento de Toussaint y de las requisas de armas, los cultivadores

54
Dubroca, L, op cit, 42, Stoddard, L, op cit, pp. 326 ,327
55
Stoddard ,L, op cit , pg 328 , Scholecher,V, op cit ,pp. 345-350,
56
Parkinson ,W, op cit , pp. 195-207.
57
Citado por Smartt Bell , op cit, p. 265, Dubois,L, op cit,p. 278, Korngold,R, op cit , pg 237.
58
Lacroix, P, op cit, pp. 212 , 213, Dubois,L, op cit , pg 283, Fick, C, op cit , pp. 214 , 215.
59
Dubois, op cit, pp. 283,284.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 38
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se rebelaron o fugaron en masa para unirse a la lucha guerrillera contra


los invasores.60 El propio Leclerc admitía: “Cuando desee desarmar a la
región norte, explotó una insurrección general”61 y agregaba “Hay un
venerable fanatismo en esta insurrección. Estos hombres se dejan matar
hasta el último, antes que rendirse.”62Estos sectores, sabían que estos
fusiles representaban su libertad y que si se los deseaban quitar, era por
un solo motivo: para someterlos nuevamente a la esclavitud. Aunque
Leclerc, siempre lo había negado, el objetivo real de la expedición se
hacia cada vez mas evidente para los ex–esclavos y a pesar de que sus
líderes tradicionales los habían abandonado continuaron la lucha. De
hecho paradójicamente, la tragedia de este breve periodo, fue que los
antiguos oficiales, Dessalines y Christophe, fueron los encargados
principales del desarme.63 Empero, no todos siguieron este camino, otros
mas dignos como el Gral. Belair, se negaron y se unieron a los
cimarrones de Sans Souci, Sylla y Macaya. Muchos, entre ellos el propio
Belair pagaron aquella actitud altiva con su vida, ya que terminaron
siendo fusilados, por sus ex–compañeros de armas. Siguiendo a la
mayoría de los autores, creemos que estas luchas intestinas, deben
entenderse, por un lado, como enfrentamientos en torno al poder dejado
vacante por Toussaint y por el otro como, conflictos entre la vieja guardia
revolucionaria que seguía el modelo louvertiano y sus opositores los
cimarrones que defendían otro proyecto político no estatista ni
plantocrático.64Mientras estos acontecimientos se sucedían en Saint
Domingue, grandes cambios ocurrían en Francia y en el resto del Caribe.
En Mayo, Napoleón decidió develar sus verdaderas intenciones y dispuso
que: “En las colonias restituidas a Francia (…) la esclavitud será
mantenida conforme y a los reglamentos anteriores a 1789” 65 Asimismo,
se restableció la trata negrera y el racismo en todo el Imperio

60
Beard ,J, op cit, p. 244, Fick, C, op cit, p. 214 ,215, James,CLR ,op cit , p. 337.
61
Citado por Korngold, op cit , p. 253.
62
Ibidem, pg 253
63
Beard, J, op cit, pp. 248-249, James , CLR,op cit ,p. 338.
64
Ott, Th, op cit , p. 175, Nesbitt, Nick , Universal Emancipation: The Haitian Revolution and the
Radical Enlightenment, Virginia, University of Virginia Press ,2008, p 169.
65
Franco, J, op cit , p. 300, Cesaire, A, op cit , pp. 392- 394
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 39
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Frances.66La restauración fue defendida por Napoleón, con estas


palabras, que dan cuenta de su cosmovisión eurocentrica y colonial:

Sabemos como las ilusiones de la libertad y la


igualdad fueron propagadas por estos países lejanos,
donde las evidentes diferencias entre hombres
civilizados y aquellos que no lo son y las diferencias
climáticas, de colores y de hábitos y sobre todo la
seguridad de las familias europeas, requieren de
grandes diferencias en el estado político y civil de las
personas.67

El decreto todavía no admitía que la esclavitud sería reinstaurada


en Saint Domingue, sino que afirmaba que se tomarían medidas para
reforzar el trabajo y la seguridad. Pero el objetivo real era evidente. El
propio Ministro colonial Decres decía: “Quiero esclavos en la colonia .La
libertad es una comida para la que el estomago de los negros no esta
preparado”68 En paralelo a la Saint Domingue expedición de Leclerc,
Napoleón había enviado otra a Guadalupe, la cual a diferencia de la
primera, tuvo éxito en poco tiempo. A fuerza de masacres, lograron
vencer a los afrodescendientes rebeldes, que heroicamente prefirieron
inmolarse antes que rendirse ante el poder de los franceses. A partir de
esta victoria, los invasores, reinstauraron la esclavitud. 69Las autoridades
francesas instaron a Leclerc para que hiciera lo mismo, pero se negó, por
considerar que todavía no era oportuno.Sin embargo, prometió hacerlo
en breve.70A pesar de ello, noticias sobre lo que acontecía en Guadalupe y
sobre el regreso de la trata esclavista comenzaron a arribar a Saint
Domingue y a alarmar a los negros.71 Por mucho que Leclerc intentará
ocultarlo, ya era imposible tapar el sol con las manos y esto hizo que la
rebelión se avivará , aun mas expandiéndose por toda la isla liderada por

66
Cohen,W, op cit , p. 119, Cooper , Ana Julia, Slavery and the French and Haitian Revolutionists, New
York, Rowman & Littlefield Publishers, 2006, p 110.
67
Dubois , op cit, p. 284.
68
Ibidem, p. 285.
69
Cesaire, A , op cit , pp. 391,392 , Cohen ,W, op cit , p. 119.
70
Ott, Th , op cit , p. 175.
71
Benot , Y, op cit ,pp. 80 ,81.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 40
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cimarrones y por militares revolucionarios de segundo rango.72Durante


Agosto y Septiembre, Christophe y Dessalines, siguieron reprimiendo a
los insurgentes, pero ya no con la dureza de antes. Dándose cuenta que
los franceses tenían los días contados y de que no cumplirían sus
promesas, empezaron a colaborar secretamente con la resistencia y a
proyectar su pase de bando. Este finalmente ocurrió a mediados de
Octubre.73 A Christophe y Dessalines, lo acompañaron, Clariveaux, Paul
Louverture y Alexandre Petion, líder de los affranchis , sector que ahora
también se rebelaba contra los invasores.74 De este modo luego, de una
serie de combates, la posición de los franceses, llegó a su pico mas bajo
desde 1802, controlando sólo las ciudades mas importantes: Le Cap, Port
au Prince y Les Cayes. Leclerc como represalia, mando a ahogar a más
de 1000 soldados en pocos días. Asimismo, le envió una carta a
Napoleón, donde le señalaba que el único camino para restablecer la
esclavitud y mantener la colonia para Francia era el genocida

Debemos destruir a todos los negros de las montañas


hombres y mujeres y dejar solo los niños menores de
12 años, destruir a la mitad de las llanuras y no dejar
un solo hombre de color que haya llevado galones
militares. De otra manera la colonia, nunca estará
tranquila (…). Si deseas ser el amo de Saint Domingue
debes mandarme 12.000 hombres (…) sino (…)
Francia perderá para siempre a Saint Domingue75

Como vemos, aquellos que encabezaban una cruzada civilizatoria


contra pueblos que definían como salvajes, proponían el genocidio como
únicos métodos para alcanzar sus objetivos. Pompee De Vastey,
intelectual haitiano, participe de los acontecimientos, denunciará años
después aquel accionar genocida:

72
Fick. C, op cit , pp. 216,217, Cesaire,A, op cit, p. 394.
73
Dubroca , L, op cit , p. 48
74
Ott, Th, op cit, p. 176 , James, CLR, op cit , pp. 355-357, Fick, C; op cit, p. 227.
75
“Carta de Victor Emmanuel Leclerc a Napoleón Bonaparte 7 de Octubre de 1802” compilado por
Dubois, L y Garriggus , J, op cit , p. 179 , Fick, C, op cit , p. 222.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 41
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Todo el mundo sabe que la República Francesa,


proclamó la libertad en la isla. Después de haber
disfrutado esta bendición (…) de haber luchado (…)
por Francia (…) estos viles republicanos sin ningún
motivo aparente, se propusieron robarnos la libertad
(…), como si el hombre (…) pudiera dejar de lado y
reasumir sus grilletes a su voluntad. No contentos con
usar la fuerza para someternos (…) utilizaron todos
los recursos para seducirnos (…).Nos dijeron (…) que
éramos todos iguales ante Dios y la Repúbica, pero
mientras hacían profesión de fe con sus labios,
meditaban en sus corazones el horrible designo de
reducirnos a la esclavitud, o si resultaba
impracticable, de exterminarnos a todos.76

Angustiado y a la espera de refuerzos que nunca llegaron, Leclerc


finalmente murió de fiebre amarilla, el 1 de noviembre. En su reemplazo,
asumió el Gral. Rochambeau. Este contó con la buena fortuna de recibir,
a fines del 1802, los refuerzos tan deseados. Con la fiebre amarilla
amainando y mas de 10.000 nuevos soldados, Rochambeau, pudo
fortalecer su posición y llevar adelante algunas ofensivas con relativo
éxito. Sin embargo, se caracterizó por profundizar la estrategia terrorista
y genocida inaugurada por Leclerc, llegando a usar la marina para
ahogar cientos de negros por semana. Para la misma época, en el
conglomerado de fuerzas revolucionarias, también se vivió un cambio
organizativo y programático de extrema importancia .Se realizó la
conferencia de Arcahaye, en la cual Dessalines selló un pactó con
Petion, en pos de la unidad de los affranchis y los negros, en contra de
los franceses. Y ahora sí el objetivo que antes había sido nombrado por
algunas voces, se convirtió en el de todos los rebeldes: la lucha anti-
colonial por la liberación nacional. Así, la reivindicación de la libertad,
que desde la rebelión de 1791, había significado libertad individual
contra la esclavitud, ahora ampliaba su contenido semántico, para

76
Pompee Valentin De Vastey , Reflexions on the Blacks and Whites , Londres , 1817 , pp. 71,72.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 42
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expresar la libertad personal y nacional, contra el imperio. 77Para


formalizar este camino hacia la independencia, se creo una nueva
bandera, azul y roja, quitando el blanco del medio y se reemplazó la
inscripción “Republica Francesa”, por la de “Libertad o Muerte”.78 Los
colores simbolizaban, la alianza de los afrodescendientes contra los
europeos, quien con su accionar, habían promovido, sin quererlo la
radicalización de la Revolución y su metamorfosis en una lucha
independentista. Dessalines, fue nombrado Comandante en Jefe del
Ejercito, que en un giro americanista/indigenista, fue bautizado como el
Ejercito Indígena.79 Empero, aunque todos los sectores rebeldes
convergieron hacia el mismo objetivo, los conflictos intestinos
continuaron ( y continuaran después de la independencia) ,especialmente
entre los criollos de la vieja guardia y los cimarrones de origen africano,
que eran recelosos de su autonomía y que siempre habían mantenido un
proyecto social y político más radical. En el contexto de la guerra, estas
tensiones tendieron a mantenerse en un segundo plano, sin embargo,
llegaron a estallar en varias oportunidades, siendo la última y mas
importante la del fusilamiento de Sans Souci y de sus soldados, a manos
del sector dirigido por el Gral. Christophe.80 Luego de la muerte del
caudillo cimarrón, Dessalines , logró afianzar su liderazgo y forjar una
unidad y una organización mas sólida en su ejercito. Estas alianzas y
estas posiciones ideológicas, muestran a las claras que la guerra no fue
una lucha racial, como la han definido Stoddard y otros, sino algo
mucho mas complejo,un fuerte conflicto armado entre dos
conglomerados sociales: la alianza de ex esclavos , affranchis y
cimarrones contra el ejercito francés, que enarbolaban dos concepciones
políticas antagónicas en torno a los principios de la libertad y la igualdad
y los derechos del hombre. Los primeros, aun con sus diferencias
internas, revindicaban una interpretación universalista de aquellos
derechos humanos, que ponía en jaque el patrón de poder
77
Ott, Th, op cit , pg 177, Fick, C,op cit, pp. 227-228, Von Grafenstein, Johanna, Haiti, Mexico, Alianza,
op cit, p. 67
78
James, CLR,op cit ,p. 365.
79
Dubois, L, op cit, p. 299.
80
Beard , J, op cit , p. 271 Fick, C; op cit ,pg 233 ,
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racista/colonialista/eurocentrico hegemónico en el mundo Atlántico,


mientras que los segundos asumían una posición particularista que
defendía aquel orden. Dos concepciones que desde los inicios, habían
caracterizado, a la Revolución de Saint Domingue y a la Revolución
Francesa y que luego de tensiones, conflictos y concesiones ahora
estallaba abruptamente. En este sentido, podemos decir que la guerra
significó el momento trágico, en que ambas revoluciones, terminaron de
colisionar definitivamente. Pero, para verlo más claramente continuemos
con la crónica de los acontecimientos. En Mayo de 1803, la
suerte de los franceses, pareció mejorar, ya que Rocheambau recibió
refuerzos, que le permitieron conquistar algunas regiones rurales y
dominar las ciudades costeras de la colonia. Pero la ilusión duró muy
poco, ya que la insurrección se fortaleció adquiriendo un carácter
absolutamente popular.81 Era un pueblo en armas, que en una
formidable contraofensiva fue consiguiendo vencer a los invasores en los
pequeños poblados y poner en sitio a las urbes costeras. Para colmo a
mediados de 1803, sobrevino la ruptura de la Paz de Amiens 82y la flota
británica comenzó a bloquear los puertos de Saint Domingue y a
hostigarlos con incesantes bombardeos.83 La inesperada e involuntaria
ayuda de los británicos, facilitó la tarea del Ejercito Indígena, que en una
ofensiva se alzó con todas las ciudades menos Le Cap. Hacia allí, huyó
Rochambeau con sus hombres, intentando resistir y salvar lo que le
quedaba de fuerzas y de dignidad. 84 Dessalines sitió la ciudad obligando
a los franceses a aceptar la realidad de que Saint Domingue estaba
perdida. El 30 de Noviembre Rochambeau, negoció la rendición con el
británico, Capitán Loring, quien, permitió a los 18.000 franceses
abandonar la isla, como prisioneros de guerra. En un acontecimiento sin
precedente, los ex -esclavos, los affranchis, los cimarrones, en fin, los
condenados de la tierra habían abatido a uno de los imperios mas

81
Dubois , L, op cit , p. 295.
82
Dubroca, L,op cit , pp. 50-5.
83
Cooper, J, op cit , p. 111, Ott, Th, op cit, p. 180, Stoddard,L, pp. 347-348.
84
Barsket, J, op cit , p. 165-167
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poderosos del planeta.85 Ante el triunfo, el comandante de los rebeldes,


pronunció las siguientes palabras, que representaban la gesta de todo un
pueblo; “He vengado a America”86 El 1 de enero de 1804, Dessalines, en
un solemne acto en Gonaïves, declaró la independencia y reafirmó la
universalidad de la Igualdad y la Libertad, principios sin limites raciales,
de clase o de genero.87 Asimismo, en una manifestación de justicia
histórica y de identidad indoamericana, repudió el nombre colonial
español/francés de Saint Domingue y rebautizó al novel estado con su
antiguo denominación: Haití.88 Nacía así la primera república negra del
mundo y el primer estado independiente de América Latina. El ciclo
revolucionario se cerraba, la larga marcha por la libertad había
concluido.

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85
Ott, Th, op cit ,p. 182,
86
Dubois, L, op cit , pg 1 Barsket, J, op cit , p. 183
87
“Declaración de la independencia de Haiti 1/1/1804” Compilada por Dubois, L y Garrigus, J, op cit
,pp. 188-191, Nesbitt, N, op cit ,p. 1, Barsket,J, op cit, p.176.
88
Geggus, D, op cit , pp. 207-220, Stoddard, L, op cit, p. 349, James, CLR, op cit, p. 370.
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LA REVOLUCIÓN HISPANOAMERICANA: UNA CARACTERIZACIÓN

Germán Ibañez1

Resumen: El artículo propone una caracterización del proceso revolucionario


hispanoamericano que culmina con la independencia de la mayor parte de la
América española. En primer término, se aborda una serie de precisiones de tipo
conceptual sobre la problemática de la “revolución”, explorando algunos tópicos:
reforma versus revolución; violencia; cambio abrupto /larga duración; revolución
política /revolución social; transformación capitalista; movilización de clases
subalternas. En segundo término se estudia el proceso revolucionario
hispanoamericano, a partir de una problematización de los consensos
historiográficos actuales sobre una revolución política tanto como de la idea de
una revolución burguesa “clásica”. Se introduce la cuestión de la descolonización
como dimensión fundamental a explorar en los procesos independentistas

Introdução

Al cumplirse ya doscientos años del inicio del ciclo revolucionario que


culminó con la Independencia política de la mayor parte de Hispanoamérica
puede realizarse un balance de aquel complejo y extraordinario proceso o, más
cautamente, aportar algunas reflexiones en esa dirección. Distintos países de la
región, comenzando por Bolivia en el año 2009 realizaron sus festejos y
recordatorios del Bicentenario, destacándose por la masividad de su convocatoria

1
Profesor de Historia, egresado de la Universidad Nacional de La Plata . Secretario Académico de la Universidad
Popular Madres de Plaza de Mayo. Docente del Seminario Interdisciplinario: Pensamiento latinoamericano y procesos
sociopolíticos de la Facultad de Periodismo y Comunicación Social, Universidad Nacional de La Plata.Docente del
Seminario Interdisciplinario: Reformas y participación popular en Latinoamérica de la Facultad de Periodismo y
Comunicación Social, Universidad Nacional de La Plata.Docente del Seminario Pensamiento Nacional, Dirección de
Educación Permanente de la Universidad Nacional de Lanús .Integrante del equipo de Investigación Histórica y
Redacción de El cronista del Bicentenario, publicación de la Dirección General de Cultura y Educación de la Provincia
de Buenos Aires. [email protected]

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

y el enorme despliegue organizativo, de recursos y de riqueza de contenidos y


debate, el festejo argentino del año 2010. Universidades, editoriales y medios de
comunicación encararon de diversa manera la celebración del Bicentenario, y no
faltaron también las voces críticas o pesimistas acerca de situaciones políticas
puntuales de países latinoamericanos, que limitaran las potencialidades de la
fecha para incidir en la apertura de un gran debate histórico nacional 2. En las
discusiones y aportes se pusieron en juego inevitablemente diversas concepciones
político-ideológicas y caracterizaciones historiográficas de aquellos procesos y
acontecimientos que la convocatoria general del “Bicentenario” albergaba.
Desde diversas historiografías hace tiempo ya que se ha cuestionado la
tradición liberal, largo tiempo hegemónica, que desde la consolidación de los
Estados latinoamericanos en la segunda mitad del siglo XIX sancionó una
interpretación de las revoluciones hispanoamericanas como el proceso de
emancipación de “naciones” preexistentes, oprimidas por la “nación” española3.
Es frecuente, y por cierto no injustificada, la referencia a la obra de Francois-
Xavier Guerra como estímulo y punto de partida de otra interpretación, hoy
ampliamente generalizada, que cuestiona la idea de un levantamiento
hispanoamericano de características “nacionales”, siendo el reclamo separatista
una consecuencia del derrumbe del imperio español y del proceso de revolución
en los dominios americanos y no su causa. Al mismo tiempo, el proceso de
revolución abrazaría al conjunto del imperio, incluyendo las “provincias
españolas” (e incluso allí, en 1808, hay que buscar su causa inmediata). Planteos
que ponían de relieve estas cuestiones son previos a la obra de Guerra, y en la
Argentina pueden hallarse posturas similares ya en pasajes de los escritos de
Juan Bautista Alberdi, de Manuel Ugarte, de Julio V. González y de Jorge
Abelardo Ramos4.
En este artículo nos proponemos nos proponemos visitar la cuestión de la
revolución hispanoamericana, pues consideramos que problemáticas como la
2
Por ejemplo es lo consignado para México por Daniel Kersffeld: “Entre evocaciones y desmemorias: México ante su
propio Bicentenario”, en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el bicentenario. Reflexiones
sobre la emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /Ediciones FISYP; 2009
3
Un interesante artículo de Tomás Pérez Vejo realiza una síntesis de esa crítica: “¿Por qué volver sobre las guerras de
independencia?”, en revista Memoria, N° 247; México; octubre de 2010
4
Norberto Galasso: La corriente historiográfica socialista, federal-provinciana o latinoamericana, Cuadernos para la
Otra Historia N° 3; Buenos Aires; Centro Cultural Enrique Santos Discépolo; 1999
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

descolonización no están del todo presentes en los actuales consensos


historiográficos. Para encarar este trabajo comenzaremos con algunas precisiones
de orden conceptual, sin pretensiones de exhaustividad, y después avanzaremos
en una caracterización del proceso revolucionario e independentista
hispanoamericano.

El problema de la revolución como cuestión teórica

Cuando se trata de la revolución como problema teórico son muchas las


facetas a tener en cuenta. A veces se alude, al hablar de revolución, a un cambio
político o social relativamente “brusco”; en contraposición, un cambio gradual y
progresivo se identificaría con un proceso de reforma. Durante mucho tiempo esta
distinción se polarizó en las discusiones como revolución versus reformismo.
Ahora bien, en los procesos históricos concretos que han sido conocidos o
caracterizados como revoluciones, los cambios bruscos se dan junto a otros
graduales. Es necesario tener en cuenta qué cosas se quiere decir con cambios
revolucionarios y a qué se alude con procesos reformistas, aunque no pueda
arribarse a una definición completamente satisfactoria. Un abordaje posible es el
que propuso el mexicano Abelardo Villegas, quien planteó que ese dilema debe
ser referido concretamente a las formaciones sociales latinoamericanas, con sus
contradicciones propias, evitando las grandes abstracciones. Villegas sostiene que
se verifica en el proceso histórico latinoamericano una contradicción entre un
polo “modernizador” y otro polo tradicional o “atrasado”. Pero esta oposición no
debe ser leída como dualismo, sino como una relación dialéctica en la cual ambos
polos se complementan y condicionan mutuamente. Y es en torno a esta
contradicción que deben ser definidos concretamente la revolución y el
reformismo. La revolución aparece como la superación de esa contradicción, en
tanto que el reformismo sería la insistencia en la realización de uno de los dos
términos (la modernización) para que actuara como “disolvente” no violento del
otro (el atraso)5. Ahora bien, esa idea de la superación como proceso de cambio

5
Abelardo Villegas: “Panorama de los procesos de cambio: revolución, reformismo y lucha de clases”, en Leopoldo
Zea (coord.): América Latina en sus ideas; México; Siglo XXI editores; 2000; pp. 103-104
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que involucra a la totalidad de la formación social, nos obliga a mayores


precisiones.
Si nos mantenemos en el plano de un cambio que aparece como brusco
podemos identificar dos cuestiones. Una de ellas es la de la temporalidad. El
cambio brusco sería aquí el de una temporalidad acotada: de una sucesión de
acontecimientos o una coyuntura determinada. Puede ser el caso de una
insurrección o un proceso de toma del poder. La otra cuestión es la de la
violencia. La “brusquedad” estaría dada por la instrumentación de alguna forma
de acción directa, saliéndose de los marcos tradicionales o establecidos de
ejercicio y transmisión del mando. Nuevamente los ejemplos de la insurrección o
de la toma del poder resultarían apropiados en este contexto. Bien vistas las
cosas, se desprende de esto que, en este plano, la revolución es un proceso
eminentemente político: más concretamente, el cambio de régimen político a
través de procesos de acción directa o enfrentamiento armado en un período
relativamente breve.
Aún así, existen casos en los cuales los procesos de lucha armada,
asociados a cambios de regímenes políticos, se han manifestado en largos ciclos
de guerra civil. Esto vuelve a remitirnos a la cuestión de la temporalidad, pues
entonces la sucesión más o menos rápida de acontecimientos o el proceso
acotado a una coyuntura precisa y delimitada no constituyen un rasgo
“imprescindible” de una revolución. Podríamos decir que las revoluciones, como
cambio “brusco” de un régimen histórico de mando o dominación, en general
asociadas a formas de acción directa, pueden estar precedidas, acompañadas o
sucedidas por ciclos de guerra civil que pueden prolongarse mucho en el tiempo.
En la experiencia del siglo XX, tal parece el caso de las guerras revolucionarias,
especialmente la china. Ahora bien, con estas precisiones (que no pretenden ser
exhaustivas, por otra parte) estamos hablando propiamente de un tipo de
revoluciones, denominadas revoluciones políticas, aún cuando estén
acompañadas de guerra civil. Diferente es el problema cuando hablamos de
aquellos procesos que han sido caracterizados como revoluciones sociales, que
nos remite a esa totalidad a la que aludíamos anteriormente.
Si se trata de la revolución social, de lo que se está hablando es de las
transformaciones de las relaciones sociales fundamentales. Es decir, algo más
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complejo (y menos frecuente) que los cambios abruptos en los regímenes


políticos. Las relaciones sociales fundamentales son aquellas que se establecen
entre las clases sociales, especialmente en torno a la propiedad de los medios de
producción y el control del excedente. En las sociedades clasistas, son
invariablemente relaciones que se caracterizan por diversos modos históricos y
grados de explotación. Las revoluciones sociales son aquellos procesos por los
cuales se modifican las relaciones entre las clases sociales, el control del
excedente, el grado de explotación y, eventualmente, el modo de producción
dominante en una formación social dada. Ya la magnitud de las transformaciones
mencionadas, lleva a pensar que resulta imposible concebir el despliegue de una
revolución social en el marco de una sucesión corta de acontecimientos o incluso
una coyuntura delimitada. La temporalidad en el desarrollo de una revolución
social es más prolongada, e incluso puede hablarse de larga duración,
especialmente cuando nos referimos al cambio del modo de producción
dominante o el pasaje de un tipo de sociedad a otra. Sin duda, las relaciones
sociales no cambian de un día para otro.
Es posible hacer más precisiones. Una revolución social puede modificar el
equilibrio relativo entre las clases sociales, traspasar porciones importantes del
control de excedente, o abrir paso al ascenso socio –económico de diversas
fracciones o grupos sociales. En este caso de trata de una revolución dentro de un
tipo específico de sociedad o relaciones sociales fundamentales, que culmina en
transformaciones importantes pero no necesariamente en la instauración de un
nuevo régimen social. Una revolución dentro del capitalismo podría ejemplificar
esta situación. Nadie puede negarle carácter de revolución social a la Revolución
Mexicana de 1910 y al mismo tiempo tener claro que orienta en determinada
dirección el proceso de transformación capitalista de dicho país6; diferente
dirección, en todo caso, a la que parecía imprimirle las elites tradicionales. Pero
una revolución social puede marcar también el tránsito de un tipo de sociedad a
otro, modificando el modo de producción dominante. Así se habla del ciclo de la
revolución burguesa para la época de transición del feudalismo al capitalismo en
la Europa occidental; y los procesos revolucionarios concretos como la revolución

6
El “porfirismo”, etapa previa a la revolución de 1910, fue un proceso de modernización capitalista de México,
(despiadado y brutal, como suele ser la “modernización” en los países dependientes).
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inglesa del siglo XVII y la revolución francesa del siglo XVIII se enmarcarían
dentro de ese horizonte general. Ahora bien, en este plano, el concepto de
revolución social se asemeja mucho al de transición societaria (todo el período en
el cual un tipo de sociedad deviene en otra), y en todo caso obliga a pensar la
relación entre ambos. Si nos mantenemos dentro del ejemplo mencionado de la
transición del feudalismo al capitalismo en la Europa occidental, podemos ver
que determinados procesos revolucionarios concretos jalonaron esa transición y
fueron parte necesaria de ella, aunque por supuesto no opere ningún
determinismo mecanicista. La Revolución Francesa fue un proceso activo en la
transformación capitalista de dicho país, pero al mismo tiempo, mucho más que
eso; por ejemplo, alimenta el imaginario insurreccional que luego van a sustentar
corrientes obreristas anticapitalistas posteriores.
De modo que puede distinguirse un gran ciclo de revolución de aquellos
episodios concretos que conocemos como “revoluciones”. La expresión proceso
revolucionario puede resultar de gran utilidad a ese efecto, pues con él nos
referimos a las transformaciones políticas, económicas y culturales que
identificamos como revoluciones concretas (la mexicana, la cubana, etc.). Es
interesante, en este punto, el aporte de Omar Acha que señala que el concepto de
proceso revolucionario permite, entre otras cosas, integrar también las
experiencias históricas concretas que resultaron fallidas o truncas, es decir que
no devinieron en un nuevo orden pos –revolucionario7. La contingencia opera por
cierto en las revoluciones concretas, vinculadas a crudos momentos de luchas
políticas y de clases y no solo a impersonales y prolongados cambios
estructurales. Resulta necesario de todas formas inscribir a esos procesos en el
horizonte general de una época, para calibrar adecuadamente el contenido socio –
histórico de esas revoluciones y no cometer peligrosos anacronismos.
Puede puntualizarse que ese horizonte general, en el momento en que se
produce la revolución hispanoamericana que culmina en las independencias de
las colonias españolas, es la era de la revolución burguesa. Se utiliza también la
expresión compuesta democrático –burguesa para procesos revolucionarios

7
Omar Acha: “La historia latinoamericana y los procesos revolucionarios: una perspectiva del Bicentenario (1780 -
2010), en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el Bicentenario. Reflexiones sobre la
emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /FISYP; 2009; pp. 17-21
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 53
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enmarcados en ese ciclo general, e incluso han sido también utilizados más o
menos como sinónimos8. Con ello se alude a dos dimensiones del proceso de
revolución burguesa: la transformación capitalista y la participación de las
masas. Este último factor, el de la movilización y las luchas de las masas
populares no es meramente incidental ni un elemento “decorativo” del drama
histórico, pues su profundidad se relaciona con el grado y el modo de la
transformación capitalista (es decir, la dimensión propiamente “burguesa” de la
revolución). La entrada en escena de las masas insurrectas ha sido el ariete
fundamental en la destrucción de los regímenes políticos tipo “Antiguo Régimen”;
a la inversa, su relativa ausencia o menor grado de incidencia a dado origen a
intentos de categorizar esos procesos como “revolución pasiva” o “desde arriba”9.
Por tanto, ambas dimensiones (transformación capitalista y movilización de las
masas) no son una aleación caprichosa sino unidad dialéctica (y por tanto
contradictoria) en el seno de la revolución burguesa. Una cuestión más: las
luchas de las masas (el elemento democrático) buscando sus propios objetivos ha
“rebasado” en procesos concretos a los intereses inmediatos de las ascendentes
burguesías o proto –burguesías, insinuando la posibilidad de un “desborde” y
forzando compromisos históricos. Esos compromisos han sido en ocasiones
aquellos de las nuevas burguesías con las viejas clases dominantes, “congelando”
la revolución en un cierto punto; pero en otros procesos han debido recoger en el
orden pos –revolucionario algunas de las demandas de las masas, ya que el grado
de movilización de estas últimas tornó imposible marginarlas totalmente.

En torno a la revolución hispanoamericana

El paradigma de la revolución burguesa o democrático burguesa fue


pensado en relación al proceso de ascenso del capitalismo en lo que se constituyó
como área metropolitana del mundo; allí donde, en el siglo XIX, esa civilización

8
Es el caso de algunos usos de ambas expresiones por parte de Lenin; ver Wolfgang Küttler: “Sobre el concepto de
revolución burguesa y revolución democrático-burguesa en Lenin”, en VVAA: Las revoluciones burguesas; Barcelona;
Crítica; 1983
9
Es lo que hace Antonio Gramsci al referirse al proceso de unificación italiana y el rol del Piamonte
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alcanzó su madurez con el desarrollo del industrialismo10. ¿Es posible


caracterizar al proceso de revolución y guerra de independencia
hispanoamericana desde este paradigma? Si partimos de la cronología podemos
concluir, provisionalmente, en una respuesta afirmativa. Tomando en cuenta los
acontecimientos de 1808 en la propia España (invasión napoleónica y crisis de la
estructura imperial española) como “inicio” del ciclo revolucionario, y el año 1824
(batalla de Ayacucho, que destroza prácticamente el último bastión realista en la
América continental aunque continúen por un tiempo los enfrentamientos)
marcando el fin de esa etapa de nuestra historia, podemos afirmar que estamos
aún en esa época histórica de ascenso y consolidación de la civilización
capitalista. Incluso si consideramos la revolución andina de Túpac Amaru II
(1780) yendo de esa manera más atrás en el tiempo, seguimos todavía dentro del
mismo arco temporal. Por cierto que la dominación colonial española se prolonga
hasta fines del siglo XIX en Cuba y Puerto Rico, complejizando esta sumaria
cronología, y al menos dos elementos sería necesario poner de relieve en relación
al tardío fin de la dominación colonial española en el Caribe. El primero es que
coincide con un período en el que ya se consolidó la formación de los Estados y
los regímenes oligárquicos en la América Latina continental. El segundo, como lo
señaló el propio José Martí, que el nuevo imperialismo del Norte ya comenzaba
una etapa expansiva. Es decir, la desintegración final del colonialismo español en
el Caribe coincide con la fase del capitalismo monopólico estadounidense, que
mediatiza las independencias cubana y puertorriqueña (especialmente ésta
última).
Apenas mencionando estas cuestiones ya comenzamos a percibir que,
aunque inscriptas en la época de la revolución burguesa, las revoluciones de
independencia hispanoamericanas comienzan a alejarse del “modelo clásico” 11. La
gran problemática que salta a la vista es el colonialismo. Las sociedades
hispanoamericanas eran sociedades coloniales, sujetas al orden imperial español.

10
Proceso que tiene su epicentro original en Inglaterra, en las últimas décadas del siglo XVIII. Samir Amin afirma que
el capitalismo solo alcanza su madurez con el desarrollo del industrialismo; consolidando las tendencias a la
polarización mundial que son inmanentes al sistema: El capitalismo en la era de la globalización; Barcelona; Paidós;
1999; p. 15
11
Si existiera algo así como un modelo “clásico” por otra parte. Esta es una cuestión para ser revisada desde una teoría
crítica del eurocentrismo, lo que excede el objetivo de estas páginas.
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Aunque existiera alguna controversia con respecto al estatuto jurídico de estos


dominios (¿eran provincias y “reinos” de España, o como lo plantearan
descarnadamente los Borbones, colonias de las cuales extraer riquezas?), lo cierto
es que la asimetría en las relaciones entre la metrópoli y estas regiones, el tipo de
régimen instaurado por la conquista, y el drenaje de riquezas, dejan poco lugar a
dudas sobre la naturaleza colonial del vínculo. No existía ningún tipo de
representación democrática o igualitaria, aunque esto fuera una norma general
en un imperio (incluida la metrópoli) organizado desde el absolutismo dinástico.
Es el Monarca el puntal del orden político imperial y el que organiza y da sentido
a la “unidad” de un conjunto heterogéneo de regiones que no tienen fuertes lazos
de solidaridad o identidad entre sí12. Una situación como la que se da en el Río de
la Plata a consecuencia de las invasiones inglesas de 1806 -07: la destitución del
Virrey español y la designación de uno nuevo de origen francés (Liniers) por parte
de los “vecinos” y el nuevo poder miliciano, carecía realmente de antecedentes.
Puede señalarse que estamos ya a las puertas de la crisis del sistema imperial
español, pero el ejemplo es válido para comprender la naturaleza del régimen
político colonial, que reducía la representación incluso de los “notables” locales.
Si seguimos la secuencia cronológica, el “detonante” de la revolución
hispanoamericana está en la península española, con la insurrección y guerra
nacional que sigue a la ocupación napoleónica, y especialmente con el
movimiento de las Juntas populares. Ese movimiento juntista, que reclamaba los
derechos a la soberanía popular en respuesta a la prisión del monarca a manos
de Napoleón, significó un principio de revolución democrática en el orden
absolutista del imperio español. Es ese movimiento el que se replica en América,
en las principales ciudades, con primeras manifestaciones en Nueva España
(1808) y el Alto Perú (1809) y de manera más consistente y generalizada en 1810.
No eran movimientos separatistas, sino autonomistas y democráticos,
esgrimiendo el principio de la soberanía de los pueblos en defensa de los derechos
del monarca cautivo. Las fracciones políticas separatistas o independentistas
eran una clara minoría. Por sus objetivos inmediatos (colocar el autogobierno de
las ciudades y regiones hispanoamericanas en manos locales cuestionando de

12
Francois Xavier Guerra: “La desintegración de la Monarquía hispánica: Revolución de Independencia”, en De los
Imperios a las Naciones: Iberoamérica; Zaragoza; IberCaja; 1994; p. 201
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hecho el principio absolutista de poder), el movimiento de las Juntas tiene


también los rasgos de una revolución política democrática. Ahora bien, de esa
manera el andamiaje integral del viejo régimen quedaba seriamente afectado y se
abría una “escisión” en el sistema muy difícil de reparar13; la revolución
democrática hispanoamericana inaugura un proceso de incalculables
consecuencias.
El desarrollo de un proceso de guerra civil en vastos territorios
hispanoamericanos prolongó y profundizó la revolución política democrática que
el movimiento juntista había expresado. En esa guerra civil se enfrentaron
americanos y españoles en ambos bandos; pero la propia dinámica de
profundización del enfrentamiento, y la intransigencia de la Península para
aceptar la nueva autonomía de las ciudades hispanoamericanas, extremó las
posiciones e inició la deriva hacia la guerra de carácter nacional. Debe ponerse de
relieve que aquello que comenzará a difundirse como idea nacional en ese proceso
revolucionario es la voluntad de crear sociedades políticas independientes. Un uso
de la voz nación que no tenía fuerte connotación “étnica” o culturalista y que,
como señala José Carlos Chiaramonte, era equivalente al de “Estado –nación”14.
Podría decirse que, en el decurso del proceso de guerra civil hispanoamericana, la
defensa de las autonomías planteadas por el movimiento juntista solo pudo
mantenerse rompiendo el vínculo político con la Corona española. No fue el
separatismo lo que movilizó a la mayoría de los actores que desencadenaron el
movimiento de 1810, pero la propia idea de autonomía (mucho más su ejercicio)
resultaba aberrante para el orden tradicional del imperio absolutista, que no
pudo resistir ni absorber esos cambios.
Sintetizando decimos que rasgos importantes de una revolución política
democrática estaban contenidos en el movimiento juntista desde el inicio: el
principio de la soberanía de los pueblos era antagónico con el puntal ideológico
del imperio, el absolutismo dinástico; la propia aparición de las Juntas precipita
la desintegración del régimen político colonial, de su institucionalidad en

13
Anthony McFarlane: “La caída de la monarquía española y la independencia hispanoamericana”, en Marco Palacios
(coord.): Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma;
2009; p. 32
14
José Carlos Chiaramonte: Nación y Estado en Iberoamérica; Buenos Aires; Sudamericana; 2004; p. 81
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América. Las agrias controversias entre los participantes, y las resistencias de los
partidarios del orden tradicional, muestran claramente que se había salido de los
cauces habituales de reproducción del régimen y que éste no podía absorber el
impacto con sus mecanismos y rutinas. Cuando el principio de la soberanía
nacional comienza a convertirse en hegemónico dentro del bloque revolucionario
(por convicción o “necesidad”) aparece con fuerza un rasgo primordial de la
revolución o movimiento nacional: la lucha por ampliar el margen de
autodeterminación. Podemos retornar ahora al punto que señalamos más arriba
al decir que el problema del colonialismo es fundamental en la revolución
hispanoamericana, que se aleja así del modelo “clásico” de la revolución burguesa
metropolitana. Sin embargo, ¿la cuestión del colonialismo se agota con el fin de la
dominación política española? Si así fuera, podría decirse que el ciclo contenido
entre el movimiento juntista y la guerra de independencia constituye una
revolución anticolonialista sin más. En cambio, si consideramos que el
colonialismo es un fenómeno integral más complejo, deberemos hacer nuevas
precisiones.
Como señala Aníbal Quijano, sobre la base de la idea de raza fue
clasificada la población de América por los conquistadores europeos. Se
estableció así ese principio como elemento fundante de las relaciones de
dominación en el proceso de colonización del continente, situación que luego fue
extendida al resto del mundo colonial15. La elaboración ideológica de la “raza” se
transformó en la justificación de la dominación de los europeos sobre los no
europeos, trascendiendo la situación colonial concreta de Hispanoamérica y
sirviendo a la constitución del patrón de colonialidad del poder. Este sugerente
planteo deberá empero problematizarse, para calibrar en qué momento del
período de colonización fue emergiendo esta idea de raza, habida cuenta de que la
justificación metafísica y el derecho de conquista fueron dominantes en el
sometimiento temprano de las poblaciones originarias de América. En todo caso,
resulta de singular interés la clasificación de la población en estrecha vinculación
con el establecimiento de formas de trabajo forzado para los no europeos.

15
Aníbal Quijano: “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”, en Edgardo Lander (comp.): La
colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas; Buenos Aires; CLACSO;
2003; pp. 202-208
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De esta manera, la estratificación estamental de la población americana,


sus “roles” y “lugares” sociales asignados en función de la construcción ideológica
de la raza, es una parte constitutiva esencial de su situación colonial. La ruptura
del lazo de subordinación política con la Corona no podía traducirse
mecánicamente en un proceso integral de descolonización en la medida en que
persistiera ese orden societario. El proceso de revolución hispanoamericana
afectó inevitablemente ese fundamento central del orden colonial; por momentos
pareció que se retomaba, como después de una larga pesadilla, la dignidad de
aquellos sometidos y humillados por la conquista. El primer aniversario de la
Revolución rioplatense de 1810 alumbraba en Tiahuanaco; el viejo Inca, o al
menos sus huesos, aparecían junto a iluministas pasajes en el Himno original de
los argentinos; San Martín arengaba a sus oficiales convocándolos a ser tan
esforzados como “nuestros paisanos los indios”. Los criollos eventualmente
realizaban una reivindicación parcial e instrumental del pasado prehispánico,
cargando en la cuenta de los peninsulares la larga lista de los “abusos” y agravios
de los tiempos coloniales, como si los “españoles americanos” dueños de esclavos,
amos y señores de las masas de indios tributarios, grandes mineros y
terratenientes, fueran desinteresados filántropos. Impulsar la descolonización de
una manera radical suponía romper la dominación étnica heredada de la
conquista y cristalizada en la división estamental en razas y diversos grados de
“pureza de sangre” (todas las castas mestizas).
En el proceso general de la revolución hispanoamericana fueron
determinados movimientos populares los que plantearon más radicalmente las
tareas de una descolonización profunda, que fuera “más allá” de la ruptura del
lazo político que nos ataba a la Corona española. En el caso del artiguismo, se
manifestó la importante presencia de pueblos originarios en el seno de la
movilización social que agitó a la Banda Oriental y Litoral argentino desde 1811,
especialmente guaraníes. Incluso un indio guaraní llegó a ser uno de los más
importantes (y fieles) lugartenientes de Artigas: Andresito Guaycurarí (que adopta
el apellido Artigas), quien lideró la movilización popular en Misiones y Corrientes.
Esos contingentes guaraníes, dirigidos por Andresito, resistieron bravamente al
avance portugués, al costo de miles de muertos. Pero no solo integraron el
movimiento artiguista en cuanto “factor” popular, sino identificados como
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indígenas. Así los reivindicó el caudillo en sus expresiones públicas y sus


proyectos; como indios que debían gobernarse a sí mismos, sin “tutelas”,
desandando el camino de la conquista y colonización. Su debilidad y
marginalidad no eran constitutivas de la raza, sino producto histórico del sistema
colonial. Esta formulación del pensamiento artiguista, junto con la propuesta
concreta de integrar a los indios dentro de aquellos que debían ser beneficiados
en primer término por el proceso de reforma agraria, traza los horizontes posibles
de la descolonización, yugulados por la derrota del caudillo y la sangría sufrida
por los guaraníes artiguistas. La invasión portuguesa de 1816 fue un factor
determinante en la derrota y desintegración del artiguismo: acabó con la
insurgencia guaraní, (capturando incluso a Andresito), penetró en Montevideo
(con el beneplácito de la burguesía comercial de la ciudad) y destruyó la propia
fuerza armada del caudillo en Tacuarembó. No menos importante en la
frustración del movimiento popular oriental fue la hostilidad abierta y armada de
la burguesía comercial de Buenos Aires, y la reticencia y finalmente escisión de
las clases propietarias rurales orientales y litoraleñas ante la insurgencia popular
rural y la propuesta de reforma agraria. Los sectores dominantes buscaron
preservar sus intereses sociales fundamentales y “congelar” la descolonización
antes de que alcanzara niveles críticos.
En este punto, advertimos que la problemática del colonialismo está
íntimamente relacionada con las relaciones sociales fundamentales y los modos
de producción; y allí aparece la dimensión burguesa de la revolución (si fuera tal):
la transformación capitalista de la formación económico –social. Esto lleva a
plantear la relación entre el proceso de revolución política y guerra civil devenida
nacional con el proceso de transformación capitalista hispanoamericano. El
ideario de los más encumbrados líderes del proceso revolucionario, y las políticas
que circunstancialmente pudieron promover, nos muestra los perfiles de las
propuestas más avanzadas en el camino de la transformación capitalista del
continente. Estamos hablando del impulso a la liberación de los trabajadores
directos (manumisión de esclavos, eliminación del tributo indígena), remoción de
obstáculos a la circulación regional de mercancías (elemento clave para la
conformación de mercados más vastos), y protección del trabajo y la producción
local.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 60
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En la dinámica de los movimientos populares insurgentes se planteó la


liberación de los trabajadores directos, decretada por sus líderes o de hecho.
Esclavos manumitidos o fugados, campesinos que buscaban el fin del tributo o el
acceso a la tierra, pobres y desarraigados, nutrieron las filas de esos
movimientos. El cura Hidalgo decreta la eliminación del tributo indígena ya en los
primeros tramos de la rebelión que acaudilló en México; coincidían en esa medida
su ideario liberal ilustrado con la presión de las bases en un movimiento que
asumiría inequívocos rasgos agraristas e indígenas. Ahora bien: ¿modernización
capitalista? La insurgencia popular y las medidas igualitaristas de los líderes de
la emancipación trazaban una contradicción: atentaba contra las viejas
relaciones sociales y modos de la explotación, erosionando la disciplina social que
inevitablemente también requería el desarrollo de formas capitalistas. Esta
contradicción ya se había presentado en la Revolución Haitiana. Toussant
L’Overture consagró el fin de la esclavitud en la Isla, y al mismo tiempo intentó
conciliarlo con la pervivencia del sistema de plantaciones. Estaba en juego la
producción de un excedente que permitiera a Haití “progresar” y defenderse 16.
Eso implicaba que la instauración de un régimen de trabajo libre (los ex esclavos
recibirían ¼ de la producción de los latifundios) necesitaba de una disciplina
social reforzada por medios políticos (extra económicos). También en la política
llevada adelante por San Martín en el período en que jugó el rol de Protector del
Perú, pudo apreciarse ese problema. San Martín, que movilizaba a los esclavos
negros en las filas del ejército Libertador, obteniendo aquellos su libertad al cabo
de un tiempo de servicio, establece en el Perú la libertad de vientres. A partir del
28 de julio de 1821 todos los hijos de esclavos que nacieren en el Perú, serán
declarados libres. En la justificación del por qué esa medida gradualista y no la
simple y llana abolición de la esclavitud, San Martín señala: “Yo no trato de
atacar de un golpe ese antiguo abuso; es preciso que el mismo tiempo que lo ha
sancionado, lo destruya, pero yo sería responsable ante mi conciencia y mis

16
Juan Francisco Martínez Peria: “Haití, la Revolución Maldita”, en VVAA: La Patria es América; Buenos Aires;
Editorial Madres de Plaza de Mayo; 2009; pp. 125-127
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sentimientos, si no preparase para lo sucesivo esta piadosa reforma conciliando,


por ahora, el interés de los propietarios, con el voto de la razón y la naturaleza”17.
La crisis y remoción del sistema comercial monopólico español (ya muy
erosionado en los principios del siglo XIX) también es un elemento clave en el
proceso de transformación capitalista de Hispanoamérica; aunque la destrucción
material y la desorganización causadas por la guerra civil no arrojaran de
inmediato resultados visiblemente favorables al crecimiento económico y la
expansión de las nuevas relaciones sociales. En este terreno no hubo un
consenso entre las elites revolucionarias e independentistas. Las asimetrías
regionales, la competencia entre ciertos rubros de la producción local y las
mercaderías importadas, determinaron que se fueran suscitando diversas
visiones sobre la amplitud de la liberalización del comercio. Las fracciones de las
clases dominantes hispanoamericanas que ya estaban vinculadas a los nuevos
centros metropolitanos y las elites políticas y militares que las expresaban, por
supuesto tendieron a consagrar la “máxima” apertura comercial posible. Pero los
bloques de productores y comerciantes orientados desde antaño a circuitos y
mercados interregionales (que por otra parte fueron conmovidos negativamente
por la guerra civil) se veían amenazados por la agresiva competencia de las
manufacturas introducidas desde los puertos. Se planteó entonces la necesidad
de cierto “control” de la apertura o de la protección de la producción local. Los
Libertadores se hicieron eco, en ocasiones, de esta última tendencia. Si volvemos
a la orientación que San Martín intentó desplegar en el Perú, veremos que el
Reglamento Provisional de Comercio (septiembre de 1821) duplica las tasas a
pagar por las importaciones de artículos que “directamente perjudican a la
industria del país”18.
En las visiones más avanzadas, esa protección al trabajo y la producción
local (a través de un marco aduanero proteccionista) se combinaba con el
estímulo a la circulación interregional de mercancías, factor clave en la
conformación de mercados internos. El Reglamento aduanero artiguista
discriminaba claramente las tarifas impositivas para la circulación en el seno de

17
Reproducido en Norberto Galasso: Seamos libres y lo demás no importa nada. Vida de San Martín; Buenos Aires;
Colihue; 2000; p. 360
18
Ibíd..
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 62
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la cuenca del Plata: serían de 5% para las provincias rioplatenses, pero se


reduciría a 0% para las provincias artiguistas. En una escala más amplia, el
Tratado Perú –Colombia impulsado por San Martín y su secretario Monteagudo
establecía la ciudadanía común y la posibilidad de comerciar libremente para los
ciudadanos de ambas repúblicas: “Los súbditos y ciudadanos de ambos Estados
tendrán libre entrada y salida de los puertos y territorios respectivos y gozarán en
ellos de todos los derechos civiles y privilegios de tráfico y comercio…En esta
virtud, los buques y producciones territoriales de cada una de las partes
contratantes no pagarán más derechos de importación, exportación, anclaje y
tonelaje, que los establecidos o que se establecieren para los nacionales en los
puertos de cada Estado, es decir, que los buques y producciones de Colombia
abonarán los derechos de entrada y salida en los puertos del Estado del Perú
como peruanos, y los del Estado del Perú en Colombia como colombianos”19. El
objetivo de máxima era, por otra parte, establecer el acuerdo también con otras
regiones (Chile, el Río de la Plata).
Todos estos procesos (liberación de trabajadores directos, remoción de
obstáculos a la circulación de mercancías, protección a la producción local)
dibujan los perfiles de una posible vía de transformación capitalista de las
sociedades hispanoamericanas. Pero no fue la única vía puesta en juego. Los
intereses económicamente dominantes (señoriales, mercantiles y
protocapitalistas) intentaron conjugar la conservación de privilegios y posiciones
de poder heredadas del período colonial con la modernización que imprimía la
apertura comercial y el “ajuste” a las necesidades de los nuevos centros
metropolitanos nor –europeos. Es decir, imponer un determinado “compromiso
histórico” que orientara la transformación capitalista por un cauce moderado y
que conjurara cualquier deriva democrático –popular de la revolución y guerra
civil. Esto puede llevarnos a la cuestión de las “revoluciones interrumpidas”. El
ciclo iniciado con el movimiento juntista, ¿constituye una revolución
“interrumpida”? Y si es así, ¿en qué punto?
Son interesantes al respecto las reflexiones del sociólogo brasilero Florestan
Fernandes. En primer término, las revoluciones no son interrumpidas para el

19
Ibíd.; p. 399
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 63
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estrato más alto de las burguesías. En todo caso, el proceso se “interrumpe”


concentrando los beneficios en la cúspide de las clases dominantes, cortando los
“dividendos”, cuando se plantea su distribución en los estratos menos favorecidos
de las clases propietarias o en los desposeídos20. En segundo término, la
pervivencia de la conformación colonial de nuestras sociedades: el grado de
deshumanización de las personas impuesto por la conquista y la visión de los
vencedores; también la cristalización de un orden estamental o de casta que muy
gradualmente cedió paso a la formación de clases sociales “modernas”, sin
desaparecer del todo21. Es decir, los límites de la descolonización.
Desde los intereses históricos de las clases señoriales y mercantiles
hispanoamericanas, la revolución política que les permitiera controlar los
mecanismos del poder era el horizonte y límite del proceso revolucionario: “…el
anticolonialismo de los estratos privilegiados solo era intenso y fervoroso en un
punto, el de la conquista de la condición legal y política de dueños del poder. En
los demás puntos, los intereses más avanzados y profundos exigían el
Congelamiento de la descolonización. Congelar la descolonización constituía no
solo un prerrequisito estructural y dinámico de la “defensa del orden”, del
“combate a la anarquía”, de la “preservación de la propiedad”, etc., sino que era el
requisito número uno de la nueva articulación entre los estamentos señoriales y
los estamentos intermedios en ascensión potencial con los centros de dominación
económica externa, es decir, literalmente, del patrón neocolonial de crecimiento
del capitalismo”22. Al llegar a este punto, puede apreciarse la problemática del
“neocolonialismo”, o la redefinición de las relaciones de dependencia en
condiciones de ruptura de la vieja dominación política ibérica. Los sectores más
poderosos de las clases propietarias hispanoamericanas estaban ya vinculadas a
las nuevas potencias industrialistas, y la magnitud del contrabando rioplatense
es un buen ejemplo. La transformación capitalista, desde el punto de vista de los
intereses de esas clases propietarias, implicaba la profundización de los vínculos
con los centros metropolitanos. Esta “vía” al crecimiento capitalista se tornaba

20
Florestan Fernandes: “Reflexiones sobre las revoluciones interrumpidas”, en Dominación y desigualdad: el dilema
social latinoamericano; Buenos Aires; CLACSO /Prometeo Libros; 2008; p. 126
21
Ibíd.
22
Ibíd; p. 133
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 64
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por tanto tendencialmente antagónica de la “vía radical” que mencionamos en


primer término, y que en su búsqueda de incorporar los intereses de los grupos
desposeídos o menos poderosos (a través de la liberación de los productores
directos) rompía los marcos del compromiso histórico con las clases señoriales e
“iba más allá” del interés inmediato de los grupos mercantiles dominantes del
comercio portuario internacional.
Ese ir más allá define los contornos de una tendencia que Ricaurte Soler ha
denominado “democracia radical”23. Tres grandes vertientes conforman la
democracia radical en el ciclo de la revolución hispanoamericana: la pequeño
burguesa “jacobina”, la de los grandes Libertadores, y la de los movimientos
populares rurales. Figuras como Mariano Moreno y Bernardo de Monteagudo
para el primer caso, San Martín y Bolívar para el segundo, Hidalgo y Artigas para
el tercero, son emergentes de esa democracia radical. Muy especialmente la
vertiente de los movimientos populares rurales significó un desafío para las elites
dominantes. La revolución y guerra civil no podía sino lanzar a la arena del
conflicto a enormes contingentes de las masas populares, alterando el
inmovilismo de la sociedad colonial y afectando seriamente los lazos tradicionales
de obediencia y dependencia personal. Trabajadores y campesinos movilizados
voluntariamente o enrolados compulsivamente, esclavos manumitidos o fugados,
levantamientos populares, todas diversas manifestaciones de una situación
crítica para la dominación de clase y los viejos velos sociales. Esta es la principal
fuerza activa de la descolonización, y lo que representa el factor democracia en el
ciclo de la revolución burguesa. Las fracciones dirigentes de las elites
revolucionarias (o “revolucionadas” a su pesar) dedicaron enormes esfuerzos para
contener dentro de marcos “aceptables” esa movilización de las clases peligrosas.
Aún así, en el período inmediatamente posterior a las independencias, las elites
posrrevolucionarias tuvieron que lidiar con la movilización de sectores populares
a la hora de definir los marcos de la organización nacional. Es el caso del
caudillismo y las montoneras federales en la Argentina.
Puede caber la pregunta de qué movilizó a las clases “peligrosas”, pues
resulta relativamente más claro discriminar los intereses buscados por las clases

23
Ricaurte Soler: Idea y cuestión nacional latinoamericanas; México; Siglo XXI editores; 1987; pp. 55 -96
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 65
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poseedoras. Desde luego, de una manera genérica para el vasto y heterogéneo


conjunto de movilizaciones populares puede aludirse a la secular explotación
colonial, pero cada caso concreto de rebelión y movilización ofrece perfiles
particulares. En el caso mexicano de las rebeliones rurales acaudilladas por los
curas Miguel Hidalgo y José María Morelos puede advertirse una fuerte presencia
indígena y un marcado “localismo” de los insurgentes, que se traducía en una
escasa autonomía territorial de las fuerzas rebeldes (la mayoría de los indígenas
incorporados no se había movilizado demasiado lejos de su lugar tradicional de
residencia)24. Entre los fundamentos de la importante violencia y la modalidad de
los conflictos rurales en el seno del proceso de rebelión general se descubre
también la existencia de prolongadas tensiones internas en el seno de las
comunidades, que tendrían más importancia a la hora de explicar las rebeliones
que un presunto horizonte “proto –nacionalista” compartido por los indígenas
insurrectos25. De manera similar a lo ocurrido con el movimiento juntista de las
ciudades, la separación o independencia con respecto a España no fue un factor
detonante fundamental. En esta interpretación que seguimos (sustentada por el
historiador Eric Van Young) no se pone en juego solamente una explicación
“socioeconómica” sino los rasgos de una cultura política rural, de base indígena,
en la cual adquieren sentido esos episodios de violencia y rebelión. La
superposición de los episodios de estallido de violencia con festividades religiosas,
la frecuente apelación a documentos que legitiman la acción contra los malos
gobernantes, la memoria en los participantes de anteriores “tumultos” y
disturbios, evidencian rasgos de esa cultura política popular que se manifiestan
en la rebelión de 181026. Tenemos entonces un cuadro en el cual conflictos
comunales, localismo, y cierto mesianismo, ofrecen una mirada distinta a las
motivaciones de esas masas campesinas que se suman a la insurrección que la
de un proto –nacionalismo o un planteo separatista con respecto a la metrópoli.
Esto no significa que las clases populares fueran indiferentes a las formas
de “patriotismo” que van apareciendo a medida que la guerra civil

24
Eric Van Young: “Insurrección popular en México, 1810 -1821”, en Marco Palacios (coord.): Las independencias
hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma; 2009; pp. 315 -319
25
Ibíd.; p. 322
26
Ibíd.; pp. 323 -324
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hispanoamericana se va tornando guerra de emancipación nacional. Es posible


ver casos en los cuales inicialmente contingentes importantes de las masas
rurales fueron movilizados por los realistas, como sucedió en Venezuela con el
español Boves que enfrentó exitosamente a Bolívar y los patriotas. Más tarde,
sobre todo a partir de la experiencia del Libertador en Haití, son visibles los
esfuerzos de Bolívar por establecer compromisos con esas bases populares,
incorporando a los llaneros al bando patriota. Pero en otras regiones, como en el
Alto Perú, gran parte del esfuerzo de guerra contra las tropas realistas lo
sobrellevó la insurgencia popular: la “guerra de Republiquetas”. En un territorio
que los realistas controlaron la mayor parte del ciclo revolucionario, y solamente
fue ocupado efímeramente por las tropas porteñas, los guerrilleros altoperuanos
mantuvieron en estado de inestabilidad la región, condicionando negativamente
el avance absolutista hacia el sur. De esa manera, junto a las guerrillas gauchas
de Martín Miguel de Güemes en Salta –Jujuy, esos contingentes plebeyos
facilitaron la campaña sanmartiniana a Chile y Perú. El costo fue altísimo, una
gran parte de los líderes de la insurgencia murió combatiendo o ejecutado, y
solamente una “republiqueta” (Ayopaya) se mantuvo hasta el final de la guerra.
La historiografía tradicional interpretó esa participación popular motivada
por el “patriotismo”, pero los nuevos enfoques (como señalamos para el caso de
México) complejizan el abordaje sobre los movimientos populares y las clases
subalternas en el ciclo de la emancipación. Así, junto a la cuestión
socioeconómica y la problemática de la explotación (demanda de tierras, lucha
contra el tributo, etc.) aparece la problemática de las culturas populares, de las
representaciones sociales de la autoridad y del poder que se hacen visibles en
medio de la rebelión27. Es registrable un incremento de la preocupación de la elite
salteña por la insumisión de la plebe en los años previos al ciclo revolucionario.
Las noticias “políticas” que circulaban con las novedades y los rumores de otros
lugares del Virreinato y América no eran objeto del interés exclusivo de las clases
dominantes, sino que circulaban y se discutían también en los ámbitos de la
sociabilidad popular. La autoridad sacrosanta del régimen colonial comenzaba a

27
Sara E. Mata de López: “Insurrección e independencia. La provincia de Salta y los Andes del Sur”, en Raúl O.
Fradkin (ed.): ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular de la Revolución de Independencia
en el Río de la Plata; Buenos Aires; Prometeo Libros; 2008; p. 184
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erosionarse, y es en ese ambiente “enrarecido” en el que se va definiendo la


adhesión de Salta y el Alto Perú a la causa revolucionaria28. Sacarse de encima de
un régimen despótico, obtener mayores márgenes de libertad, y aflojar los lazos
de la explotación económica son factores presentes en la adhesión popular a la
causa patriota y el desarrollo de la insurgencia. Los milicianos salteños, que
resultaron actores claves de la insurrección popular y la lucha contra las tropas
realistas, defendían con tenacidad las “conquistas sociales” recién logradas: la
excepción en el pago de arriendos, y la competencia exclusiva del fuero militar
sobre ellos. A su vez, la elite salteña, que había manifestado gran incapacidad
para controlar la rebelión popular o dirigir exitosamente la guerra contra los
realistas, perseguía con simétrica tenacidad restringir o anular dichas
“conquistas”. Por lo tanto, el esfuerzo de guerra y la rebelión popular solo podían
mantenerse en la medida en que un contenido social progresivo se entrelazara
con la causa de la Patria.
Los grandes caudillos y los líderes populares locales expresaron mejor que
nadie esa tendencia democrática radical, que iba más allá de los intereses
inmediatos de las clases propietarias. Al hacerlo intentaban sostener un
compromiso histórico diferente al promovido por las elites. Los caudillos asumían
intereses populares dándole un contenido social más profundo al ideario
revolucionario o “patriota”. Al mismo tiempo traducían más concretamente el
principio de la soberanía popular, pues su autoridad se basaba en el
consentimiento de “los de abajo”, en su adhesión activa. Con eso se ponía en
juego y movilizaba uno de los factores más importantes de los movimientos
nacionales: el desarrollo de más sólidas y complejas solidaridades internas de un
cuerpo social. Al decir de León Pomer, “Aceptar la nación como identidad es
situarse subjetivamente en una dimensión transindividual nunca antes conocida,
diferente de la dimensión transindividual metafísica que pasa por la imagen
suprapersonal de Dios. La nación es conciencia de una relación /unidad efectiva,
real, producida por una construcción cultural, psico-emocional que llamaremos
imaginario, erigida sobre un fundamento relacional de creciente densidad”29. El
esfuerzo común de guerra, la unidad de dirigentes y dirigidos en función de

28
Ibíd.; p. 188
29
León Pomer: La construcción de los héroes. Imaginario y nación; Buenos Aires; Leviatán; 2005; pp. 36-37
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intereses compartidos y el ideario patriota revolucionario, se transformaban en


factores activos en la desintegración de la vieja sociedad estamental. Allí se dará
la competencia con la orientación promovida por las elites dominantes, que
apelarán al patriotismo pero congelarán los vínculos sociales, frenando la
descolonización integral, para aprovechar mejor las oportunidades brindadas por
el acercamiento a los centros capitalistas metropolitanos. Es decir, disociando
transformación capitalista de descolonización.
Quedará como uno de los “legados” del sistema colonial el orden
patrimonialista pos independentista. Uno de los rasgos de ese orden
patrimonialista es la propiedad latifundista de la tierra, articulada a las formas de
poder social y de organización política emergentes. Es decir, el poder mantiene
características “particularistas”, identificado directamente con los propietarios.
No habrá por tanto, una verdadera ciudadanía e igualdad de derechos sin un
Estado que pueda sobreponerse al poder patrimonialista, que instrumenta
directamente los órganos del poder político30. Esa será una cuestión pendiente,
que se prolongará en ciclos posteriores de guerras civiles. La llamada
“organización nacional”, la construcción efectiva de Estados latinoamericanos,
continuará el proceso de puja entre las distintas clases y fracciones de clases en
torno al control del poder político y la vía de transformación capitalista, aún
cuando la revolución ya esté terminada.
Recapitulando las cuestiones abordadas en este artículo diremos que las
revoluciones hispanoamericanas comenzaron siendo revoluciones políticas, de
carácter democrático, abriendo rápidamente paso a procesos de guerra civil. En
ese devenir se transformaron en revoluciones independentistas, al bloquearse
cualquier perspectiva de “reforma” del imperio absolutista, y cobrar impulso la
vocación de establecer sociedades políticas independientes. Fueron asimismo
revoluciones anticoloniales, pero justamente esta dimensión esencial del proceso
fue congelada por las elites posrevolucionarias, que lograron derrotar tanto a las
fracciones radicales de los patriotas como a los movimientos populares e
insurgentes. Ese “congelamiento” de la descolonización en el punto en el cual se
aseguraba la preeminencia de las clases poseedoras (y se alcanzaban acuerdos

30
Luis Tapia: “El estado en condiciones de abigarramiento”, en García Linera, Prada, Tapia y Vega Camacho: El
Estado. Campo de lucha; La Paz; CLACSO /Muela del Diablo /Comuna; 2010; pp. 107-114
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

trabajosos entre ellas) condicionó el tipo de transformación capitalista en el


continente, que se articuló y “ajustó” a las necesidades de los nuevos centros
metropolitanos, estableciéndose simultáneamente un patrón externo neocolonial
y el fenómeno del colonialismo interno. Las fracciones radicalizadas de los
patriotas y los movimientos populares insurgentes constituyeron las fuerzas
activas más importantes en la descolonización, aunque fueron contenidas por las
clases poseedoras. Aún así, los sectores dominantes deberán lidiar largo tiempo
para establecer regímenes políticos estables y recuperar la “disciplina” social
erosionada por la revolución. También las formas republicanas y la apelación,
aunque formal, a la soberanía popular, marcan los límites de un compromiso
histórico que deben aceptar. El proceso revolucionario estimuló formas nuevas de
sociabilidad política y amplió la cultura política popular en muchas regiones
hispanoamericanas, realidad que tuvo que ser aceptada, aunque malamente por
las clases dominantes31. La era de las masas se había insinuado peligrosamente.

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31
Para el caso rioplatense véase una interesante muestra en Raúl Fradkin (ed.): ¿Y el pueblo dónde está?
Contribuciones para una historia popular de la Revolución de Independencia en el Río de la Plata; Buenos Aires;
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

BICENTENARIO DE LA INDEPENDENCIA ARGENTINA: UNA


PERSPECTIVA DESDE LA HISTORIA ECONÓMICA

Agustina Vence Conti1


E. Martín Cuesta2

Resumen: El derrotero de la historia de la republica argentina como país


independiente se sitúa a partir de la revolución de mayo de 1810. En este
trabajo se ensayarán algunas preguntas acerca de las características generales
de la economía de lo que hoy es el espacio de la Republica Argentina, a través
de la observación de tres momentos históricos: 18810, 1910 y 2010. Sin la
pretensión de abarcar toda la historia económica argentina, se utilizarán
algunas fuentes y variables económicas de cada uno de esos años observando
cambios y continuidades. Siguiendo en parte la historiografía se tendrán en
cuenta dos ejes explicativos. Uno es el grado de integración con el mercado
mundial y el otro es el mercado de trabajo.

Introducción

1
Magíster en Historia Económica (Universidad Torcuato Di Tella) y Licenciada en Economía (UADE). Profesora de
la Universidad Argentina de la Empresa. Está investigado para su tesis de Doctorado la deuda externa y la economía
argentina entre 1890 y 1910. [email protected]

2
Doctor de la Universidad de Buenos Aires. Investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y
Tecnológicas (CONICET). Profesor de la Universidad de Buenos Aires. Es especialista en Historia Económica, en
particular de precios y salarios en Latinoamérica. [email protected] / 054-011-3967-8929 / Lima 717 (1073) Ciudad
de Buenos Aires - Argentina

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El derrotero de la historia de la republica argentina como país
independiente se sitúa a partir de la revolución de mayo de 1810. Esto implicó
un corte en el tipo de relaciones políticas con el imperio español que en esos
momentos estaba en crisis. Desde ese momento hasta hoy, la evolución de la
economía argentina ha pasado por diferentes etapas.
En este trabajo se ensayarán algunas preguntas y respuestas acerca de
las características generales de la economía de lo que hoy es el espacio de la
Republica Argentina, a través de la observación de tres momentos históricos:
18810, 1910 y 2010. No se pretenderá hacer un relato de toda la historia
económica argentina. Si se abrirán ciertas fuentes y variables económicas de
cada uno de esos años observando cambios y continuidades en cada salto
temporal.
Para ello, se hace uso, además de las fuentes, de una vasta y profunda
bibliografía de historia económica. Parte de ella abreva en teorías económicas
que entienden la existencia e importancia de la vinculación con el mercado
mundial. En este sentido, entienden como clave el rol de las políticas
económicas a lo largo de la historia. El mejor trabajo que atiende a la
observación de las políticas y observa los ciclos de crecimiento es el de Roberto
Cortés Conde (1997). Por otro lado, otros historiadores han aplicado otros
paradigmas, como por ejemplo el de las etapas de Rostow, para analizar las
etapas del crecimiento argentino.
Siguiendo en parte la historiografía se tendrán en cuenta dos ejes
explicativos. Uno es el grado de integración con el mercado mundial y el otro es
el mercado de trabajo.
Desde poco antes de la independencia la integración a la economía
mundial se transformó en sinónimo de orientación atlántica. Esto es
consecuencia del rol preponderante del puerto y ciudad de Buenos Aires como
canal necesario de comercialización. Esto no significa dejar de lado el
reconocimiento de la gran diversidad regional al interior del espacio argentino
con disparidades tanto económicas como políticas y sociales.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 75


La primera década revolucionaria (1810-1820)

Cuando el 25 de mayo de 1810 se crea la junta de gobierno de Buenos


Aires y se destituye al virrey se enciende la mecha de un profundo cambio a
nivel económico. A nivel político esta junta envió contingentes armados al
interior del espacio del por entonces virreinato del Río de la Plata con el
objetivo de legitimarse y consolidar su autoridad sobre todo el espacio virreinal
(Halperín, 1989)
Sin embargo, esa expansión político militar hacia el interior, aún con la
pérdida de las provincias del Paraguay (actual republica del Paraguay) y del
Alto Perú (actual Bolivia), si bien consolidó el afán de independencia, abrió el
camino de la desarticulación de los circuitos económicos coloniales (Irigoin y
Schmidt, 2003)
La integración de la economía regional en el espacio del virreinato del Río
de la Plata se asentaba sobre dos claves. Uno era la riqueza argentífera del
cerro de Potosí, la segunda era la conexión con el espacio atlántico español de
la ciudad de Buenos Aires. Ambas ciudades integraban un eje alrededor del
cual giraban las economías regionales de todo el espacio virreinal. Con el
movimiento independentista, se fractura la conexión entre la riqueza de Potosí y
el resto del espacio. Esto implicó el quiebre de los circuitos económicos
preexistentes (Amaral, 1990). En consecuencia las economías regionales
tuvieron que readaptarse buscando reemplazar la conexión con la riqueza
potosina articulándose con otros espacios (Assadourian, 1983).
El rol central en la nueva reconfiguración de la economía argentina
durante el período 1810-1820 lo tendrá la provincia de Buenos Aires. En
continuidad con los tiempos coloniales, el puerto de Buenos Aires era el único
nexo comercial con el exterior de ahí devenía un rol fundamental tanto como
intermediario necesario así como principal aduana de importación- exportación.
Pero al mismo tiempo, la provincia de Buenos Aires incrementó

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 76


exponencialmente su rol como productora de productos ganaderos de
exportación (Cuesta, 2009). La riqueza vacuna de la pampa húmeda que ya era
importante en el siglo XVIII, se transformó en la principal fuente de riqueza del
naciente país (Garavaglia, 1999).
Esta transformación es claramente una consecuencia de la
independencia económica. La liberalización de la economía y la derogación de
las restricciones comerciales del imperio español impactaron de varias formas.
La eliminación de la intermediación española y de los impuestos españoles a la
exportación de cueros y tasajo incrementó los ingresos de los productores
ganaderos y del estado de Buenos Aires (Newland y Poulson, 1998). Este fue un
estimulo fundamental que provocó un aumento en la inversión en tierras y
ganado que transformó la economía bonaerense. Las tierras dedicadas a la
agricultura fueron transformadas en tierras ganaderas y se instalaron gran
cantidad de saladeros para la producción de tasajo.

Cuadro 1 – salarios y precios de bienes en 1810 y 1825 (en pesos de plata)


1810 1825
Cuero de vaca 1,7 6,2
Tasajo (100 1,7 4,2
libras)
Vaca 1,4 5,1
Tierra (por 0,2 0,7
yarda)
Salarios (índice) 100 92
Fuente: Newland y Ortiz (2001)

Dado que la ganadería ocupa menos mano de obra que la agricultura se


produjo un descenso en la demanda de trabajo y por ende en los salarios. Por
otro lado, se incrementó la demanda de tierras y ganado aumentando su precio.
La exportación de cueros y tasajo se multiplicó para satisfacer la demanda de la
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 77
economía atlántica (Newland y Ortiz, 2001). Las tierras explotadas se
duplicaron; se pasó de 2.250.000 hectáreas en 1810 a 4.200.000 hectáreas en
1825.
Hacia 1820 la transformación económica ya estaba definida. La economía
de Buenos Aires se articuló a la economía atlántica que estaba en plena
expansión. El ingreso fiscal pasó a depender en más del 60% de los impuestos
al comercio exterior (Halperín, 1989). Al interior del espacio de la Republica
Argentina las diferentes regiones, ya finalizado el proceso de guerra de
independencia y cortado el vínculo con Potosí, buscaba sobrevivir articulándose
en parte con Buenos Aires y en parte con otros espacios. La zona de cuyo buscó
conectarse con Chile. La zona mesopotámica y el litoral se articularon con
Buenos Aires aprovechando el “boom” ganadero. El noroeste comenzó una lenta
declinación intentando reconectarse con el Alto Perú. La zona central (Córdoba,
Santiago del Estero, Tucumán) intentaron ser las bisagras de articulación de
un mercado interno que aun no estaba construido. (Irigoin y Schmidt, 2003)

1910: el primer centenario en la argentina próspera.

Después de la organización constitucional, alcanzada en el período 1853-


1862, y consolidado el estado argentino desde 1880, la economía argentina
comenzó un proceso de crecimiento económico de largo plazo. (Cortes Conde,
1997)
A grandes rasgos la expansión de la economía mundial y las condiciones
estructurales de la economía argentina permitieron que la llanura pampeana se
integrara exitosamente al mercado mundial. Así la argentina entró de manera
plena al mercado de capitales y de mano de obra global. En particular esto se
concentró en las fértiles llanuras pampeanas y en la ciudad de Buenos Aires.
La apertura de la economía permitió el ingreso de capital extranjero que
fue invertido para financiar el déficit del estado nacional pero en mayor medida
para la construcción de infraestructura básica. A fines del siglo XIX esto

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 78


significaba la construcción de ferrocarriles y servicios públicos. En la primera
década del siglo XX, y acompañando el desarrollo tecnológico, la inversión
extranjera se hizo fuerte en puertos y frigoríficos. Estos capitales en gran parte
provenían del centro financiero internacional del siglo XIX: Londres. De hecho
esta relación particular con la principal economía de la época no estuvo exenta
de inconvenientes. Durante la década de 1890, y como consecuencia de la
crisis de ese año, la Argentina estuvo ausente en el mercado de capitales. No
obstante ello, a partir de 1901 Argentina volvió al mercado mundial de capitales
(Vence Conti, 2008). También hay que destacar el rol del área de servicios
financieros, que a pesar de la crisis de 1890 creció y se consolidó a la par del
crecimiento económico.
El segundo rasgo destacable de la integración al mercado mundial es el
mercado de mano de obra. Durante el período previo al centenario la Argentina
más que duplicó su población en base a la recepción de inmigrantes europeos.
En gran mayoría italianos y españoles, migraban a Argentina en búsqueda de
la prosperidad (“hacerse la América”). Los procesos económicos en sus países
de origen expulsaban población mientras que la prosperidad Argentina creaba
un excedente de demanda de mano de obra. En consecuencia, los diferenciales
salariales tentaron a millones de inmigrantes a atravesar el atlántico y buscar
trabajo en Argentina (Taylor, 1994). El crecimiento de la economía argentina
era tan espectacular que aun la llegada de estos millones de inmigrantes no
lograba satisfacer completamente la demanda de trabajo. En especial la
demanda estacional que significaban los períodos de siembra y cosecha
agrícola. Gran parte de estos inmigrantes se afincaron en las grandes ciudades
y lograron en cierta medida el anhelo del ascenso social. Tanto el aporte de los
inmigrantes exitosos como el crecimiento de la economía modificaron la
sociedad argentina de lo cual una evidencia visible es el crecimiento de una
clase media urbana.
Sin embargo, hay que tener en cuenta que a medida que las
transformaciones económicas y la inmigración iban creciendo, la facilidad del

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 79


ascenso social iba disminuyendo. Es por ello que ya desde 1890 y en especial
desde 1900 los inmigrantes que se radicaban en las grandes ciudades como
obreros comenzaron a organizarse en sindicatos (Godio, 1987). Estas
organizaciones, cuya “intelligenzia” traía formación europea podía ser tanto de
corte socialista, como comunista o anarquista. Entre 1900 y 1910 el nivel de
conflictividad fue en aumento dado el crecimiento del sector obrero en las
grandes ciudades y en la disminución en el aumento en los salarios reales
(Cuesta, 2008).
El aporte combinado de la demanda internacional de alimentos, la
fertilidad de la pampa, la inversión de capital extranjero y la disponibilidad de
mano de obra permitieron el crecimiento espectacular de la producción agrícola
y ganadera para exportación. Hacia 1905 Argentina estaba entre los primeros
tres países en exportación mundial de maíz y trigo. Esto explica la
denominación de “el granero del mundo”. Dado todas características
mencionadas es fácil interpretar que argentina, al igual que Canadá y
Australia, se había transformado en la frontera agrícola de una Europa en
pleno crecimiento industrial (Cortes Conde, 1997).

Cuadro 2 – Indicadores económicos 1880,1890 y 1910


1880 1890 1910
Trigo (pesos 147.000 9.837.000 72.202.000
oro)
Maíz (pesos oro) 288.000 14.146.000 60.261.000
Lino (pesos oro) - 1.229.000 44.604.000
Carne (pesos - 6.000 24.527.000
oro)
Deuda Externa 86.313.000 355.762.000 452.790.000
(pesos oro)
Ingreso Público 19.594.000 29.143.000 133.094.000

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(pesos oro)
Gasto Público 26.919.000 38.145.000 180.947.000
(pesos oro)
FFCC (km) 2.313 8.113 27.713
Población 2.413.000 3.613.000 6.871.000
Salarios (índice) 100 112 122
Fuentes: Cortes Conde (1997) Cuesta (2008)

Es por todo lo anterior que argentina celebró el primer centenario con


todas las promesas derivadas de una economía próspera y en continuo
crecimiento. Entre 1900 y 1910 la ciudad de buenos aires, epicentro de los
festejos del centenario, había tenido una renovación total. Arquitectos franceses
e italianos diseñaron edificios públicos y parques según la moda europea. En el
centro de la ciudad, se diseño y construyó la Avenida de Mayo con un estilo
similar al centro de Madrid. La elite económica-social construyó palacios
siguiendo la moda europea con el lujo que refleja su éxito económico.
Es entonces comprensible que los festejos del primer centenario fueran
una gran celebración que mostrara al mundo el éxito argentino. La presencia de
mandatarios internacionales amplificó la imagen de la Argentina próspera en el
mundo. Como ejemplo tardío, en 1913 el príncipe de Gales inauguró el primer
subterráneo de Buenos Aires, que fue el primero de Latinoamérica.
El esplendor de Argentina, y en particular de Buenos Aires, que se
expresaba en los edificios pero también en la actitud de la elite que pasaba sus
vacaciones cotidianamente en Europa, llevaron a denominar a la ciudad de
Buenos Aires “la París del plata”.
Sin embargo, la luz de los festejos no estaba exenta de algunas
oscuridades. El crecimiento y descontento de la clase obrera estaba en
incremento; fue lo que se denominó la cuestión social (Godio, 1987). Por otro
lado, la creciente clase media demandaba participar políticamente, lo cual
estaba restringido por la estructura del sistema político heredado del siglo XIX

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 81


(Devoto, 2008). Finalmente, se estaba en ciernes del primer conflicto bélico
mundial del siglo XX. La economía argentina era abierta y dependía de su
inserción al mercado mundial. El devenir de la economía mundial la afectará
durante la primera guerra mundial. Los ingresos del Estado Nacional
dependían casi en más del 70% de los impuestos al comercio exterior.

2010: el bicentenario

El segundo centenario encuentra a la Argentina en cierta manera


integrada a los procesos históricos latinoamericanos. A grandes rasgos, se
encuentran similitudes con los sistemas políticos “neopopulistas”. Después de
haber sufrido como toda Latinoamérica a fines del siglo XX las políticas
neoliberales se observan tendencias crecientes a la alineación con la tensión al
mercado interno y la intervención del estado en la economía.
A nivel macroeconómico, la Argentina de 2010 sustenta su crecimiento en
las exportaciones agrícolas. El crecimiento de la economía mundial a inicio del
siglo XXI impulsó la demanda de productos primarios incrementando los
precios mundiales de los mismos. La economía argentina se insertó en esta
tendencia de manera exitosa, incentivada por los precios y la demanda. Al
mismo tiempo los adelantos en la biotecnología le permiten a la producción
agrícola argentina multiplicar su rendimiento sobre la misma área sembrada.
Este boom de las exportaciones agrícolas, que ha comenzado
coincidentemente con la crisis económica- política de diciembre de 2011, ha
permitido un crecimiento continuo del PBI argentino durante los últimos 10
años. Al mismo tiempo, y como consecuencia de la crisis de 2001, se han
abandonado las políticas neoliberales incrementándose sustancialmente los
roles y actividades del estado. El financiamiento del estado y sus nuevas
funciones proviene de este incremento de los precios de los productos
exportados. Es por ello que, a grandes rasgos, la economía argentina continua
siendo una economía exportadora de bienes primarios.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 82


Cuadro 3 – Indicadores macroeconómicos 1990, 2000 y 2010 (en millones)
1990 2000 2010
PBI (U$S) 76.490 276.000 343.640
Exportaciones
12.352 26.341 68.134
(U$S)
Importaciones
4.076 25.280 56.501
(U$S)
Deuda Externa
62.230 146.172 156.691
(U$S)
Reservas
Monetarias 17.223 28.260 52.145
(BCRA) (U$S)
Ingreso Público
44.756 55.212 438.284
($a)
Gasto Público ($a) 40.197 59.502 413.169
Salarios (índice) 100 98 146
Población 32 37 42
Fuentes: Banco Central de la República Argentina (BCRA). Instituto Nacional de
Estadísticas y Censos (INDEC)

La renta generada por las exportaciones agrícolas financió crecimiento del


gasto público. En gran medida se trata de lo que se denomina “gasto social”. El
estado se encarga de subsidiar de manera directa e indirecta el consumo de
amplios sectores de la sociedad. Por ejemplo, el estado otorga subsidios a las
empresas de servicios públicos para mantener las tarifas a niveles por debajo
de su costo. Pero también subsidia planes de vivienda u otorga remuneraciones
estatales por maternidad y escolaridad. También se ocupa de reestatizar las
empresas de servicios que fueron privatizadas durante el período neoliberal.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 83
Este conjunto de medidas y de características de las políticas económicas son
asimilables a grandes rasgos con los procesos históricos que se están
sucediendo en otros países de Latinoamérica. Por ejemplo, se pueden observar
similitudes con las políticas económicas ecuatorianas y venezolanas que se
basan en las rentas petroleras. También, con las políticas económicas de
Uruguay cimentadas en la producción ganadera.
Asimismo, es claro que el impulso estatal y la mega devaluación del peso
argentino (de febrero de 2002), permitieron el resurgimiento de ciertas
estructuras de carácter industrial que estaban en crisis durante el período de
los noventas. Es por ello que parte del PBI argentino se asienta sobre la
producción industrial. Al mismo tiempo, el sector terciario de la economía o
servicios que había crecido durante la década de 1990 continuó su expansión
durante la primera década del siglo XXI apoyándose en la mega devaluación y
el apoyo estatal.
El horizonte de peligro de la economía en el bicentenario está dado por el
delicado equilibrio entre la evolución de los precios y los salarios, la tasa de
inflación, y el tipo de cambio. Durante la segunda mitad del siglo XX la
economía argentina estuvo atrapada por los ciclos “stop & go” (Gerchunoff y
Llach, 2003). Frente a una devaluación de la moneda se incrementaban las
exportaciones y caían las importaciones, mejorando la balanza comercial. Pero
la puja salarial elevaba los salarios, lo cual permitía un aumento del consumo
acompañado por inflación. En ese momento, la competitividad de la
devaluación disminuía porque la inflación la eliminaba. Volvían a aumentar las
importaciones y desaparecía el superavit de la balanza comercial arrastrando al
Estado hacia el déficit fiscal.
Dado este crecimiento del sector industrial y de servicios, y teniendo en
cuenta el peso de las mismas dentro del trafico comercial del área del
MERCOSUR es que se pueden observar similitudes con el crecimiento
económico brasilero.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 84


Quizá a mejor síntesis de la economía argentina en el bicentenario pueda
comenzar explicando una característica macroeconómica que ocurre por
primera vez, son los “superávit gemelos”.el impulso de las exportaciones
agrícolas y la mega devaluación permitieron el superávit comercial
(exportaciones menos importaciones) y al mismo tiempo el superávit fiscal
(ingresos menos gasto publico) desde el año 2002 en adelante. La devaluación
del peso hizo disminuir las importaciones y aumento el valor de las
exportaciones (que aumento en volumen por la productividad y en precio por la
demanda mundial). El ingreso público aumento por el aumento por de la
cantidad y precio de las exportaciones así como por la devaluación.
Estos son los cimientos sobre los cuales el estado nacional argentino
aumento el gasto social. Por otro lado es importante destacar que en 2002 la
argentina declaró el default de la deuda externa. Las negociaciones para salir
del default implicaron una reducción de la deuda soberana y al mismo tiempo
pagos que permitieron reducirla significativamente con respecto al PBI.
A grandes rasgos, la celebración del bicentenario en la argentina, sin el
brillo europeizante del primer centenario, muestran una economía en
crecimiento sustentado sobre una base macroeconómica sólida. Con un PBI en
constante crecimiento la base de la rentabilidad continúa asentada sobre la
productividad de la pampa húmeda y la exportación de la producción agrícola.
Sin embargo, el rol del estado deja vislumbrar cierto impulso al sector
industrial y terciario. La integración a nivel económico con Latinoamérica, y en
particular con Brasil, permite ver ciertos indicios de la posibilidad de la
consolidación de un espacio económico latinoamericano como el MERCOSUR.

Consideraciones finales

Esta visión panorámica de las características económicas en general de la


argentina en 1810, 1910 y 2010 ha permitido vislumbrar ciertos cambios y
continuidades.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 85


En los tres momentos relevantes seleccionados la economía se asentaba
sobre la exportación de productos primarios. De ello dependían no sólo la
prosperidad de la población sino también la del estado. Dada esta característica
general, en los tres momentos es de vital importancia la integración real al
mercado mundial. La dependencia de la economía argentina con respecto al
mercado mundial esta dada por la demanda de productos primarios que
determinan su precio. Si bien en el siglo XX se produjo un proceso de
sustitución de importaciones, este no es lo suficientemente profundo como para
indicar la existencia de una economía industrial. Si es posible observar que en
2010 es significativo el aporte al PBI del sector terciario o servicios. Este es
consecuencia tanto de las políticas económicas neoliberales de la década de
1990 como del impulso estatal en la fase neopopulista comenzada en 2002.
Sin dejar de observar el rol clave de la fértil llanura pampeana en su
aporte al PBI durante los últimos doscientos años, es importante destacar que
en 2010 esta presente la integración, aunque menor, con el mercado
latinoamericano. A grandes rasgos, las características del MERCOSUR dejan
observar que la integración económica latinoamericana tiene como dos grandes
socios a la Argentina y a Brasil.

Referência bibliográfica

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Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 87


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

EL BICENTENARIO SEGÚN LISA SIMPSON O LA


CONSTRUCCIÓN SOCIAL DE LOS HÉROES.

Julio Osaba1

Resumen: Este artículo intenta una reflexión sobre la conmemoración de


los Bicentenarios en el Uruguay, teniendo como eje estructurador la figura
del héroe (nacional), su construcción y deseabilidad social. Como
disparador utilizaré la impostura planteada en un recordado capítulo de la
serie animada Los Simpsons. Esta primera opción que pareciera fruto de
una contradicción, esto es, reflexionar sobre una conmemoración nacional
(uruguaya y también porque no latinoamericana) a partir de un tópico
iconográfico de la cultura globalizada, da cuenta de una hipótesis central:
en el mundo occidental los mecanismos estructurantes de las naciones y
los nacionalismos por un lado y los usos públicos de la memoria (y la
historia) por el otro, se instrumentan de forma similar. De esta manera
una producción estadounidense, con ánimos hegemónicos, ofrece para el
análisis un sabor de asunto conocido. Dejo por fuera de este análisis
aspectos estéticos, de narrativa audiovisual y de exploración de la imagen
en sí, aunque creo que estos tópicos son tan importantes como los que
trataré a continuación.

Lisa, la iconoclasta

1
Profesor de Historia egresado del Instituto de Profesores Artigas, realizó cursos de posgrado en el CLAEH.
Trabaja en el Departamento de Investigaciones de la Biblioteca Nacional y en la Universidad Católica
(Uruguay). E-mail: [email protected]
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 88
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

La ubicua ciudad de Springfield se apresta a festejar sus doscientos


años, la inquieta Lisa investigando para un trabajo escolar encuentra en
libros y documentos que Jeremías Springfield, fundador y héroe de la
ciudad cuyo monumento domina la plaza principal, fue un pirata y un
asesino que incluso intentó matar a George Washington. Lisa intenta
convencer a todos que Jeremías es un fraude, pero la ciudad ya ha
desatado la conmemoración. Al encarar a la gente congregada en la plaza
pública se encuentra con los mayores rostros de felicidad que haya visto,
hombres y mujeres de todas las edades, razas y procedencias se
encuentran embanderados festejando. Lisa duda. Una anciana le da ánimo
“piensa en Jeremías y te saldrán las palabras” le dice. Lisa habla: “quería
decirles que Jeremías fue..., Jeremías fue... grande” y todo el pueblo la
aplaude. Cuándo a solas le preguntan por qué no le dijo a todos lo que
descubrió responde: “el mito de Jeremías tiene valor, promueve los mejores
sentimientos del pueblo, quien lo haya dicho, un noble espíritu agrandece
[sic] al hombre más pequeño”2.

Lisa desmonta el relato hegemónico del nacimiento de la comunidad


dando cuenta de las versiones contradictorias, pero a la vez da cuenta de
que la instancia de la conmemoración es un momento en que ese relato es
(re) instituido por la sociedad como una necesidad tanto para fijar los
límites de la comunidad (un adentro, un nosotros) como para (re) generar
valores sociales religantes objetivados en la figura del héroe. Ese relato
poco tiene que ver con la historia cómo disciplina sino más bien con la
forma en que la sociedad se quiere ver a sí misma en un momento
histórico determinado, o sea en términos de autoimagen. Es por ello que el
historiador poco tendrá (o debería tener) que ver en la justificación de la

2
Los Simpsons, Temporada 7, Capítulo 16: Lisa la iconoclasta. En:
http://www.lossimpsonsonline.com.ar/capitulos-online/espanol-latino/temporada-7/capitulo-16
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 89
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

conmemoración ya que el pasado es solo una excusa para celebrar el


presente. En términos de la niña amarilla esto implica que no importa que
Jeremías haya sido un pirata y un asesino, sino que la memoria social en
torno al héroe (y es sabido que memoria y olvido son caras de la misma
moneda) se estructura en el recuerdo y funcionalidad de sus valores
míticos, olvidando (compulsiva o tácitamente) los “defectos” humanos que
el personaje pudiera tener.

Pero existe un problema que es convenientemente soslayado en este


capítulo (y que posiblemente tampoco figurara en la agenda de los
guionistas), que es el de la naturalización del relato de los orígenes, de esta
manera se pone a tono con una de las características centrales con la que
se presentan los relatos nacionales, o sea su esencialidad, inmanencia y
ahistoricidad. El cambio de milenio nos ha informado de la crisis (por lo
menos académica) de esas concepciones prefiriéndose el enfoque de
construcción o invención histórica social, por lo que sumado al
razonamiento anterior la pregunta (un tanto obvia) es ¿desde cuándo el
héroe es héroe?, o sea ¿cuándo una sociedad históricamente situada
instituye en la memoria social, a través de la reconfiguración de los datos
del pasado, la imagen del héroe cómo figura de consenso y portador de los
valores que la propia sociedad desea para sí?

El padre nuestra Artigas…

Hay un consenso en la historiografía uruguaya en cuanto a fijar en


la década de 1880 la construcción de un primer imaginario histórico de
contenido nacionalista, en ese momento es posible registrar un
movimiento político e intelectual preocupado por el pasado y por la

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 90


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

búsqueda de un relato inclusivo de la comunidad, ambientado por la paz


política impuesta por los sucesivos gobiernos militares (1876-1890) y
también por la coparticipación de las dos grandes comunidades políticas
(colorados y blancos) en el parlamento desde 1872. Este será un ambiente
propicio para la reflexión sobre el pasado en el cual se busquen la o las
figuras de consenso que puedan adquirir status de nacionales, operando
así una redefinición de las fronteras simbólicas de la comunidad,
articulada en homenajes públicos, obras históricas y literarias,
inauguración de monumentos, obras pictóricas

En 1882 un decreto ley del dictador Máximo Santos establece la


erección en la Plaza Independencia de un monumento a José Artigas y
además le encarga al pintor Juan Manuel Blanes la confección de un
cuadro que devendrá en canónico: Artigas en la puerta de la Ciudadela.
Estos datos pueden hacer pensar la espontaneidad del consenso de la
figura de Artigas, pero otros homenajes dan cuenta del largo y sinuoso
proceso de construcción pública de su imagen. Seguiré el camino de la
concreción de la construcción del monumento propuesto en 1882, que
recién se construirá en 1923. Por un lado en la discusión parlamentaria
sobre la inscripción que llevará el monumento en su base es posible
constatar una fuerte indefinición e incluso versiones contradictorias
respecto al homenajeado, o sea, para los legisladores la figura de Artigas si
bien importante todavía no es capaz de lograr el consenso necesario para
ser la máxima imagen nacional, esto se laudará con el acuerdo de que la
inscripción sea simplemente “Artigas” sin más referencias; en
consonancia, recién para 1923 esa tarea (simbólica, política,
historiográfica, literaria) estaría concluida, y allí sí y hasta la actualidad
Artigas adquirirá el carácter de héroe patrio en la liturgia nacional.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 91


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Por otro lado en 1895 se inaugura un monumento en la Plaza


Independencia a otro de los homenajeados de la década de 1880, el hoy
casi olvidado Joaquín Suárez, presidente en la década de 1840 y
considerado en buena parte del siglo XIX cómo el “héroe civil”. Cuando la
memoria social instauré a Artigas como héroe máximo y su monumento
ocupe la principal plaza de la ciudad, la figura de Suárez y su monumento
sufrirán un doble corrimiento a la vez geográfico y simbólico; geográfico ya
que su estatua es trasladada (y allí sigue hasta el día de hoy) hacia un
barrio relativamente alejado del centro de la ciudad, simbólico en tanto
que esa descentración permite visualizar cómo la sociedad uruguaya a
partir de un nuevo relacionamiento y configuración de los datos del
pasado, por diferentes motivos elige una nueva jerarquización de los
personajes históricos que permite, ahora si, considerar a Artigas cómo el
héroe máximo, en tanto que Suárez pasará a un plano por lo menos
secundario.

Toda la liturgia patria posterior a la década de 1920, soportada en


sucesivas conmemoraciones, tendrá el Artigas que quiera tener incluso
conviviendo imágenes contradictorias del mismo, será sucesiva o
simultáneamente una figura comparable con la épica bíblica, un caudillo
militar, un político republicano y constitucionalista, un líder social
promotor de la reforma agraria, un ser humano padre y amante… Pero
todas estas imágenes se soportan justamente en una mirada de tipo
nacionalista en la cual el héroe cumple una función de cohesión social que
se objetiva en los valores sociales de que es portador justamente por
imposición de la sociedad que situada históricamente lo instituye. Ahora
bien, todas estas construcciones nacionales y territorializadas propias de
la modernidad occidental que en los sistemas escolares nacionales
adquirieron su verdadera socialización, entraran en crisis con la escuela,

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 92


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

el concepto de nación y la propia modernidad, o sea, ha cambiado el


contexto cultural a partir del cual (re)pensar la nación en general y la
funcionalidad social de los héroes en particular.

Artigas y el Cuarteto de Nos

En el año 1996 el grupo de rock El Cuarteto de Nos (grupo


caracterizado desde sus inicios por la apelación en sus letras al humor, la
ironía y el absurdo) edita unos de sus discos más importantes hasta ese
momento, El Tren Bala. Este disco además de sus virtudes artísticas
obtuvo un impacto mediático inesperado a partir de la controversia pública
que generó la canción titulada El día que Artigas se emborrachó. La
canción tiene cómo acápite una reversión en tono aguardentoso de la
canónica frase artiguista “Mi autoridad emana de vosotros y ella cesa por
vuestra presencia soberana”, que es cambiado por “Mi autoridad es la
hermana de vosotros y ella se deja ante mi presencia soberana”, a renglón
seguido la primera estrofa expresa:

“El día que Artigas se emborrachó

Hizo cualquier cagada cómo un buen señor

Pero como ningún libro nunca lo contó

Por eso ahora agarro y se los cuento yo”3

El asunto no habría pasado a mayores de no haber mediado la


denuncia pública y mediática de un parlamentario horrorizado ante la

3
Ver: http://www.cuartetodenos.com.uy/
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 93
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

afrenta antipatriótica del grupo en cuestión. Este parlamentario confundió


en ese momento varios aspectos que deben estar disociados, la patria, la
historia (cómo disciplina) y consideraciones artísticas, a partir de esta
confusión es imposible rebatir históricamente los “argumentos” del
Cuarteto, lisa y llanamente porque estos artistas, son justamente eso
artistas por lo tanto su obra debe ser valorada en primera instancia bajo
esa mirada. Pero es posible entrever otro problema que tiene que ver el
contexto en el que se desarrolla esta polémica, la década de los 90 es un
momento histórico de restructuración neoliberal del sistema capitalista a
escala global que pone en cuestión ya no el concepto de nación sino
también sus mecanismos estructurantes. Para el caso uruguayo se ha
caracterizado esta época posterior a la aprobación plebiscitaria en 1989 de
la Ley de Caducidad4 y la caída del Muro de Berlín cómo de pos política.
En este contexto de crisis de las instituciones modernas y en primer lugar
de la Escuela, se sustenta el reclamo del legislador y sus seguidores, pero
a la vez la canción puede ser tomada cómo síntoma de un imaginario en
crisis, o sea, para parte de la sociedad uruguaya los valores canónicos del
héroe ya no cumplen el rol aglutinante de antaño por lo tanto su
deseabilidad social es severamente cuestionada. En definitiva, el relato de
la nación y sus tópicos pierde capacidad inclusiva.

Por otra parte desde el punto de vista artístico y su representatividad


de las necesidades sociales es posible comparar al Cuarteto de Nos con
Juan Zorrilla de San Martín, este último designado como el poeta de la
patria escribe y declama públicamente sus loas5 en un momento preciso
(fines del siglo XIX y principios del XX), o sea, en el momento en que la
sociedad uruguaya reclamaba hitos religantes de la comunidad.; en tanto
4
Esta ley consagró la impunidad para las violaciones a los derechos humanos cometidas en el marco del
terrorismo de Estado durante la dictadura cívico militar, 1973-1985.
5
En tal sentido sus obras más importantes son: La Leyenda Patria y La Epopeya de Artigas.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 94
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

que los apátridas roqueros dan cuenta de un imaginario en


descomposición.

¿Artigas o Forlán?

Lo expuesto en el ítem anterior pone de relieve un problema central


para (re)pensarnos en este contexto de sociedades fragmentadas
posmodernas, que por otro lado es el contexto en que los Bicentenarios se
asientan, ese problema podría articularse a partir de la siguiente pregunta
¿existe hoy un mecanismo capaz de generar y socializar valores religantes
que por su deseabilidad puedan servir para (re) construirnos cómo
comunidad?, todo esto teniendo en cuenta la profunda crisis en la que se
encuentra la Escuela institución que a lo largo del siglo XX cumplió
acabadamente con esa tarea. El asunto pasa por encontrar en el repertorio
de prácticas culturales de la sociedad uruguaya un hito capaz de
inclusividad no traumática y de cohesión social. La única institución social
capaz de cumplir con esta tarea es el fútbol en formato de selecciones, la
escritora argentina Beatriz Sarlo lo expresa en los siguientes términos:

“En el estallido de identidades que algunos llaman


posmodernidad, el fútbol opera como aglutinante: es
fácil, universal y televisivo. No es la nación, sino su
supervivencia pulsátil. O, quizás, la forma en que la
nación incluye hoy a quienes, de otro modo abandona”6

6
Citado en: P Alabarces, Fútbol y Patria, el fútbol y las narrativas de la nación en la Argentina, Buenos
Aires: Prometeo, 2002, p. 18.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

De esta manera el fútbol se instala cómo un centro de remisión


emocional por encima de las diferencias sociales y encuentra eficacia
estructurante en su extendida televisación.

En el Uruguay los éxitos deportivos de la selección de fútbol en el


Mundial de Sudáfrica 2010 (cuarto puesto después de 40 años) y de la
Copa América de Argentina 2011 (campeón, con eliminación del local
incluida) desataron un festejo multitudinario que se expresó en la toma de
las calles por parte del público en reiteradas ocasiones, superponiéndose
de alguna manera con los festejos del Bicentenario promovidos por el
poder político. Lo interesante es constatar que el artefacto más utilizado
para festejar en las diferentes manifestaciones públicas a la selección de
fútbol fue justamente la bandera uruguaya. Quiero plantear a modo de
hipótesis que la apelación cómo elemento de festejo a un artefacto
moderno por excelencia, por un lado realiza una nueva puesta en
circulación social del mismo evidenciado en su visibilidad, por el otro se
realiza una resignificación y recontextualización del objeto que se explica
en la antedicha visibilidad en los festejos futbolísticos, en tanto que, esa
visibilidad decae notoriamente en otro tipo de festejos.

De esta manera, la sociedad encuentra aunque sea fugazmente, un


lugar de puesta en común, un adentro, un nosotros, en el cual participar
en pie de igualdad. Por otro lado a la par del sentimiento de comunidad se
instauran los héroes portadores de los valores deseables por la
comunidad. Existe un valioso documento que parece ser un indicativo en
ese sentido, durante el Mundial de Sudáfrica y a medida que la selección
uruguaya avanzaba en el torneo el Banco de Seguros del Estado habilitó
un link en su página web para que los aficionados pudieran dejar sus
impresiones sobre la selección, que luego se convirtió en libro digital. Es

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 96


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

muy interesante constatar en ese opus que acto seguido a la felicitación


por la actuación deportiva en sí, se comienzan a recalcar otras
características: humildad, sacrificio, compañerismo, trabajo, garra,
amistad, educación y un largo etc.7 O sea, en esos jugadores liderados
futbolísticamente por Diego Forlán la sociedad objetiva los valores que
quiere para sí y esa necesidad esta pautada por la crisis o ausencia de los
mismos. Ahora bien, estas nacionalidades de nuevo tipo (por llamarlas de
una manera provisoria) guardan algunas diferencias con las
nacionalidades clásicas modernas; por un lado son autoconvocadas en
tanto le arrebatan al Estado la iniciativa, por otra parte hay varios
ejemplos en la historia uruguaya de propuestas estatales en torno al fútbol
en las que la sociedad procedió a su apropiación y resignificación
revirtiendo el sentido de la propuesta original8; por otro lado es posible que
sean efímeras en tanto en última instancia el resultado deportivo pautará
la eficacia de esta construcción.

Paradojas

El 10 de octubre pasado las conmemoraciones del Bicentenario


tuvieron su festejo montevideano luego de varias celebraciones en el
interior del país. Los poderes públicos más que la solemnidad de la liturgia
patria eligieron ofrecer una fiesta a partir de diferentes espectáculos
artísticos nacionales e internacionales repartidos en varios escenarios en el

7
Ver: http://www.ellibroceleste.com.uy/
8
El Mundialito de 1980 organizado por el gobierno militar uruguayo cómo forma de exaltación patriótica,
comenzó a cambiar de sentido un mes antes de su inicio con la derrota que sufrió en plebiscito la propuesta de
reforma constitucional del gobierno. El triunfo de la selección uruguaya en la final frente a Brasil terminó de
subvertir el sentido original cuándo la gente salió a festejar a la calle cantando “Se va a acabar, se va a acabar
la dictadura militar”. Esta temática es abordada en la película documental Mundialito (Director: Sebastián
Bednarik, 2010)
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

centro de la ciudad, a los cuáles asistió una verdadera multitud, y fue una
buena oportunidad para constatar la mucha menor visibilidad de la
bandera uruguaya con respectos a los festejos deportivos.

En el escenario ubicado en la Plaza Independencia y con la estatua


de Artigas presidiendo el evento hizo su presentación el grupo de arte
callejero catalán La Fura dels Baus, más allá de la actuación no pasó
desapercibido el hecho de que para la “Celebración del Bicentenario del
Proceso de Emancipación Oriental” (tal el título oficial en la ley que
instituyo la conmemoración9), y teniendo en cuenta que esa
emancipación se hizo a costa de España, se convocara a una grupo de
artistas provenientes de Cataluña, justamente uno de los bastiones
históricos del autonomismo (que no independentismo) en la península
ibérica.

En el escenario de la Avenida del Libertador Juan Antonio Lavalleja,


donde también actuó el brasileño Gilberto Gil, hizo su presentación el
grupo de rock El Cuarteto de Nos, quien en el día de la conmemoración de
los doscientos años en que Artigas fue declarado Jefe de los Orientales
cantó su ya clásica El día que Artigas se emborrachó; mientras que en el
escenario de la Plaza Libertad actuaba el músico pop Dani Umpi ataviado
con un corto vestido hecho de hojas de revistas, con tacos altos y peluca al
tono10; y en otro escenario después de más de veinte años volvió a actuar
el grupo de canto popular Rumbo, uno de los grupos emblemáticos de la
resistencia cultural en la transición a la democracia de principio de los
ochentas…

9
Ver: http://www.bicentenario.gub.uy/bicentenario-uruguay/ley/
10
Puede verse una foto al respecto bajo el título de Viva la Patria, en la portada del periódico La Diaria del
martes 11 de octubre de 2011, en: http://ladiaria.com.uy/ediciones/?pagina=2
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 98
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

En los viajes en el tiempo que realizan Marty McFly y el “Doc”


Emmet Browm en la trilogía Volver al Futuro11, el mayor peligro que
corrían era tomar contacto con sus yo de otras épocas, esto provocaría una
paradoja en el continuo espacio temporal que haría estallar el universo.
Esta ficción teórica pareciera no aplicarse para el caso de las sociedades
avocadas a conmemorarse, puesto que lo relevante es la celebración del
presente desde el cual la memoria social estable relaciones con el pasado y
los puntos de vista sobre ese pasado pueden incluir lo divergente y aún lo
contradictorio, en todo caso la conmemoración es paradójica por definición
y habla tanto de la imagen que tenemos de nosotros mismos, como de
nuestros deseos y necesidades cómo sociedad. En este contexto la
pregunta es ¿podremos ser Lisa Simpson?, ¿lo deseamos?

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11
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Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 100


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

LA CRISIS DEL CONVIVIR EN LA HISTORIA Y LA


CULTURA REPUBLICANA EN CHILE1

Jorge Rueda Castro2


Laura Rueda Castro3

Resumen: La siguiente comunicación describe y explica aspectos que


han estado presentes en la construcción e historiogría de la república
chilena. La nación fijada por las elites dominantes se ha encargado de
constituir fronteras culturales e identitarias. Esto último, en el sentido
de oficializar el discurso del tiempo y del espacio de las minorías. Se ha
marginado, por lo mismo, el flujo espontáneo de la vitalidad de otros
sectores sociales cuyo ethos resulta, para el vivir en la agresión
dominante del modo de ser nacional dirigencial, tan ajeno como
inspirador para el diálogo intercultural contemporáneo.

Quiérase o no reconocer, los conglomerados urbanos


latinoamericanos suelen presentarse como estructuras dominadoras.
Como tal, fomentan las desigualdades de todo tipo; las polis
republicanas de los diversos países de América del Sur se han

1
Este artículo fue escrito en el marco del proyecto FONDECYT- CHILE, código 1085056, “El amor
como vida del mundo en las culturas populares, siglos XIX y XX”.
2
Profesor de Castellano, Licenciado en Educación, Licenciado en Literatura, Magíster en Literatura,
Doctor en Estudios Americanos. Integra el equipo docente y de investigación del Departamento de
Lingüística y Literatura, Facultad de Humanidades, Universidad de Santiago de Chile. Profesor invitado
del Magíster en Literatura Chilena y Latinoamericana y al Doctorado en Ciencias de la Educación con
mención en Educación Intercultural, ambos programas de la USACH. [email protected]
3
Terapeuta Ocupacional, Licenciada en Filosofía, Magíster en Bioética. Profesora Asociada Facultad de
Medicina. Integrante equipo académico del Centro Interdisciplinario de Estudios en Bioética. Universidad
de Chile. Miembro Comité de Bioética Comunitaria RM Norte Santiago de Chile.
[email protected]

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

planteado, a través de los siglos XIX y XX, en términos del pensamiento


eurocéntrico, primero, americano del norte, después. Cambios
acelerados, acumulación de recursos, dirigencia de las elites
intelectuales y políticas han apostado de manera ciega a la instalación
de sucesivas asimetrías y verticalidades. El individualismo excluyente y
la operacionalidad pragmática se han convertido, en el transcurso de
200 años, en el ideal “civilizatorio”. Roger Bastide lo expresó así: “La
independencia como la colonización son manejadas por una elite
minoritaria occidentalizada por completo y cuyos ideales de ‘desarrollo
económico y social’ no significan otra cosa que la interiorización de los
valores europeos”4. La ciudadanía de las nacientes repúblicas incorporó
estos principios como base de los proyectos socio-culturales, políticos y
económicos.
Por el contrario, vinculados de una forma otra a como lo ha hecho
la visión funcional y dominante, los grupos populares de raíz indígena,
campesina y aun mestiza muestran una forma de vida donde los estilos
con-vivenciales constituyen todavía aspectos centrales de un ethos
amablemente intenso. Barbarizados por la historia y por la minorías de
poder, no obstante, esta sensibilidad amorosa ―que afirma la vida en
un sentido comunal― perdura como dinámica de pertenencia a un
ámbito vinculante y mayor. En éste, la naturaleza y particularmente la
tierra no es fuente de poder económico ni motivo del cálculo racional y
predatorio. Cada persona y los componentes del entorno se vuelven un
referente para la construcción de un cuerpo colectivo, de una
concordancia comunitaria que reclama el predominio de los actos de
vida en proximidad inclusiva con la tierra. Miguel Luis Castañeda (h.
primera mitad del siglo XX), un poeta popular de Cogotí, región cercana
a Coquimbo en el norte de Chile, manifestaba con mucha fuerza esta
sensibilidad5 en el poema “Madre Tierra”:

4
Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires:
Amorrortu, p. 245.
5
Como la mayoría de los poetas populares que escribieron en hojas de Lira Popular, Castañeda –de
extracción campesina– fue un representante de los muchos que hacia los primeros decenios del siglo XX
hicieron de la literatura popular una vía de denuncia y un registro que se liberó de las imposiciones de los
códigos culturales de la normativa oficial.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

[…]Hoy la tierra está atrapada


Por un grupo de hacendados
Que todo han acaparado
Sin dejarnos della nada.
Es una grande bandada
De cuervos que mantener
Ellos tienen el poder
Y nos tienen aplastados.
No saben lo que es arado
Y sembrar para comer6.

La convivencia supone la colaboración, el apoyo mutuo y


desinteresado; articula, en efecto, un lenguaje de vínculos, de relación
plural y participativa. Se trata, según las ideas de H. Maturana, de un
tejido de conexiones inclusivas y amorosas: “Si usted me pregunta cómo
se aprende a amar, la respuesta es en el vivir las acciones que
constituyen al otro como un legítimo otro en la convivencia”7. En este
aprender a amar de los sectores indígenas y campesinos, la tierra y la
naturaleza entera se expresan como una fuente de espiritualidad que
encierra el poder creador y sustentador de la vida. Este marco de
sensibilidad ―”pre-moderna” para los (neo)liberales pragmáticos ― no
deja espacio para que la persona ejerza dominio exclusivo de intereses
individuales. La naturaleza no se percibe en este contexto con-vivencial
como un conjunto de materiales disponibles para los propósitos
personales. Por el contrario, aparece como el ámbito propicio para
generar, cuidar, alimentar e iluminar la vida comunitaria.
El programa republicano de los países en América del Sur impuso
progresivamente la dinámica del capitalismo mercantil con nuevas
relaciones sociales de clases. Creencias, formas y visiones ancestrales
de la vida fueron negadas por la mentalidad de las elites políticas. La
apuesta por las interpretaciones modernizadoras involucró un radical
intento de mutación cultural de la socio y cosmovisión de base no
dominante. No obstante, hasta hoy, sean posiblemente aquellos rasgos

6
Muñoz, D. (1972). Poesía Popular Chilena. Santiago de Chile: Quimantú, p. 106.
7
Maturana, H. (1990). El sentido de lo humano. Santiago de Chile: J.C. Sáez Editor, p.44.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

las dimensiones de mayor relevancia que define el propio ser e identidad


cultural de América Latina8.
Se puede afirmar entonces que, esta suerte de contraposición de
visiones que sin duda permanece entre la racionalidad ilustrada,
productiva, individualista y tecno-liberal del poder oficial y la necesidad
de colectivizar la vida y su cuidado amoroso-comunitario que hacen de
ésta los amplios sectores populares, recorre un camino más de
tensiones que de armonías. Los estereotipos de las narraciones
nacionales construidas por las elites letradas, políticas dirigentes,
económicas y empresariales dificultan (así lo han hecho históricamente)
el diálogo con la alteridad y su legítimo reconocimiento. Es más, se han
empeñado hostilmente en borrar la relación de pertenencia que la
cultura latinoamericana tiene respecto de un modo de vida catalogado
como no civilizatorio, antiproductivo, antimoderno. Los rasgos
culturales de las mayorías populares se han utilizado desde las elites
para oponerlas a las “virtudes del blanco perfecto"9. A propósito, por
ejemplo, de las costumbres populares chilenas, el intelectual liberal
José Joaquín de Mora escribió en 1829: “[Son] escuelas de vicios
nuestras chinganas, y los bailes que en ellas se ejecutan son parecidos
a las de los mozambiques; [se deberían borrar] hasta de la memoria
esos bailes salvajes y obscenos”10. Este proceso de barbarización de lo
popular y de lo negro11, junto con la necesidad de su control por parte
de los grupos dirigenciales, fue parte del programa fundacional de las
repúblicas. La cultura negra de África fue, particularmente, sinónimo
de barbarie y de ilegitimidad. Miguel Rojas Mix lo confirma aun en las
ideas de Simón Bolívar: “Pero, para el venezolano [Bolívar], en esta
sociedad el indio y el negro no tenían identidad, debían estar
naturalmente por su carácter, bajo la autoridad del criollo blanco”12. Y
el propio Simón Bolívar, en la carta al general Francisco de Paula
8
Larraín, J. (2001). Identidad chilena. Santiago de Chile: LOM, p.173.
9
Salinas, M. (2000). Gracias a Dios que comí. El cristianismo en Iberoamérica y el Caribe. Siglos XV –
XX. México: Ediciones Dabar, p. 125
10
El Mercurio chileno (1829, 1 de marzo).
11
Sobre la barbarización del mundo africano con la República, consúltese de Laënnec Hurbon (1993). El
bárbaro imaginario. México: Fondo de Cultura Económica.
12
Rojas, M. (1988). Cultura afroamericana. De esclavos a ciudadanos. Madrid: Anaya, p. 98.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Santander, en 1826, expresó: “Estamos muy lejos de los hermosos


tiempos de Atenas y de Roma […]. El origen más impuro es el nuestro
ser. Con tales mezclas físicas, con tales elementos morales, ¿cómo se
pueden fundar leyes sobre héroes y principios sobre los hombres?” 13. O
cuando nuevamente Bolívar escribe en 1826, en el discurso
introductorio a la Constitución de Bolivia: “África […] no ofrece más
que crímenes”14. La misma percepción tuvo eco en la república
Argentina. Vicente Fidel López observó con estupor los bailes de los
negros como “un rumor siniestro y ominoso desde las calles del centro,
semejante al de una amenazante invasión de tribus africanas”15.
En el interior del tiempo histórico de la “nación independiente”
operaron estrategias y figuras para evaluar los conglomerados
subalternos, indígenas, mestizos y campesinos, en cuanto sujetos que
debían obligatoriamente hacerse cargo de los principios occidentales-
base de las construcciones Independencia, República, Nación, y para
definir tanto los contenidos como los procedimientos discursivos y de
representación que debían recibir en su condición de población no
ilustrada. Se trató, por ende, de una parte fundamental del aparato que
fijó la serie de acciones con las cuales intervino la representación
hegemónica. En palabras de Roger Bastide: “La Independencia y la
República no son sino organizaciones verbales, en forma de leyes, que
rigen el vacío. Aquí ya no se trata de que únicamente el nacionalismo
sea un mito; sucede que la nación misma posee una realidad mítica”16.
Este fenómeno, en cuanto forma de control e intento de transformación
de los sistemas de creencias de los grupos subalternos, ya era
reconocido, a mediados del siglo XIX, por Edmond Smith: “Es curioso
que los indios guarden un cariño por los españoles que no lo tienen por

13
Mörner, M. (1969). La mezcla de razas en la historia de América Latina. Buenos Aires: Paidós, p. 90.
14
Romero, J. (1986). Pensamiento conservador (1815–1898). Caracas: Ayacucho, p. 10.
15
Pujol, S. (1999). Historia del baile. De la milonga a la disco. Buenos Aires: Emecé, p. 58.
16
Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires:
Amorrortu, p. 307.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

los chilenos […]. Bajo la República […] los indios son tratados con un
desprecio apenas disimulado, y ellos no dejan de sentir la diferencia”17.
Sucede, empero, lo que históricamente ha estado implícito en las
prácticas culturales hegemónicas: la lucha por la imposición de una
ansiada “supra-cultura”. Así, los objetos de este pretendido saber pasan
a convertirse en absolutos (entre los cuales está el idioma, la filosofía, la
religión, los sistemas políticos, económicos, educacionales, sociales,
etc.). En su “superioridad”, este proyecto, en el decir de A. Colombres,
niega el carácter de cultural a cualquier contenido que difiera de él.
Puntualmente, ante la cultura popular el proyecto oficial de las
dirigencias ha marginado sus fundamentos: “Sus creencias son
supersticiones, sus ceremonias fetichismos, su arte artesanía. Sus
tradiciones orales, aunque se escriban y publiquen, no pueden invadir
el ámbito sagrado de la literatura. Su ciencia, cuando no es magia, es
una opinión no especializada, deleznable, que vive en los campos y las
calles pero no en los ‘templos del conocimiento’ (institutos,
universidades, academias)”.18 En Chile, por ejemplo, Pedro Nolasco
Cruz (1857-1939) confirmaba en los primeros decenios del siglo XX
aquel excluyente etnocentrismo tan característico de la cultura de las
elites. A propósito de la poesía popular, Nolasco enjuicia la lírica del
pueblo desde una mirada que profundiza en las divisiones creadas por
la élite dominante. Como representante de este grupo, es decir, dueño
de las construcciones culturales que contribuyen a profundizar en ese
poder, expresó:

[…] el tono dominante de nuestra poesía popular en


sus diversas manifestaciones, es jactancioso,
fanfarrón, menospreciador, agresivo, falto casi por
completo de sentimientos delicados, tiernos,
religiosos, y aún carece de la virilidad sencilla y
patriótica de los cantos de otras naciones. La
persistencia de este tono, que no es natural en gente

17
Smith, E. (1914). Los araucanos, o, notas sobre una gira efectuada entre las tribus indígenas de Chile
meridional. Traducción de Ricardo Latchman. Santiago de Chile: Universitaria, p. 162.
18
Colombres, A. (2007). Sobre la cultura y el arte popular. Buenos Aires: Ediciones del Sol S.R.L., p.
21.
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de hábitos sencillos y de escasas aspiraciones, incita


a investigar sus causas […]. No creo andar
descaminado si afirmo que su causa está en la
funesta inclinación del pueblo chileno al vicio de la
embriaguez […], queda bien claro que nuestra poesía
popular no expresa afectos ingenuos y naturales,
sino exaltados por el licor; no manifiesta un
carácter, sino los vicios de un carácter 19.

Es evidente, en consecuencia, el carácter estratégico de las


prácticas culturales de las elites para desarrollar con énfasis una serie
de mecanismos discursivos y de representación dirigidos a sobrepasar
y relegar a una situación de no oficial los motivos de vida, las creencias
y costumbres de grupos considerados como “desviados” de la “correcta
cultura”. Lo que este proceso histórico revela no es sino la instalación
de un repertorio y de relaciones asimétricas entre grupos sociales. Se
trata de una maniobra cultural que ha neutralizado horizontes
simbólicos de sentido, excluyéndolos porque no les resultan útiles a la
instrumentalidad de los intereses dirigenciales. Se trata, en fin, de la
producción regida desde los discursos de elites y cuyo propósito
estratégico es la configuración monopólica y unidireccional de sistemas
o códigos de representación normalizados (sociales, políticos,
económicos, etc.). Ha sido este espacio el asociado al “orden”, a las
“virtudes” del hombre autoritario y a la “civilización”20.
De lo anterior, América del Sur muestra, en 300 años de
colonización peninsular y en los bicentenarios de regímenes

19
Nolasco Cruz, Pedro. “La poesía popular chilena” [1916], en: Nolasco Cruz, Estudios sobre la
literatura chilena, vol. II, Editorial Nascimento, pp. 404; 406; 414.
20
Un planteamiento así responde a la propuesta foucaultiana respecto de cómo funciona el poder. La
construcción y circulación de determinados discursos determina las modalidades aceptadas como
correctas, “normales”, vale decir, como “espacios de orden”. Las representaciones o códigos
convencionalizados imponen el estatuto aceptado de los sentidos sociales que condicionan las prácticas
culturales de determinadas épocas. Las descripciones y enunciados normativos que constituyen los
modelos generales de actuación social emanan desde el poder de manera estratégica y táctica. Esto
condiciona, según M. Foucault, que “ninguna estrategia podría asegurar efectos globales [de poder] si no
se apoyara en relaciones precisas y tenues que le sirven, si no de aplicación y consecuencia, sí de soporte
y punto de anclaje. De unas a otras, ninguna discontinuidad como en dos niveles diferentes (uno
macroscópico y otro microscópico), pero tampoco homogeneidad (como si uno fuese la proyección
aumentada o la miniaturización del otro); más bien hay que pensar en el doble condicionamiento de una
estrategia por la especificidad de las tácticas posibles y de las tácticas por la envoltura estratégica que las
hace funcionar”. Foucault, M. (1986). Historia de la sexualidad I: La voluntad del saber. México: Siglo
XXI, pp.120-121.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

republicanos, saberes y programas políticos, económicos y religiosos


instalados por las elites, inspirados y evaluados por el ideal de
occidente. Sus líneas de acción se han empeñado por instituir,
inicialmente, y mantener, después, despliegues estratégicos dirigidos a
borrar la sensibilidad colectivo-comunitaria de las mayorías populares.
Discursos y representaciones oficiales no han cesado de reducirla
racionalmente, según el imaginario e ideario hegemónico de perfección
androcéntrica y blanca. Dejada a una suerte de estigma cultural, la
matriz vernáculo-ancestral y vitalista que propicia el cuerpo colectivo,
ha sido marginada por un modelo de reproducción cultural que
fundamenta básicamente al individuo poderoso y autosuficiente:
“Vivimos una cultura que habla del amor pero lo niega en la acción.
Esta es la cultura patriarcal europea u occidental a la que
pertenecemos […]. La cultura patriarcal destruye o subyuga a las
culturas matrísticas, y cuando las subyuga, lo matrístico queda
relegado a la relación materno-infantil, mientras que lo patriarcal se
desenvuelve en la vida adulta, en el mundo del patriarca”21.
En efecto, el discurso oficial de las elites latinoamericanas, desde
el siglo XVI, ha buscado, con más éxito que fracaso, asimilar el sistema
eurocéntrico para los pueblos del continente del sur. El discurso
paternalista del varón occidental, sabio, severo, hacendado y
conquistador22, no sólo tuvo un imaginario perfecto y racista hacia los
pueblos originarios, sino que estableció un orden social sustentado en
relaciones asimétricas de poder, cuya dinámica fue y ha sido la
imposición de la supremacía de lo masculino y la consideración de lo
popular, de lo campesino-indígena y de lo negro, como desechable. Por
lo anterior, la vida socio-cultural de los países de América Latina ha
legitimado, a veces consciente y otras inconscientemente, cada uno de
los preceptos que favorecen la institucionalización de ese
“ordenamiento”. Los grupos privilegiados por el poder o las elites
gobernantes de las sociedades latinoamericanas han representado,

21
Maturana, H. (2008). El sentido de lo humano. Santiago de Chile: J.C. Sáez Editor, p. 53.
22
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente”(p.89), Revista Mapocho Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
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históricamente, una expresión de control que ha promovido,


reproducido y consolidado en todos los campos de la cultura una visión
de mundo, una perspectiva de ideales y principios reguladores del
dominio occidental-varonil.
Aquella apropiación, “fundamento social del espíritu de la
seriedad” — según Salinas― “permite definir por completo un modelo
civilizatorio”23 en la vida histórica de Chile:

Esto es, contiene aspectos de género, culturales,


políticos y económicos. En términos de género, se
trata de la virtud del Padre, como modelo de
comportamiento masculino. En términos culturales,
define la virtud del Educador, modelo de ilustración
académica y pedagógica. En términos políticos,
funda la virtud del Militar, modelo de disciplina
civilizada. En términos económicos, finalmente,
reconoce la virtud del Rico empresario, modelo de
explotación metódica, racional y victoriosa de la
naturaleza. En cada caso, se establece una relación
de dominación y de desigualdad jerárquicas con
respecto a los arquetipos de subordinación”24.

Cada una de estas nociones, traducidas en virtudes dignas del ideal


del ciudadano republicano, resultaron las bases de la edificación de un
programa donde la supremacía del hombre en la dirigencia pragmática se
hizo, más que nunca, evidente. Este “modelo dominador”25, centrado en
el individuo (vale decir, sin sentido social y favorecedor de los intereses
exclusivistas del propietario), reemplazó a otro mucho más solidario que
organizó la convivencia y formas intergrupales de las culturas indígenas
y campesinas. En contraposición, “lo que se construyó fue una sociedad
distinta a la tradición colonial, pues ahora el sujeto central fue el

23
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente”, Revista Mapocho Nº 60,
Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
24
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 90), Revista Mapocho Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
25
Para R. Eisler, el modelo dominador, propio de la historia de occidente, reemplazó a otro de orientación
solidaria. Su funcionamiento, en síntesis, se manifiesta en relaciones de género, donde lo masculino
supera en rango social a lo femenino, en un alto nivel institucionalizado de violencia y abuso sociales, con
lo cual se estructura una sociedad jerárquica y autoritariamente masculina. Con esto último, según la
autora, la imposición o amenaza de dolor es esencial para mantener el sistema: “El poder supremo es
aquel para dominar y destruir, simbolizado desde la remota antigüedad por el poder letal de la espada”
Op. Cit., p.166.
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individuo quien, poco a poco, fue convirtiendo lo comunitario en una


necesidad exterior y secundaria”26.
Respecto de las virtudes del primer ideal, la expresión máxima
apuntó en el ideario de la vida independiente de Chile (y de los
nacientes países de América del Sur), hacia la identificación del Padre
como origen de la comunidad civilizada y, por ende, como ícono del
correcto proceder. Esto respondió al carácter androcéntrico del
programa republicano, donde la perfección humana, en términos de
civilización, se vinculó con la raigambre del ideal clásico. Este ideario,
no obstante se gestó desde la colonización y la anglosajonización
latinoamericanas: “Los arquetipos del Padre pueden ser múltiples: Dios
Padre, el Santo Padre de Roma, los Padres de la Patria, el Padre de
familia. En cada caso la paternidad abarca diferentes ámbitos del origen
de lo existente: el universo, la cristiandad, la nación, el hogar”.27
En términos del blanco perfecto, “la representación de esta
paternidad en el ideal caballeresco de occidente como fuente de pureza
del linaje es invariablemente un individuo de la raza blanca superior”28.
Con la segunda mitad del siglo XIX se impuso el racismo aristocrático
burgués de los historiadores patrios, como Benjamín Vicuña Mackenna,
Diego Barros Arana o Alberto Edwards Vives. Ellos forjaron desde el
discurso científico la superioridad de la nación blanca. Barbarizaron,
por ende, a los indígenas y mestizos 29. Lo clave era la construcción de
una genealogía alejada de las etnias vernáculas o de raíz africana: “Los
indios no son sino bandidos y salteadores de camino”30. El mismo autor
consideró a los chilenos una raza sin la mezcla de componentes
africanos31. Y para convencer a los habitantes del Norte a que vinieran a

26
García, A. (2006). El fracaso del amor: género e individualismo en el siglo XIX mexicano. México D.
F.: El Colegio de México, UNAM, p. 236.
27
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 91), Revista Mapocho Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
28
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 91), Revista Mapocho Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
29
Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires:
Amorrortu.
30
Vicuña Mackenna, B. (1868). La conquista de Arauco. Santiago de Chile, p. 4.
31
Vicuña Mackenna, B. (1855). Le Chili considéré sous le rapport de son agriculture et de l’ emigration
européene. Paris, p. 43.
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Chile, expresó que hallar un indígena o un negro en el país era algo


prácticamente imposible: “[To] find in Chili an Indian or a negro is a
thing next to imposible”32. Se borraba así un sustrato étnico asentado,
incuestionablemente, desde la Colonia: “Chile, para 1570, está
constituido de casi 7 mil negros, mulatos y zambos, 7.000 españoles,
10.000 mestizos blancos, 450.000 indígenas de paz y 150.000 indios
rebeldes. La población negra a partir de esa proporción crece para 1620
a 22.000 negros y mestizos de color en Chile”33. Por otra parte, Barros
Arana construyó una imagen despreciable e inhumana de los pueblos
mapuche, al destacar la nula capacidad de convivencia y organización
comunitarias:

Por más que los indios celebraban frecuentes


reuniones en que con diversos motivos tenían
desordenadas borracheras, cada familia vivía
aislada, en un lugar apartado, lejos del contacto
diario con los otros hombres. La razón de este
aislamiento era una manifestación de la grosería e
ignorancia de sus preocupaciones, i de la sombría
desconfianza que forma uno de los distintivos del
hombre salvaje. Creían que viviendo reunidos,
estaban espuestos a los hechizos i venenos de sus
enemigos, enemigos encubiertos en quienes
suponían un poder maravilloso i sobrenatural34.

Posteriormente, Jaime Eyzaguirre prolongó la “expatriación” de los


sujetos y las culturas populares en la historia de Chile. Excluyó la
herencia de los pueblos indígenas en la constitución de la identidad
histórica de la nación. Sólo el imperialismo español pudo concederle
historicidad al acontecer del país: “Si la historia es la sucesión
consciente y colectiva de los hechos humanos, la de Chile sería inútil
arrancarla de una vaga y fragmentaria antecedencia aborigen, carente
de movilidad creadora y vacía de sentido y horizontes. Chile se revela
como cuerpo total y se introduce en el dinamismo de las naciones al
32
Vicuña Mackenna, B. (1866). A sketch of Chili, expressly prepared for the use of emigrants from the
United States and Europe to that country. New York, pp. 6-7.
33
Mellafe, R. (1964). La esclavitud en Hispanoamérica. Buenos Aires: Eudeba, p. 226.
34
Barros Arana, D. (1884). Historia Jeneral de Chile. Tomo Primero. Santiago de Chile: Rafael Jover,
Editor, pp. 78-79.
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través del verbo imperial de España” 35. Y Francisco Frías Valenzuela,


autor de textos escolares de historia nacional ―¡cómo construye
imágenes, conceptos y cultura la escolaridad!― celebró el exterminio de
la memoria africana en Chile: “La raza africana no ha dejado,
felizmente, sus huellas en el pueblo chileno”36.
Respecto del segundo ideal, de la mano con el prototipo político, la
expresión virtuosa más potenciada estuvo y está en el control educativo
del espíritu público. La creación de centros de enseñanza (la
Universidad de Chile, en 1842 y el Colegio de Santiago en 1849), contó
con el incondicional respaldo de los primeros gobiernos republicanos en
el sentido de formar a la futura élite dirigente del país: “El ethos
caballeresco impone la figura del educador como responsable del
control de los espíritus, de las conciencias, de la razón, del lenguaje. El
educador es una figura cultural y finalmente política que puede
desempeñarse en diversas áreas del quehacer social, pero siempre como
modelo de mentalidad civilizada”37
Las elites, en las modulaciones del Padre y del Educador, se
explicitaron, por ende, con fuerza. Los proyectos nacionales de la
mayoría de los países latinoamericanos concentraron a los intelectuales
con el fin de incorporar sus voces a la construcción de la nación Estado.
En Chile, los grupos encargados de esta tarea bebieron del
enciclopedismo europeo en el sentido de apostar por el itinerario del
progreso y de la supracultura de la época como fue, para las elites, la
Ilustración. Junto con el Romanticismo de la primera mitad del siglo
XIX, surgió, además, la manera de imaginar una nacionalidad chilena a
través de la recuperación de los hechos emblemáticos de la
Independencia nacional: “La generación de la Independencia nutría sus
esperanzas de la mentalidad progresista del siglo de las luces […]. Sólo
era necesario trazar una política adecuada, organizar el estado,

35
Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, pp. 13-14
36
Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 237.
37
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 104), Revista Mapocho, Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
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garantizar los derechos individuales y difundir la cultura para que el


pueblo chileno alcanzase el bienestar y la dicha”.38
Por lo anterior, la Ilustración emancipadora concibió el proceso de
la cultura en los nacientes países desde una vocación europea que, a lo
menos, perduró por un período cercano a los 100 años. Lo que Ángel
Rama observó para el desarrollo de la literatura latinoamericana, puede
perfectamente reflejarse en la constitución de los proyectos
republicanos de los países del sur:

En América Latina la élite movible, de “intelectuales


no ligados al terreno”, tuvo una inclinación
universalista y cosmopolita que en los hechos
consistió en una imitación de las más modernas
corrientes europeas; en el caso de la élite de la
burguesía mercantil de 1810, formada en el
enciclopedismo francés, con un nítido cuño
racionalista y universalista; es la élite del
modernismo de 1895 conformada por la lección
sensorial, individualista y cosmopolita de la
literatura europea postromántica39.

En los momentos aurorales de Chile republicano, puntualmente,


los textos constitucionales y en especial la Constitución de 1833,
trazaron “la política adecuada”, es decir, un Ejecutivo Padre y
Educador, fuerte e impersonal, con un Gobierno apoyado bajo el
principio de autoridad y el respeto a la ley. Todo esto, básicamente con
el fin de asegurar el orden público:

Las fondas de los suburbios fueron controladas por


las autoridades y se persiguieron los vicios […]. La
época tenía confianza en el poder la ley. Con ella se
podía transformar a la sociedad y modelarla,
desarraigar prejuicios y viejas costumbres y aún
ejercer un poder moralizador […]. Entre los artículos
[de la Constitución de 1833] podía percibirse la
huella de la antigüedad romana, la influencia de los
filósofos moralistas, el espíritu católico, el sentido

38
Villalobos S. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 419.
39
Rama, A. (2008). La novela en América Latina. Panoramas 1920 – 1980. Santiago de Chile: Ediciones
de la Universidad Alberto Hurtado, p. 54.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

bienhechor de la ilustración y el derecho racionalista


en boga. Por sobre todo se destacaba la
incorporación de categorías de orden ético al derecho
constitucional, que debían reglar la vida cívica de los
ciudadanos, incluyendo a veces hasta la conducta
privada40.

Aunque, a partir de 1871, se dio comienzo a una serie de reformas


constitucionales que buscaron, hacia fines del siglo XIX y principios del
XX, la instauración en Chile de un régimen parlamentario, la
institucionalización de los valores sociales relacionados con la firmeza,
la jerarquía y el dominio de los masculino fueron los canales que
internalizaron en el ideario nacional la figura del pater dominador,
infalible y severo. Como parte integral del proceso de construcción de la
“identidad” chilena, el proyecto republicano insistió en estereotipar tales
“virtudes-valores” como una forma de control y “corrección” del “otro
desviado”. La obligación de ciertas actuaciones cívicas por sobre otras,
como la postergación de una interacción social vinculatorio-
participativa, consiguieron instalar una dirección patriarcal que ha
penetrado las distintas prácticas sociales. Así, en esta dinámica
cultural, las “leyes sabias” se han mostrado útiles en la transformación
de costumbres y en la organización de los pueblos a través de “los
dictados de la razón”.
En aquel momento inicial, por otra parte, los programas literarios
apostaron también por el proyecto progresista inspirado en categorías
conceptuales ilustradas. La pluma de los autores de la Generación de
1842 se dio a la tarea de “ilustrar al pueblo” por medio de la literatura.
Difundir la cultura para que los sectores no letrados disfrutaran del
“bienestar y la dicha”, fueron los propósitos centrales. Este programa
pedagógico-intelectual “se originó como un producto de la máquina
modeladora de escritura que extranjeros (en fuga de las dictaduras)
como Andrés Bello, José Mora y Domingo Faustino Sarmiento impulsan

40
Villalobos S. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, pp. 440; 444.
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hace unos años”41. En función de las características que constituyeron


la perspectiva histórica desde donde miraron, los representantes de esta
generación en Chile creyeron en la educación como propulsor del
desarrollo social de la nación: “Dentro de este esquema, el concepto de
la literatura se diluye en el de libros luminosos o el de obras sabias,
cuya función es […] utilitaria: esparcir las luces, promover las verdades
útiles que dicta la soberana razón y el sano juicio, en una palabra,
educar”42.
En el campo de la educación los programas políticos e
intelectuales locales recurrieron igualmente a las corrientes y
paradigmas europeos. Éstos de constituyeron en ejes de la formación
del ciudadano que debía responder a la concepción de nación. Para las
elites edificadoras de la naciente República:

El programa político que se formuló en los inicios del


Estado chileno imaginó y proyectó reglamentos
educacionales, métodos de enseñanza, políticas de
formación de docentes, entre otros tantos elementos
propios de una gestión de promoción de la
educación. De modo tal que, en paralelo al proceso
de organización política y administrativa del país y a
su expansión económica, fue la iniciativa estatal la
que forjó un creciente sistema nacional de
enseñanza, que recibió como complemento la acción
educacional de escuelas privadas y eclesiásticas.
Desde mediados del siglo XIX se manifestó un
proceso de gradual centralización de las pautas de
desarrollo de la educación chilena y un notorio
propósito de reforzar, a través de la escuela, los
imperativos políticos de la institucionalidad
republicana y la unidad nacional43.

41
Barrenechea, P. (2008). “La figuración del negro en la literatura colonial chilena. María Antonieta
Palacios, esclava y músico: La traza de un rostro borrado por/para la literatura chilena”. En Concurso
Bicentenario. Tesis Doctoral 2007. Comisión Bicentenario Chile 2010. Tomo I. Santiago de Chile:
Andrós Impresiones, pp. 227-228.
42
Promis, J. (1977). Testimonios y documentos de la literatura chilena (1842-1975). Santiago de Chile:
Nascimento, pp. 29-30.
43
Toro, P. (1995). “Una mirada a las sociabilidades y las doctrinas de la elite y los artesanos capitalinos
ante la demanda social por instrucción primaria, 1856-1920”. Tesis Licenciatura en Historia, Pontificia
Universidad Católica de Chile, p. 64.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Como consecuencia de lo anterior, lineamientos curriculares


asentados en el “prestigio” del repertorio conceptual-formal del tipo
educativo foráneo, se dirigieron a la homogeneización de las diferencias
y temperamentos locales. Esto, bajo el denominador común de la
enseñanza orientada hacia la calificación intelectual y moral de los
futuros ciudadanos: “[…] de acuerdo con el imaginario e ideario liberal y
modernizador de las elites dirigentes, expectantes de incorporar
exitosamente a Chile en el concierto del capitalismo mundial”44. Los
comportamientos pedagógicos promovieron, por ende, la circulación de
los principios modernizadores y foráneos como un capital cultural que,
a fin de cuentas, proyectó una correlación entre posición de clase y
cultura. Con la ley de “Instrucción Primaria Obligatoria”, dictada en
1860, el proyecto educativo de la nación se dio por comenzado. Esto
significó la gratuidad de la educación primaria y la incorporación
eventual de los sectores sociales marginados. La elite dirigente ya
estaba formada, por lo cual solo faltaba asegurar su continuidad en el
tiempo. Ésta fue una de las razones principales de la continuidad de las
escuelas privadas en Chile45.
Los textos de educación escolar, en cuanto canales de transmisión
de la racionalidad moderna e ilustrada y como sistemas de esquemas
generadores de ideas y prácticas culturales, constituyeron parte del
repertorio homogenizador de los diseños sociales. El libro de lectura
para la escuela secundaria fue, en este proyecto nacional, una colección
de fragmentos minuciosamente seleccionados. Con el nombre de trozos
selectos o trozos escogidos se componían extensas colecciones de textos
cuyo carácter modélico debía abarcar múltiples aspectos. Ciertamente,
el trozo seleccionado fue un modelo de uso de la lengua correcta, en
tanto, además, un ejemplo gramatical. Fue también un prototipo
genérico de las reglas retóricas y un modelo de comportamiento porque
44
Toro, P. (1995). “Una mirada a las sociabilidades y las doctrinas de la elite y los artesanos capitalinos
ante la demanda social por instrucción primaria, 1856-1920”. Tesis Licenciatura en Historia, Pontificia
Universidad Católica de Chile, p. 68.
45
Loayza, A. y Ximena Recio (2005). “Proyectos educativos y formación de la República”. En Chile –
Perú, Perú – Chile: 1820 – 1920. Desarrollos políticos, Económicos y Culturales. E. Cavieres Figueroa y
C. Aljovín de Losada (compiladores). Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Convenio Andrés
Bello y Universidad Mayor San Marcos.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 116
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

respondió a la moral establecida. No es, por cierto, una novedad que los
textos empleados para la enseñanza de la lectura (rasgo que se
mantiene hasta hoy), respondieran a alguna voluntad de
adoctrinamiento (religioso, político, moral). Ciertamente, “antologías” de
la segunda mitad del siglo XIX continúan la tradición ilustrada que
vincula la enseñanza de la lengua nacional con la educación patriótica,
entendida como la que buscaba despertar en los jóvenes utilitarios
sentimientos de amor y respeto por una nación construida ¡por y para
los poderosos!
El ensanchamiento del “horizonte republicano” sumó abiertamente
el tercer ideal del militar virtuoso, capaz de imponer “la comunidad
civilizada”46. Un programa de dominación y ordenamiento brutales
sobre los pueblos originarios fueron parte de las expresiones que
legitimaron el control central. Este ideal, poseedor de virtudes
incuestionables, llevó al gobierno chileno ―pasada la primera mitad del
siglo XIX― a intervenir y ocupar la Araucanía. Mediante un verdadero
plan de exterminio, la severidad y disciplinamiento estatal se impuso
por la cancelación de una cultura y cosmovisión otras. La “barbaridad”
de la organización comunitario-mapuche fue argumento para arrasar
con lo que fue considerado por el poder político como pensamiento
primitivo, oscuro y no compatible con un sistema serio de producción y
menos aún con un proceso exitoso de desarrollo material que imponía
el ideal del hombre hacendado. El 11 de mayo de 1859, El Mercurio de
Valparaíso conminaba al gobierno de turno a que lograra un rápido
control de los mapuche, dada la importancia económica de las tierras
del sur, en manos de verdaderos bárbaros, para el bien de la Nación:

Más influye en ellos la holganza y libertad de la vida


natural, que todos los consejos y reflexiones para
instruirlos, con el fin de que se sometan a la unión y
prácticas civiles y religiosas […] es por demás ya
manifestar la grande importancia y conveniencia
nacional de reducir a estos indios a la vida civil

46
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 92), Revista Mapocho Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
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como súbditos de la nación, tanto por su número


como por la riqueza que contiene y prosperidad que
promete el territorio que ocupan47.

Desde un programa que persiguió la disolución de la cultura


indígena, la República procuró los medios más adecuados para su
consecución. La verdadera guerra de exterminio de la sensibilidad
ancestral no se hizo esperar. Fue, sin embargo, denunciada
abiertamente por otros representantes de la prensa nacional. A diez
años del llamado que hacía El Mercurio de Valparaíso, el diario El
Ferrocarril expresó el 5 de marzo de 1869, que la intervención del
ejército debiera ser menos agresiva y menos costosa, “limitándose a
protejer la línea de frontera, en vez de perpetuar la alarma con la
intentona de una imajinaria conquista a sangre i fuego”48. Por otra
parte, El Meteoro de Los Ángeles, del 19 de diciembre de 1868,
apuntaba: “Después de los horrores, de los asesinatos, de los robos y
salteos a mano armada que se han cometido con los indios, todavía se
decreta contra ellos una guerra de exterminio [subrayado en el
original] ¿Y quieren que no defiendan su tierra, su familia y su oro?”49

Las voces del dominador aplastante replicaron inmediatamente, y


en un intento por acallar las denuncias, un artículo de Jorge Hoccker,
en la Revista del Sur del 21 de febrero de 1881, indicaba:

Se debería correr a los indios. Que no quedara


ninguno entre el Cautín y el Malleco. El cautín en el
invierno es fortificación natural y en el verano lo
defenderán los héroes de Iquique, Tacna y
Miraflores. ¡ADELANTE, ADELANTE! [en mayúsculas
en el original] Que concluya de una vez para siempre
el caos que desde 300 años nos envuelve”50.

47
En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, una mirada histórica de un conflicto Actual.
Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, pp. 6-7.
48
En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, una mirada histórica de un conflicto Actual.
Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p7.
49
En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, una mirada histórica de un conflicto Actual.
Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p. 7.
50
En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, una mirada histórica de un conflicto Actual.
Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p. 7.
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En fin, la razón práctico-económica del hacendado rico, el cuarto


ideal, se impuso, no obstante, por sobre un saber ancestral, donde la
crianza amorosa, celebrativa y ritual de la comunidad con la tierra
había contenido gran parte del referente colectivo. Como sostén del
“orden”, el ejército chileno intervino por “razones” de seguridad y de
defensa. A esto, “debía seguir como indispensable corolario una
‘inmigración blanca’”51. La naturaleza dejó de percibirse en la visión
estatal como un organismo viviente, capaz de generar y sostener la vida
comunitaria. Pasó a ser parte del progreso económico y del cálculo
“racional”, donde lo acumulable y el crecimiento indefinido de la
productividad justificaron la visión de la naturaleza como objeto de
riqueza. Consecuencia de esta estrategia fue “el traspaso de tierras
indígenas a manos particulares, para lo que se utilizaban toda suerte de
argucias, en especial el otorgamiento de poderes, la extensión de
escrituras de promesa de venta o los préstamos de dinero”52. Esta
operatoria tuvo, algunos años después, un correlato en la zona austral
de la República. Como una necesidad de borrar aquellos colectivos
“impuros” para la expansión del proyecto político-económico del país,
las comunidades indígeneas fueron sistemáticamente reemplazas por la
hacienda. De aquí que las extensas pampas de Tierra del Fuego:

[…] fueron objeto de generosas y amplísimas


concesiones. Varias de ellas superaron largamente
las 100.000 hectáreas […]. La intervención de
capitales británicos convirtió a algunas de esas
concesiones en base de poderosas sociedades
ganaderas… Víctima de la pujante expansión
fueguina, los onas se vieron perseguidos y
diezmados por las armas y por las enfermedades del
hombre blanco”53.

En el interior de aquel contexto cultural, los tres últimos decenios


del siglo XIX vieron cómo Chile se distanciaba de las formas

51
Silva, O. y otros (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 593.
52
Silva, O. y otros (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p.595.
53
Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 611.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

tradicionales de producción y apostaba por el progreso industrial. La


verdadera expresión del ideal virtuoso del dominador rico y hacendado
se constituyó en parte fundamental del modelo civilizatorio: “El rico es
el que dispone de los medios para la explotación metódica y
planificación de la naturaleza a través del control sobre el capital y
sobre el trabajo ¿Qué sería de una comunidad civilizada sin el concurso
benefactor de los ricos? No sería sino el tiempo y el espacio de la
barbarie, del ocio o del atraso y retraso en la prosecución de los
destinos de la Historia”54. Por otra parte, hacia inicios del siglo XX, la
industrialización por la que apostó el país (y la mayoría de las naciones
de América Latina), atrajo desde el campo cada vez más a sectores que
se organizaban en las periferias urbanas. La fábrica o la maestranza los
concentró laboralmente y su protagonismo fue la incipiente
reivindicación social. No hubo, sin embargo, un cambio radical respecto
de aquello que los discursos y códigos representacionales habían
gestado como líneas de la historia. La mayoría seguía como sujetos
pasivos dado el dominio de sus espacios por parte de la normatividad
reguladora y programática del “orden”. El sedimento ancestral, capaz de
mantener viva la memoria de la diversidad colectiva, fue
sistemáticamente aislado y aun borrado del carácter “civilizatorio” de
las costumbres y los modos de ser sometidos al ideal de la República.
No obstante, ha perdurado siempre como fuerza de vitalidad social.
Pese a las implicancias militarizadas, económicas, ilustradas y políticas
del modelo varonil-central, la sensibilidad comuntaria que motiva y
nutre básicamente visiones de mundo sustentadas en la preeminencia
del grupo ha dado “a entender la sólida y subterránea conciencia que
tiene el colectivo de sí mismo. Dicha expresión expresa la
responsabilidad que puede experimentarse ante la existencia, aunque
se traduzca en actos que pueden ser calificados de anómicos”55 por las
élites dirigentes.

54
Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 97), Revista Mapocho, Nº
60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119.
55
Maffesoli, M. (1996). De la orgía. Una aproximación sociológica. Trad. de Manuel Mandianes.
Barcelona: Ariel, p. 25.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 120
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Precisamente por esto último, una tradición pública de doscientos


años ha legitimado el establecimiento de relaciones sociales asimétricas.
Algunas veces, éstas han establecido prácticas de subordinación y, en
otras ocasiones, procesos de asimilación. Como pauta de
homogeneización cultural, la historia y la cultura republicanas se
muestran como totalizadoras (aunque en la práctica, más excluyentes).
Esta aparente paradoja se comprende en el sentido de que cuan
verdaderas fórmulas “domesticadoras”, se han empeñado en subsumir
las diferencias al modelo occidental. Ilustración, liberalismo,
capitalismo, desarrollismo, modernidad, maltrato, discriminación,
neoliberalismo han tenido, en un turno de doscientos años, el papel de
sistemas de regulación cultural. Este “ordenamiento” de la pluralidad
ha descansado en la prolijidad y autoritarismo del padre gobernante,
incrustado en los proyectos de país. La mirada jerarquizadora del poder
ha focalizado y priorizado como necesidad primordial mantener la
“civilidad” (en algunos momentos más marcadamente que en otros),
mediante un estado de control que ha terminado por bloquear las
experiencias del cuerpo colectivo-amoroso. Lo invasivo de este modelo
cultural, político y económico, ha sido apoyado y difundido por códigos
representacionales públicos empeñados en producir un estado de
desmemoria en y para con los cuerpos populares.
El prolongado proceso “civilizador” alcanzó su máxima
explosividad política y militar con los gobiernos terroristas de Seguridad
Nacional del último tercio del siglo XX. La norteamericanización
económica de la región del sur sólo pudo realizarse a través del
terrorismo de Estado. En términos culturales y policiales, se eliminó o
expatrió a quien resultaba un obstáculo en la imposición de modelo
impuesto. Había que ―como expresaron las fuerzas armadas de Chile
en 1973― preservar la identidad histórico-cultural de la Patria56. En
paralelo, las autoridades militares argentinas, enseñaban en 1977: “Es
un delito grave atentar contra el estilo de vida occidental y cristiano

56
Avellaneda, A. (1986). Censura, autoritarismo y cultura: Argentina 1960–1983. Buenos Aires, p. 150.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 121
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queriéndolo cambiar por otro nos es ajeno”57. En ambos casos qué


identidad o tradición se apuntó a legitimar. Pues, aquella que la polis
republicana había construido ya en la primera mitad del siglo XIX. En
tanto aceleración del tiempo burgués del Norte, los países nacientes del
Sur en manos de las elites dirigentes, no entendieron, sino opacaron y
excluyeron las culturas de los pueblos indígenas y mestizos.
En el transcurso de los últimos 35 años, la nación chilena
experimentó un proceso de febril desmemoria. Primero, a través del
control de la vida pública, cuyo efecto fue el desarrollo de una cultura
del miedo y del desamor. La férrea plenitud del poder patriarcal tomó el
control de todos los ejercicios y derechos civiles. El desmantelamiento
de los espacios para la vida colectivo-amorosa se sistematizó y se hizo
bando o decreto en virtud del “orden necesario” para la Patria (noción
cuya etimología deriva de pater). Los sectores populares, siempre
acostumbrados a existir desde la integridad comunitaria, vivieron más
allá del límite de la exclusión. Como nunca, los mundos populares
fueron los “otros”. Después, la indefensión instaurada por la violencia
planificada desde el Estado, dio paso a la amnesia general. La aparente
libertad para atravesar las lógicas que el poder había enraizado
mediante la violencia no tocó en nada la economía de mercado
enclavada por el proyecto político precedente y sostenido con éxito por
las fuerzas militares (siempre desde la iniciativa de un núcleo civil).
Sistemas discursivos y códigos representacionales de esta nueva
dinámica quedaron en manos de la burguesía frenética, emblema
predilecto de los gestores del “renovado” país que entró triunfante al
recinto del capitalismo global. Los medios dominantes de comunicación
masivos fueron los principales canales de difusión del estereotipo
exitoso: el Homo Consumidor.
La sensibilidad individualista, consumista a ultranza, hizo de la
compra y de la acumulación, los único “valores” cordiales. La
construcción programática de este modelo social, posibilitó la evasión,

57
Avellaneda, A. (1986). Censura, autoritarismo y cultura: Argentina 1960–1983. Buenos Aires, pp.
162-163.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

el olvido y absoluto desinterés por la historia, el acontecer político y la


cultura eventualmente comprometidas en el día a día de chilenas y
chilenos. La “matinal” filosofía light, más envolvente que nunca instaló,
hacia fin del siglo, las leyes, motivaciones inducidas, gustos y lugares
comunes ―vigentes hasta hoy―. En el más aparente “respeto o
tolerancia” por la diversidad y las diferencias, el “dejar hacer
libremente” (principal consiga de las democracias de papel), se ha
homogeneizado y disciplinado igualmente, convirtiendo a la mayoría en
piezas funcionales y útiles al sistema. Desamorosamente solapado, el
proyecto vigente reprime y acosa de similar manera que en otros
momentos de la vida de la nación: “La tragedia de Chile es su
desmembramiento como comunidad […]. La enfermedad de Chile es el
miedo a no tener capacidad de convivencia social”58.

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

EL “NUEVO MUNDO” EN EL ESPEJO DE EUROPA:


REFLEXIONES SOBRE LA CONSTRUCCIÓN IDENTITARIA
ESTATAL

Natalia Bustelo1

Resumen: La circulación de imágenes icónicas constituye una de las vías


más importantes utilizadas por los Estados modernos para construir una
identidad nacional. Para abordar los rasgos que esa construcción tuvo en
Latinoamérica, el presente trabajo ha seleccionado una serie de imágenes
que permiten reconstruir el modo en que tendió a ser figurado lo nacional, lo
latinoamericano y su relación con Europa.

Introducción

La construcción de una representación identitaria es, sin duda, un


elemento decisivo en la consolidación de los Estados modernos. En el caso
del continente americano, esa construcción se encuentra recorrida por una
peculiar tensión. Si, por un lado, los Estados nacionales son
acontecimientos postindependentistas y en ese sentido se alejan del pasado
colonial que marca el comienzo del vínculo europeo, por otro lado, esos
Estados aspiran a una civilización y modernidad universales cuyo foco de
irradiación tiende a ser ubicado en Europa.
En las páginas que siguen proponemos algunas reflexiones sobre el
modo en que los Estados latinoamericanos concibieron su relación
identitaria con Europa. Para ello, tomamos como disparador una serie de
imágenes icónicas que, promovidas por esos Estados, circularon

1
Doctoranda en historia por la Universidad Nacional de la Plata, becaria Conicet. Email:
[email protected]. Agradezco los comentarios y sugerencias de María Marta Quintana y Adrián
Celentano.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 126
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

masivamente alimentando la representación de lo nacional y de lo


latinoamericano.

1. El orden de lo social en las colonias españolas

A fines del siglo XV, los españoles “descubren” el Nuevo Mundo. En


corto tiempo toman contacto con distintas comunidades americanas y luego
de unos cincuenta años logran conquistar y cristianizar a muchas de esas
comunidades que tenían lenguajes y tradiciones sumamente distintos. El
orden social que instalan los españoles en las colonias se basa en una
clasificación y jerarquización sumamente precisa.

En esta imagen anónima del tiempo de la conquista, están


representadas las tres grandes castas en las que, en principio, fue dividida la
sociedad: el español, el mestizo y el indio.2 El cuadro ofrece también la clave
de la jerarquización de lo social: la unión de la razón masculina y la
naturaleza femenina da nacimiento a una esencia infantil, el mestizo –quien,
por cierto, hereda la lengua y el traje españoles-. Para la visión patriarcalista
de entonces, es evidente que las mujeres y los niños no son capaces de
gobernar; ambos necesitan de la iluminación de los civilizados y cultivados

2
Sobre todo a partir de la introducción de la mano de obra esclava traída de África, la clasificación tripartita de
la sociedad se mostró insuficiente. Así, ella fue ampliada para incluir nuevas castas, entre ellos, “negros”,
“zambos” y “mulatos”, pero la racialización de las jerarquías históricamente establecidas es tardíamente
cuestionada.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 127
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

“hombres blancos”. Asimismo, sólo bajo la tutela ciudadosa de los últimos,


los habitantes de esa exhuberante naturaleza pueden vivir en armonía y
amor.
La descripción de la sociedad como una familia en la que la máxima
autoridad es identificada con el padre no es una particularidad española.
Más bien, se trata de una constante en la teoría política europea. Una
tradición de pensamiento que probablemente encontró su expresión más
sistemática en el Patriarcha (1680) del inglés Robert Filmer y su polemista
más famoso en el contractualista John Locke y su Primer tratado sobre el
gobierno civil (1698).
Retomando una de las cuestiones señaladas –y críticadas- por Locke,
recordemos que la familia como metáfora social legitima el orden colonial en
tanto una disposición natural –a la que se le agrega un anclaje racial-. Esa
naturalización de lo social no puede pensar el conflicto, imposibilidad que no
se vio cuestionada por las dificultades que tuvieron los españoles para
mantener su dominio. En efecto, la represión de los levantamientos
indígenas tendió a ser considerada como la restitución del orden dado y no
como la imposición de un artificio social.
Como es sabido, el potencial conflicto recién adquiere una
configuración amenazante para los colonos españoles hacia fines del siglo
XVIII. Ese conflicto es formulado por la segunda casta que se consolida al
interior de la etiqueta de “españoles”, y que da lugar a la distinción entre
“peninsulares” (nacidos en la peninsula ibérica) y “criollos” (blancos nacidos
en América, impedidos de asumir cargos políticos). Reconociéndose como
blancos puros y hombres civilizados, los criollos reclaman derechos políticos
ante la corona española. Las ideas de la Ilustración son el apoyo ideológico
en su rivalidad con los peninsulares. Más precisamente, la crítica a la forma
de dominación del absolutismo monárquico, así como las doctrinas de la
soberanía popular y las teorías del contrato social se convierten en la

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

justificación intelectual de los criollos que exigen la libertad política respecto


de la Madre Patria.3
Hacia comienzos del siglo XIX, cuando la monarquía española se
encuentra debilitada por la ocupación napoleónica, los criollos del Virreinato
del Río de la Plata logran convertir el foco de conflicto en Independencia: las
autoridades españolas deben huir del territorio rioplatense y prontamente
los criollos deciden que la “república” es el nuevo régimen político. Si bien
las ideas igualitarias de la Ilustración estaban detrás de la conformación de
los ejércitos independentistas (compuestos tanto por criollos como por
mestizos e indios), pocos fueron los criollos que pusieron en duda que la
república debía mantener las jerarquías sociales coloniales, y que
cuestionaron la clasificación racial que legitimaba esas jerarquías. La
Independencia desplaza a los peninsulares, pero los criollos logran mantener
muchos de los rasgos del orden colonial.4 De ahí que no sea sorprendente la
pervivencia en Latinoamérica, hasta entrado el siglo XX, de formas de
explotación de la mano de obra semi-esclavista y desiguales relaciones
sociales, ancladas ambas en vínculos premodernos, así como la sólida
concentración del poder político en manos de latifundistas criollos.
Como suguieren las imágenes sobre las que trabajaremos en los
siguientes apartados, a pesar del reconocimiento jurídico de la igualdad, la
jerarquización social de las colonias españolas continuó teniendo efectos en
los nuevos ordenes políticos de la región.

2. La “Guerra de la Independencia”

3
Restringuiéndonos al caso de las colonias españolas, dejamos aquí de lado el interesante caso de la
independencia de la colonia francesa de Haití, donde no son los “criollos”, sino los “negros esclavos” quienes
están a la cabeza de la primera revolución republicana del continente.
4
En relación al caso peruano, sostiene José Aricó: “El estado republicano se constituyó sobre bases políticas,
ideológicas e institucionales que mantenían inmodificada la herencia colonial y que instauraban de hecho un
sistema cuasi medieval de estamentos jerárquicamente organizados” (Arico, 1999: 195).
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Estas imágenes han sido tomadas de dos manuales escolares vigentes.


Ellas ejemplifican el tipo de representaciones sobre la Independencia que
circula masivamente. Alguien que las observe sin atender a su anclaje podría
pensar que se está ilustrando una guerra europea. No se muestran allí
indios, mestizos, ni objetos “exóticos”. Más precisamente, aunque los
investigadores acuerdan en que en los ejércitos de liberación participaron,
además de criollos, mestizos e indios, no suelen encontrarse en los retratos
de ese “nuevo mundo” que se independiza, marcas que señalen a otro no-
europeo, ni en el estilo de las representaciones, en los paisajes retratados, en
las vestimentas, ni en la fisonomía de los libertadores.
Ya en el siglo XIX el letrado y presidente de la nación argentina
Domingo F. Sarmiento admitía que la intervención de la “tercera entidad”
(las masas mestizas del campo) había sido decisiva en la victoria criolla; sin
embargo, las imágenes sugieren una independencia de España conseguida
únicamente por hombres blancos y civilizados.
El discurso historiográfico que trasmite la escuela tiende a invisibilizar
a los grupos que no responden a los patrones de civilización europeos, y con

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

ello parece reforzar las jerarquías sociales que constantemente son minadas
por los movimientos populares promotores de una afirmación autoctona y
popular.5 A pesar de los cuestionamientos que durante el siglo XX ha sufrido
la idea de una única modernidad, los Estados latinoamericanos parecen
continuar concibiendo el proceso abierto por la Independencia como una
separación del régimen colonial español, pero de ningún modo como una
independencia de la cultura europea. Al respecto, veremos en el último
apartado una interesante reformulación con el caso mexicano.

3. La guerra contra el indio en Argentina

Arriba a la derecha: “Julio Argentino Roca (Tucumán 1843 - Buenos Aires


1914). Militar y estadista, realizador de la campaña del desierto (1878) Firmó
el tratado de límites con Chile y fue dos veces presidente de la república
(1880-1886, 1889-1904)”

Abajo a la izquierda: “La conquista del desierto”

Vemos aquí el billete de mayor valor vigente en Argentina. La


ilustración remite a la expedición del ejército argentino que exterminó a los
pueblos nómades de la Patagonia. Esta sangrienta guerra mediante la que el
Estado argentino logra tomar control del territorio sur es nombrada
oficialmente, aún hoy, como “Conquista del desierto”, 6 una expresión que

5
Recordemos que Bolivia, una república con 62% de población nativa y un mestizaje sumamente extendido,
recién tiene su primer presidente mestizo en enero de 2006; y que la oposición a las medidas de ese gobierno han
producido reacciones sumamente violentas que se apoyaban en concepciones racistas.
6
A través de diversos libros e iniciativas (como el reemplazo del monumento porteño a Julio Argentino Roca
por el “Monumento a la Mujer originaria”), el historiador Osvaldo Bayer se ha convertido en la personalidad que
encabeza la denuncia de esa expedición militar y las representaciones que con ella promueve el Estado, al tiempo
que busca rescatar la memoria de los pueblos originarios.
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recoge la caracterización de “tierra desierta” utilizada por los españoles no en


referencia al desierto de habitantes, sino de comunidades utilizables como
fuerza de trabajo.
A pesar del reconocimiento de los “pueblos originarios” establecido en
la modificación de la Constitución Nacional de 1994, en 1999 (año en que se
realizan las últimas modificaciones a los billetes de curso legal) el Estado
argentino continúa proponiendo en su moneda que la Argentina es blanca y
pura.7 Entre las distintas acciones significativas de un político como Roca
(quien logró acordar una duradera paz con Chile), el Estado opta por el
motivo de la campaña militar a través de la que son controlados territorios
muy redituables comercialmente.
La imagen del siglo XX retoma la interpretación construida por el
Estado argentino en 1880: no se representa ninguna guerra, e incluso la
ilustración siguiere que el ejército no se ha topado con hombre alguno. La
conquista de un desierto permite al Estado eludir el tratamiento explícito de
la cuestión del mestizaje, al tiempo que refuerza una construcción identitaria
marcada por un supuesta pureza racial de una Europa blanca.
En ese sentido, en el billete puede descubrirse un equivalente icónico
de lo que recientemente el filósofo argentino Dardo Scavino ha propuesto
llamar “novela familiar criolla”, en oposición a la “epopeya popular
americana”. Ciertamente, la imagen parece refrendar al más ferviente
promotor local de aquel tipo de narración, Juan Bautista Alberdi. Éste
declaraba en la segunda mitad del siglo XIX: “La Europa sois vosotros
mismos. Ya veis que no es tan fea como la creéis. Sois la Europa establecida
en América. Sois los descendientes de Hernan Cortés y no los de Moctezuma.
Si la Europa no hubiera ido a América, vosotros habrías nacido en España
en lugar de nacer en América: he ahí todo vuestro americanismo. Sois
españoles nacidos en América” (Scavino, 2010: 177).

4. Apariciones de las características autóctonas

7
Al respecto, cabe recordar q actualmente la Comisión de Finanzas de la Cámara de Diputados discute un
proyecto de reemplazo del motivo de Roca por el de la Teniente Coronela en la Guerra de la Independencia
Juana Azurduy.
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Las imágenes de la guerra de la independencia y el billete argentino


suguieren que la clasificación racial española continúa teniendo cierta
vigencia en las representaciones difundidas por los Estados. Sin embargo,
pueden señalarse distintos puntos de la historia en los que esa construcción
de lo nacional y de la relación con Europa ha sido fuertemente cuestionada,
e incluso tramada de un modo distinto. En lo que respecta a los
intelectuales, a fines de la Primera Guerra Mundial varios de ellos comienzan
a cuestionar “aquello que venía de Europa” y a estrechar lazos con
personalidades de distintos países del continente. La idea de que había una
única civilización auténtica, cuya cuna se encontraba en Europa, entra
entonces en una importante crisis. Son los años en que La decadencia de
Occidente de Oswald Spengler encuentra diversos lectores y publicistas, al
tiempo que llegan las primeras noticias de la Revolución Rusa, cobra
visibilidad la Mexicana y la Reforma Universitaria se expande por el
continente. Asimismo, en México Raúl Haya de la Torre funda en 1924 la
Alianza Popular Revolucionara Americana, que entonces tiene un carácter
continental. Desde la Argentina, en 1925 el escritor dominicano Pedro
Henríquez Ureña propone pensar la guerra como el “eclipse de Europa” y
distinguir entre la “herencia” de la civilización europea y su “imitación”
(Henríquez Ureña, 1925: 27-30), mientras que el mismo año José Ingenieros,
junto a varios intelectuales partícipes del movimiento de la Reforma, da vida
a la Unión Latinoamericana, una organización que había sido proyectado en
1922, cuando la comitiva de la Revolución Mexicana, presidida por José
Vasconcelos, visita el cono sur. Por su parte, José Carlos Mariátegui funda
en Perú la célebre revista Amauta (1926-1930) y en 1928 publica sus Siete
ensayos sobre la realidad peruana.

En cuanto a los Estados latinoamericanos, es el mexicano el que,


luego del prolongado proceso revolucionario que se inicia en 1910, asume
más sistemáticamente la narración de una “epopeya popular americana”.
Una muestra de ello la ofrece la siguiente pintura.

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Jorge González Camarena, La Patria, 1962, óleo sobre tela, 120 x 160 cm..
Museo de Soumaya, Mexiko.

Este óleo, realizado por el pintor mexicano Jorge González Camarena,


gana en 1962 el concurso de la “Conaliteg” (Comisión Nacional de Libros y
Textos Gratuitos) y su reproducción se convierte, desde entonces y por diez
años, en el motivo que ilustra la portada de los 350 títulos escolares que la
Secretaría de Educación Pública del Estado mexicano distribuye gratuita y
masivamente en el territorio.
El cuadro alude resueltamente a la alegoría europea de la libertad. En
la tradición política inaugurada por la Revolución Francesa, la mujer con la
estola blanca de reminiscencias romanas deviene el símbolo, por
antonomasia, de la libertad. Como una cita a “La Liberté guidant le peuple”
pintado por Eugene Delacroix en 1830, “La Patria” sostiene una bandera y
dirige su mirada hacia el futuro. Pero también inscribe sus variaciones tanto
a la referencia francesa como a ese criollismo en el que civilización es
sinónimo de blancura y pureza.
La libertad mexicana tiene una apariencia mestiza y, en lugar de un
arma, porta un libro abierto: es mediante la educación que ella pretende
guiar al pueblo hacia el progreso. Se propone una representación identitaria
que no recusa la estrecha relación civilizatoria con Europea, aunque ahora
los elementos autóctonos adquieren visibilidad. En efecto, en el segundo
plano del cuadro se distinguen los animales heráldicos mexicanos, de
procedencia azteca: ese águila devorando una serpiente que, según la
leyenda, es la señal enviada por el dios al pueblo para que reconozca el lugar

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en el que debe fundar la ciudad de Tenochtitlan, actual ciudad de México.


Asimismo, junto a la mujer y sobre el ala del águila se retratan varios objetos
alegóricos: la bandera tricolor francesa y dos columnas (una de estilo
romano y otra griego) como símbolo de la cultura; el arado y las frutas del
Nuevo Mundo como símbolo de la agricultura; y una fábrica que remite a la
industria.
A diferencia de las imágenes anteriores, las particularidades
latinoamericanas juegan aquí un importante rol. El Estado mexicano decide
representar a México como una civilización mestiza. Pero cabe recordar que
hacia 1962 la idea de la identidad latinoamericana como un crisol de razas
ya tiene una larga tradición en el continente y específicamente en ese país.
El “apóstol de la educación” durante la Revolución Mexicana, José
Vasconcelos, había publicado en 1925 La raza cósmica. Misión de la raza
iberoamericana, un ensayo en el que, en discusión con el concepto de
Gustave Le Bon de una “raza pura”, se introduce la idea de una raza
latinoamericana proveniente de la mezcla entre las comunidades americanas
y las españolas. Esa mezcla racial, en oposicion a la separación y pureza,
sería la marca particular de latinoamerica frente a Europa y Estados
Unidos.8
Las respuestas del Estado mexicano a las preguntas ¿qué somos? y
¿qué nos une con Europa? se distancian ampliamente de las halladas en las
otras imágenes. Los libros escolares que reparte el Estado en los sesenta
sugieren en su portada que se trata de una nación occidental, pero dicen
también que México tiene algo más que Europa, en relación tanto con la
naturaleza como con la cultura. Y es a partir de esas diferencias que debería
ser posible una nueva y original identidad. De todos modos, a pesar de esa
diferencia, la construcción mexicana comparte con las anteriores la
invisibilización de los conflictos y tensiones implicados en todo recorte de un

8
Esta propuesta alcanza a resignificar el Día de la Raza, festejo instaurado, a instancias de España, por los
Estados latinoamericanos hacia fines de 1920. Siguiendo la construcción identitaria formulada por Vasconscelos
(entonces Secretario de Instrucción Pública y enlace decisivo de los “muralistas” con el Estado), México otorga
un significado particular al día festivo: no recuerda la llegada del hombre blanco, cuya descendencia es el criollo,
sino el comienzo del mestizaje y el sincretismo cultural, cuyo resultado sería la emergencia de una “raza
iberoamericana” (Rodríguez, 2007: 117-124).
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

“nosotros”. En efecto, la propuesta mexicana continúa dominada por la idea


de armonía, idea que en 1968 el mismo Estado mexicano se encargará de
rebatir con la Matanza de Tlatelolco.

Para concluir, analicemos una última imagen que sí se propone dar


cuenta de las tensiones que recorren el intento de construir una identidad
latinoamericana.

Frida Kahlo, Retrato de Lucha María, 1942, Masonite, 54,6 x 43,1 cm.
Colección privada.

Este cuadro de Frida Kahlo no ha sido retomado por una política


estatal tendiente a formular una representación nacional –ni es parte del
grupo de obras de la mexicana más conocido-. Sin embargo, lo hemos
elegido para concluir este recorrido porque creemos que en el puede hallarse
una provocadora interrogación sobre la identidad latinoamericana y su
vínculo con Europa.
A primera vista, “Retrato de Lucha María” se presenta como un retrato
convencional y romántico de una niña indígena. Sentada sobre una roca,
Lucha María tiene a sus espaldas un paisaje partido por dos ejes que
organizan oposiciones tajantes. Por un lado, el horizonte divide la tierra del
cielo; por el otro, un difuso eje vertical ubica el día a la derecha y la noche a
la izquierda. El cielo de la derecha es iluminado por el sol que cae sobre la
“Pirámide del sol” (que aún puede visitarse en Teotihuacán) y el cielo de la

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izquierda es apenas iluminado por la luna que baña la “Pirámide de la luna”


(de la misma ciudad mexicana).
El nombre cristiano de la niña, su peinado y el modo de sentarse
suguieren que ella pertenece a una cultura que ha recibido una fuerte
influencia de la Europa “civilizada”, una cultura híbrida. Pero una mirada
atenta puede descubrir que el cuadro desestabiliza sutilmente la armonía de
esa identidad mestiza. En efecto, en medio de la Segunda Guerra Mundial,
Frida pinta en el centro de la escena un avión de combate camuflado, similar
a los que atraviesan los cielos europeos, y lo coloca, como un inocente
juguete, en las manos de la niña indígena. A ello se suma la elección de sus
nombres. Los dos apelativos cristianos tienen una significativa semántica
cuando se los utiliza para dar identidad a la niña indígena ubicada en ese
esenario: “Lucha” parece haber dejado de funcionar como el diminutivo de
“Lucía” para aludir a la guerra, y “María” podría suguerir la referencia a la
mujer que, sin quererlo ni saberlo, dio nacimiento a una nueva era.
Así, en esta última imagen encontramos finalmente representada una
identidad latinoamericana no sólo mestizada, sino también recorrida por
fuertes tensiones. Lucha María se encuentra sentada en el centro de dos ejes
que trazan una encrucijada. Esas dos culturas ya han sido mezcladas y su
respectivo valor ha dejado de ser inmediatamente claro, pues la nueva
guerra parece formular con más fuerza las siguientes preguntas: ¿dónde
reside nuestra identidad latinoamericana? ¿Esa Europa que da a luz una
nueva barbarie puede ser el indiscutido modelo?

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POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO: UMA HISTÓRIA DE


ESBULHOS DAS TERRAS, CONFLITOS E DE MOBILIZAÇÃO
POR SEUS DIREITOS

Edson Silva1

Resumo: Após a extinção oficial dos aldeamentos na segunda metade do


século XIX, apesar das invasões de seus territórios e perseguições, os povos
indígenas no Sertão de Pernambuco elaboraram diversas estratégias para
continuarem em seus locais de moradias. Com as mobilizações indígenas a
partir das primeiras décadas do século XX para o reconhecimento de seus
direitos, esses povos além de questionarem as explicações que afirmam o
desaparecimento indígena, passaram a ocupar inegavelmente o cenário
político regional contemporâneo.

Palavras-chave: índios; Sertão Pernambuco; história; organização; direitos.

Novas abordagens sobre os índios na História

Nos últimos vinte anos vêm sendo realizadas diversas pesquisas sobre
os chamados índios em Pernambuco, no Nordeste. Esses grupos, que se
mobilizam desde as primeiras décadas do século XX, colocando em questão
crenças e afirmações sobre o desaparecimento indígena na Região após
extinção dos aldeamentos, a partir de meados do século XIX, conquistaram
considerável visibilidade política em anos recentes. Constituindo-se,
portanto, em um tema a ser discutido na área de História, malgrado ainda
preconceitos e o quase desconhecimento, expresso pelos escassos estudos
sobre o assunto, nessa área do conhecimento.

1
Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG
(Campina Grande-PB) e no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado a
formação de professores/as indígenas. É professor de História no CENTRO DE EDUCAÇÃO/Col. de Aplicação
- UFPE/Campus Recife. E-mail: [email protected]

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Ao contrário do considerável volume de estudos realizados nos últimos


anos, alguns deles publicados, na área da Antropologia sobre os povos
indígenas em Pernambuco e no Nordeste, é facilmente constatável que
pesquisas tendo os índios como objetos de reflexões na área de História são
ainda em número muito reduzido. Os estudos, em uma perspectiva
especificamente histórica, se limitam em sua maioria ao período colonial e
alguns ao século XIX. A crença expressa por intelectuais regionais de que a
extinção dos aldeamentos, pelo Governo Imperial, provocou o
desaparecimento das populações indígenas que foram misturadas e
incorporadas aos contingentes de moradores vizinhos, originando o caboclo
ou no máximo um remanescente, influenciou os estudos posteriores sobre a
História no Nordeste.
Os então chamados caboclos ou remanescentes de índios no Nordeste
foram vistos em uma perspectiva de análise das perdas culturais. E, por
essa razão, durante muito tempo esquecidos, até mesmo pelas abordagens
antropológicas, pois se tratava de populações marginais, espoliadas,
pensadas como totalmente aculturadas, quando situadas em uma escala
evolucionista, comparadas com os grupos indígenas no Norte do Brasil,
portadores de uma legítima e suposta pureza cultural originária. Foram,
portanto, desprezados os processos históricos vivenciados por essas
populações no Nordeste. Processos esses que precisam ser conhecidos, para
se compreender as especificidades das situações nas quais os grupos
afirmam uma identidade indígena, exigindo o reconhecimento oficial e
reivindicando seus direitos, principalmente os relativos às terras invadidas
por terceiros.
Assim, em novas abordagens, pensar os “índios misturados” no
Nordeste é antes de tudo, conhecer os processos históricos e os fluxos
culturais, expressos nas relações com diferentes atores sociais nas situações
de cada grupo indígena. A cultura não é mais vista na perspectiva das
perdas, mas, sim, como expressão das relações sócio-históricas de diferentes
atores interagindo, local e globalmente, desde as disputas pelas terras às
várias influências políticas, no âmbito público ou mais próximo, nas
articulações, alianças e nas organizações sociais. Uma análise dos

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

acontecimentos históricos os indígenas deve então levar em conta as


diferentes temporalidades e leituras que deles foram realizadas, a partir de
interesses explícitos ou não, quando expressos publicamente quase nem
sempre pelos índios ou a eles favoráveis.
A população indígena em Pernambuco foi contabilizada nos dados
mais recentes em torno de 38.000 indivíduos (FUNASA/SIASI, 2006),
habitando as regiões do Agreste e Sertão, formada pelos povos: Fulni-ô
(Águas Belas), Xukuru do Ororubá (Pesqueira), Kapinawá (Ibimirim,
Tupanatinga, Buíque), Kambiwá (Ibimirim), Pipipã (Floresta), Pankará
(Carnaubeira da Penha), Atikum (Carnaubeira da Penha e Floresta), Tuxá
(Inajá), Pankararu (Tacaratu, Petrolândia e Jatobá), Truká (Cabrobó) e os
Pankauiká (Jatobá), estando esse último povo reivindicando o
reconhecimento oficial.
Essas populações historicamente foram discriminadas, perseguidas e
expulsas de suas terras. Seus direitos e identidades étnicas foram negados,
por aqueles que advogaram o extermínio e o desaparecimento indígena, a
extinção dos aldeamentos baseada na idéia de assimilação dos índios.
Imagens e concepções repetidas em vários discursos oficiais, reproduzidas
em escritos literários e também nos estudos acadêmicos.
Nesse texto, a partir de documentos encontrados no Arquivo Público
Estadual de Pernambuco que se referem aos índios, evidenciamos os
percursos históricos dos grupos indígenas no Sertão pernambucano. O
conhecimento dessas trajetórias possibilita uma melhor compreensão da
situação e demandas dos atuais povos indígenas nessa região.

O protesto dos índios Tuxá pelos seus direitos

Juntamente com “seus companheiros” Jacinto Baptista dos Santos,


índio da “tribu Tuchá”, e “morador na Ilha da Viúva”, compareceram em
1908 ao Cartório de Cabrobó, onde pediram para lavrar um “Termo de
Protesto” com um abaixo-assinado endereçado ao Presidente da República.
Jacinto em nome dos seus parentes protestou contra o Conselho Municipal

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

que fez o arrendamento de seus terrenos e os da povoação de Rodelas,


doados a eles ainda “durante o período monárquico”.
O documento elaborado a pedido dos índios pelo Tabelião do Cartório,
afirma a ilegalidade do procedimento do Conselho lembrando que o direito
de posse além de ser assegurado pela Constituição, à desapropriação só
poderia ocorrer pro “necessidade de utilidade pública” e com prévia
indenização. Solicitavam os índios à devolução de suas terras garantidas
pela Constituição Federal em vigor que não poderia inclusive ser
desrespeitada pelo Conselho Municipal. 2

Alguns dias depois o índio Jacinto voltou ao Cartório e dirigiu outro


Requerimento ao Governador do Estado de Pernambuco Herculano Bandeira
de Melo, onde afirmava: “estamos sendo usurpados dos meus direitos
adquiridos assim como os meus companheiros índios da tribu Tuchá”. O
líder Tuchá pedia que lhe fossem devolvidas as terras arrendadas
ilegalmente. No documento Jacinto expôs que seus antepassados eram
donos da terra, o que foi reconhecido por Dom João VI e D. Pedro I e por isso
apelava para o senso de justiça para ser atendido em seu pedido3.
Esses documentos dos “Tuchá” demonstram a existência de um apoio
conquistado pelos índios, no fato da escrita dos termos pelo Tabelião do
Cartório, na reivindicação dos seus direitos. Nos abaixo-assinados que
acompanham os referidos documentos dentre aqueles que assinaram muitos
sobrenomes são semelhantes, o que evidencia talvez uma lista de indivíduos
com parentesco. Além disso, é importante ter presente os argumentos e os
instrumentos jurídicos e políticos usados pelos índios na denúncia e na
busca de reaver o que lhes pertencia, através da historicização e reafirmação
com clareza das suas reivindicações.
Na divisão política e a administrativa dos Estados na República, o
município de Rodelas onde habitavam os “Tuchá” ficou situado na Bahia, na
proximidade das margens do Riso São Francisco, na fronteira com
Pernambuco. Ainda na década de 1940 os índios conquistaram o direito de
2
Termo de Protesto de Jacinto Baptista dos Santos (por José Joviano de Barros), em Cabrobó 06/06/1908, para o
Presidente da República. Arquivo Público Estadual de Pernambuco (APE), Códice Petições: Índios, folhas 11-
12.
3
Requerimento de Jacinto Baptista dos Santos, em Cabrobó 25/06/1908, para o Governador do Estado de
Pernambuco Herculano Bandeira de Melo. APE, Cód. Petições: Índios, fls. 13-14.
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um Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Governo Federal


reconheceu suas terras na Ilha da Viúva e em Rodelas. Com as obras da
Barragem de Itaparica que inudariam essas terras, a partir 1987 os Tuxá
foram reassentados pela CHESF em três novos núcleos: Ibotirama no Sertão
baiano, Nova Rodelas/Riacho do Bento (BA) e umas poucas famílias em uma
fazenda adquirida pela FUNAI em Inajá/PE.
Os órgãos oficiais se comprometeram assentar os agora chamados de
Tuxá, em terras com um projeto de agricultura irrigada. Passaram cerca de
dez anos, com grandes prejuízos para os Tuxá. Somente em fins da década
de 1990 em parte reivindicações foram atendidas, após muita pressão dos
índios que ocuparam várias vezes o canteiro de obras da CHESF e até a sede
da Empresa no Recife. A destinação de terras para todas as famílias Tuxá
permanece uma questão irresolvida.

Aldeias da Assunção e de Santa Maria: queixas contra os esbulhos


e perseguições

Documentos do Século XIX informam que a Aldeia da Assunção ou


Ascenção tinha cinco léguas de extensão. Sua sede estava localizada na Ilha
do mesmo nome, defronte a cidade de Cabrobó, separada do Continente pelo
Rio São Francisco. Possuía essa grande Ilha e outras menores terras muito
férteis, onde os índios em função da abundância de água plantavam grande
quantidade de lavoura, hortaliças e algodão. A riqueza produzida pelas
terras da Aldeia foi motivo de cobiça de invasores.
Os índios fizeram “diverças queixas” o que obrigou como reconheceu o
Diretor Geral dos índios em 1853, “solicitar de pessoas consideráveis
daquele Certão informaçõens se de fato sofrião os ditos Índios, as opreçõens
de que se queixavão”. (Grifamos). A situação chegara a tal ponto que muitos
tiveram que fugir para se reunirem a “tribu selvagem” na Serra Negra4.
No Relatório de 1861 sobre a situação das aldeias na Província de
Pernambuco, lemos que a Câmara Municipal tinha esbulhado grande parte
das terras da Aldeia. O abuso fora favorecido pelo Juiz local que afirmando

4
Of. do Dir. Geral dos Índios José Pedro Vellozo da Silveira, em 01/04/1853, ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód.
DII-19, fl. 17.
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serem os terrenos propriedade da Matriz os colocou em hasta pública


arrendando-as por nove anos5. Em 1863 os índios insistem sobre “a posse
das Ilhas reclamadas”, que segundo comunicou a autoridade provincial
responsável pela administração dos índios, estavam sendo objeto de
discussões e disputas entre as Câmaras Municipais de Cabrobó e Boa Vista.
A Aldeia de Santa Maria foi invadida por fazendeiros que expulsaram os
índios refugiados nas serras próximas.
Apesar das perseguições que provocou a fuga e a dispersão de muitos
índios, mesmo pressionadas algumas famílias indígenas permaneceram
habitando as terras da Aldeia. Entre 1920 a 1940, no primeiro período das
emergências étnicas no Nordeste (Arruti, 2004, p.232), os chamados
“caboclos da Assunção”, organizaram a mobilização para o reconhecimento
oficial e das suas terras. No acervo do SPI disponível no Museu do Índio/RJ,
encontramos documentos que comprovam isso. Os índios apesar das muitas
perseguições recorreram a Justiça pelo direito às suas terras e por diversas
vezes líderes como Ancilon e Antonio Ciríaco, aparecem nos documentos
como reclamantes dos direitos indígenas.
Em fins da década de 1990 após longos anos de conflitos com
posseiros e de espera para uma solução oficial, os Truká ocuparam toda Ilha
da Assunção expulsando os invasores. Malgrado outros tipos de violências
gravíssimas provocadas pelo plantio da maconha por outros invasores nas
ilhas menores, a intensa produção de cebola e de arroz carregam os
caminhões que abastecem os mercados das cidades do entorno e de outras
regiões.

Aldeia do Brejo dos Padres: conflitos e ataques dos “selvagens” da


Serra Negra

Uma parte da documentação do Século XIX disponível no Arquivo


Público de Pernambuco sobre a Aldeia do Brejo dos Padres, em Tacaratu,
nos coloca diante de uma difícil pergunta. Teria o Maioral daquela Aldeia o
domínio da escrita tão bem expressa nos documentos enviados as

5
“Relatório do estado das Aldeias da Província de Pernambuco”, pelo Barão dos Guararapes, em 13/02/1861.
APE, Cód. DII-19, fl. 55.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 144
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

autoridades provinciais, ou contava ele com um apoio na redação dos


textos? Ele era um índio? Não temos como saber, uma vez que nos faltam
informações. Mas, seja qual for à resposta, ela nos revela como os índios se
apropriaram dos instrumentos coloniais para afirmarem sua autonomia e
reivindicarem os seus direitos.
Os conflitos na Aldeia Brejo dos Padres, em Tacaratu, acentuaram-se
na década de 1860. Manoel Barbosa Arcoverde, “Capitão-Mór Interino da
Missão do Brejo dos Padres da Villa de Tacaratú”, com um longo e detalhado
ofício, denunciou em 1852 a sua prisão arbitrária por ordem do Delegado do
Termo de Tacaratu, durante as eleições no dia sete de setembro. Em sua
denúncia o Maioral dizia ser falsa a acusação de estar bêbado como motivo
para sua detenção, pois a verdadeira razão seria a coerção contra a liberdade
de voto do preso: “fallar-se liberdade de votos é o mesmo que dizer-se soffer o
mais duro acossamento”. 6

O Maioral da Aldeia Brejo dos Padres também denunciou a autoridade


provincial que fora preso pelo Diretor da Aldeia por não colaborar para a
exploração dos índios: “só por querer que eu lhe mande os índios fazer por
força, o que totalmente eu não posso, pois não são escravos, já tenho sido
por duas vezes prezo, como agora me acho sem culpa alguma só pelos
dispoticos costumes do Sr. Director”. 7. Encontramos ainda referências de
documentos enviados em 1853 pelo “Mayoral dos Índios da Aldeia dos
Padres” a Presidência da Província e ao Diretor Geral dos Índios
denunciando perseguições e violências. 8

No mesmo ano, Manoel “Arco Verde”, em outro longo ofício, afirmava


que depois de ter denunciado as prisões dos índios pela recusa em trabalhar
nas lavouras do Diretor da Aldeia e de seus parentes, e em virtude de ter
conquistado da Presidência da Província a dispensa desse trabalho
obrigatório, continuavam as prisões por motivos banais. O Maioral
denunciava mais perseguições, pois o Diretor com o apoio da polícia “todos
os dias procura pretextos fúteis para arrastar o supplicante e mais índios a

6
Of. do Maioral dos Índios da Missão Brejo dos Padres, s/d. ao Pres. da Prov. de PE. APE, Códice DII-10, fls. 2
e 3.
7
Idem, fl. 14.
8
Of. do Dir. Geral dos Índios, em 31/01/1853, ao Pres. da Prov. APE, Cód. DII-10, fl. 01.
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cadêa, trazendo a Aldeâ effectivamente assustada, e varejada por tropas de


policia, disparando tiros sobre os índios...”9. As terras do Brejo eram muito
valorizadas. A Comissão nomeada pela Presidência da Província para dar um
parecer sobre as aldeias em 1873, encontrou nelas diversas “engenhocas”,
engenhos alguns deles de propriedades dos índios que produziam mel e
rapadura. (MELLO, 1975, p.347.).
Ora, tendo presente o histórico das perseguições contra os aldeados no
Brejo dos Padres, é possível compreender as ações indígenas. Um
documento de 1860 cita que os fazendeiros estavam preocupados em
defender o rebanho bovino com o qual ocupava os territórios indígenas, e
para isso também apelavam às autoridades provinciais. Pediam providências
contra os “índios semi-selvagens da Serra Negra que reunidos com diversos
índios domesticados da Aldeia Brejo dos Padres” estavam furtando o gado.
Ataques eram realizados por grupos formados de aldeados e ex-aldeados no
Brejo e com índios que se refugiavam na Serra vizinha a Aldeia, para onde
por causa também das invasões de suas terras foram índios da Aldeia de
Assunção, “obrigados a unir-se aos selvagens que habitão a Serra Negra”. 10

A Serra Negra desde muitos anos fora local de moradia de diferentes


povos indígenas. Em 1838 se tinha notícias de “umans e xocós” que da Serra
migraram para Jardim, no Ceará. Em 1842 o Delegado de Flores informava
que tinha recebido ordens da autoridade provincial para encontrar a melhor
maneira de “chamar a ordem” índios Quipapá (Pipipan?), Uman e Xocó que
“armados a maior parte deles com granadeiras, bacamartes, clavinotes e
pistolas”, estavam atacando e assassinando quem passava na Serra Negra e
no Piancó. (ROSA, 1998, p.25).
Na Serra Negra local abundante em caça e água, secularmente
habitada por indígenas, se juntaram índios vindos outras aldeias, expulsos
pelas invasões de fazendeiros. A Serra se tornou uma fortaleza onde os
povos indígenas locais e os que para lá foram defenderam seus territórios
tradicionais frente às invasões dos fazendeiros com o criatório de gado. Por

9
Of. do Maioral dos Índios do Brejo dos Padres, em 27/04/1853, ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód. DII-10,
fl.19.
10
Relatório do Estado das Aldeias da Província de PE, pelo Barão de Guararapes, em 13/02/1861. APE, Cód.
DII-19, fl. 55.
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essa razão as autoridades afirmavam que uma “horda de índios selvagens”


atacava as lavouras e a criação de gado nas freguesias de Cabrobó e
Salgueiro. Em correspondências de 1846 4 1848 as autoridades locais
diziam que os índios “além de fugirem da comunicação dos habitantes,
vivem prejudicando os fazendeiros”, solicitando providências. (Id. 30).
Os habitantes na Serra eram considerados pelas autoridades como
bárbaros que armados de arcos e aramas de fogo, desrespeitavam “a ordem”
e acirravam um conflito que já provocara diversas mortes de índios e
fazendeiros11. Os índios da Serra Negra foram atacados diversas vezes, por
milícias e tropas legais com baixas do lado indígena, como no combate
ocorrido na Fazenda Canabrava, onde foram feridos diversos índios e morto
Crispim de Souza Ferraz que se encontrava com eles. (ROSA, 1998, p.35).
Em 1869 o Delegado de Tacaratu informa que “criminosos” continuavam
agindo na região e que “sustentavam-se com gados alheios, no lugar de
Varas, no Moxotó, e que teria atacado com uma força não conseguindo
capturá-los, mas apenas afugentá-los dali.” (Id, p.36).
O conflito prolongou-se e dez anos mais tarde em 1879, outro
Delegado de Floresta solicitou ao Chefe de Polícia da Capital uma força de 50
praças, um bom oficial e muita munição para combater um grupo de mais
de “30 criminosos” escondidos na Serra Negra e Periquito. Informava
posteriormente o Delegado que “criminosos e ladrões” da Serra Negra
ofereceram resistência nos combates com as tropas oficiais, o que resultou
em mortes de ambos os lados. No ano seguinte, por repetidas vezes, o
Delegado pediu diligenciais para capturar “criminosos” que permaneciam
roubando e ameaçando atacar Floresta e a cadeia daquela cidade. (ROSA,
1998, p.38).
Não encontramos o documento que oficializou a extinção, mas alguns
autores afirmam que a Aldeia do Brejo dos Padres foi legalmente declarada
extinta em 1875 (HOHENTAL, 1960, p.68). Os índios da Aldeia do Brejo dos
Padres em 1883 protestaram através de um abaixo-assinado,12 enviado para

11
Of. do Juiz Municipal Antonio Pereira de Barros, em 18/04/1860, ao Presidente da Província de Pernambuco.
APE, Cód. JP-20, fl. 104.
12
Requerimento acompanhado de assinaturas dos Índios da Aldeia do Brejo dos Padres/em Tacaratu 17/02/1883,
ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód. Petições: Índios, fls. 08-09.
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a Presidência da Província depois que “perderam o terreno que cultivavam


cana-de-açúcar” e denunciaram que “pessoas estranhas” invadiram suas
terras proibindo-os de colher “frutos que eles mesmos tinham plantado”.
Diziam os índios que os terrenos originalmente ocupados por eles era o
suficiente para cultivo de todos os habitantes da Aldeia.
O conflito se arrastou com a continuidade dos ataques dos índios
moradores na Serra Negra às fazendas de gado que invadiram seus
territórios. Por essa razão em 1884 o índio José Francisco Lima encontrava-
se preso na Ilha de Fernando de Noronha, como informava o Delegado de
Floresta as autoridades da Capital. Porém, os confrontos persistiram e em
1889 informavam as autoridades policiais que “60 criminosos” tinham se
juntado a um grupo menor no lugar Quebra Unha, o que levou a Presidência
da Província recomendar a solicitação de tropas dos municípios vizinhos.
Naquele mesmo ano, o Subdelegado do 2º Distrito de Floresta
percorria com uma tropa a Ribeira do Navio para capturarem “criminosos e
ladrões” que segundo ele teria “plantado o terror no seio das famílias;
obrigando deste modo os fazendeiros a reunirem indivíduos para defesa de
suas casas e propriedades”. Na Várzea do Mari ocorreu um combate com
ferimentos nos homens de sua tropa. No ano seguinte, autoridades policiais
informavam que “em perseguição aos criminosos que habitam a Serra Negra”
foram feridos dois homens e um morto. (ROSA, 1998, p.39).
Os índios da Serra Negra sabedores dos embates e disputas da política
local buscaram apoio e fizeram alianças com aqueles que ocuparam cargos
públicos. É o que revelou o Delegado de Floresta referindo-se a Antonio
Valgueiro dos Santos que enviou um abaixo-assinado às autoridades
policiais da Capital, denunciando um plano da policial local para atacar e
assassinar mulheres e crianças na Serra Negra. Dizia o Delegado que
Antonio Valgueiro era do extinto Partido Conservador e um “célebre protetor
dos afamados criminosos da Serra Negra e Quebra Unha”, e que aqueles

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

indicados por ele para ocupar cargos públicos tinham notórias implicações
com criminosos ou eram parentes deles. (ROSA, 1998, p.40).
Na documentação lemos que os índios atacavam realizando a matança
de gado e incêndios de plantações nas Ribeiras do Navio e Mandantes. Nos
primeiros anos do período republicano as autoridades policiais continuavam
a reclamar a ausência de tropas para combater os “criminosos” que
“infestavam” a Comarca de Floresta, especificamente na Serra Negra. Em
1894 diante dos ataques os moradores organizaram uma grande expedição
para combater os índios. Foi um combate duro, os índios ofereceram
“notável resistência, lutando com bacamartes, arcos e flechas”. Depois desse
confronto não há mais notícias de ataques às fazendas. (ROSA, 1998, p.41).
Mas os conflitos com as invasões dos fazendeiros continuaram. Na
memória oral dos índios do Brejo dos Padres/Tacaratu, encontramos relatos
que nas primeiras décadas da República, seus antepassados procuraram Pe.
Alfredo Damaso, vigário em Bom Conselho e “protetor” dos índios de Águas
Belas, pedindo ajuda para intermediar junto ao Estado os seus direitos. Com
o apoio do religioso, índios fizeram várias viagens a pé ao Rio de Janeiro e ao
Recife para falar com as autoridades governamentais.
Os índios conquistaram o reconhecimento oficial com a instalação em
1937 de um Posto do SPI no Brejo dos Padres. Iniciou-se um processo de
mobilização e pressão junto ao Estado para demarcação definitiva das terras
reivindicada pelos indígenas, sendo uma parte delas demarcada em fins da
década de 1990 e a outra parte encontra-se no final do processo
demarcatório.
Uma história indígena em suas (des) continuidades

No século XIX, acentuadamente após a Lei de Terras de 1850, as


câmaras municipais insistentemente solicitaram aos poderes públicos as
terras dos antigos aldeamentos para patrimônio dos municípios, alegando a
necessidade de expansão destes. Os vereadores legislavam em causa
própria, uma vez que sendo a maioria deles invasores nas terras indígenas,
com a medição e demarcação das terras dos aldeamentos, tiveram suas
posses legitimadas. Assim, a partir de 1870 vários aldeamentos foram
oficialmente declarados extintos em Pernambuco e no Nordeste, favorecendo
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

os tradicionais esbulhos, legitimando-se os antigos invasores das terras


indígenas, como comprova a documentação que tratam sobre os índios nesse
período.
Os atuais povos indígenas lembram em suas tradições orais que com
as invasões sistemáticas de suas terras e decretação das extinções dos
aldeamentos, ocorreram casos de umas poucas famílias que permaneceram
em seus antigos locais de moradia. Recordam ainda de parentes que
migraram para terras de outros aldeamentos, também oficialmente
declarados extintos. Muitas famílias indígenas engrossaram o grande
contingente de mão-de-obra espalhado pelas regiões vizinhas às aldeias, ora
trabalhando nas fazendas, como moradores, agregados, sem terras, ora
migrando para trabalharem no cultivo sazonal da cana-de-açúcar na Zona
da Mata. Ora vagando pelas estradas, sem-terras e sem-tetos vieram ocupar
as periferias dos centros urbanos.
O Relatório sobre os aldeamentos de índios na Província de Pernambuco
apresentado em 1873 por uma comissão nomeada pelo Presidente da
Província, quando ao tratou dos “Costumes dos índios” afirmava: “são
preguiçosos e inclinados ao furto”. E sobre a situação dos indígenas:
Esbulhados em seus direitos, vendo usurpadas as suas
terras, os índios de muitas aldeias se tem lançado em
verdadeiro desespero, procurando o caminho do crime.
Existe um considerável número de índios, processados
por crimes de morte e que vivem foragidos. Também
circulam pelas fazendas bandos de índios que roubam e
matam o gado. (MELLO, 1975, p.349).

Uma leitura minuciosa e nas entrelinhas da documentação sobre os


aldeamentos torna bastante questionável as informações encontradas nesse
Relatório, uma vez que não foram levados em conta os processos de conflitos,
esbulhos, violências, mas também de resistências, as experiências dos índios
vivenciadas em cada um dos aldeamentos. Prevalecia do ponto de vista
oficial o preconceito e a negação das populações indígenas.

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Não foi sem razão, portanto, que partir do último quartel do século XIX
ocorreu um silêncio oficial sobre os povos indígenas no Nordeste. Esse
silêncio estava baseado na idéia de assimilação dos índios, “confundidos
com a massa da população”, como enfatizavam as autoridades, o que
influenciou as reflexões históricas posteriores e os primeiros estudos
antropológicos regionais que afirmavam o desaparecimento dos indígenas no
processo de miscigenação racial, integração cultural e dispersão no conjunto
da população regional. (PORTO ALEGRE, 1992/1993; SILVA, 1996).
Por meio da memória oral de vários povos é facilmente constatável que
famílias indígenas conseguiram resistir às pressões nos seus antigos locais
de moradia, em “sítios” mais afastados e de difícil acesso. E na dinâmica dos
vínculos estabelecidos com outros grupos de marginalizados pelo sistema
social vigente e das relações culturais na sociedade onde estavam inseridas,
essas famílias reelaboraram a identidade étnica afirmada pelos atuais povos
indígenas em Pernambuco e no Nordeste. (SILVA, 2000).
Classificados como remanescentes de índios, oficialmente chamados de
caboclos, a eles foram dedicados estudos de seus hábitos e costumes
considerados exóticos, suas danças e manifestações folclóricas em vias de
extinção, como também apareceram em publicações, crônicas de
memorialistas, que exaltaram de forma idílica a contribuição indígena nas
origens e formação social de municípios do interior. Apesar de conhecidos
como caboclos também no senso comum da sociedade, e nos lugares onde
existiram antigos aldeamentos e, terem essa caboclização justificada em
diversos estudos regionais, o caboclo permaneceu índio, questionando as
visões preconceituosas, as teorias explicativas do desaparecimento indígena.
Assim, vários povos indígenas no Nordeste, invisíveis desde fins do
século XIX, teceram uma história de resistência étnica afirmada nas
primeiras décadas do século XX, em razão das pressões que recebiam com o
avanço do latifúndio sobre as suas pequenas propriedades, sítios e glebas de
terras onde permaneceram resistindo, se mobilizaram para exigirem seus
direitos históricos negados. (SILVA, 1995).
Esse fenômeno chamado de “emergência étnica” que vem ocorrendo
nas áreas mais antigas da colonização a exemplo do Nordeste foi também

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chamado pela atual reflexão antropológica de etnogênese: o processo de


emergência histórica de um povo que se auto-define em relação a uma
herança sociocultural, a partir da reelaboração de símbolos e reinvenção de
tradições culturais, muitas das quais apropriadas da colonização e relidas
pelo horizonte indígena (OLIVEIRA, 2004).
Os povos indígenas em Pernambuco, no Nordeste, vivenciaram dois
processos de territorialização em situações muito diversas. Na primeira, com
as missões religiosas, desde o século XVII até o início do século XVIII,
quando contingentes de diferentes grupos nativos foram aldeados e
catequizados, de que resultaram os atuais etnônimos dos povos indígenas no
Nordeste. Nos aldeamentos, como parte da política assimilacionista e
homogeneizadora, ocorreu uma primeira mistura.
Para atender os interesses expansionistas coloniais, foi incorporada a
mão-de-obra indígena e posteriormente incentivados legalmente os
casamentos mistos e o estabelecimento de portugueses em terras dos
aldeamentos, provocando uma segunda mistura. As missões foram elevadas
à categoria de vilas de índios. Com a Lei de Terras de 1850, regulatória de
propriedades rurais, foram legitimadas as invasões em terras de antigos
aldeamentos, declarados extintos em fins do século XIX. Suas terras,
quando não passaram para as mãos de terceiros, foram incorporadas aos
patrimônios das câmaras municipais. No ato da medição e demarcação, a
umas poucas famílias indígenas foram destinados pequenos lotes, outras
famílias se dispersaram, ocorrendo uma terceira mistura, relembrada nos
relatos das memórias orais indígenas.
Em um segundo momento, um processo de territorialização se iniciou
a partir dos anos 1920, quando um posto do SPI foi instalado entre os Fulni-
ô, em Águas Belas, depois da mediação de Pe. Alfredo Dâmaso junto às
autoridades federais, no Rio de Janeiro. A partir do reconhecimento oficial
desse grupo indígena no Nordeste, foi provocada uma articulação e
mobilização dos índios, para a instalação, ao longo das décadas seguintes,
de postos do SPI entre outros grupos indígenas, sendo o último instalado em
1954, entre os Xukuru, na Serra do Ororubá (Pesqueira/PE). A instalação
dos postos criou vínculos de uma tutela paternalista, chegando a estabelecer

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

os critérios que determinavam a identidade indígena, bem como os papéis do


cacique, pajé e conselheiro da organização política. (OLIVEIRA, 2004, p.25-
27).
Os povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste, portanto,
vivenciaram esse processo de territorialização, mas que não deve ser
entendido como homogeneizador e que tinha ocorrido com a passividade
indígena, pois “Cada grupo étnico repensa a ‘mistura’ e afirma-se como uma
coletividade precisamente quando dela se apropria segundo os interesses e
crenças priorizados” (OLIVEIRA, 2004, p.28).
As pesquisas e reflexões históricas que ora vem sendo realizadas sobre
os povos indígenas no Nordeste, a partir de abordagens que incorporam as
discussões interdisciplinares mais recentes, além de possibilitarem rever
uma história linear, ufanista, como uma grande conquista, está
contribuindo para um maior conhecimento das relações coloniais onde os
indígenas foram atores/sujeitos. Contribuindo também para compreensão
do processo histórico de emergência étnica na Região e da atualidade dos
povos indígenas no Nordeste.
Embora se faça necessário evitar o “vicio do presentismo”, ou seja,
supor que os atuais indígenas no Nordeste sempre existiram, ao nos
referirmos aos acontecimentos e imagens do passado com os nossos olhos. E
para não pensarmos de forma simplista que os atuais povos indígenas
sempre estiveram onde hoje estão é que precisamos “resgatar a plena
historicidade dos sujeitos históricos” concretos em cada contexto e situação
política. (OLIVEIRA, 1999, p.105-106).
Para isso também são necessárias à realização de novas pesquisas em
antigos e novos documentos, as (re) leituras das fontes questionando as
visões fatalistas que advogaram o fim dos índios, “confundidos com a massa
da população”, como afirmavam as autoridades no século XIX para legitimar
a extinção dos aldeamentos e os esbulhos de suas terras (SILVA, 1996), ou
visões deterministas que afirmaram a tragédia histórica indígena com “a
perpetuação da conquista: a destruição das aldeias indígenas em
Pernambuco no século XIX”. (VALLE, 1992)

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As pesquisas nos acervos documentais juntamente com reflexões


ancoradas nas novas abordagens estão contribuindo para melhor
compreendermos os atuais povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste.
Entendermos as relações da nossa sociedade do presente e do passado com
os indígenas, para pensarmos um país que se reconheça, respeite a riqueza
da diversidade e das diferenças expressas pelos povos indígenas.
Por essa razão, em novas abordagens, “Importa recuperar o sujeito
histórico que agia [age] de acordo com a sua leitura do mundo ao seu redor,
leitura esta informada tanto pelos códigos culturais da sua sociedade como
pela percepção e interpretação dos eventos que se desenrolavam”.
(MONTEIRO, 1999, p.248). É a partir dessa perspectiva que procuramos ler
as fontes que tratam sobre os índios no Sertão pernambucano disponíveis no
Arquivo Público Estadual.

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Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1992/1993 p. 213-225.
ROSA, Hildo Leal da. A Serra Negra: refúgio dos últimos “bárbaros” do
Sertão pernambucano. Recife: UFPE, 1998. (Monografia de Bacharelado em
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VALLE, Sarah M. A perpetuação da conquista: a destruição das aldeias
indígenas em Pernambuco no século XIX. Recife: UFPE, 1992.
(Dissertação de Mestrado em História).

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 155


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES E


PERSPECTIVAS DO FAZER PEDAGÓGICO NO ENSINO DE
HISTÓRIA

Silvano Fidelis de Lira1

Resumo: o ensino de História é um ambiente de aprendizagem que utiliza de


variadas formas de materiais didáticos para o seu fazer-se, junto a isto se
somam novos personagens, novas abordagens e novas fontes e nesta
perspectiva, a utilização das Histórias em Quadrinho (HQ). Este trabalho
busca fazer reflexões, diagnosticar problemas e propor algumas questões
quanto ao uso de HQ e sua utilização no ensino de História. A metodologia
empregada busca investigar em escolas públicas se existe a utilização das
HQ e a sua receptividade em meio aos professores e alunos. É preciso,
contudo perceber quais as barreiras encontradas para a sua utilização como
material pedagógico, a partir disso objetiva-se traçar possibilidades para a
utilização das HQ nas aulas de História, propondo possibilidades para a sua
abordagem como linguagem acadêmica.

Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Ensino de História.

A prática de ensino e suas múltiplas formas se manifestam por


excelência no ambiente da sala de aula, e isso tem despertado

1
Aluno do terceiro ano do curso de História da Universidade Estadual da Paraiba. E-mail:
[email protected]

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 156


questionamentos quanto ao fazer pedagógico entre os profissionais da
educação. Questiona-se como podemos atrair a atenção de nossos alunos e
ao mesmo tempo despertar neles o gosto e o prazer em estudar história, em
entender que o estudo dos homens no tempo pode ser algo que proporcione
riso, alegria e ludicidade.
Dentre as mais diversas formas de tornar as aulas de história mais
ricas os professores vêm lançando mão de alternativas para inovarem as
suas aulas, entre essas metodologias, podemos destacar, por exemplo, o uso
do cinema na sala de aula, amplamente utilizadas, porém usada de forma
errada, é o que acontece na maior parte dos casos, o material de apoio que o
professor se propõe em usar não pode ser uma alternativa ilustrativa do
conteúdo. Dependendo da forma com que estes são utilizados podem se
tornar barreiras ao invés de serem agradáveis possibilidades de uma melhor
aprendizagem no ensino de história.
É bem verdade que de alguns anos para cá os pesquisadores em
história vem se debruçando sobre uma quantidade de fontes que deixam de
serem objetos secundários e passam a integrar de forma substancial a
pesquisa escolar e acadêmica. Trabalhos surgem com o intuito de socializar
os conhecimentos que lançam novas luzes sobre as novas maneiras de se
ensinar história, os professores e alunos começam a perceber que o diálogo
entre as fontes documentais pode contribuir para uma diversificação do
conhecimento para que este se torne atrativo, encantador e eficaz. Neste
sentido é preciso pensar novas formas de se ensinar história;

O grande desafio que se apresenta neste novo milênio é


adequar nosso olhar às exigências do mundo real sem
sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar
empolgando corações e mentes. É preciso, nesse
momento, mostrar que é possível desenvolver uma
prática de ensino de História adequada aos novos tempos
(e alunos): rica de conteúdo, socialmente responsável e
sem ingenuidade ou nostalgia. (PINSKY e PINSKY, 2005,
p, 19)

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 157


O professor que se propõe a está à frente de uma sala de aula sabe
quais são os desafios que pode encontrar daí em diante, as salas estão cada
vez mais cheias, e por se encontrarem assim, estão formadas por uma maior
variedade de pessoas, cada uma com uma cultura diferente. A escola é o
lugar do encontro e também o lugar do desencontro, do conflito, nela se
manifesta aquilo que tantas vezes negligenciamos; a diferença. Essas tribos,
esses grupos trazem em si uma identificação, uma identidade, por isso é
preciso que professor – no nosso caso especifico, o professor de história –
além de ser um homem das letras, e dos livros, seja também um homem do
rip rop, do mangá, dos quadrinhos, do cordel, etc., isso implica em dizer que
o professor deve está integrado ao lugar social de seus alunos, sendo dessa
forma em parte uma pessoa que busque interagir com o meio em que se
insere.
Determinados professores perpetuam a prática de utilizar a linguagem
dos quadrinhos para alguns exercícios básicos, porém corriqueiros e de
forma sem nenhuma criação criativa. Alguns fazem fotocópias de uma
página de Histórias em Quadrinhos com os textos eliminados. Apenas os
desenhos, como forma ilustrativa. Na sala pedem para os alunos
completarem os balões de fala como um exercício de criação e
desenvolvimento de texto. Esse exercício ajuda a passar a estrutura de
início, meio e fim de uma história para uma boa redação. Os professores
estão certos nessa criação espontânea e empírica. Mas esta ferramenta pode
render mais. Muito mais.
O uso das chamadas novas metodologias de ensino tem mobilizado
todo um debate em torno das propostas escolares e curriculares. Discute-se
a sua utilização e a sua implantação em pequena ou larga escala, questiona-
se quais metodologias utilizar, e em até que ponto elas podem substituir os
tradicionais métodos educativos que ainda perduram no sistema escolar.
Será que as novas metodologias podem ajudar a dinamizar o ensino e tornar
as aulas mais atraentes? Será que os usos de novas linguagens têm algo a
contribuir com o nosso sistema de ensino? Será que elas podem substituir o

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 158


livro didático? São perguntas que os educadores fazem sempre que pensam
em como melhorar as suas metodologias, perguntas que povoam a mente
das pessoas que se preocupam com os rumos que a educação vem tomando
na sociedade contemporânea. Perguntas que movem as subjetividades não
só dos grandes teóricos da educação, mas das pessoas que se propõem em
pensar a educação com aquilo que tanto nos falta; sensibilidade pedagógica,
a essência da vida do educador.
A realidade da sala de aula hoje não é mais a realidade de uma escola
que tem a missão de ser depositária do conhecimento, ela é antes de tudo
uma mediadora do saber. A escola dialoga com o mundo do seu aluno,
estabelece pontes e derruba os muros do preconceito, da intolerância e do
egocentrismo, por isso mesmo seu papel é de dialogar. Dialogar inclusive no
sentido de deixar-se ser questionada sobre a sua postura mediante às
transformações culturais que o mundo está passando.
Dentro do leque que se abre na educação e que recebeu o nome de
novas linguagens temos as histórias em quadrinhos – daqui pra frente (HQ) –
uma forma lúdica de se ensinar história. De acordo com Vergueiro (2004) o
Brasil é o país pioneiro em estudos do gênero, país em que os estudos sobre
HQ vêm tendo um crescimento considerável e uma produção bibliográfica
bastante expressiva. De acordo com o autor foi na Universidade de Brasília
(UNB) que foi criada a primeira disciplina de história em quadrinhos,
inserida no currículo de um curso de graduação. A partir da criação da
disciplina especifica sobre os quadrinhos na UNB foram criados outros
cursos em universidades de todo o Brasil.
Primeiramente, as disciplinas eram ofertadas em sua maioria nos
cursos de letras e artes, só então começaram a despertar o interesse de
pesquisadores de outras áreas como a história e a sociologia, por exemplo.
Pensar as HQ como possibilidade no fazer pedagógico das aulas de
história é propor-se a pensar um produto cultural e sua inserção dentro do
mundo complexo da sala de aula. Isso nos leva a entender tala atitude do
profissional como uma perspectiva de ensino, tendo em vistas que o

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 159


professor atuante tem uma quantidade de material didático em suas mãos
que na grande maioria das vezes não funcionam, ou se funcionam não
fornecem os resultados desejados. O funcionar ou não funcionar de um
material pedagógico está ligado a uma série de fatores que muitas vezes
escapam do controle do professor, é preciso estar atento para as realidades
múltiplas da educação, em momento algum teremos uma homogeneidade
quando nos referimos à educação.
Os quadrinhos entram em nossa discussão como um dos vários
recursos pedagógicos que podem ser utilizados no contexto da educação, em
suas mais variadas modalidades. Eles não só ilustram conteúdos, mas
devem ser tomados como o próprio conteúdo da disciplina. Segundo Vilela
(2007);

Devemos entendê-lo apenas como mais um recurso


pedagógico que, se empregado, pode trazer bons
resultados. O potencial pedagógico das histórias em
quadrinhos é enorme. Mas, assim como o cinema e a
literatura ficcional, os quadrinhos são muitas vezes vistos
pelo professor de História apenas como suporte de um
conteúdo. Eles podem ser mais do que isso. (p, 106)

No intuito de serem inseridos no contexto da sala de aula, os


quadrinhos podem ser utilizados na educação como instrumento para a
prática educativa, porque podemos encontrar elementos em sua forma que
poderiam ser bastante úteis como meio de alfabetização e leitura saudável.
Sem falar na presença de técnicas artísticas como enquadramento, é preciso
pensar também que o os quadrinhos são uma forma de texto duplo, eles
unem harmonicamente o texto imagético e o texto escrito, nesse sentido, ao
lê-los os alunos estariam também se alfabetizando visualmente. As HQ são
um conjunto de técnicas que tanto podem ajudar a melhorar a leitura do
texto em si como a leitura das imagens, imagens que dialogam numa
sequência de símbolos e signos, formando um conjunto harmônico de
enunciados que envolvem o leitor;

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 160


A fusão de símbolos, imagens e balões faz o enunciado
[...]. Os balões, outro dispositivo de contenção usado para
encerrar a representação da fala e do som, também são
úteis no delineamento do tempo. Os outros fenômenos
naturais [...] representados por signos reconhecíveis,
tornam-se parte do vocabulário usado para expressar o
tempo. Eles são indispensáveis ao contador de histórias,
principalmente quando ele está procurando envolver o
leitor. (EISNER, 1989, p. 28)

Os quadrinhos têm uma dinâmica em sua composição, a sequência de


cenas leva o leitor a analisar a cena de acordo com a leitura do texto escrito,
numa forma de integrar de forma dinâmica o texto e a imagem, numa
sincronia que permite a visualização de um todo da história. As imagens
neste contexto não devem ser tomadas como ilustrações ou animações, elas
são também um texto a ser lido, a ser interpretado e, sobretudo, a ser
problematizado pelos alunos.
Ao pensarmos a HQ como uma possibilidade de se trabalhar a leitura
nas aulas de história podemos, por exemplo, começar a trabalhar com as
tiras que contenham mais imagens que textos escritos, fazendo com que o
aluno comece a descobrir a possível leitura da imagem associada ao
conteúdo escrito. Assim o aluno tem a possibilidade de estimular a
imaginação das cenas e das falas dos personagens da história. O aluno deve
ser um ser criativo, produtor de interpretações diferentes das consagradas
pela historiografia tradicional.
Na medida em que o aluno passa a dialogar com a imagem e sua
composição temos, um novo momento da educação, o desenvolvimento da
autonomia do aluno frente ao conhecimento que lhe é proposto. Então,
temos uma nova forma de abordar o conhecimento em história, e assim
promover um conhecimento que toma como pressuposto o aluno, sem
contudo excluir os cânones tradicionais do sistema educativo.
É possível a partir das HQ estabelecer uma relação frutífera com a
imagem e o texto, tendo como objetivo as interpretações que os alunos
podem produzir de acordo com suas análises.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 161


Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível”
L&PM Pocket, 2010

A imagem acima é um exemplo claro daquilo que colocamos


anteriormente, ela fala muito mais do que as poucas linhas presentes no
quadrinho, a construção que produz “deve ser acessível ao público infantil
ou juvenil” (BITTENCOURT, 2009). O ensino de história é um dos grandes
desafios, sobretudo quando se fala nos índices de leituras de nossos alunos,
eles simplesmente consideram os conteúdos enfadonhos e se mostram
desinteressados frente as leituras exigidas para o bom desempenho da
disciplina.
Levar ao aluno possibilidades de leitura é uma das maiores
necessidades da educação básica dos dias atuais, ler é abrir as janelas do
mundo para si mesmo, é se projetar nas aventuras do conhecimento.
Dentre as inúmeras histórias que existem na forma de quadrinhos,
elencamos uma muito difundida no Brasil e bastante conhecida entre o
público Infanto juvenil, Hagar, o Horrível – que inclusive já tomou forma de
desenho animado – um personagem viking que vive com sua família e seu
fiel amigo. Hagar vive aventuras típicas da idade medieval, porém vive
momentos característicos das sociedades contemporâneas. As primeiras
tiras de Hagar, o Horrível, foram publicadas em 1973, alcançando mais de 1.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 162


500 jornais em todo o mundo, produzidas pelo cartunista norte-americano
Dik Browne (1917-1989).

Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível”


L&PM Pocket, 2010

No quadrinho acima, Hagar mostra ao dono da taverna o seu cotidiano


e através dele expõe a sua identidade viking, seu cotidiano é de navegações
tempestuosas, batalhas sangrentas, e fazer prisioneiros em pedacinhos,
estereótipos típicos do homem medieval.
Hagar é aquilo que poderíamos caracterizar como um herói atípico, por
ser um viking, vivendo no medievo, deveria ter atitudes completamente
diferentes das presentes as tiras. Hagar quer vida mansa, quer curtir a sua
vida e estar o tempo todo ao lado de sua família – também atípica para os
padrões comportamentais da história – ele nos diverte, mas também nos
ensina a rir de nós mesmos, bons sujeitos em um mundo ruim;
[...] Hagar é um saqueador [...] que se satisfaz com muito
menos lucro do que qualquer aventureiro da história da
pilhagem. Ele sofre as adversidades do mundo mais com
resignação do que com fúria. Nunca destinado a ser um
tirano conquistador. Hagar fica mais feliz com uma
garrafa de cerveja medieval do que com a
responsabilidade de um reino. [...] Ele é um incrivelmente
bem sucedido em nos fazer rir dos nossos fracassos. É

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 163


um bom sujeito num mundo ruim. (BROWNE, 2007, p.
16).

O mundo de Hagar é composto por personagens peculiares. Sua


esposa, Helga, é uma dona de casa, mandona e que tem Hagar sobre suas
ordens e desordens, ela de certa forma põe ordem em casa, dedicada, cuida
de sua filha que sonha em encontrar um príncipe encantado e se casar, seu
irmãozinho não quer ser sucessor do pai, sendo um horrível viking, seu
desejo é estudar, ler poesia, ao contrário do que seu pai sempre havia
desejado. Tudo é uma sátira da Noruega medieval.

Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível”


L&PM Pocket, 2010

Será que as culturas ou os costumes de um povo podem ditar as


regras sociais de um povo? A imagem protagonizada pelo filho de Hagar, o
garoto Hamlet, pode nos ajudar a fazer algumas reflexões sobre esta
indagação. No texto – escrito e imagético – o garoto fala e expressa que quer
fugir dos padrões a que estaria sujeito, e entra na “crise de inicio de vida”. A
cultura aí aparece nas entrelinhas, há um confronto explícito e um diálogo
geracional em torno da condição atual do pai e do futuro esperado do filho.
O quadrinho acima pode ser utilizado na sala de aula com o intuito de
levar os alunos a repensarem suas posições enquanto seres sociais.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 164


Posicionar-se diante das realidades é uma questão difícil, talvez o lúdico,
pode ser uma ferramenta a favor do professor e do aluno na sala de aula, no
sentindo de levar para as aulas de história uma atividade reflexiva da
realidade.
Ao se ler as tiras de Hagar, podemos encontrar muitas questões que
podem ser apropriadas pelos historiadores e desenvolvidas na sala de aula,
formando uma discussão em torno da história e da linguagem dos
quadrinhos.
Enfim, a atividade reflexiva do professor de história deve está atenta a
realidade na qual seus alunos estão inseridos. Trazer as HQ para a sala de
aula, mais que dinamizar o aprendizado por produzir novas formas de
aprendizado, tanto no que se refere a práticas de leitura como também
educação para uma análise da fusão entre texto e imagens. Especificamente
no caso de Hagar, o Horrível, o professor de história pode trabalhar junto
com seus alunos determinados conceitos como, anacronismo,
civilização/barbárie, cultura, temporalidade, sujeitos históricos, entre
outros. Ensinar história é se aventurar numa trajetória de possibilidades.
Porque não embarcar junto com o viking Hagar e seus amigos em
busca de novas aventuras do conhecimento histórico? Trata-se de uma
aventura em todos os sentidos, é buscar em uma literatura de circulação em
massa uma forma de trabalhar na escola, levando aos alunos essa
possibilidade de aprendizado. As HQ além de serem de leitura prazerosa, são
acessíveis a todos, podem ser encontradas inseridas, desde em jornais de
circulação nacional até nos livros didáticos. Temos, pois, o material na mão!
É só exercer a criatividade pedagógica que possuímos.
Espero que a partir de então possamos inserir as Histórias em
Quadrinhos em nossas aulas, não como um mero objeto de ilustração e sim
como um contéudo pedagógico a ser explorado.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 165


Referência Bibliográfica

BROWNE, Dik. O melhor de Hagar, o Horrível – vol. 4. – Porto Alegre:


L&PM, 2007.

____________. O melhor de Hagar, o Horrível – vol. 5. – Porto Alegre: L&PM,


2010.

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In; _____ (org.)
O Saber histórico na sala de aula. 11 ed., 3ª reimpressão. – São Paulo:
Contexto, 2009. – (Repensando o ensino).

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes,


1989.

PINSNKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e


consequente. In; KARNAL, Leandro (org.) História a sala de aula: conceitos
e propostas. 3ª ed. – São Paulo: Contexto, 2005.

VERGUEIRO, Waldomiro (Org.). Como usar as histórias em quadrinhos em


sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de história. In; BARBOSA, Alexandre.


Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3ª ed., 1ª
reimpressão – São Paulo: Contexto, 2007. – (Coleção Como usar na sala de aula).

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 166


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

ENTRE MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO: PELO FIM DE UMA


LONGA MÁ-CONSCIÊNCIA.

Ulisses do Valle1

Resumo: É notória a discussão que se empreende nos meios


acadêmicos a respeito da complexa relação entre história e memória. É
também comum se observar que nessa discussão a memória,
freqüentemente associada à imaginação, funciona por isso como um
índice de indeterminação do que viria a ser uma ciência da história.
Nessa medida, este artigo procura esclarecer alguns pontos no que toca
ao papel que memória e imaginação exercem na formulação de juízos
causais em história. Para tal, o comentário paradigmático de Paul
Ricoeur no que toca à relação entre Memória e Imaginação, serve como
pretexto a uma resposta procurada à luz de algumas posições afins de
Max Weber e Edmund Husserl tomadas de um modo conjugado. Ver-se-
á que a relação entre memória e imaginação, situada no âmbito da
constituição de um juízo causal em história, influi diretamente na
relação entre a evidência e a validade de uma proposição historiográfica,
o que não significa indeterminá-la de antemão, mas sim declarar seu
estatuto de juízo de possibilidade.

Palavras-chave: evidência, imaginação, possibilidade.

Abstract: It is notable that the discussion is undertaken in academic


circles about the complex relationship between history and memory. It
is also common to observe that the memory in this discussion is often

1
Ulisses do Valle – professor de História Moderna e Teoria da História da Universidade Federal do
Tocantins, Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás e doutorando pela mesma
universidade.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 167
associated with imagination, so it works as an index of indetermination
of what would be a science of history. As such, this article, seeks to
clarify some points regarding the role that memory and imagination
play in the formulation of causal judgments in history. To this goal, the
commentary of Paul Ricoeur's paradigm regarding the relationship
between memory and imagination, serves as a pretext for a reply sought
in the light of some positions like Max Weber and Edmund Husserl
taken in a conjugate mode. Will see that the relationship between
imagination and memory, located in the establishment of causal
judgments in history, directly influences the relationship between
evidence and validity of a historical proposition: and this does not mean
indeterminate it beforehand, but yes declare its status as a judgment of
possibility.
Key-words: evidence, imagination, possibility.

Como se sabe, o conceito de causalidade figura na história das


idéias como algo central à filosofia e como eixo de toda a teoria do
conhecimento. Relativamente recente na história do pensamento é a
introdução formal do conceito de causalidade na investigação de
fenômenos não-naturais ou, propriamente dizendo, históricos. Esse
passo, na verdade, confirmou seu trajeto no século XIX; mas, ainda
assim, não é um “ato acabado”; não temos ainda garantia alguma que
ele não se transformará em um tropeço.

O domínio da causalidade, tal como expresso pelos cientistas


sociais e historiadores, é ainda algo amorfo e sem princípios definidos.
Desde que o impulso inicial fora dado, quando se trata de
acontecimentos referentes ao âmbito social, histórico, cultural,
humano, isto é, quando direta ou indiretamente se aplica o conceito de
causalidade histórica, não se tem por certo um “acordo” consensual do
que, neste caso, significa “ser causado”. Nos diferentes e vários
trabalhos de história que possamos acompanhar, inclusive aqueles de
maior amplitude e reconhecimento, apresentam em sua trama

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 168


específica cada qual uma idéia distinta do que, em termos de uma
disciplina da história, deveria significar “ser causado”.

Este artigo foi escrito levando-se em consideração o


estabelecimento de conexões causais em história como um problema,
problema este que aparece (ou se esconde) no interior das proposições
historiográficas e dos juízos causais-históricos nelas contidos. Partindo
de uma questão levantada por Paul Ricoeur em seu livro “A História, A
Memória, O Esquecimento”, em que ele atesta, quanto à relação entre
Memória e Imaginação, os aspectos comuns a ambas (o enigma da
presença do ausente) bem como suas dessemelhanças (duas
intencionalidades distintas), questiona-se sobre as funções
desempenhadas pela memória e pela imaginação na constituição dos
juízos causais em história, isto é, do estabelecimento de conexões
causais entre um evento e outro expresso nas proposições
historiográficas. Tal questão, então, será desenvolvida à luz de Max
Weber e daquilo que havia de acordo entre ele e Edmund Husserl
quanto à natureza dos juízos de possibilidade, típicos da disciplina
histórica aos olhos de Weber.

I – Evidência, Imaginação, Possibilidade.

Ricoeur se propõe a fazer uma fenomenologia da memória: apóia-


se, por isso, na teoria de Husserl sobre noese e noema. Por muito
tempo, diz Ricoeur, a filosofia deu atenção apenas ao lado egológico
(noético) do problema da memória: Ricoeur explica que essa propensão
da tradição filosófica em cuidar da questão “de quem?” é a memória
talvez se deva em razão da prevalência da forma pronominal que
designa o ato mnemônico: certo é que, na opinião de Ricoeur, ela deve
ser encaminhada posteriormente à questão do “o que/de que se
lembra”, isto é, o lado noemático. Ricoeur assim procede para evitar o
desgaste da dúbia opção entre um eu ou um coletivo como o lócus da
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 169
recordação, como o seu “quem?”. Começando pelo aspecto noemático,
entretanto, Ricoeur se viu numa outra aporia: “a presença, na qual
parece consistir a representação do passado, aparenta ser mesmo a de
uma imagem” (RICOEUR, 2001: p. 25). Ricoeur, assim, acentua o
problema comum que aproxima a memória da imaginação: o problema
da presença do ausente. Pelo fato da recordação recorrer à imaginação e
da lembrança fazer-se sempre uma imagem, a memória desde sempre
teve um estatuto de fidelidade débil com relação à coisa lembrada, que
fora outrora originalmente percebida.

Por isso, entende-se facilmente a ironia com que geralmente se


recebe aqueles que querem fazer da memória uma categoria científica
da história: segundo os “irônicos”, pois, a memória enquanto instância
de retificação do objeto passado está aquém das exigências e dos rigores
científicos. Produtiva ou improdutivamente, muitos historiadores
parecem ter levado a sério os irônicos. Tais historiadores caminham
para uma desvalorização da memória que, situada à esteira da
imaginação, apresenta-se como um modo de conhecimento tão débil
quanto o dela: esses historiadores, assim, buscam seus argumentos
numa dissociação entre memória e imaginação cuja ideia diretriz seria a
diferença entre duas intencionalidades: “uma, a da imaginação, voltada
para o fantástico, a ficção, o irreal, o possível, o utópico; a outra, a da
memória, voltada para a realidade anterior, a anterioridade que
constitui a marca temporal por excelência a ‘coisa lembrada’, do
‘lembrado’ como tal.” (RICOEUR, 2007: p. 26)

Desvaloriza-se a memória, então, à custa de uma crítica da


imaginação; e o único motivo para fazê-lo é que se tome por certa essa
crítica: que continuemos a julgar que a imaginação é mesmo um tipo
débil de conhecimento, um conhecimento que é afetivo, por estar mais
ligado à Erística, à arte fantástica, ao simulacro, do que à mimeses, à
Arte eicástica, que exporia a dimensão “veritativa” do discurso: esse tipo
de desvalorização da memória apontado por Ricoeur exige que
continuemos a ser platônicos ao ponto de considerar a realidade ou

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 170


mesmo o discurso do ponto de vista de sua falsidade ou de sua
veracidade. Mas não; falsidade e veracidade são termos cujos conteúdos
sofreram importantes tergiversações semânticas - sobretudo quando o
âmbito que lhes dão sentido é o epistemológico. Verdade ou falsidade:
uma oposição que se desvaneceu numa fluída gradação e o papel que
antes preenchiam no modelo de inquirição científica foram ocupados
por termos como evidência e validade. A virada do XIX para o XX
desempenhou uma tarefa importante nesse processo: pensadores como
Nietzsche não puderam ser ignorados e, desde então, “a falsidade de um
juízo não constitui uma objeção contra ele” e o receio frente à
imaginação passa mais como uma espécie de má-consciência do que
por uma “prudência” epistemológica.

Neste contexto de idéias, pode-se inserir Max Weber. Os maiores


críticos que sua obra encontrou são desse tipo platônico: severos e
impiedosos com aqueles que ousam fazer da falsidade, da irrealidade,
no “não-ser”, um instrumento de investigação epistemológica. Se
subtrairmos os coloridos sentimentais, as críticas que Weber recebeu ao
tornar o “possível” uma categoria epistemológica da ciência histórica, se
apóiam todas nessa longínqua tradição platônica, comentada por
Ricoeur, em que a imaginação é vilipendiada como um modo de
conhecimento falso, afetivo, passional. De agora em diante, pois,
procedermos a uma justificação do uso de juízos de possibilidade no
âmbito metodológico das ciências históricas. Para tal, nos apoiaremos
em Weber.

No âmbito científico, a relação entre evidência e validade ganha


particular importância no que toca à relação entre conceito e realidade
empírica. Todo esse complexo problema que estende a memória e a
imaginação num pólo de suspeita já estava pré-figurado na época que o
próprio Weber escrevia. Por estarem conjugadas ao problema da relação
entre conceito e realidade, essas questões estavam sob as vestes de
outro vocabulário, certamente menos preciso que o atual, mas que a
despeito disso já indicava o enfrentamento direto destes problemas. O

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 171


exemplo que daremos, nessa medida, retoma as refutações que Weber
apresentou às críticas que Croce dirigiu às pretensões científicas da
História. Essas refutações abrem espaço para o uso da imaginação na
inquirição histórica e livra, assim, a ciência histórica da má-consciência
de ter a memória como fonte de retificação última. Vejamos:

Croce se refere à impossibilidade de dar à história um tratamento


lógico, isto é, de submetê-la a uma análise causal. A justificação que
Croce dá a tal proposição é classificada por Weber como um
psicologismo “apresentado de um modo inteligente”:

“coisas são intuições”, afirma laconicamente Croce, e


“conceitos”, diferentemente, referem-se a relações
entre as coisas. Portanto, o conceito é, por essência
e definição, de natureza geral e abstrata. Ele já não é
mais “intuição”, [...], pois ele é uma elaboração das
intuições. A conseqüência do caráter
necessariamente abstrato dos conceitos consiste no
fato de as “coisas” que são sempre individuais não
poderem ser apreendidas pelos conceitos, mas só
poderem ser objetos de um processo de “intuição”:
portanto, o conhecimento das coisas só é possível de
“maneira artística”. Um conceito sobre algo
individual é uma contradictio in adjecto, já que a
ciência histórica visa conhecer o individual na sua
individualidade, é exatamente por isso que ela é uma
“arte”, ou seja, uma “junção de intuições”. Nenhuma
análise conceitual pode dar uma resposta à questão
quanto a determinado fato de nossa vida realmente
ter ou não acontecido, o que é típico do interesse
histórico; por isso, a história seria uma “reprodução
de intuições”: “história é memória, e os juízos que
formam o seu conteúdo não são formados por
conceitos, pois, como mera representação material
da impressão de uma experiência, só podem ser
expressões de intuições” (WEBER, 2001: p. 80)

Eis o psicologismo naturalista de Croce. É naturalista porque


divide concepções centrais com o naturalismo mesmo; a opinião,
amplamente difundida àquela época, segundo a qual apenas “conceitos
relacionais” que podem ser enquadrados num sistema de relações
causais seriam conceitos, afeta diretamente as pretensões científicas da
história. Como explicar cientificamente um acontecimento histórico que,

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 172


como tal é irredutível a si mesmo, algo absolutamente único e
idiossincrático e, por conseguinte, algo do qual não pode se formar um
“conceito” (no sentido de uma generalidade abstrata que subsuma
particularidades)?

Pois bem, Weber localiza tais problemas numa confusão inicial


não percebida. Ela se deve, precisamente, a uma compreensão confusa
– naturalista – do conceito de intuição, que engendra a seguir uma série
de confusões: especialmente quanto aos conceitos de conceito (a
opinião, também difundida por Croce, de que “apenas conceitos
relacionais são conceitos"), evidência e validade.

Todas essas refutações que Weber fará a Croce encontram


respaldo no Husserl das Investigações Lógicas2, inclusive as acusações
de psicologismo e naturalismo. Husserl apresenta dois tipos de
intuição, cada qual implicando em dois tipos de conceitos e dois tipos
de evidência. A intuição categorial, pois, é distinta da intuição sensorial:
a evidência intuitiva da primeira espécie é tal qual a evidência do
axioma matemático: ela não está submetida ao fluxo de consciência
cuja percepção é o ponto original, atual, de presentação de uma
intuição. A intuição sensorial, por sua vez, está submetida a esse fluxo
de consciência. Sua evidência intuitiva, por isso, é evidência
imediatamente dada de uma experiência: ou seja, trata-se da “evidência
de uma intuição a partir da variedade do real”. (WEBER, 2001: p. 81).
Como tal, essa intuição sensorial, submetida à atualidade original do

2
Husserl publicou suas Investigações Lógicas no ano de 1900. Weber escrevia o segundo ensaio sobre o
problema da Irracionalidade (ensaio que consta a discussão direta com Croce) entre os anos de 1903 e
1906. As Investigações Lógicas, por certo, foi o livro de Husserl ao qual Weber deu mais atenção e do
qual sem dúvida Weber reteve algumas lições. Se Weber incorporou algo da fenomenologia de Husserl (e
provavelmente ele o fez) foi apenas sob a forte ressalva de que mesmo o método fenomenológico não
reconsistirá num caminho de retorno às essências, embora permaneça como indispensável ferramenta de
esclarecimento lógico e teórico ao nível de suas pressuposições,pressuposições estas que, por serem
demasiadamente históricas, dissolvem-se no devir humano de tal maneira que a aparência do essencial
migra casualmente de uma instância para outra sem qualquer Razão suficiente imediatamente colocada e
que, por isso, nos convida a acreditar que essencial mesmo é ser histórico (e não meramente temporal) –
sendo este, talvez, o núcleo das premissas ontológicas que caracterizam Weber e o aparta de Husserl (ao
menos do primeiro Husserl, o Husserl das Investigações Lógicas, extenso livro ao qual Weber se refere
em seu ensaio sobre a irracionalidade).
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 173
fluxo de consciência, aparece sempre como uma “experiência” que foi
objeto de uma vivência “interna ou externa” (WEBER, 2001: p. 81).

Temos, agora, melhores condições de entender Croce. A história


não se submete a uma análise lógica em função de sua evidência
intuitiva não ser categorial, independente do fluxo de consciência em
que aparece. Nesse sentido, ela é a reprodução (imagética) de intuições
sensoriais vividas outrora: por isso, seus juízos não podem formar
conceitos (que, mais do que intuições sensoriais, carecem de intuições
categoriais) e permanecem reproduções materiais da impressão de uma
experiência, ou, em outras palavras, imagens. Ao se deparar com Croce,
então, Weber se deparava com o mesmo tipo de platonismo, agora
disfarçado num outro vocabulário, que depreciava a memória como
conhecimento imagético e não-conceitual.

Weber discorda de Croce em termos de princípio. A história não é


e nem pretende ser uma reprodução de intuições empíricas, menos
ainda uma imagem fiel de vivências anteriores. O historiador, ao fazer
história, não pode escapar ao fluxo de sua própria experiência e, por
isso, uma vivência, ainda que uma vivência sua, própria, autêntica, não
pode,

[...] a partir do momento em que ela é apreendida


pelo pensamento, simplesmente ser “copiada” ou
“reproduzida”: se assim fosse, não tratar-se-ia mais
de um “pensamento”, mas de uma vivência, ou,
antes, de uma nova “vivência da vivência anterior”,
na qual está presente o “sentimento” de já a ter
vivenciado uma vez (isto é uma parte indefinida de
um dado como vivência presente). (WEBER, 2001: p.
82)

Assim, em primeiro lugar, mesmo que o historiador se esforçasse


por reproduzir intuições empíricas anteriormente vivenciadas (ainda
que elas fossem as suas próprias), não seria isso que ele alcançaria. O
objetivo do historiador não é reproduzir fielmente vivências anteriores e
a história não é, por isso, imediatamente “memória” e nem a
historiografia imediatamente uma arte. Ele não é alguém que, pelos

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 174


meios da arte fantástica, do simulacro e da imaginação quer fazer-se
representante da arte Eicástica. O recurso à imaginação não se dá em
função da reprodução de vivências anteriores; logo, toda a crítica por
tais vias acaba infundada. Quem assim o faz realmente acredita que o
“artístico” e o intuitivo são os autênticos atributos da historiografia, e
assim confunde “o processo psicológico na formação de um
conhecimento” com o “sentido lógico de sua validade empírica”.
(WEBER, 2001: p. 82)

Assim, o recurso à imaginação não se dá para fazer “presente”


algo agora ausente. A imaginação, pois, integra o instrumental
heurístico do investigador. Ela é um meio para a investigação e não
expressa o seu resultado, eis o ponto fundamental. O lembrar-se, como
tal, não foge à forma pronominal: o ato mnemônico é sempre o da
subjetividade de um ego noético, que, se por um lado pode lembrar-se
de percepções ora vivenciadas por ele, não o pode com relação à pessoa
alheia. Assim, o objetivo do historiador é fazer convergir aquelas duas
intencionalidades classificadas por Ricoeur como eideticamente
distintas: a intencionalidade da imaginação, voltada para o irreal e o
possível, deve convergir para a intencionalidade da memória, voltada
para a realidade anterior. Ora, uma vez admitida a afirmação de que tal
realidade anteriormente vivida é, em princípio, impossível de ser
reproduzida, o que, então, restaria à História?

Não pouco, desde que nos livremos do preconceito que supõe a


memória e a imaginação como incapazes de evidência. Na verdade, é
essa suposição crucial que fundamenta os depreciadores da memória e
da imaginação: eles compreenderam mal justamente o que vem a ser
uma evidência, ao a associarem o evidente muito diretamente à noção
de “verdadeiro”, real, e o não-evidente ao falso, irreal. Nesse sentido,
verdadeiro, real, evidente, seria tudo aquilo passível de ser confirmado
na percepção original; ou seja, também as retenções e as expectativas
reproduzidas, presentificadas, seriam incapazes de evidência na medida
em que toda reprodução (presentificação) não pode ser confirmada

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 175


numa proto-impressão (numa impressão original). A história, na
condição de tempo pretérito, não pode ser objeto de uma intuição
categorial e a intuição sensorial que dela temos não pode ser objeto de
uma proto-impressão; de modo que, assim, suas representações não
alcançariam evidência.

Weber, apoiando-se ainda em Husserl, aponta alguns erros nesse


tipo de conclusão. O primeiro é o de associar evidência à veracidade.
Tanto Husserl quanto Weber alertam-nos quanto a possibilidade de
tipos distintos de evidência. Husserl, por exemplo, nos fala de
evidências adequadas e inadequadas, e também de evidências
apodíticas e não-apodíticas. A adequação (perfeição) e a inadequação
(imperfeição) de uma evidência são definidas em termos de sua
suficiência ou insuficiência.

As evidências imperfeitas são unilaterais,


relativamente obscuras, indistintas quanto ao modo
pelo qual as cosias ou os fatos são eles próprios aí
dados. A “experiência” é aí viciada, portanto, pelos
elementos de intuição significante não preenchidos
ainda por uma intuição correspondente. O
aperfeiçoamento opera-se então numa progressão
sintética de experiências concordantes, onde essas
intenções significantes se elevam ao estágio da
experiência real que os confirma e preenche.
(HUSSERL, 1978: p. 26)

Desse modo, algo pode ser evidente sem ser dado na percepção.
Assim o são, pois, os juízos da ciência história, caso o historiador os
forme adequadamente. E isso não pode servir de argumento contra ela,
uma vez que todas as ciências, inclusive a matemática, lidam com
evidências desse tipo. Os avanços da matemática da época, então,
serviam de argumentos para a introdução de juízos de possibilidade,
“falsos”, “irreais”, “ideais”, na operação científica. Há passagens em que
Weber rende elogios ao professor e orientador de Husserl, o matemático
Weirstress; e o faz justamente quanto à sua “imaginação matemática”;
assim, diz Weber, “o espaço ‘pseudo-esférico’ pode ser construído sem
contradições e é plenamente ‘evidente’” (WEBER, 2001: p. 85): a

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 176


imaginação, pois, desenvolve um papel fundamental em toda e qualquer
ciência.

Apesar de não mencionarmos claramente ainda esse papel, pode-


se parcialmente concluir que a formação de “imagens” do passado, isto
é, o recurso a idealidades que não podem ser confirmadas numa
percepção original, não é o que necessariamente invalidaria os juízos
históricos. Entre evidência e validade há não uma identidade, uma
continuidade, mas um complexo dualismo. Assim, um juízo
pronunciado por um historiador X pode ser evidente (considerando as
premissas de que parte tal historiador), a despeito de não ser válido e
ser válido a despeito de não-evidente:

[...] se os objetos são para mim no sentido


mais lato – objetos reais, estados vividos, nomes,
relações, leis, teorias, isso nada tem a ver, antes de
mais, com a evidência. Isso significa apenas que
esses objetos valem para mim; dito de outra
maneira, são as minha cogitata, e essas cogitata
estão presentes à consciência no modo posicional da
crença. (HUSSERL, 1978: p. 80)

A evidência da existência de algo não se dá paralelamente à sua


validade; na evidência, o “ser” ou a determinação de uma coisa é
captada pela “própria consciência em si mesma no modo a própria coisa
e com certeza absoluta de que este ser existe. [...] todavia a evidência
não exclui a possibilidade de o seu objeto tornar-se em seguida objeto
de dúvida.” (HUSSERL, 1978: p. 27)

Pois bem, se a evidência de uma proposição não exige que ela se


dê originalmente na percepção (de modo que também a reprodução
imagética de uma retenção, uma protensão, e mesmo uma construção
formal idealizada, que salta do real para o possível, podem ser
plenamente evidentes) – como o conceito categorial de espaço
pseudoesférico na matemática, e também da geometria não euclidiana -
e se toda a evidência, a não ser que seja apodítica, pode tornar-se em
seguida objeto de dúvida, o fato de a história e, sobretudo, a memória,
ter de recorrer à imagem (no caso da primeira) ou ter que fazer-se
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 177
imagem (no caso da segunda), não invalida por si só o conteúdo
propositivo nelas expresso.

Por isso, há uma diferença de princípios entre aquela tradição


eminentemente grega que associaram memória e imaginação por via de
sua característica comum (o enigma da presença do ausente), e o modo
como tanto Husserl como Weber entenderam essa relação. Para ambos,
também os juízos de possibilidade, irreais, imagéticos, ideais, podem ter
caráter evidente, uma vez que “em termos de lógica, a evidência inclui
como pressupostos apenas a possibilidade de pensamento – a
possibilidade de ser pensado e, com referência ao conteúdo, apenas a
possibilidade objetiva das conexões que poderiam ser apreendidas
mediante a interpretação.” (WEBER, 2001: p.85)

Tanto Weber como Husserl tomam “evidência” num sentido mais


amplo, alargado, como um conceito que é “correlativo não só dos
conceitos de ser e de não-ser, mas também das outras variações modais
do ser, tais como: ser possível, provável, duvidoso; e, além disso, das
variações que não pertencem a esta série e que têm a sua fonte na
esfera afetiva e volitiva, tais como ‘ser um valor’ e ‘ser um bem’”.
(HUSSERL, 1978: p. 78)

O problema da presença do ausente, de um signo imagético que


substitui e remete a uma impressão primordial anterior, só é um
problema se é suposto que uma “realidade-em-si” existe: se não se
reconhece, talvez por carência de fenomenologia, de excesso de
esquecimento de si, que toda a esfera da consciência é “atravessada
pela oposição entre o real e o imaginário”, entendido como ficção de
realidade.

Do lado da imaginação surge um conceito


novo de possibilidade, conceito geral onde se
encontra de uma maneira modificada, no aspecto da
simples “possibilidade de conceber”, todos os modos
existenciais, a começar pela simples certeza da
existência. Esta duplicação efetua-se em modos que,
por oposição aos modos do real, [...] pertencem às

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 178


irrealidades puramente imaginárias. (HUSSERL,
1978: p. 79)

Dito isso, lembremos a distinção que Ricoeur faz entre memória e


imaginação: cada uma, pois, teria uma intencionalidade própria: a
primeira, voltada para uma realidade anteriormente vivida, e a segunda
voltada para a ficção, o possível, a fantasia. Se admitirmos a premissa
de que a realidade empírica, no menor de seus fragmentos, compreende
uma potência intensivamente infinita – hipótese de todo o neokantismo
e também de Weber – teremos que admitir também, por conseqüência,
que aquilo do passado que persiste no presente e que, como tal, pode
ser “lembrado”, compreende uma parcela ínfima do que fora a realidade
e que, portanto, aponta para uma parcela significativamente maior que
foi esquecida e “perdida”.

A pertinência da distinção feita por Ricoeur, então, não impede a


seguinte conclusão: ao voltar-se ao passado, o historiador deve
proceder, obviamente, de uma maneira mais ampla do que alguém que
simplesmente “se lembra”. Ele deve procurar, aliás, aquilo que não pôde
ser lembrado e, para tal, necessariamente deve fazer uso da imaginação
na construção de juízos de possibilidade. O passado a ser recordado
não encerra as preocupações do historiador: preocupa-lhe mais o modo
como a própria recordação alia-se a um presente original, atual, que, ao
lembrar-se situado num presente que passa, em fluxo, também emite
uma interpretação sobre aquilo do qual se lembra.

Voltamos, agora, ao início de nossa exposição. Como, então, tais


questões estavam conectadas com a relação entre conceito e realidade?

Para Weber, a realidade empírica apresenta-se a nós como uma


manifestação imensurável e infinita, da qual apenas uma porção
selecionada vem a ser objeto de investigação. Mais do que isso,
qualquer segmento escolhido da realidade tem essas características. E
também um segmento desse segmento e, assim, ad infinitum. Disso
conclui-se a inexorabilidade e a inesgotabilidade da realidade empírica
para o conhecimento e a percepção do sujeito. Nessa medida, aquilo que
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 179
fica retido em nossa memória pessoal e aquilo que, em termos de um
acontecimento histórico Y (suponhamos, Revolução Francesa), fica
retido numa memória pública (todo o tipo de artefato histórico e valor
cultural), tomados por si só, compreendem uma parcela ínfima da
realidade que outrora foi vivida ativamente. Portanto, é ingenuidade
querer uma mera “representação material das impressões de uma
experiência”, isto é, reduzir a história à memória, como queria Croce
fazer da história, enquanto disciplina, um repositório de imagens
intuitivamente pintadas e reproduzidas, descritas meramente, seguindo
um esforço ganancioso de aproximar a todo custo o “lembrado” do
“vivido”. Croce pensava que a história não era capaz de formar conceitos
e que, portanto, permaneceria um mero conhecimento intuitivo e não-
causal, não-lógico, porque permanecia refém de uma concepção
naturalista de conceito, que entende que “apenas conceitos relacionais
são conceitos” e uma compreensão, também naturalista, do papel que
exerce a intuição e a imaginação na construção mesmo do mais geral
(no sentido de uma legalidade abstrata) dos conhecimentos.

“Apenas conceitos relacionais são conceitos”, isto é, apenas


generalizações abstratas que submetem uma pluralidade indefinida de
particularidades intuitivas sob sua extensão, são conceitos. A ciência,
neste caso, operaria com uma formação de sistemas fechados de
conceitos, uma tendência objetivista para a qual a realidade estaria
sintetizada em alguma classificação permanente e universalmente
válida e da qual pode ser a qualquer momento deduzida. Esse tipo de
tendência, da qual Croce não escapou, mantém o papel da
“interpretação imaginativa” na formação de leis in petto, em segredo, e
acaba por cometer o sério equívoco de identificar e localizar a causa de
todo fenômeno numa ligação imanente entre conceitos abstratos e
experiência concreta. Eis o aspecto naturalista de Croce que Weber
critica. Para este, pois, um conceito histórico não trata de revivenciar,
rememorar o passado: ser um partidário da categoria da possibilidade
não pode ser confundido com a aceitação das teorias empatéticas. A

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 180


imaginação não entra em cena para nos colocarmos no lugar do outro:
ela deve retroagir ao passado, na condição de memória pública e amorfa
e, depois de selecionado o decurso de eventos, ações e escolhas
históricas que se quer explicar, construir juízos de possibilidade,
orientados por elementos empíricos difusos em tal memória, que
descrevam um decurso irreal, imaginário, idealmente possível, em que
participam apenas “causas racionais”, isto é, motivações que têm, para
nós, um significado presumido. Esse constructo ideal, conseguido na
confluência metódica entre os dados da memória e sua ordenação lógica
(na medida em que instala coerência naquilo que, tomado por si
mesmo, é caótico) e imaginativa, metodologicamente orientada, pode ser
comparado ao devir real, “já conhecido”, de modo que assim causas
irracionais, desvios, erros estratégicos e demais fatores que não foram
inclusos no constructo ideal, precipitem-se como causalmente atuantes
para que aquele segmento selecionado do devir tivesse tais e tais
características. Com o uso de tal método, a memória se expande: o
“lembrado”, pois, servirá como meio a partir do qual se procura o que
ainda não pôde ser lembrado: e isso vai desde motivos que atuaram em
um tal evento e ainda não puderam ser desvelados até a novas
perspectivas e faces de um mesmo acontecimento ou época histórica. “O
domínio do trabalho científico não tem por base as conexões objetivas
sobre as coisas, mas as conexões conceituais entre os problemas”
(WEBER, 2001: pág. 121). Considerando-se assim a memória, as
conexões que ela renovadamente nos dá devem ser problematizadas a
fim de desvendar o que permanece esquecido e obliterado.

Referência bibliográfica

HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas: introdução à


fenomenologia. Porto, Ed. Rés: 1978.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 181
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais I e II. Campinas,
Ed. Unicamp: 2001.

RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas,


Ed. Unicamp: 2007.

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 182


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

A DEMONIZAÇÃO DO PARAÍSO: FÉ E RELIGIOSIDADE NO


BRASIL COLONIAL

Márcio Douglas de Carvalho e Silva1

Resumo: A chegada do homem do Velho Mundo as novas terras concretizou


esperanças existentes no seu imaginário: o Novo Mundo para eles seria o
paraíso terrestre ante, descrito em narrações bíblias e profecias. A fé em
Deus é um eminente, porém nesse universo paradisíaco o demônio também
se faz presente duelando com Deus os domínios dessa nova terra. As
práticas religiosas que se desenvolveram no Brasil colonial, impulsionada
pela diversificação cultural étnica dos povos que o formou apresentaram
várias facetas. O cristianismo tido pelos portugueses, as várias práticas
religiosas trazidas pelos escravos africanos somaram-se aos cultos
indígenas. Diante dessa pluralidade de crenças e práticas religiosas o
catolicismo dominante é obrigado a conviver com o surgimento de “novas
fés”, que no Brasil Colonial vai cada vez mais buscar espaço dentro da terra
ofertada ao homem europeu por Deus.

Palavras-Chaves: Brasil Colônia. Religiosidade Popular. Práticas Religiosas.

1. Introdução

A descoberta do Novo Mundo era vista pelo europeu como um presente


de Deus para um recomeço – um novo paraíso aqui na terra. Essa teoria era
reforçada por alguns livros bíblicos. Aproveitando-se dessa ocasião, a Igreja
Católica atrelada ao Estado, traz seus dogmas para esse novo lugar. Todas
as características denotam ser aqui o “novo Éden”, mas essas terras antes

1
Acadêmico do 5º Período do Curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí .
([email protected])
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 183
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

calmas e de clima favorável passa a mostrar-se um lugar muitas vezes


perigoso com catástrofes e povoada de animais perigosos, Gandavo2,
narrador da paisagem brasileira e endeusador destas terras conta as
controvérsias que o Brasil passou a apresentar. As feições não mais
correspondiam a um paraíso, a decepção natural era explicita e os
habitantes que aqui viviam em muitos casos foram denominados como povo
pertencente ao demônio. As práticas desenvolvidas pelo colonizador também
atestam a transformação desse paraíso num verdadeiro inferno! O demônio
passa a importunar a dominação de Deus, passando assim a existir uma
dualidade entre Deus e o Diabo. Essa dualidade do sobrenatural (sagrado e
demoníaco) se mostra como fruto do imaginário do homem europeu, embora
os acontecimentos que foram sendo desenhados na história do Brasil
Colonial levassem a crê que existiu mesmo esse duelo. E existiu, mas não
em termos literais. As ações operadas pelos portugueses decretavam a sua
dominação, o catolicismo, religião oficial da Coroa também era religião oficial
da colônia.Dentro desse contexto pode-se afirmar que de fato a religiosidade
no Brasil Colonial foi diretamente marcada pela influência da Igreja de Roma
tanto nas populações de colonos quanto entre os povos que foram
submetidos a sua dominação. Mesmo assim a diversidade religiosa que
existia no Brasil naquela época era muito grande e sempre surtida de
crenças vindas de diversas partes da África somadas com as práticas de
culto indígenas. Esse sincretismo resultou em uma grande diversidade de
cultos e crenças. Para a historiadora Mery Del Priori, a resistência a essas
novas religiões era enorme

isso fez com que o povoamento português no Brasil fosse


denominado por um espírito cruzadista. Os colonos
partilhavam a mentalidade de seus reis, ou seja,
participavam de uma maneira de pensar como os
católicos de seu tempo: todo não católico era considerado
inimigo, infiel, aliado do demônio, um perigo para a
unidade religiosa desejada por Roma (PRIORI, 2004, p. 9)

2
Pêro de Magalhães Gândavo ( Braga, c. 1540 — c. 1580) foi um historiador e cronista português que descreveu
em muitos aspectos a fauna e flora brasileira e relator da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
(Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pero_de_Magalhes_Gandavo Acesso 15 de outubro de 2010).
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 184
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Apesar de existir empenho da Igreja Católica, para integrar as


crenças religiosas dos indígenas e dos africanos, não surtiu muito efeito tal
como se pode perceber hoje, o Brasil é um país de culturas religiosas
múltiplas. As práticas de feitiçaria, em muitos casos associadas às crenças
dos não católicos também receberam em muitos casos punição efetiva pela
Inquisição. Associadas aos cultos demoníacos, muitas vezes eram rituais de
cunho “assistencialista” usados para resolver problemas amorosos, em
outros o culto ao demônio se efetivava. Em linhas gerais a religiosidade
colonial era efervescente e diretamente ligada pelas práticas de crenças
afros, indígenas, católica e pela grande demanda da religiosidade popular,
onde apropriando-se em muitos casos dos santos católicos para fazer suas
devoções praticavam uma fé de cunho menos institucionalizado. A esse tipo
de devoção sempre intencional, onde o devoto pedia algo em troca da prática
ofertada ao santo surgem também descontentamentos quando “o santo não
fazia sua parte”. Blasfêmias, maus tratos e destruição de imagens se
tornaram comuns. A busca por milagres era intensa e as respostas para os
pedidos exigia emergência. A América nasceu e se desenvolveu sob os
auspícios da religião, não raro que todos os aspectos da vida cotidiana dos
habitantes do Novo Mundo fossem influenciados por algum tipo de credo que
se enraizaram na nossa cultura e exprimem um enorme sincretismo de fé e
religiosidade no Brasil de hoje.

2. Um lugar, um Paraíso

É comum se ter a concepção de que a terra encontrada – Novo Mundo


– pelos navegadores europeus no século XV fosse associada ao Paraíso
Terrestre, em voga, o que conhecemos como Brasil hoje, foi o local
encontrado. As novas terras correspondiam às características paradisíacas
que os desbravadores do Velho Mundo acreditavam existir. Fato curioso é
que o homem europeu chegou naquela época as terras hoje brasileiras,

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 185


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

quase por caso, a descoberta foi basicamente ocasionada pelo capitalismo


mercantil como descreve Marilena Chauí:

Os mapas do período inicial das primeiras navegações


são cartografias do real e do fabuloso e as primeiras
viagens não trazem apenas novas mercadorias e novos
saberes, mas também trazem novos semióforos3: os
países exóticos (Índia, China e Japão) e um Novo Mundo,
no qual se julga haver encontrado o Paraíso Terreal, de
que falam a Bíblia e os escritores medievais. (CHAUÍ,
2000, p. 59)

As terras americanas correspondiam em todos os aspectos ao


imaginário do homem europeu, nos seus rios, clima que eram de
conhecimento do mesmo baseado em textos bíblicos, no livro de Gêneses e
mais reforçada ainda em Apocalipse, onde a promessa de uma renovação é
declarada: ”E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o
primeiro céu e a primeira terra, e o mar já não existe”4 e nas profecias de
Daniel e Isaias onde o último profetiza: "Assim, tu chamarás por uma nação
que não conheces, sim, uma nação que não te conhece acorrerá a ti"5. A
promessa de um novo céu e uma nova terra alimenta os sonhos do homem
do Velho Mudo de encontrar o Paraíso, a salvação, no seu imaginário, sendo
o mesmo merecedor de tal benção, o que perdurou no seu imaginário por
muito tempo se encontrava do outro lado do oceano, o que já era possível
graças ao avanço das navegações, a ponte entre o Velho Mundo e o Novo
Mundo já existia, agora era momento de fazer merecer o presente do criador!
Todas as características da nova terra chamavam à atenção do
europeu que via aqui uma possibilidade de expansão religiosa e comercial. A
descoberta destas terras concretizava as percepções decorrentes do seu

3
Marilena Chauí emprega ao conceito de semióforo, dando ênfase a um conjunto de coisas carregadas de força
simbólica, signos de poder e prestígio, cheios de significação, caracterizando-o com um traço fundamental, que o
faz precioso a sua singularidade. Estes aspectos são decisivos pra que o tornem, além de produto de efeitos de
significação dentro dos sistemas, é propriedade daqueles que detém o poder para produzir e conservar esses
sistemas. (Disponível em: http://www.ebah.com.br/a-nacao-como-semiosforo-doc-a22125.html . Acesso 04 de
Outubro de 2010).
4
Apocalipse 21,1
5
Isaias. 55, 6
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 186
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

imaginário, em muitos casos essa descoberta foi considerada um ato


“sobrenatural e miraculoso” (SOUZA, 2009, p. 43). Sendo que essa
denominação paradisíaca dada ao Brasil é conseqüência da “produção da
imagem mítica fundadora destas terras” (CHAUÍ, 2000, p. 62).
O Brasil recém descoberto tornava nulo o medo dos navegadores em se
aventurar nos mares, agora essa nova terra, era vista como um
prolongamento da Europa onde já podia ser vista de acordo com Laura de
Melo e Souza (2009) pela bifrontalidade tanto econômica como religiosa. Os
índios que de certa forma eram vistos como possíveis novas ovelhas para o
rebanho do Senhor, alimentando a dicotomia, colonizar e catequizar que foi
assumida por Portugal “sem que os propósitos materiais fossem acanhados.
Cristianizar era de fato, parte integrante do programa colonizador do
português no Novo Mundo. Mais do que isso: parte importante, dado o
destaque que tinha a religião na vida do homem quinhentista” sendo assim,
“os portugueses se imbuíram sinceramente no papel missionário” (SOUZA,
2009, p. 49).
Para Laura de Melo e Souza, o Novo Mudo é visto como prova da
existência de Deus e

era, pois generalizada, sobretudo entre os clérigos, a idéia


de que o descobrimento do Brasil fora ação divina; de que
dentre os povos, Deus escolhera os portugueses; de que
estes, uma vez senhores da nova colônia, tinham por
dever nela produzir riquezas materiais – explorando a
natureza – espirituais – resgatando almas para o
patrimônio divino.
A ação divina, o descobrimento do Brasil desvelou aos
portugueses a natureza paradisíaca que tatos
aproximariam do Paraíso terrestre: buscavam assim, no
acervo imaginário, os elementos de identificação da nova
terra. (2003, p. 51)

Dados os objetivos a serem traçados na nova terra, os colonizadores


passam a buscar meios afirmativos divinos para sua atuação no Brasil
Assim como consideravam ser atribuição de Deus sua chegada ao Novo

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 187


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Mundo também atribuíram ao criador as justificativas de suas ações, como é


exposto por Marilena Chauí (2000, p. 58) em Brasil, mito Fundador e
sociedade autoritária, “a obra de Deus, (...) a Natureza, a palavra de Deus,
(...) a história, e a vontade de Deus, (...) o Estado”. Como pode ser notado
todos os aspectos impositivos do homem do velho mundo aqui no Brasil
eram justificados como sendo vontade de Deus. Diante disso, os meandros
que o processo colonizador vai tomando no decorrer do tempo levam a
muitas características que se tornariam incabíveis ser justificados como
sendo vontade de Deus, porém o mesmo foi usado.
Podendo dizer que os rumos que levou a atuação e existência do
português aqui no Brasil foram perdendo e fazendo com que essa terra se
eximisse do caráter paradisíaco que adquirira anteriormente. Agora não só
pela existência do imaginário que aqui tentava reinar também o demônio, e
nem só pelas novas características que foi apresentando a natureza
brasileira que contradiziam as aflições do Éden. A “endiabação” do paraíso
foi se formando a partir das ações que o homem do Velho Mundo passou a
tomar para poder efetivar sua dominação.

3. E o céu virou inferno

Aos poucos a natureza brasileira tratou por si só de tirar seu caráter


paradisíaco a que tinha recebido anteriormente desde as narrações inicias
da descoberta da terra, agora a visão paradisíaca de belas árvores e clima
ameno se retraia e aparecia a sua face natural, Laura de Melo e Souza
(2009) usando textos de Gandavo afirma que este mesmo sendo edenizador
destas terras “considerou-a deleitosa e temperada, mas sujeita a ventos
mortíferos: “estes ventos da terras é mui perigoso e doentio”, diria, “e se
acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim portugueses
como índios na terra” (SOUZA, 2009, p. 54).
Os animais aqui encontrados foram descritos por Gândavo como
sendo perigosos ameaçadores:

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 188


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

[...] haja nella muita diversidade de animaes, e bichos


mui feros e venenosos, pois cá entre nós, com ser terra já
tam cultivada e possuida de tanta gente, ainda se crião
em brenhas cobras mui grandes de que se contão cousas
mui notaveis, e outros bichos e animaes mui danosos,
esparzidos por charnecas e matos, a que os homens com
serem tantos e matarem sempre nelles, nam podem
acabar de dar fim, como sabemos. Quanto mais nesta
Provincia, onde os climas e qualidades dos ares
terrestres, nam são menos dispostos para os gerarem, do
que a terra em si, pelos muitos matos que digo,
acomodada pera os criar. (GANDAVO, 1980, sem
numeração de página)

Apensar dessa essa dualidade descritiva6 Gandavo (1980) em vários


aspectos da sua narração, despoja vários caracteres naturais do que ele
chama de Província, não se restringindo somente aos animais, ele também
descreve a natureza brasileira e a convivência da mesma com seus
habitantes naturais.7
Não só os acontecimentos naturais, mas a sucessão de acontecidos
que foram aparecendo na vivência na nova terra passaram a caracterizar
esse novo ambiente que nascia.8 Os nativos brasileiros também descritos por
Gandavo contribuem para a formação de uma nova visão das terras
encontradas: os índios em alguns momentos são não a vitima de todo esse
processo, pois em algumas vezes agem como seres que aos olhos do
português cometia horrores, na visão de Gandavo:

6
Gandavo não se prende apenas a narrar os pontos positivos da nova terra, apesar do mesmo ser um endeuzador
do Novo Mundo, também narra aspectos que por algum caso desfigura a imagem paradisíaca do Brasil.
7
Outros muitos animaes e bichos venenosos ha nesta Provincia, de que nam trato, os quaes são tantos em tanta
abundancia, que seria historia mui comprida nomea-los aqui todos, e tratar particularmente da natureza de cada
hum, havendo, como digo, infinidade delles nestas partes, aonde pela disposição da terra, e dos climas que a
senhorêão, nam pode deixar de os haver. Porque como os ventos que procedem da mesma terra se tornem
inficionados das podridões das hervas, matos e alagadiços geram-se com a influencia do Sol que nisto concorre,
muitos e mui peçonhentos, que per toda a terra estão esparzidos, e a esta causa se crião e achão nas partes
maritimas, e pelo sertão dentro infinitos da maneira que digo. (GANDAVO, 1980, sem numeração de página)
8
O Brasil infernal se dá nas passagens de Vieira através das barbáries aqui existentes, nos massacres indígenas,
na falta de estrutura para se viver, nos mandos e desmandos aqui ocorridos, uma verdadeira terra de ninguém. O
embate colonos X negros X indígenas também retrata bem o estado de conflito existente na colônia, onde a
desordem e os desmandos muitas vezes se constituíam como rotineiros. (Disponível em:
http://visaodeindio.blogspot.com/2010/05/brasil-divina-comedia-do-hemisferio-sul.html (Acesso 18 de outubro
de 2010)
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 189
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Huma das cousas em que estes Indios mais repugnam o


ser da natureza humana, e em que totalmente parece que
se extremam dos outros homens, he nas grandes e
excessivas crueldades que executam em qualquer pessôa
que podem haver ás mãos, como nam seja de seu
rebanho. Porque nam tam somente lhe dam cruel morte
em tempo que mais livres e desempedidos estam de toda
a paixão; mas ainda depois disso, por se acabarem de
satisfazer lhe comem todos a carne usando nesta parte
de cruezas tam diabolicas, que ainda nellas excedem aos
brutos animaes que nam tem uso de razam nem foram
nascidos pera obrar clemencia. (GANDAVO, Tratado da
terra do Brasil, 1980, sem numeração de página)

A crueldade com que os índios executavam a morte dos cativos


desperta em Gandavo uma visão assustadora. Dentre as várias populações
indígenas citadas por ele, os Aimorés e os Tapuyas todas são carregadas de
um olhar de estranheza e comparação, sendo determinada uma conclusão
que se tratava de seres horrendos e bizarros.9
As descrições feitas por Gandavo denotam uma nova realidade em
relação à visão edenizadora antes descrita. A natureza paradisíaca perde as
afeiçoes do Éden e ganha uma nova visão, definitivamente o paraíso
mostrava suas formas negativas e ameaçadoras.
Desse modo, no que tange a infernização do paraíso, não só as afeições
naturais passam contorcer a imagem antes tida no imaginário do homem
vindo do Velho Mundo, mas a própria ação exercida pelo mesmo nessa nova
terra vai se opor aos caracteres de um lugar que pudesse se comparar ao
Éden. Nesse aspecto começava-se o antagonismo que Mello e Sousa descreve
como

Componentes do universo mental, nunca estiveram


isolados um dos outros, mantendo entre si uma relação
constante e contraditória: na esfera divina, não existe
deus sem o diabo; no mundo da natureza, não existe

9
A América não era como tinham imaginado; até os mais entusiastas (dentre os humanistas) tiveram desde cedo
de aceitar o fato de que o fato de que os habitantes deste mundo idílico podiam ser também viciosos e belicosos,
e as vezes comiam uns aos outros”, J. H. Elliott, The Old World and the New – 1492-1650, p 27. Apud. Cf.
SOUZA, O Diabo e a Terra de Santa Cruz. p. 62)
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 190
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

paraíso terrestre sem inferno; entre os homens, alternam-


se virtude e pecado. (SOUSA, 2009, p. 44)

A acepção de que as terras do além-mar eram disputadas por Deus e o


Demônio é decorrente do imaginário do colonizador, sem dúvida essa
imagem foi formada levando em conta o papel religioso que este carregava
desde o período medieval e acentuada certamente por alguns aspectos que o
Brasil apresentava, porém “tornou-se lugar-comum afirmar que a religião
forneceu os mecanismos ideológicos justificatórios da conquista e
colonização na América, encobrindo e escamoteando as atrocidades
cometidas em nome da fé” (SOUZA, 2009, p. 48).
Mediante as ações paradoxais10 que passaram a ser aplicadas pelos
colonizadores, o Paraíso Terrestre, aos olhos de muitos passou a ser visto
como o Inferno Terrestre, assim como na obra A divina Comédia de Dante
Alighieri, onde é decorrente que seus personagens transitam entre inferno
purgatório e paraíso, o que não é muito diferente da realidade vivida no
período colonial, os índios que vivendo em condições de vida amena antes da
chegada dos europeus agora viam-se sujeitos a um novo estilo de vida, o
trabalho compulsório foi um dos pontos que não favoreceu para que os
mesmos aprovassem a idéia de paraíso antes dada pelo homem do Velho
Mundo.
O colonizador como sempre justificava esse ato como sendo permissão
e vontade de Deus que se realizasse, mas como pode ser um paraíso se só a
paisagem natural é vivente desse aspecto, diferente dos homens que o
habitam? Marilena Chauí (2000, p. 63) afirma que “desde o inicio da
colonização, o escravismo se impôs como exigência econômica” e
impulsionados pelos conceitos de modernidade que afloravam naquela
época, juntamente com a apreciação capitalista, o português firma-se na
teoria descrita por Chauí como teoria do direito natural objetivo onde Deus
“ordenando hierarquicamente os seres segundo sua perfeição e seu poder, e

10
Aqui se refere aos atos cometidos por portugueses no que tange a sua atuação no que denominavam ser o
paraíso, pois as ações que passaram a ser executadas a partir de então não condiziam com a atmosfera sagrada
que anteriormente fora atribuída ao Brasil.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 191
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

determinando suas obrigações de mando e obediência (...) em que o superior


naturalmente comanda e subordina o inferior, o qual naturalmente lhe deve
obediência.(CHAUÍ, 2000, p. 63-64). Sendo dessa forma o cativo dos
primitivos brasileiros seria justificado pelo estado da Natureza, pois eram
vistos em vários aspectos como seres inferiores, dando margem a ser
“mandados” pelos que se diziam superiores.
Em Casa Grande e Senzala Gilberto Freyre, (2006) expõe uma
informação hoje bastante contorcida no que diz respeito ao trabalho manual
indígena na colônia. Esse processo de escravização dos indígenas pelo
colonizador lusitano foi inviabilizado, o que obrigou a introdução do africano
para realizar as tarefas que seriam atribuídas aos índios. Diante dessa
inaptidão ampla do homem americano para o trabalho manual foi necessário
o ingresso do negro africano para os desígnios dessa tarefa. Como o próprio
Freyre afirma a idéia de escravizar os índios tinha fraquejado quando o
nativo ameríndio se mostrou um homem “molengão” e inadequado para o
trabalho compulsivo isso justificado talvez pela sua tradição e modo de viver
nestas terras antes da chegada dos portugueses, pois “[...] a cultura
americana ao tempo da descoberta era nômade a de floresta, e não ainda a
agrícola [...]” (FREYRE, 2006, p. 164).
Diante do uso agora desse novo recurso manual de trabalho – o negro
africano – o uso das teorias do direito natural objetivo se reforça onde “é
legal e legítima a subordinação do negro inferior ao branco superior” (CHAUÍ,
2000, p. 65). E ainda mais reforçada pelo

direito natural subjetivo, porém não mais sob a forma de


servidão voluntária e sim pelo direito natural de dispor
dos vencidos de guerra. Afirmava-se que nas guerras
entre tribos africanas e as guerras entre africanos e
europeus os vencidos eram naturalmente escravos e
poder-se-ia dispor deles segundo a vontade de deus
senhores. [...] a naturalização da escravidão africana (...)
ocultava, o principal, isto é, o tráfico negreiro [...] (CHAUÍ,
2000 p. 65-66)

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 192


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

O Novo mundo estava definitivamente sendo duelado entre Deus e o


Diabo. Para tanto não só as ações naturais falavam (eram apenas ações da
natureza), as ações humanas iam além do imaginário paradisíaco,
desmanchando a imagem da casa de Adão e Eva. A serpente estava solta e
em muitos aspectos reinava sobre a vontade do senhor. O inferno existia no
paraíso, e o reino de Deus estava ameaçado pelo domínio do “demônio”!
Porém vale destacar o que Laura de Melo e Sousa expõe em O Diabo e Terra
de Santa Cruz, a mesma afirma que “não houve uma seqüência ordenada
entre um e outro, entre edenização e detração. Mesmo os grandes
edenizadores da natureza não pouparam observações, pejorativas em maior
ou menor grau acerca do Novo Mundo” (SOUZA, 2009, p. 62).

4. As práticas religiosas na Colônia – Exaltação de Deus e Evocação


do Diabo: Sincretismos, Bruxarias e Desacatos.

O Novo Mundo estava debruçado no pecado e parecia não haver mais


salvação, muitos jesuítas narram em suas cartas ações que a seus olhos
eram coisas do demônio: “incesto (...) poligamia, (...) nudez, preguiça, cobiça,
paganismo, canibalismo” (SOUZA, 2009, p. 86) chegando a afirmar alguns
jesuítas “os índios são povo do diabo” (SOUZA, 2009, p. 95). A demonizarão
atribuída ao homem ameríndio era um dos aspectos da percepção do
europeu sendo o Novo Mundo antes um local de domínio de Deus, se tornara
agora o refúgio do diabo este perdendo espaço no Velho Mundo buscava
abrigo nas novas terras, onde um leque do oportunidade se abria para a sua
dominação. Na colônia portuguesa muito do que não era permitido na
Europa se praticava assim e eis que se deu o translado: “(...) o demônio
perdera o controle sobre a Europa – cristalizada durante toda a Idade Média
– e se instalara , vitorioso na outra banda da terra – a América (...)” (SOUZA,
2009, p. 94), pois assim sendo o imaginário do habitante do Novo Mundo
tendia a novas especulações, haja vista o modo de vida que aqui se
vivenciava muitas vezes causava desvios de crença, pois

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 193


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Se Deus era cultuado d’aquém e d’além-mar, Satanás


também o era, reinando ainda nas vagas e turbilhões
oceânicos. Numa época em que o Sistema Colonial
articulava boa parte das terras do globo, é natural que
sonhos, anseios, desejos, projeções imaginárias
refletissem sua importância que tinha na vida cotidiana,
nos afetos e na subsistência de cada um (SOUZA, 2009
p. 190)

A dominação do demônio de dava de forma tão abrangente que


segundo Frei Vicente o diabo conseguira substituir a Santa Cruz pelo pau de
tinta na denominação da nova terra

Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo


o domínio que tinha sobre os homens, receando perder
também o muito que tinha em os desta terra, trabalhou
que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de
Brasil, por causa de um pau assim chamado de cor
abrasada e vermelha com que tingem panos. (Salvador
s/d: 15). (Disponível em:
www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php? Acesso 06 de
outubro de 2010)

Como se pode perceber as mudanças ocorriam em vários âmbitos, a


terra de Santa Cruz já não se chamava mais assim, e de fato era evidente
essa retirada, pois a “Santa Cruz” já não operava mais como antes no
imaginário do povo que vivia na colônia.

Constatada nos hábitos da vida cotidiana, confirmada


nas práticas de feitiçaria, a demonização do homem
colonial expandiu-se d figura do índio – seu primeiro
objeto – para a do escravo, ganhando, por fim, os demais
colonos. Para se esquivaram dos castigos rigorosos, os
escravos recorriam a “artes diabólicas”” (SOUZA, 2009,
p. 98)

As práticas de feitiçaria e de adoração ao demônio são descritas como


uma fuga das aflições que sentiam os povos existentes nesta terra, em busca
de respostas buscavam relações com o sobrenatural, é no momento dessa

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 194


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

relação “que o homem da colônia paga tributo ao diabo e confirma seu


caráter de humanidade diabólica” (SOUZA, 2009, p. 97).
O paraíso vira inferno, assim, as situações se inverteram. A Europa
era vista como um lugar onde os cristãos se deleitavam na fé em Deus, o
inferno se estabelecia pela sua condição dispare e demoníaca na colônia
portuguesa.
As diversas práticas religiosas diversas, características do hibridismo
cultural e religioso existente no Brasil se acentuaram cada vez mais,
havendo a consistência de cultos católicos, (oficial) juntamente com práticas
diversas trazidas pelos escravos africanos além de práticas religiosas
indígenas. Em outros casos também se usava símbolos cristãos para a
realização de cultos não católicos. As várias maneiras religiosas povo que
vivia na colônia se distanciam e se aproximam em um complexo sistema de
adoração que pode ser percebido pela disparidade de etnias que aqui
existiam, onde cada “povo” tinha sua adoração, o que não era generalizada.

Parece passar despercebida é a característica básica da


nossa religiosidade de então: justamente o se caráter
especificamente colonial: branca, negra, indígena,
refundiu espiritualidades diversas num todo
absolutamente específico e simultaneamente
multifacetado (SOUZA, 2009, p. 121)

Levando em consideração as afirmações de Gilberto Freyre em Casa


Grande & Senzala, pode-se afirmar que a igreja perdeu um pouco de espaço
na administração nas terras ameríndias gerando insatisfações em relação
aos senhores de engenho. Porém a religiosidade sempre exerceu sua enorme
influência mesmo com as desavenças; é de comum conhecimento que em
praticamente toda casa grande tinha uma área reservada em seu interior
para a realização das celebrações. Mas não só dentro da Casa Grande a
igreja mantinha sua influência, muitos dos santos cultuados em Portugal
foram introduzidos na religiosidade do brasileiro e a eles atribuídas
especialidades como “em aproximar os sexos, em fecundar as mulheres, em

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 195


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proteger a maternidade: Santo Antonio, São João, São Gonçalo do Amarante


(...)”(FREYRE, 2006, p. 326) entre outros santos, todos recebiam uma
vocação de cura “gente estéril, maninha, impotente, é a São Gonçalo que se
agarra” (FREYRE, 2006, p. 327) e por aí vão as mais diversas atribuições,
crendices e práticas religiosas. O cunho popular que ganhou a religião
principalmente com a especialização dos santos para a cura ou proteção de
uma causa específica se pluraliza na Colônia e passa a ganhar aspectos
dogmáticos dispares, fugindo das concernências da igreja oficial.
O sincretismo11 religioso era uma realidade na colônia, não bastante
os aspectos da sua formação dão razão para isto e não deixam de lado os
aspectos que se tornaram inerentes a vivencia religiosa do brasileiro “uma
colônia escravista estava fadada ao sincretismo religioso” (SOUZA, 2009, p.
128) essa convivência de cultos e religiões existindo em um ambiente onde a
igreja romana tentava impor seu domínio é definido por Laura de Melo e
Sousa como sincretismo afro-católico pois,

(...) cultuava-se são Benedito, mas cultuava-se também


Ogum, e batiam-se atabaques nos calundus da colônia:
nas estruturas sociais que lhe foram impostas, os negros
através da religião, procuravam “nichos” em que
pudessem desenvolver integralmente suas manifestações
religiosas (SOUZA, 2003, p. 128)

Essa diversidade religiosa a que o Brasil adotava se dá ainda mais


diversificada no contexto do transporte de africanos para essa terra, pois
várias culturas africanas eram recrutadas para chegar ao Brasil12, assim

11
O sincretismo marca, pois uma das condições dos países de escravidão que é de mistura de raças e de povos, a
coabitação das mais diversas etnias num mesmo lugar e a criação, acima das nações centradas nelas mesmas, de
uma nova forma de solidariedade no sofrimento, uma solidariedade de cor. (Bastide. op. cit, p. 260) Apud Laura
12
A memória coletiva do Brasil é heterogênea, fruto dos processos históricos e sociais que formaram o país dos
dias atuais. O português que veio habitar a colônia já era sincrético. Aqui, uniu-se aos negros de diversas partes
da África, ao índio e a outras gentes. Com isso, foi sendo criado um sincretismo específico da colônia, fruto da
fusão de diversos povos. A metrópole portuguesa era mestiça: ... Contatos de raça e cultura, apenas dificultados,
nunca porém impedidos pelos antagonismos da religião, foram em Portugal os mais livres e entre elementos os
mais diversos. (Juliana Barros Prata Carvalho Sincretismo religioso brasileiro: um estudo através das Veredas de
Grande Sertão Dissertação de mestrado PUC/SP – 2007)
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 196
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esse processo de formação populacional dispare se reflete diretamente na


religiosidade, “forçosamente o catolicismo no Brasil haveria de impregnar-se
dessa influência (...) (FREYRE, 2006, p. 394) sendo assim não se pode falar
em influência religiosa africana, mas sim em influencias religiosas que foram
se misturando e formando essa miscigenação cultural que é o Brasil: “Gêges,
Nagôs, Iorumbas, Malês e tantos outros trouxeram cada um sua
contribuição, refundindo-as à luz de necessidades e realidades novas,
superpondo ao sincretismo afro-católico um outro quase sincretismo afro.
(SOUZA, 2009, p. 129).

No entanto, muitas outras práticas se integravam ao


cotidiano colonial. Eram pequenas rezas para cura de
doenças cotidianas que cismavam em perturbar ainda
mais a vivência dos habitantes das terras sob domínio
luso. Eram feitiços para conseguir paixões praticamente
impossibilitadas, ou para adquirir algum benefício, como
a proteção. Eram contra-feitiços procurando desfazer os
trabalhos encomendados por inimigos. Eram bruxedos
realizados por mulheres conhecedoras de toda espécie de
sortilégios e receitas mágicas, com ervas ou ingredientes
nada usuais. Eram demônios familiares que auxiliavam
as bruxas no seu intento, sugando criancinhas,
deixando-as secas. (FREIRE, 2008, p. 6).

Essas práticas de feitiçaria que ganharam espaço no cenário sincrético


colonial brasileiro residiu também dentro da vivencia religiosa do colono
impulsionada em muitos casos pela necessidade de uma reposta imediata
que a fé católica não dava, daí o apelo ao sobrenatural em busca de
realizações mais concretas, tendo em vista que o misto de crenças existentes
no Novo Mundo era financiadora do surgimento dessa práticas de feitiçaria.
Gilberto Freyre afirma que:

a freqüência da feitiçaria e da magia sexual entre nós é


outro traço que passa a ser de origem exclusivamente
africana. Entretanto, o primeiro volume de documentos
relativos as atividades do Santo Ofício no Brasil registra

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 197


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

vários casos de bruxas portuguesas. Suas práticas


podem ter recebido influencia africana: em essência,
porém foram expressões do satanismo europeu que ainda
hoje se encontra entre nós, misturado a feitiçaria
africana ou indígena. Antonia Fernandes de alcunha
Nóbrega dizia ser aliada do Diabo: as consultas, quem
respondia por ela era “certa cousa que falava, guardava
num vidro” Magia medieval do mais puro sabor europeu
(...) Isabel Rodrigues, ou Boca-Torta, fornecia pós
miríficos e ensinava orações fortes. A mais célebre de
todas, Maria Gonçalvez de alcunha Arde-lhe-o-rabo,
ostentava as maiores intimidades com o Diabo. (...)
(2006, p. 405-406).

A Constatação desse tipo de bruxaria no Brasil tem forte ligação com o


misto de religiões que aqui ganharam espaço o que de fato se comprova é
que a existência de bruxas no Brasil não foi efetivamente confirmada é fato
que no Brasil, nunca foi instaurado efetivamente um tribunal do Santo
Ofício como na Europa. Houve, no entanto, três Visitações do Santo Ofício
que resultaram numa grande quantidade de processos de acusações e
condenações por práticas variadas, que iam da adivinhação ao
curandeirismo e blasfêmia. Fora isso acusações de práticas de feitiçaria era
comum, mesmo que os acusados dificilmente confessassem fazer mão dessa
prática, ocorre então um caso existente no Piauí descoberto pelo historiador
Luiz Mott onde em suas pesquisas o mesmo encontra o depoimento da
mestiça Joana Pereira de Abreu13. De acordo com o registro encontrado na
Torre do Tombo14:
Descrevendo o suposto acontecido Luiz Mott expõe esse registro onde
que sob orientação de sua mestra a feiticeira Cecília, a mesma escrava
praticava rituais não permitidos com o demônio no referido texto a escrava
Joana,

13
"Joana Pereira de Abreu era uma escrava mestiça, moradora da Vila da Mocha (atual Oeiras) nos meados de
1.700. Joana foi protagonista de um dos episódios mais complexos e insólitos da historia religiosa do Brasil
Colonial: praticou um ritual diabólico, o famigerado Sabá, reunião orgiástica de feiticeiras com Satanás, ritual
medieval muito comum na Europa, mas até então nunca documentado na a América Portuguesa (jornal de the)
14
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo Encontra-se em Portugal ”custodia um universo diversificado de
património arquivístico, incluindo documentos originais desde o séc. IX até aos dias de hoje. (Disponível em:
http://antt.dgarq.gov.pt/ Acesso 16 de outubro de 2010)
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

dirigiu-se nua altas hora da noite a porta da Igreja (...) da


vila da Mocha (...) e ali bateu com suas partes
prepósteras assim nua três vezes na porta da igreja indo
sempre para trás, e que dali havia de endireitar nua para
umas covas de defuntos (..) aonde chamam o enforcado
(...). E que ali me havia de aparecer o demônio em forma
de moleque” Feito isso a escrava foi ao local indicado e
“apareceu logo o demônio em forma de moleque: adorei-o
antes de me por de quatro, para ter torpissimos e
nefandos atos. Beijei-lhe os pés (...) Chamava-o meu
senhor e o tinha por Deus e Senhor. (...) (MOTT, 1997, p.
208)

O registro apesar de muito importante é apenas uma constatação de


mais um tipo de acusação de bruxaria dos muitos que ocorreram no Brasil,
em muitos casos os “inquisidores buscava associar essa práticas aos
calundus e catimbós", porém como estas já eram práticas existentes na
vivencia religiosa dos brasileiros, a demonização das mesmas tornou-se
inviável.
A religiosidade do Colono se apresentava de forma tão determinante
que muitos casos de enfermidades era pedido auxilio imediato de Deus, dos
muitos exemplos mencionados em O Diabo e a Terra de Santa Cruz, o de
Cecília Fernandes, a mesma dizia “eu não havia deus no mundo se não a
vingasse de quem ela pedia vingança” (SOUZA, 2009, p. 148), a exemplo de
Cecília, “biscainho Martim que:

(...) se vira as voltas com violências inesplicadas (...)


Cheio de pisaduras, “desatinara [...] com a força da
paixão, que vendo que nenhuma gente branca lhe acudia,
dissera em altas vozes como desesperado por inço ou seis
vezes que arrenegava de Deus e da Virgem Maria Nossa
Senhora, e São Pedro e de São Paulo, e de todos os
santos da Corte dos Céus, e do Padre que o batizara
(SOUZA, 2009, p. 149).

Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 199


Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

A exigência por respostas era imediata, a relação do colono com as


divindades era estreita e algumas vezes agressiva caso o fiel não sentisse
está sendo visto e protegido pelas santidades celestes. Uma das faltas graves
consideradas pela Igreja Católica e severamente farejadas pela Inquisição
que apesar de nunca ter possuído um tribunal instituído em terras
brasileiras possuía representantes aqui era a blasfêmia contra santidades da
Igreja Católica. Os desacatos eram freqüentes, em uma terra de muita fé e
em algumas vezes poucas respostas dos céus, a revolta dava-se pela injúria
e até mais do que isso. Era comum que a Virgem Maria fosse tida como uma
mulher desvirginada, Jesus fosse xingado dos mais variados nomes. O
insulto negava a devoção o que era considerado como pecado. Blasfemava-se
por tudo que causava insatisfação, até as mudanças climáticas (chuva ou
sol) causavam indignação.
Os desacatos não se restringiam somente a palavras, além das
zombarias os símbolos religiosos também entravam no rol dos desacatos
como o crucifixo e imagens de santos a exemplo disso “Diogo Castanho,
homem solteiro infligia ao crucifixo a convivência com suas atividades
sexuais “Quando tinha ajuntamento carnal com sua negra, medita debaixo
dela um crucifixo” (SOUZA, 2009, p. 152-153) .”Cuspir no crucifixo, esmagá-
lo com os pés, urinar sobre ele” (SOUZA, 2009, p. 154) também foram
situações a que mesmo foi submetido. Essas práticas de uso indevido de
imagens às vezes eram atribuídas a cristão-novos como no caso de Diogo,
em outros o “massacre a imagens” se dava justamente pelo não acato do
santo feito pelo devoto. Como exemplo disso a prática de colocar a imagem
de Santo Antonio de cabeça para baixo ainda hoje é freqüente numa forma
de obrigar o santo a obrar o milagre, na Colônia Santo Antonio passava por
bocados piores, as vezes era dependurado de cabeça para baixo no poço e
em outras a imagem era posta debaixo de pedra.
Diante de tudo isso percebe-se que o cunho religioso do colono
independente das aproximações com os céus ou o afastamento dele era
muito forte decorrente do acumulo de vários credos na Terra de Santa Cruz.
A fé sobretudo ditava o modo de vida do colono, a tudo se atribuía ao
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sobrenatural, apesar dos variados cultos e da arrenegação muitas vezes da


autoridade celeste superior o demônio nunca reinou totalmente15 sobre o
Novo Mundo, a aproximação com os santos é muito forte,“O culto a Virgem e
sobretudo, aos santos , é um dos componentes da religiosidade popular em
que é mais nítida e perceptível esta afetivização” (SOUZA, 2009, p. 156)

5. Conclusão

O contato com a narrativa da origem abordada no mito fundador nos


leva a reflexão do contexto econômico, social, político e aqui, principalmente
religioso. O mito é fundado na fé, na religião do homem do Velho Mundo que
aqui acrescida as já existentes e as que chegaram posteriormente fundou
um mundo de alto grau de religiosidade. O outro lado do Atlântico, paraíso
ofertado por Deus também foi lugar de renegação do mesmo e adoração do
demônio. A palavra foi elemento forte na Colônia, pois foi através dela que se
venerou, adorou e também arrenegou. A fé foi um dos maiores símbolos de
dominação do Brasil Colônia, haja vista a ocupação e escravização aqui
instaurada eram justificadas pela religião. No entanto, não pode-se afirmar
que o colono foi apenas um homem da fé cristã exacerbada, os mesmos
percorriam os vários meandros da emoção humana, exemplo disso as
blasfêmias. Sendo assim, a religiosidade colonial, bem como as formas
adotadas por ela no seio dos diferentes grupos sociais que aqui existia
naquela época, está inserida numa realidade onde o aparentar é mais
levando em conta do que evidenciar. Sendo assim a religiosidade pouco
interiorizada do Colono não é nada menos do que resultado de atribuições
ditadas por seu imaginário que acabou refletindo diretamente nas suas
ações, ações essas que estão fortemente ligadas ao tratamento dado pelos
mesmos ao Brasil. A fé foi usada e abusada no Paraíso! Usada para difundir

15
Apesar de todas as distinções e ambigüidades, a luta contra o pecado e o pecador deveria continuar. Afinal,
blasfemador não era só aquele que se arriscava a desencadear a cólera divina: ele representava também uma
ameaça à frágil harmonia social de um mundo que apoiava seus pilares sobre o solo ainda firme da religião.
Disponível em: http://maniadehistoria.wordpress.com/blasfemar-era-coisa-comum-na-colonia/ Acesso 17 de
outubro de 2010
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 201
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

a palavra de Deus, para o português se implantar aqui e até para alimentar


o seu status enquanto colonizador e foi indevidamente usada para reprimir
os mais fracos para explorá-los e para exigir de Deus o que não era de
merecimento do devoto. Abusada a certo ponto de se voltar para o demônio,
pois o excesso das mesmas era tão grande que às vezes gerava conflitos no
interior de quem cria. O Colono viveu e sobreviveu envolvido pela fé! Fé esta
atribuída a Deus ou ao diabo. Sob os auspícios religiosos o Brasil nasceu e
ganhou formas mais aparentes, fomentou seu lado divino e também
demoníaco, portanto merecedor ou não do Paraíso, os novos habitantes,
usaram e modificaram a realidade dos ameríndios e aqui fundaram um novo
lugar, fundados nos princípios religiosos e na ambição mercantilista que
ganhava espaço no mundo dos quinhentos e seiscentos.

Referência bibliográfica

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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

AÇÃO JESUÍTICA E CATOLICISMO NO BRASIL COLONIAL DO


SÉCULO XVI

Emanuel Luiz Souza e Silva1

Resumo: este artigo tem como objetivo analisar a atuação do padre jesuíta Luís
da Gram, membro da Companhia de Jesus, no processo de evangelização e
expansão no catolicismo no Brasil colonial quinhentista. Este clérigo veio ao
Brasil em meados do século XVI e juntamente com seus companheiros de
jornada, entre os quais podemos destacar o padre Manuel da Nóbrega, foi um
jesuíta muito atuante na catequese indígena e na expansão dos ideais do
catolicismo na colônia. Propomos analisar estes momentos de colaboração deste
jesuíta na evangelização, para observar como se deu desenvolveu a doutrina
católica no Brasil do século XVI.

Introdução

Pretendemos neste artigo analisar a participação do padre jesuíta Luís da


Gram2 no processo de evangelização no Brasil colonial e difusão do catolicismo
entre os seus habitantes no primeiro século de colonização. Clérigo de destaque
na colônia, ocupando cargos de grande responsabilidade e prestígio, este membro
da Companhia de Jesus pode ser um exemplo da atuação jesuítica e da tentativa
de expansão da doutrina religiosa católica, esta dominante nas Terras de Santa
Cruz, por ser a religião oficial da Metrópole portuguesa e, por conseguinte,
também das suas possessões.
Sobre a presença e papel dos jesuítas no Brasil do século XVI temos
trabalhos históricos importantes, dentre os quais podemos destacar: A obra

1
Emãnuel Luiz Souza e Silva. Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professor
de História da América e História Medieval da Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim (FACESB). Email:
[email protected]. Telefone: 7188336252. Endereço: Avenida Antônio Laurindo, n.75, apto. 302, Centro, Senhor do
Bonfim, Bahia, Cep:48970-000.
2
Nas fontes que utilizaremos neste artigo o padre Luís da Gram aparecerá grafado de formas diferentes, dependendo da
documentação utilizada, tais como: Luís da Grã, Luis da Grana, Luís da Gran, Luis da Graan. Como opção
metodológica, utilizaremos a grafia - Luís da Gram - no decorrer do texto produzido, aparecendo estas outras grafias
nas citações e referências às fontes e bibliografia.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

monumental de Serafim Leite - História da Companhia de Jesus no Brasil, que faz


uma análise minuciosa sobre a organização e desenvolvimento desta companhia
em solo brasileiro: “Composta por dez volumes publicados entre 1938 e 1950, a
obra em questão conta a história dos jesuítas no Brasil colonial, a partir da
compreensão que os inacianos tinham de si mesmos.” 3.
Também destacamos outros estudos importantes sobre os jesuítas no
Brasil colonial: a dissertação do historiador Fabrício Lyrio dos Santos, intitulada:
Te Deum Laudamus. A expulsão dos Jesuítas da Bahia (1758-1763) 4, que aborda
um período conflitante e de disputas entre o Estado, na figura do Marquês de
Pombal e a Companhia de Jesus, que perdia espaço na dinâmica colonial: “A
expulsão dos jesuítas se insere neste quadro mais amplo de afirmação dos
direitos do Rei sobre os da Igreja, embora também represente a solução de
antigos conflitos locais.” 5. A obra do historiador Paulo de Assunção intitulada:
Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos6 que contribui
para se ter uma visão sobre os aspectos administrativos, organizacionais e
hierárquicos existentes na Companhia de Jesus. A partir destas leituras e das
fontes documentais que analisamos, constituídas basicamente de relatos e cartas
dos jesuítas que viveram em terras coloniais e interagiram com Luís da Gram,
faremos um estudo histórico da trajetória, práticas e contribuições deste clérigo
no Brasil do século XVI.

A trajetória de um jesuíta no Brasil colonial do Século XVI

Iniciaremos com uma análise da atuação, enquanto jesuíta, do padre Luís


da Gram no Brasil colonial quinhentista. Observaremos a sua trajetória, práticas
e relações sociais desde a sua chegada, até o final do século XVI. O padre Luís da
Gram nasceu em Lisboa, em 1523. Era filho de Antônio Taveira, em 1591 tinha
68 anos, conforme relatou ao Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de

3
PEDRO, Lívia Carvalho. História da Companhia de Jesus: A Biografia de uma Obra. Salvador, Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2008. p. 6.
4
SANTOS, Fabrício Lyrio dos. Te Deum Laudamus. A expulsão dos Jesuítas da Bahia (1758-1763). Salvador,
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2002.
5
SANTOS, Fabrício Lyrio dos. A Presença Jesuíta no Recôncavo da Bahia. In: Revista do Centro de Artes,
Humanidades e Letras. Vol. 1 (1), 2007. p. 26.
6
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Edusp,
2004
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Mendonça, na sua denúncia:7·. Gram em Portugal “estudou direito em Coimbra,


onde entrou para a Companhia em 43, chegando a ser reitor do collegio.”: 8. Além
de cursar artes. O padre Miguel de Torres, visitador de Portugal, recomendou a
sua vinda ao Brasil:9.
Este clérigo veio ao Brasil na mesma nau em que viajou o segundo
governador geral da colônia, Duarte da Costa:10, em 1553. Nesta embarcação
também vieram outros clérigos dentre os quais citamos: José de Anchieta, Brás
Lourenço e Ambrósio Pires, e os irmãos João Gonçalves, Antônio Blasques,
Gregório Serrão:11. José de Anchieta também tratou da sua chegada: “no ano de
1553 vieram seis da Companhia com o segundo governador D. Duarte da Costa, o
padre Luiz da Grã, o padre Braz Lourenço e o irmão João Gonçalves, o qual
morreu depois de sacerdote na Companhia com muita santidade, e os irmãos
Antônio Blasquez, Gregorio Serrão, José de Anchieta e todos os cinco ainda
vivem, todos sacerdotes.”:12. A sua chegada:13, juntamente com os outros
membros do clero metropolitano que aqui desembarcaram, foi muito esperada,
devido à grande carência de padres que havia na colônia, uma realidade que se
prolongou por todo o período colonial.
Por ter desempenhado uma função de destaque na metrópole, sendo reitor
do colégio da Companhia de Jesus em Coimbra, sua chegada e permanência foi
muito comemorada pelo clero que aqui vivia, e que já havia iniciado os trabalhos
de catequese e conversão indígena. Em uma carta escrita pelo padre Manuel da

7
Heitor Furtado de Mendonça, Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, p. 329.
8
Azpilcueta Navarro. Cartas Avulsas. São Paulo, Itatiaia, 1988. p. 319.
9
Serafim Leite. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugalia; Rio de Janeiro: Instituto Nacional do
Livro, 1938-1950. Tomo II. p. 472.
10
Inclusive este clérigo tinha boas relações com o governador geral, sendo este um dos fatores que colaboraram para a
sua posse como reitor do colégio da Baía. “Luiz da Grã (1554- 1556). O quarto Superior da Baía foi o p. Luiz da Grã
escreve Braz Lourenço que esteve ele próprio para ser reitor da Baía, mas depois ficou Grã por ser pregador e muito
querido da gente, principalmente do Governador, D. Duarte.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p.
59.
11
Pedro Calmon. História do Brasil: As Origens - Século XVI. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1959, Vol.I. p.
260.
12
José de Anchieta. Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos. São Paulo, Itatiaia, 1988. p. 322-323.
13
Pedro Calmon descreveu a chegada do Governador geral com os demais tripulantes: “A 8 de maio saiu de Portugal,
em companhia do Filho, D. Álvaro da Costa, de algumas órfãs que vinham casar no Brasil, dos jesuítas Luís da Grã, que
fora reitor do Colégio de Coimbra, e José de Anchieta.” In: Calmon, História do Brasil, p. 260. Frei Vicente do
Salvador, também relatou a chegada de Luís da Gram “movido el rei dos rogos e importunações do governador Tomé de
Souza, acabado o triênio de seu governo, lhe mandou por sucessor D. Duarte da Costa, o qual embarcou a 8 de maio,
trazendo em sua companhia seu filho D. Álvaro e o padre Luís da Grã, que havia sido reitor em o colégio de Coimbra,
e mais dois padres sacerdotes e quatro irmãos da Companhia[...]” In: Frei Vicente do Salvador. História do Brasil:
1500-1627. São Paulo, Itatiaia, 1984. p.147.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 206
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Nóbrega, podemos observar este contentamento pela sua vinda ao Brasil: “Depois
de ter escripto a vossa paternidade o anno passado de 1555 por duas, veiu o
padre Luís da Grã no mez de maio, com cuja vinda nos alegramos todos e
tomamos novo fervor e esforço para o serviço do senhor, e eu me determinei com
seu conselho em algumas duvidas que tinha.”:14
A sua vinda, com os demais clérigos, significou um reforço aos quadros do
clero colonial, pois logo após o seu desembarque já tratou de se inteirar dos
problemas e avanços realizados nas terras do Brasil, e juntamente com os outros,
iniciou as visitas e as obras missionárias. “E entendendo-se nisso, chegou o
padre Luiz da Grã e os mais padres e irmãos que com ele vieram”: 15. Gram foi
colateral de Nóbrega, que era uma espécie de vice-provincial, compartilhando de
algumas decisões referentes a Companhia de Jesus, sobretudo nas capitanias do
Sul, em que atuavam inicialmente de forma mais incisiva: 16. Apesar de divergirem
em algumas opiniões, como a questão da Companhia possuir bens, em que Gram
era contra, seguindo os preceitos do voto de pobreza, e Nóbrega era favorável para
o sustento e manutenção no clero em terras coloniais. Também a questão da
escravidão utilizada pela Companhia era um ponto de divergência. Viam de forma
diferente Nóbrega e Grã “neste debate preponderou a opinião realista de
Nóbrega”:17
Luís da Gram foi nomeado por duas vezes reitor do Colégio da Companhia
de Jesus na Capitania da Bahia. A primeira vez foi entre os anos de 1554 e 1556,
e novamente assumiu o cargo nos anos de 1574 e 1575:18. Além destes cargos,
assumiu outra posição de destaque como a supervisão das capitanias do Sul:19.
Este clero que aqui se instalou, iniciando a catequese e fortalecendo a frágil
e inicial estrutura da Companhia de Jesus, na colônia, fazia parte de uma política
mais ampla do governo português, que então estava associado ao padroado
régio:20. A política e práticas jesuíticas de então, refletiam uma tentativa de

14
Manuel da Nóbrega. Cartas do Brasil: 1549-1560. São Paulo, Itatiaia, 1988. p.147.
15
Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil, p. 151.
16
“ficou como colateral de Nóbrega, uma espécie de vice provincial [...]” In: LEITE, Serafim. Op. Cit. Tomo II. p. 472.
17
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo II, p. 348.
18
“Em junho de 1574-1575 achava-se outra vez o p. Luiz da Grã a frente do Colégio da Baía.” In: Leite, História da
Companhia de Jesus no Brasil, p. 64.
19
“As capitanias do Sul governavam-se, em geral por um superior comum, e foram-no durante algum tempo Nóbrega,
Luiz da Grã, Anchieta.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 309.
20
“Na condição de Mestre da Ordem de Cristo, D. Manuel fora constituído pelo Sumo Pontífice com um especial
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 207
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

conter a Reforma Protestante em terras ibéricas e ao mesmo tempo expandir os


preceitos do catolicismo às diversas localidades que ainda não tinham contato
com a religião cristã: “Como a afirmação sugere, Trento, expressão da reação
católica à Reforma, representa também o marco da predominância da então
recém fundada Companhia de Jesus [...] como uma resposta de Trento aos
protestantes, simbolizando a nova vertente cristã.”:21. Os jesuítas representavam
desde a sua chegada, em 1549 à Bahia um grupo em destaque nas terras de além
mar:

Os jesuítas eram quase todos letrados, enquanto entre a população leiga da


época ler e escrever era considerado uma raridade, uma qualidade mágica. Eles
foram um elemento por excelência para as necessidades colonizadoras da
escassamente povoada colônia Brasileira. Livres de família para cuidar, os
jesuítas podiam dedicar-se de corpo e alma às tarefas árduas. Sendo melhores na
instrução e na formação e mais disciplinados do que quase todo o resto da
população brasileira da época, conseguiram não somente praticar o sacerdócio
catequizando os índios e cuidar da parte espiritual da população, mas também,
na necessidade do próprio sustento, mostrando-se muito hábeis nos
empreendimento comerciais.:22

Na sua dissertação de mestrado, a historiadora Célia Cristina da Silva


Tavares realizou um estudo acerca dos jesuítas e a sua atuação na América
Portuguesa:23. Analisou a participação destes sujeitos históricos na estruturação
e desenvolvimento da colonização nas terras do Brasil, perpassando por todo o
período colonial até a sua expulsão dos domínios portugueses, em meados do
século XVIII. Também avaliou os conflitos ocorridos entre os membros da

privilégio para exercer uma jurisdição eclesiástica [...] sobre todas as ilhas e terras do ultramar português, as
conquistadas e por conquistar – privilégio transformado em padroado régio sobre o ultramar, a partir de 1514 -,
tornando-se o grande moderador da obra missionária nas regiões ultramarinas portuguesas.” In: Alceu Kuhnen. As
Origens da Igreja no Brasil. 1500 a 1552. São Paulo, EDUSC, 2005. p. 109. Mais informações sobre o Padroado
Régio, consultar a primeira parte desta obra.
21
Ângela Mendes de Almeida. O Gosto do Pecado: Casamento e sexualidade nos manuais de confessores dos séculos
XVI e XVII. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. p. 31-32.
22
Bella Hersson. Os cristãos novos e seus descendentes na medicina Brasileira. 1500-1850. São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, 1996. p.58.
23
Celia Cristina da Silva Tavares. Entre a Cruz e a Espada: Jesuítas e a América Portuguesa. Niterói, 1995.
Dissertação de Mestrado - Universidade Federal Fluminense, UFF.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 208
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

Companhia de Jesus e os interesses coloniais de escravização indígena do Estado


do Maranhão e Grão-Pará.
As questões religiosas que envolviam os jesuítas e a sua tensão frente às
idéias surgidas no século das luzes também são discutidas, tendo por fim, um
estudo de caso, do padre Gabriel Malagrida que foi processado pela Inquisição
portuguesa e sentenciado à fogueira.
A historiadora ressalta que a fundação da Companhia de Jesus, bem como
a Inquisição e o Concílio de Trento foram um esforço de fortalecimento da Igreja
Católica naquele contexto histórico e mostraram-se como os três pilares
principais da contra-reforma:24. Os jesuítas, neste ínterim, representavam os
agentes, uma vez aqui na colônia, responsáveis por propagar e defender estes
ideais expansionistas e de reafirmação que a Igreja Católica impunha para
defender-se do “mal protestante” que se espalhava na Europa. Acerca das
preocupações e atuações dos jesuítas na colônia, afirma:
A Importância da ação dos inacianos na colônia não deve ser
invalidada pelos enormes problemas relativos ao trabalho de
catequese dos indígenas [...] a conversão implicava a
desestruturação de um grupo social; de uma cultura; era,
portanto, um processo marcado pela violência, mas justificado
pela crença na urgência em difundir a verdadeira fé:25

O papel e atuação:26 do padre Luís da Gram encaixa-se neste perfil


delineado por Celia Cristina Tavares. Apesar de não ser citado em seu trabalho,
podemos ressaltar que este jesuíta foi um dos grandes expoentes e
representantes desta política, empreendida pela Igreja Católica, e levada adiante
pela Companhia de Jesus, da qual o clérigo fazia parte.
O seu destaque na colônia era tamanho que chegou a ser constantemente
relatado pelos seus colegas de ofício, como o descrito neste trecho das cartas
jesuíticas: “Não deixo eu de entender que elle não queira que os outros
ensinassem mas creio que o faz para nos envergonhar e para nos fazer inveja,

24
Célia Cristina Tavares, Entre a Cruz e a Espada, p.16.
25
Célia Cristina Tavares, Entre a Cruz e a Espada, p.37.
26
Sobre o prestígio que tinha com os colegas da Companhia de Jesus: “finalmente é muito solicito da saude das almas,
das de seus irmãos, porque, como sabe que os principaes meios são os bons instrumentos, tem grande cuidado que seus
irmãos se dem muito à virtude e para isto quando esta em casa faz comunmente a noite praticas como costuma fazer
neste collegio, e enfim, quer este quer não, tem ordenado que sempre se façam. E escusado é particularizar mais isto,
pois não faltara neste collegio algum que o conheca para poder conjecturar o que elle pode fazer.” In: Navarro, Cartas
Avulsas, p. 301-306.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 209
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

como na verdade a mim me envergonha, que há 12 annos que cá ando e não sei
nada agora começo pelos nominativos por a arte para poder aprender.”: 27 conta o
padre Antônio Pires quando de uma visita de Luís da Gram à Bahia.
Outra passagem que demonstra os trabalhos deste incansável jesuíta que
foi admirado pelo seu exagerado espírito missionário:

Chegou a quinta feira e logo ao domingo bautizou alguns, sessenta ou mais entre
grandes e pequenos e fez 8 ou 9 casamentos, porque, como disse, é tão soffrego
que não deixa ninguem fazer nada; parece incansável: os que o conhecem
pasmas, porque prega duas horas aos brancos e logo no mesmo dia prega as
mulheres e no mesmo a escravaria e gasta nisto muito tempo que lhe não lembra
comer e muitas vezes reza o terço a noite: finalmente, a todos nos envergonha:28

Luís da Gram destacava-se, por ser um língua, ou seja, um padre que


conseguia falar e se entender com os indígenas, um intérprete:29. Devido a este
talento e habilidade, que não era atributo da maioria dos clérigos, mas sim de um
número reduzido destes, era muito requisitado para se comunicar com índios das
diversas localidades na colônia:30, fazer visitas e auxiliar na conversão.
Observamos a falta de padres com esta habilidade numa carta escrita por Manuel
da Nóbrega, queixando-se “escreve-me o padre Luís da Grã que agora não pode
mais que um irmão língua por companheiro, para se lá ordenar, que é o irmão
Chaves, uma cousa boa, e pede-me que mande quem daqueles irmãos tenha
cuidado, pelo qual será forçado de quatro que aqui estamos que aqui há de fazer

27
NAVARRO, Cartas Avulsas, p. 301-306.
28
NAVARRO, Cartas Avulsas, p. 301-306.
29
“ Os missionários do 'campo' pensavam de outra forma: eles sabiam que a evangelização não passaria a não ser pelo
veículo da língua nativa. No máximo, foram aceitas soluções intermediárias como aquela de deixar algumas palavras do
catecismo em castelhano (ou português), ou latim. O esforço missionário, porém, concentrou-se exatamente nesta '
tradução' para os códigos culturais nativos de conceitos europeus, da mesma forma como eles próprios [...] traduziram a
si próprios nos mesmos códigos [...] por outro lado, esta 'tradução' foi re-traduzida, ou seja, de-codificada pelos
destinatários indígenas da mensagem cristã: o resultado foi a produção de uma religião 'híbrida', no interior de uma
cultura de contato”. In: Maria Cristina Pompa. Religião com Tradução: Missionários, Tupi e “Tapuia” No Brasil
Colonial. Campinas, 2001. Tese de Doutorado - Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. p. 80.
30
“a 29 de agosto chegou a esta Bahia o padre Luiz da Grã em companhia do senhor governador, com cuja vinda fomos
tão consolados que não sei com que palavras o possa explicar. Trouxe consigo quatro irmãos linguás: Gonçalo de
Oliveira, Gaspar Lourenco, Antônio de souza, e outro irmão noviço, que se chama Balthezar Goncalves, dos quaes os
três primeiros estão agora pera se ordenar, pera que ambos os talentos aproveitem melhor ao próximo. Trouxe mais
outros dous noviços recebidos: Antônio de Mello e Pero Peneda, e outro moco que, por ser pequeno, não é ainda
recebido: todos estes linguas.” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 295.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

muita falta”:31. Até em localidades mais povoadas, como era o caso da Capitania
da Bahia, havia falta de intérpretes:32.
Ele era solicitado para ensinar alguns padres a aprenderem a língua dos
gentios:33. Naquele contexto histórico, saber falar e se comunicar com facilidade
com os índios era uma possibilidade a mais de lograr êxito na aproximação e
“conversão” dos ameríndios, como podemos ver na seguinte carta de Anchieta:
Esperamos a chegada do padre Luiz da Grã para que se
delibere com o seu conselho o que se deva finalmente fazer, e
se enviem ao mesmo tempo alguns dos irmãos aquelas
nações, enquanto que sobejem, pois tanta falta sentimos deles
que, de todos os que acima mencionei, apenas um sabe a
língua latina como, pois bastará para acudir-se a tal e tanto
trabalho:34

Outro destaque vinculado a Luís da Gram era a sua dedicação à catequese


dos escravos:35, procurando ouvir suas confissões e instruí-los na fé católica,
também tendo como alvo os seus senhores:
agora é ido o padre Luiz da Grã a mar a ensinar os escravos
dos portugueses e pregar aos senhores, onde sem cessar os
ensina, colhendo muito fruto de confissoes, e admoestacoes,
maxime dos escravos com os quais principalmente entende,
aos quais todos traz a confissão, ensinando-lhes rudimentos
da fé de que carecem:36

A tarefa de batizar os escravos e gentios era cotidianamente propagada


pelos jesuítas, pois o batismo seria a porta de entrada dos pagãos no Catolicismo.
Então, quanto mais batismos, mais grossa seria a fileira de novos cristãos nas
terras do Brasil. Com este ideal cruzadista, e acompanhado pelo aval do monarca

31
Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil, p.175-176.
32
“ No tempo que o padre chegou a esta bahia estavam as cousas algum tanto feias, as quaes logo com a sua vinda se
arquitetaram, assi em casa como fora, porque em casa logo deu ordem a que todos os irmaos se dessem a aprender a
lingua, cousa que ate ali ninguem havia feito, tirando alguns que andaram fora, e assi deu ordem que viesse a escavaria
aprender a doutrina na nossa egreja, cousa que havia muito tempo que se não fazia e elle mesmo a ensina e as cousas da
fé na lingua as escravos e no portuguez a muitas mulheres que folgam de saber cousa que nunca lhes foi ensinada; é elle
tão soffrego nisto que assi em casa como nas aldeas não consinte a niguem ensinar.” In: Navarro, Cartas Avulsas, p.
301- 306.
33
No ano de 1560 “Determinou Luiz da Grã que todos aprendessem a língua.”. In: Leite, História da Companhia de
Jesus no Brasil, p. 564.
34
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 59.
35
“Depois da sua vinda acodem a nossa casa confissoes principalmente da escravaria e creio que na coresma virão os
senhores, porque amostram muita affeicao ao pader e elle muitos desejos de lhes dar remedio as suas cousas e busca
todos os meios para isto”. In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 301-306.
36
Navarro, Cartas Avulsas, p. 107.
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português, mediante o Padroado Régio, estes clérigos tinham como meta propagar
os ideais do catolicismo, batizando, ouvindo confissões, admoestando, ensinando
doutrinas, realizando casamentos, mas também se envolvendo em casos
específicos, como a antropofagia:37, a qual Luís da Gram tentou impedir neste
episódio, narrado nas cartas jesuíticas: “com seus cantos vimos as festas como é
de costume: sabendo o padre Luiz da Grã foi a ela, para batizar os moradores,
que não se quisessem cometer aquela maldade, prometeram-lhe que não haviam
de sujar seu lugar em que havia tantos cristãos com derramamento de sangue
inocente.”:38
A evangelização e a imposição de preceitos cristãos era difundida com
ardor e dedicação pelos membros da Companhia de Jesus, visitando aldeias
longínquas, espalhadas pelas diversas capitanias hereditárias:39, e adentrando os
sertões em busca de mais almas para conversão:

trabalha agora entre eles o padre Luiz, empregando minucioso


cuidado na sua doutrinação, não só ai, mas também em outra
aldeia, daqui a duas milhas, lançando os alicerces da fé,
visitando-a frequentemente, mas residindo em Jeribata, onde
alguns suficientemente instruídos na fé se uniram pelo
sagrado vinculo do matrimonio:40

Este convívio entre jesuítas que colaboravam entre si para concretizar a


evangelização no Brasil, apesar de ser, em sua maioria, convergente, não
atravessou os anos com a plena tranqüilidade. Houve momentos de tensões entre
os membros deste clero, como notamos nesta passagem descrita por Serafim
Leite acerca de uma inquirição delegada a Gram, na ocasião de alguns
contratempos ocorridos na capitania de Sergipe:

Enviaram cartas à Camara da Bahia e grandes queixas


contra P. Lourenço para verem se os superiores o retiravam. O
provincial encarregou o p. Luíz da Grã de visitar estas aldeias,

37
O ritual de Antropofagia era um costume indígena utilizado correntemente pelos ameríndios no Brasil. Porém este
costume, que geralmente ocorria nas festas, para comemorar vitórias de guerra contra etnias contrárias, onde se comiam
os índios capturados da outra tribo, não foram vistos com bons olhos pelos Portugueses, que tentaram suprimir esta
prática de todas as maneiras, utilizando inclusive a força para esta meta. O governador Mem e Sá foi quem de forma
mais incisiva combateu este costume. Ver o trabalho de: Pompa, Religião com Tradução.
38
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p.163.
39
“depois da partida do padre Luiz da Grã para a baia de todos os santos, com o governador, no mês de junho, um dia
depois de s. João Batista.” In: Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p.175.
40
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 100.
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Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

e dar o remédio que o caso urgisse [...] viu logo Luiz da Grã o
nenhum fundamento das acusações e não só retirou os
jesuítas das Aldeias, mas de tal maneira, informou à sua
volta, O provincial que este enviou-lhes novo reforço com o p.
João:41

Luís da Gram também fundou vários povoados e aldeias no seu


provincialado, como podemos destacar de S. Miguel de Taperaguá, fundada em
1561, Nossa senhora da Assunção de Tapepigtangia, também fundada em 1561,
a aldeia de Bom Jesus de Tatuapara, S. Pedro de Saboig e “nossa senhora de
Camamu, iniciada já, em 1561, pelo padre Luiz da Grã, a pedido do índio cristão,
Luiz Henriques, de Ilhéus – mais tarde teve destaque como centro abastecedor”:42
Este clérigo também recebeu doações, o que demonstra a sua importância
como religioso e como era conhecido nas terras do Brasil. Em 1560, ele recebeu
uma sesmaria doada em Piratininga, por Francisco de Morais, “As quais terras de
duas léguas, lhe dou ao ditto Luiz da Grã, Provincial da Companhia de Jesus pela
eles e pera seus descendentes e pera quem eles quiserem como coisa sua.”:43
Mas nem só de ensinamentos e doutrinas foram marcadas as trajetórias
dos jesuítas no Brasil colonial Quinhentista. As doenças, dificuldades:44, tensões,
mudanças de cargos, viagens ao sertão, hostilidades dos índios, entre outros
percalços, foram enfrentados pelo padre alvo de estudo. Luís da Gram sofreu uma
grave doença, em meados de 1560, na qual quase não sobrevive, deixando seus
companheiros da Companhia de Jesus apreensivos:

nos outros todos estamos bem; precedemos conforme as


constituições em a via do senhor, guiando-nos o padre Luiz da
Grã, o qual dias passados teve grave enfermidade porque se
lhe fizeram umas postemas no peito, com perigo de vida. Mas
nem por isso deixava de dizer as orações frequentemente,
ensinando uns e outros, e o que é mais indo-se ao mar, entre
os portugueses a dez léguas por bosques mui ásperos onde
esteve algum mui tempo pregando, e tornando a nos outros,
não somente não crescerão as postemas, como temíamos, mas
ainda parece que quis o senhor usar dessa mezinha para se
sarar:45
41
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p.442.
42
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 158.
43
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 543.
44
Alguns imprevistos enfrentados por Gram no inverno da capitania do Espírito Santo: “não receia chuvas, nem
charcos nem naus, nem caminhos” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 96.
45
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 105.
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Também quase foi vitimado por um naufrágio ocorrido na capitania do


Espírito Santo, em 1573 “no dia 28 de abril quando sobreveio um terrível
naufrágio, nesse mesmo dia à noite, na foz do Rio doce. Perdeu-se o navio e tudo
quanto levavam. Grã livrou-se a custo da Morte”:46. Mesmo enfrentando
adversidades, o clérigo, continuava seu trabalho missionário, e por isso, era
constantemente elogiado por seus colegas. Segundo Anchieta, Gram era um
trabalhador incansável e contínuo na busca da salvação das almas repartia o pão
com os famintos e mostrava-se muito satisfeito e alegre ao ensinar os gentios,
mesmo que pregasse a dois ou três, demonstrava o entusiasmo “como se
estivesse com a igreja cheia”: 47, concomitantemente, visitava os índios enfermos,
admoestava e ouvia confissões:48.
Alguns jesuítas se aprofundavam na compreensão dos costumes indígenas,
e mais tarde demonstravam suas impressões acerca deles, através de cartas
descritivas. Demonstravam conhecimento, apesar das suas representações e
visões de mundo e da forma como visualizavam estas práticas ameríndias. O
tema família/matrimônio, bem como outras características acerca da cultura dos
índios, era discutido por estes clérigos e em alguns momentos geravam
discordâncias, bem como eram alvo de estudo por parte destes:

Também o padre Luis da Grã escrevendo de Piratininga, na


Capitania de São Vicente, em 1557, depois de afirmar que a
mais legítima é a filha da irmã avançou no estudo da questão,
apresentando uma teoria explicativa para o facto de ser a filha
da irmã e não a do irmão porque tem para si que a criança
não recebe carne da mãe, que é como um saco, mas sim do
pai:49

Gram, na questão da descendência indígena, uma das várias questões


discutidas e analisadas pelos jesuítas, procura responder de quem os filhos

46
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 221.
47
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 162.
48
“no que trabalham os irmãos que tem a seu cargo, principalmente o padre Luiz da Grã, com um trabalho incansável e
contínuo, procurando a salvação das almas; três quatro e cinco vezes reparte o pão da doutrina aos famintos, e tão
alegremente se ocupa em ensinar dois o três, pondo grande cuidado em visitar os enfermos, admoestar particularmente a
uns e outros, e ouvir confissões.” In: Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 162
49
Maria Beatriz Nizza da Silva; Harold Johnson. O Império Luso-Brasileiro. 1500-1620. Lisboa, Ed. Estampa. 1992. p.
390.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 214
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recebem maiores líquidos e carne. Ele afirma baseado no seu estudo da


organização social dos gentios, que a mulher não é senão um saco que armazena
seu filho durante a gestação, nada mais do que isso. É somente o pai que
contribui com sua semente para gerar a criança.
Na trajetória deste jesuíta no Brasil colonial quinhentista, há dois
momentos que merecem destaque. O primeiro refere-se a sua promoção para
provincial na colônia. As cartas que o indicaram para o cargo foram enviadas pelo
padre Laines, um dos fundadores da Companhia de Jesus, como consta nesta
passagem:

Alli estuvo el Padre Luis da Grana algunos anos exercitando


los ministerios de la Comp. Co mucho trabajo asi co los
blancos como co los indios [...] despues de algunos anos
ordeno hro pe Laynes de buena memoria, q el pe Luis da
grana tuviesse cargo desta provincia y ansi torno de S. Vicente
para este collegio y començo em el ano de 1560 a exercitar su
officio y comunmente venia del reyno [...]:50

O momento em que o clérigo recebe o comunicado é narrado pelo jesuíta


José de Anchieta. Este fato ocorreu no ano de 1560, e ele descreve como Gram
reagiu com a notícia, convidando todos os outros membros do clero presentes
para uma reunião, na qual falou sobre o acontecido. Inicialmente afirmou não ser
apto e merecedor do cargo, mas depois acabou por concordar em exercê-lo:
O padre Luiz da Grã não em assento firme para melhor acudir
a todos: agora esta em Piratininga, onde har muitos
portugueses co toda a sua família, e ai e em outros lugares ao
derredor procurando proveito espiritual dos portugueses e
seus escravos. Há pouco recebemos cartas em que se lhe
encomendava o cargo desta província, o que ele disse aos
irmãos, chamando a todos na igreja, e mandando-os sentar,
posto ele de joelhos, acusando-se gravemente, afirmando não
ser apto para tal cargo, e depois prostrado por terra, beijando
os pes a todos os irmãos:51

O segundo Momento foi marcado pela sua gestão, enquanto reitor, à frente
do colégio da Companhia de Jesus na capitania de Pernambuco, na qual teve

50
Historia dos Collegios do Brazil. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Volume XIX,
1897. p. 87.
51
José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 170.
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grande destaque:52, principalmente no episódio da construção de uma igreja


naquela localidade:

Estabelecendo-se dotação em 1576, convinha que houvesse


igreja digna da terra e dos padres. Luiz da Grã, nomeado
reitor em 1584, lançou mãos à obra, sem recursos econômicos
contando apenas na providência e na generosidade dos
pernambucanos. Não foram vãs as suas esperanças. O
Edifício da igreja crescia a olhos vistos [...] Dois anos depois,
estava coberta e pronta, só faltava caiar. De uma nave no
mais puro estilo jesuítico:53

As visitações realizadas por membros do clero, tanto bispos, quanto


jesuítas eram constantes no Brasil colonial do século XVI. Estas visitas eram
destinadas para observar como andavam o estado das almas em uma
determinada localidade, para semear as sementes do catolicismo e para propagar
suas doutrinas, nos territórios ainda não convertidos ao seu jugo. Os jesuítas,
como dito, ouviam confissões, admoestavam, levavam os seus ensinamentos,
realizavam casamentos, batizavam e fiscalizavam se o proceder dos moradores
estava de acordo com os princípios cristãos. Luiz da Gram visitou várias
capitanias, dentre as quais destacamos: Paraíba:54, Bahia, Pernambuco, Sergipe,
Espírito Santo:55, São Paulo, Rio de janeiro, até a região do Prata, no Paraguai:56.
O padre Antônio Pires descreveu em uma longa carta, uma visita realizada
por Gram à cidade da Bahia e os seus afazeres nesta visitação. Esta carta
contribui para que possamos visualizar o procedimento jesuítico nestes
trabalhos, e também a atuação deste clérigo, foco do estudo. Estas visitas
poderiam mostrar duas facetas desta postura evangelizadora da colonização
lusitana no novo mundo. Os clérigos eram, em alguns lugares, bem recebidos,
porém também o seriam com hostilidade em outros. Nestas visitações descritas
por Antônio Pires, os jesuítas foram recebidos com festas, o que não se pode
considerar como regra: “Daqui se foi Sancti spiritus que esta seis leguas desta

52
“(1577-1589) o reitor mais benemérito de Pernambuco, no século XVI.” In: Leite, História da Companhia de Jesus
no Brasil, p. 464. Serafim Leite complementa sobre este destaque “grande apostólico de Pernambuco.”. In: Leite,
Historia da Companhia de Jesus no Brasil, p. 480.
53
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 451.
54
Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 451.
55
Em 1568. In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 216.
56
Em 1555. In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 341.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 216
Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS]

cidade onde o receberam os principais com muita gente com folia de tamboris e
como lhe dizerem todos grandes e pequenos: Louvado seja jesus christo, e vieram-
no a receber com esta festa em grande pedaço de caminho e assi o foram
festejando ate a casa.”:57.
Nesta mesma localidade, quando da despedida de Gram, foi feita uma
grande celebração, para demonstrar o contentamento deles com a vinda e
permanência deste padre no local:

Quando desta povoacao de sancti spititu partiu pra esta que


digo o acompanhou muita gente, a qual junta com a que o
estava esperando no caminho da outra fazia grande somma.
Fizeram-lhe um recebimento como costumavam fazer em
outro tempo a seus feiticeiros, porque uma legua fizeram do
caminho bem largo, até a povoação: em um rio que sempre
passaram em suas jangadas, fizeram uma boa ponte bem
cunprida: tinham na entrada da legua uma ramada com sa
rede para o padre descancar e comer e ia um principal
dizendo palavras de muito amor e para que as saibaes referir-
vo-las-ie como as elles diziam: vinde, muito folgo com vossa
vinda, alegro me muito com isto; os caminhos folgam, as ervas,
os ramos, os passaros, as velhas, as moças, os meninos, as
aguas, tudo se alegra , tudo ama a Deus: 58

Esta Visitação realizada por Gram na Bahia e os seus arredores, foi


marcada pelos diversos batismos feitos: “E dizendo-lhes o padre que os
bautizaria, ficam tão contentes que mostravam bem que lhe davam a cousa mais
desejada. Aqui bautizou muitos e casou e creio que presto, os fará todos
christãos.”:59. Nesta primeira localidade, o jesuíta mostrou-se bastante satisfeito
com o que havia visualizado na sua chegada, pois a população estava disposta a
se converter:60. Luís da Gram os perguntou se queriam ser cristãos e obteve como
resposta: “muito há que eu peço, mas não me querem fazer.”:61.
A partir de finais do século XVI e inícios do XVII, Luís da Gram viveu
quase exclusivamente na capitania de Pernambuco, atuando como reitor do

57
Navarro, Cartas Avulsas, p. 302.
58
Navarro, Cartas Avulsas, p. 303.
59
Navarro, Cartas Avulsas, p. 302.
60
“Comecou o padre o visitar pela primeira visitacao que estara uma legua da cidade, onde há muitos christãos casados
como verao pela geral, dos quaes ficou tao satisfeito que lhe pareceu que não havia mais que desejar e determinou de
fazer logo a todos christãos, por lhe parecer que todos o mereciam, porque não há nem um que não peca que o facam
cristãos e muitos” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 302.
61
Navarro, Cartas Avulsas, p. 302.
Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 217
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colégio e em outras atividades. No ano de 1600, este clérigo aparecia como


confessor da igreja e domiciliar:62. Acabou os seus dias de vida nesta Capitania “a
16 de novembro de 1609. Tinha 86 anos de idade”:63.

Considerações finais

Ao término deste trabalho podemos afirmar que, tanto o padre Luís da


Gram quanto a Companhia de Jesus, instituição da qual ele fazia parte,
contribuíram significativamente para o processo de expansão da doutrina
Católica em terras brasileiras durante o período colonial. Observamos a
influência deste clérigo e atuação enquanto missionário e evangelizador. Um
intérprete requisitado, jesuíta bem visto perante seus companheiros de jornada,
promovido a provincial pela sua postura. Mas visualizamos também as
dificuldades pelas quais passou: enfermidades, inimizades, duras entradas pelos
sertões, entre outros momentos.
A ação dos jesuítas na colônia não se resumiu somente a evangelização.
Por estarem presentes no cotidiano colonial e participarem de muitas decisões
que acabavam por interferir na dinâmica da população, esta ordem esteve, em
muitos momentos, também envolvida nos dilemas e conflitos sociais durante os
três séculos em que desenvolveu suas atividades no Brasil colonial: “Desde os
primeiros tempos de sua presença, devido à tarefa que lhes foi atribuída, os
religiosos da Ordem estiveram profundamente imersos no quadro das múltiplas
disputas e conflitos que caracterizaram a sociedade colonial.” 64. Estas disputas
acabaram culminando com a expulsão desta ordem do Brasil colônia. De toda
forma, podemos concluir que, em atitudes individuais, trajetórias de exploração
ou dedicação às suas funções, os jesuítas deixaram marcas indeléveis na
história do Brasil e contribuíram com suas posturas e ensinamentos para o
desenvolvimento da religiosidade colonial.

62
“p. Luiz da Graa confessor da Igreja e dos da casa” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 583.
63
Serafim SLeite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 475.
64
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de História. [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006. p. 190.
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