Pedagogia em Participação - Tese
Pedagogia em Participação - Tese
Pedagogia em Participação - Tese
Instituto de Educação
janeiro de 2014
Universidade do Minho
Instituto de Educação
Dissertação de Mestrado
Área de especialização em
Supervisão e Pedagogia da Infância / Educação de Infância
janeiro de 2014
AGRADECIMENTOS
Neste espaço quero agradecer às pessoas que deram o seu contributo para o
desenvolvimento desta tese, incentivando e apoiando a minha jornada de trabalho, dedicação e
aprendizagem:
iv
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE EM CRECHE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O BEM-
ESTAR DAS CRIANÇAS
RESUMO
v
vi
QUALITY EVALUATION IN CRÈCHE: A CASE STUDY ON CHILDREN’S WELL-BEING
ABSTRACT
This study fits in Participatory Pedagogies and focuses on daycare’s quality evaluation. It
centers on study of two participatory pedagogies: HighScope Curriculum (Post & Hohmann,
2011; Oliveira-Formosinho, 2013) and Pedagogy-in-Participation (Formosinho & Oliveira-
Formosinho, 2008a; Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001b, 2011b, 2013).
These pedagogies put in the center the respect for the child since birth (Oliveira-
Formosinho & Araújo, 2011). Respect requires the promotion of the child’s well-being (Laevers,
2005).
From the methodological point of view, this study is inserted in the qualitative paradigm,
develops through a case study (Stake, 2012) with an observational nature and uses an
instrument for observing the child’s well-being (Laevers et al., 2005).
The ethics of the study was fulfilled by ensuring child’s anonymity and by anonymity and
informed consent of their parents, educators, and the institution that welcomed the research.
This study verifies the existence of very different levels of children’s well-being in
partipatory contexts and transmissive contexts.
Children’s well-being has a contextual nature, that is influenced by the type of educative
environment and the experiences that it enables.
The study has implications as for public policies and educators’ training policies as for
pedagogical practices on early childhood education classrooms.
vii
viii
ÍNDICE GERAL
AGRADECIMENTOS........................................................................................................................iii
RESUMO ........................................................................................................................................ v
ABSTRACT ..................................................................................................................................... vii
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................................xi
LISTA DE TABELAS......................................................................................................................... xii
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1
CAPÍTULO A – ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL ....................................................... 5
1. As gramáticas pedagógicas ............................................................................................... 5
1.1. As gramáticas pedagógicas transmissivas ................................................................. 5
1.2. As gramáticas pedagógicas construtivistas e participativas ..................................... 9
1.2.1. A abordagem HighScope para creche ............................................................. 14
1.2.2. A Pedagogia-em-Participação para creche ..................................................... 38
1.2.2.1. A construção da qualidade em creche ........................................................ 60
1.2.2.2. O papel da avaliação da qualidade em creche ............................................ 63
1.2.2.3. O bem-estar da criança: um contributo para a construção e avaliação da
qualidade em creche ................................................................................................... 67
CAPÍTULO B – METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO ..................................................................... 71
1. Origem da investigação ................................................................................................... 71
1.1. Objetivos do estudo ................................................................................................ 71
1.2. Formulação das questões de partida ...................................................................... 71
2. O objeto de estudo.......................................................................................................... 72
2.1. A seleção dos contextos e dos participantes .......................................................... 72
2.2. Acesso negociado e informado ao campo .............................................................. 72
3. O planeamento da investigação ...................................................................................... 73
3.1. O paradigma da investigação .................................................................................. 73
3.2. O método da investigação....................................................................................... 75
3.3. Os instrumentos e as técnicas de recolha de dados ............................................... 76
3.4. Procedimentos de tratamento, análise e interpretação dos dados recolhidos ...... 77
3.5. Credibilização da investigação ................................................................................ 77
CAPÍTULO C – APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO .................................................................... 79
1. Caracterização dos contextos de sala ............................................................................. 79
1.1. Caracterização do contexto educativo transmissivo............................................... 80
1.1.1. Organização do espaço e dos materiais .......................................................... 80
ix
1.1.1.1. Planta da sala .............................................................................................. 80
1.1.1.2. Utilização do PQA ........................................................................................ 81
1.1.2. Organização do tempo .................................................................................... 82
1.1.2.1. Utilização do PQA ........................................................................................ 82
1.1 . Caracterização do contexto educativo participativo............................................. 83
1.2.1. Organização do espaço e dos materiais .......................................................... 83
1.2.1.1. Planta da sala .............................................................................................. 83
1.2.1.2. Utilização do PQA ........................................................................................ 84
1.2.2. Organização do tempo .................................................................................... 84
1.2.2.1. Utilização do PQA ........................................................................................ 85
2. Análise comparativa dos dados recolhidos nos dois contextos ...................................... 86
CAPÍTULO D – RECOLHA E ANÁLISE DOS DADOS DA INVESTIGAÇÃO ......................................... 87
1. O estudo do bem-estar da criança .................................................................................. 87
1.1. O papel da observação ............................................................................................ 87
1.2. O instrumento pedagógico para a observação e avaliação do bem-estar da criança
................................................................................................................................. 88
1.2.1. Descrição ......................................................................................................... 88
1.2.2. Procedimentos utilizados ................................................................................ 90
2. Dados obtidos no estudo do bem-estar da criança ........................................................ 91
2.1. No contexto onde se pratica uma pedagogia transmissiva .................................... 91
2.2. No contexto onde se pratica uma pedagogia participativa .................................... 92
3. Análise comparativa dos níveis de bem-estar observados nos dois contextos .............. 93
CAPÍUTULO E – INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS .................................................. 95
CONCLUSÕES FINAIS ................................................................................................................... 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 101
ANEXOS ..................................................................................................................................... 111
x
LISTA DE FIGURAS
xi
LISTA DE TABELAS
xii
INTRODUÇÃO
3
compreender e transformar a experiência educacional sem que esta seja seriamente
interpretada e avaliada (Azevedo, 2009).
No âmbito da Pedagogia-em-Participação aborda-se a questão da qualidade, da sua
avaliação e do contributo do estudo do bem-estar da criança para a construção e avaliação da
qualidade. A Pedagogia-em-Participação, perspetiva pedagógica da Associação Criança (Oliveira-
Formosinho & Formosinho, 2001b), desde sempre apelou à assunção da avaliação das
aprendizagens e da qualidade dos contextos como dimensão central da pedagogia e afirmou a
necessidade do desenvolvimento profissional das educadoras encarar seriamente esta questão
(Oliveira-Formosinho, 1998).
O segundo capítulo expõe a metodologia utilizada neste estudo de caso, enquadrada no
paradigma qualitativo que fundamenta as escolhas realizadas na operacionalização da
investigação. A investigação constitui-se num estudo exploratório que compara o nível de bem-
estar da criança que experiencia uma pedagogia transmissiva com o nível de bem-estar da
criança que experiencia uma pedagogia participativa.
No terceiro capítulo descreve-se a investigação através da caracterização da natureza
dos contextos que a acolheram.
No quarto capítulo apresentam-se os dados recolhidos e faz-se uma análise comparativa
desses dados.
No quinto capítulo procede-se à discussão e interpretação dos resultados apurados na
análise anterior, orientadas pelos objetivos do estudo inicialmente definidos.
Por último, apresentam-se as conclusões, referem-se as implicações desta pesquisa
para a melhoria da qualidade dos contextos de creche e das práticas educativas e projetam-se
sugestões de prosseguimento do estudo.
4
CAPÍTULO A – ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL
1. As gramáticas pedagógicas
Tabela 1 - Tabela adaptada dos quadros comparativos de dois modos de pedagogia, de Júlia Oliveira-Formosinho (2007b, pp.
16-17)
Pedagogia da Transmissão
- centrado no professor
Método - centrado na transmissão
- centrado nos produtos
Materiais - estruturados
- utilização regulada por normas emanadas do professor
7
Avaliação - centrada nos produtos
- comparação das realizações individuais com a norma
Motivação - reforços seletivos vindos do exterior (do professor)
- diagnosticar
- prescrever objetivos e tarefas
Papel do professor - dar informação
- moldar e reforçar
- avaliar os produtos
Interação:
- alta
professor-criança
- baixa
criança-criança - baixa
criança-material
Tipos de
- grande grupo
agrupamento
- perspetiva transmissiva tradicional
Teóricos
- perspetiva comportamentalista
8
No que diz respeito à conceção de professor de quem se identifica com uma pedagogia
transmissiva, a lei e a ordem são duas condições que devem ser impostas e inscritas nas
crianças usando por vezes a inculcação do medo e a punição física como fatores de correção.
O objetivo do professor é combater a impulsividade, volatilidade e inexperiência da
criança tendo o professor o papel de “substituir uma natureza superficial, casual, peculiar, por
uma natureza estável e ordenada através de lições” (Oliveira-Formosinho, 2007b, p. 20). O
professor/educador organiza as lições por disciplinas, numa lógica de conteúdos que têm como
finalidade a mera aquisição de informação por parte da criança, de forma disciplinada.
O papel do professor não passa por ser criativo ou inovador nas suas práticas mas sim
por cumprir de forma obediente normas e regulamentos ditados superiormente (Formosinho &
Machado, 2007). Irá adotar por conseguinte um modelo pedagógico igualmente transmissivo e
estará a transformar a sua jornada de aprendizagem, e consequentemente as jornadas de
aprendizagem das crianças, num muro (Oliveira-Formosinho, 2007b).
A imagem de criança, de educação e de educador que advêm das gramáticas
pedagógicas transmissivas refletem uma orientação “mais para a obediência do que para a
liberdade, mais para a submissão que para a participação” (Formosinho & Machado, 2007, p.
314).
10
aprendizagem das crianças de forma partilhada e de maneira que faça sentido para todos os
atores envolvidos.
Apresenta-se, de seguida, um quadro ilustrativo das dimensões do desenvolvimento
curricular comum às várias pedagogias participativas que se operacionalizam através de um
saber e de um saber-fazer respeitadores da competência e agência da criança.
Tabela 2 - Tabela adaptada dos quadros comparativos de dois modos de pedagogia, de Júlia Oliveira-Formosinho (2007b, pp. 16-17)
Pedagogia da Participação
- promover o desenvolvimento
- estruturar a experiência
- envolver-se no processo de aprendizagem
Objetivos
- construir as aprendizagens
- dar significado à experiência
- atuar com confiança
- emergências das literacias
- conhecimento físico, matemático, social
Conteúdos
- metacognição
- instrumentos culturais
- aprendizagem pela descoberta
Método - resolução de problemas
- investigação
11
- estruturar o ambiente
- escutar e observar
- planificar
Papel do professor - avaliar
- formular perguntas
- estender os interesses e conhecimentos da criança e do grupo em
direção à cultura
- investigar
Interação:
- alta
Professor-Criança
- alta
Criança-criança - alta
Criança-material
Tipos de - individual
- pequeno grupo
agrupamento
- grande grupo
- High Scope (EUA)
- Kamii-De Vries (EUA)
Modelos - Reggio Emília (Itália)
- Modena (Itália)
Curriculares
- Pen Green (Inglaterra)
Concretos - Freinet (Brasil)
- Movimento Escola Moderna-MEM (Portugal)
- Pedagogia-em-Participação (Associação Criança, Portugal)
- Piaget
- Mead
Teóricos - Vygotsky
- Bruner
- Malaguzzi
12
Na perspetiva de Oliveira-Formosinho (2007b):
14
Na viagem que é a jornada de aprendizagem das crianças, os educadores que seguem
esta abordagem focalizam-se não só no desenvolvimento cognitivo das crianças mas também no
seu desenvolvimento socio emocional. São atentos, carinhosos, consistentes e apoiam os vários
interesses e necessidades das crianças, assim como os seus desejos de exploração com os
cinco sentidos. São adultos que refletem continuamente acerca do seu papel no processo
educativo. Incentivam a crescente participação e poder de decisão da criança, bem como a sua
autonomia e iniciativa na ação. Esforçam-se por facultar às crianças explorações
sensoriomotoras apelativas e estimulantes que as ajudarão a construir um conhecimento e
entendimento acerca do mundo social e físico com que contactam.
Neste contexto, os cinco princípios orientadores da aprendizagem são: a aprendizagem
ativa e as experiências-chave; as interações adulto-criança; o ambiente físico; os horários e
rotinas e finalmente a parceria entre a equipa educativa e os pais, orientada pela observação da
criança.
15
Na segunda categoria que caracteriza a aprendizagem ativa, o programa refere que as
crianças “aprendem porque querem” (Post & Hohmann, 2011, p. 27). São capazes de escolher
e decidir de forma autónoma e auto motivada o que querem fazer ao longo do dia e como o
querem fazer. Persistem ao seu ritmo nas atividades que iniciam e manifestam curiosidade e
preferência por pessoas, objetos, experiências. As crianças, apoiadas por educadores que lhes
proporcionam oportunidades educativas e ambientes desafiantes, seguros e confortáveis, vão-se
sentindo confiantes para se organizarem, por constatarem que têm controlo e eficácia pessoal.
Na terceira categoria, o programa explica como as crianças “comunicam aquilo que
sabem” (Post & Hohmann, 2011, p. 30). As crianças tomam iniciativas de contacto com os
adultos e manifestam-lhes o que sentem e descobrem nas suas aventuras quotidianas.
Comunicam através de sons, barulhos, palavras, expressões, gestos, ações, que vão
amadurecendo e complexificando ao longo do tempo. A compreensão da linguagem que as
crianças têm nos primeiros anos de vida antecede bastante a produção gramatical convencional,
pelo que enquanto não o fazem, vão comunicando da forma que sabem e que para elas faz
sentido. Desta forma ingressam na vida social da comunidade onde estão integradas ao seu
próprio ritmo e à sua maneira. Neste processo, os educadores observam, escutam e brincam
com as crianças para lhes responder adequadamente. Respeitam e incentivam a participação
ativa das crianças, mostrando-se atentos e interessados, assim como proporcionando espaço e
tempo para que possam expressar-se livremente.
A última categoria que a abordagem HighScope propõe para definir a aprendizagem
ativa refere que as crianças “aprendem num contexto de relações de confiança” (Post &
Hohmann, 2011, p.31). As categorias anteriores estão intimamente ligadas e dependentes das
relações de confiança que os adultos prestadores de cuidados proporcionam às crianças.
Para que as crianças se sintam valorizadas e sintonizadas, os adultos devem
proporcionar o carinho, conforto, respeito e equilíbrio emocional que as crianças necessitam e a
que têm direito, com continuidade, durante o máximo de tempo possível. O desenvolvimento das
crianças torna-se equilibrado e harmonioso, promovido por um contexto social rico, onde por
elas é vivida a aprendizagem ativa. Sem o calor das relações de confiança, os bebés e crianças
mais novas podem desenvolver sentimentos de angústia, tristeza e mágoa que podem prejudicar
o seu desenvolvimento saudável.
16
A teoria construtivista de Piaget (1952) acerca do desenvolvimento da criança defende
que as componentes das respostas físicas e mentais que ela possui em relação ao mundo que a
rodeia determinam a qualidade e a natureza do seu desenvolvimento. Baseado nessa teoria o
programa HighScope descreve nove experiências-chave1.
Falar de experiências-chave significa falar das linhas orientadoras que descrevem o que
as crianças aprendem desde cedo. São os conhecimentos e competências que ganham através
das suas ações e o que já são efetivamente capazes de fazer.
Os educadores compreendem que as explorações auto motivadas das crianças lhes
proporcionam experiências-chave, sendo esse o mote para guiarem, adequarem e melhorarem
as decisões que tomam na sua prática educativa e para as partilharem e interpretarem com os
pais das crianças.
A primeira experiência-chave referida pelo programa prende-se com “desenvolver o
sentido de si próprio” (Post & Hohmann, 2011, p.38). A criança, apoiada e integrada num
ambiente de aprendizagem ativa, começa a tomar consciência física de si própria e a perceber
que é capaz de agir, criar e responder de forma independente e competente: a criança
demonstra iniciativa; sabe diferenciar o “eu” dos outros; soluciona os problemas que vai
encontrando no seu caminho; faz coisas para si mesma.
A segunda experiência-chave traduz-se em “aprender acerca das relações sociais” (Post
& Hohmann, 2011, p. 40). Interagindo diariamente com os adultos e pares que a rodeiam, a
criança começa a aperceber-se como funciona a vida em sociedade. A natureza das relações
sociais que vai desenvolvendo decorre do tipo de interações que os educadores e os pais desde
cedo promoveram: se foram positivas, afetuosas e apoiantes, a criança sentirá confiança em si e
nos outros. A criança sente a necessidade de criar laços com os outros para que possa construir
um sentimento de pertença e de significado. Este sentimento, juntamente com o tipo de
interações que vai experimentando, irão influenciar as suas experiências e relações sociais do
futuro. As crianças aprendem acerca das relações sociais quando: criam vinculação com a
educadora responsável; criam relações com outros adultos; estabelecem relações com as
crianças do grupo; exteriorizam sentimentos e emoções; demonstram empatia ou compreensão
pelas necessidades e sentimentos dos outros; investem no jogo social.
1 Mais à frente neste texto poderá constatar-se que a última publicação da Fundação HighScope para a educação
em creche deixa o conceito de experiências-chave e apresenta o conceito de indicadores-chave.
17
A terceira experiência-chave para bebés e crianças pequenas tem a ver com “aprender a
reter coisas através da representação criativa” (Post & Hohmann, 2011, p. 42). A primeira
experiência de representação da criança surge quando ela desenvolve uma internalização
mental. Partindo das experiências de aprendizagem do quotidiano, ela começa a entender a
essência dos objetos e das suas funcionalidades, começando a criar imagens mentais deles
mesmo quando não os está a visualizar. Neste contexto as crianças: reproduzem e brincam ao
faz-de-conta; experienciam materiais de construção ou artísticos; reconhecem fotografias e
figuras; respondem a intenções.
A quarta experiência-chave refere-se à criança “ganhar competência no movimento e na
música” (Post & Hohmann, 2011, p. 43). Por um lado, ela começa a saber medir e controlar a
sua força física e a ter noção das potencialidades do seu corpo e dos movimentos. Fá-lo através
das experiências que realiza quando usufrui de espaço e liberdade para se mover. Por outro
lado, a consciência do som e ritmo é desenvolvida quando começa a explorar e sentir a música
com o seu corpo e sentidos. A criança tendo a oportunidade de desenvolver experiências no
âmbito desta experiência-chave: aprende a mover o corpo todo; a mover partes do seu corpo; a
mover objetos; a mover, ouvir e responder à música; a explorar e expressar ritmos, tons, sons e
canções.
A quinta experiência-chave que a abordagem HighScope refere tem a ver com “aprender
competências de comunicação e linguagem” (Post & Hohmann, 2011, p. 45). Os sistemas de
comunicação que a criança utiliza para expressar o que sente e deseja fortalecem-se com a
linguagem carinhosa dos adultos. Estes sistemas vão-se complexificando à medida que o seu
pensamento se vai estruturando. A criança cria assim condições para a entrada e participação
na comunidade social onde está inserida. Neste processo as crianças envolvem-se: na escuta e
resposta; nas comunicações não-verbais e também verbais; na comunicação do tipo dar-e-
receber; na exploração e apreciação de livros de figuras, histórias, cantigas e lengalengas.
A sexta experiência-chave prende-se com “aprender sobre o mundo físico explorando
objetos” (Post & Hohmann, 2011, p. 47). Tudo parece novo aos olhos de um bebé, por isso a
experiência sensorial torna-se apelativa e urgente para que conheça as características dos
objetos e as suas funcionalidades. Nesta viagem de descoberta a criança: explora os objetos
com os cinco sentidos; começa a perceber a permanência do objeto; observa e descobre as
diferenças e semelhanças das coisas.
18
A sétima experiência-chave passa por “aprender os primeiros conceitos de quantidade e
número” (Post & Hohmann, 2011, p. 48). Estes conceitos decorrem muito das descobertas que
a criança faz ao explorar os objetos que a rodeiam no dia-a-dia. A criança começa a construir
algumas noções relacionadas com a quantidade e o número e cria as bases para o
desenvolvimento de um raciocínio lógico: a criança explora o conceito de “mais”; a
correspondência de um-para-um; o conceito de número.
“Desenvolver a compreensão de espaço” (Post & Hohmann, 2011, p. 49) é a oitava
experiência-chave deste programa. A criança começa a apropriar-se do ambiente físico que a
rodeia, a organizar-se nele e a usufruir dele, desenvolvendo uma consciência do seu corpo e dos
seus sentidos diretamente do espaço. No âmbito desta experiência-chave a criança: observa e
percebe a localização das coisas; repara nas pessoas e nas coisas sob vários pontos de vista;
experimenta o encher e esvaziar, o colocar dentro e tirar para fora.
A nona e última experiência-chave descrita nesta abordagem passa por começar
“aprender sobre o tempo” (Post & Hohmann, 2011, p. 51). Quando a criança é muito nova o
tempo resume-se ao presente. Mas aos poucos vai começando a: prever acontecimentos;
aperceber-se do início e fim de um intervalo de tempo; a explorar o depressa e o devagar, a
causa e o efeito.
19
O segundo indicador-chave é o “desenvolvimento social e emocional” (Post, Hohmann &
Epstein, 2013, p.35). As crianças passam por várias experiências no âmbito do seu
desenvolvimento social e emocional desde o nascimento: distinguem o “eu” do outro;
experimentam uma relação de vinculação com um prestador de cuidados principal e
experimentam interações positivas com outros adultos e com os pares; expressam as suas
emoções; desenvolvem empatia pelas necessidades e sentimentos dos outros; brincam com
outras pessoas e participam em rotinas de grupo.
O terceiro indicador-chave diz respeito ao “desenvolvimento físico e saúde” (Post,
Hohmann & Epstein, 2013, p.39). A motricidade global e fina são fatores cruciais para o
desenvolvimento sensoriomotor dos bebés e crianças pequenas e é experimentada através da
movimentação de partes do corpo e do corpo todo, assim como da movimentação de objetos e
através da exploração de diferentes ritmos.
O quarto indicador-chave de desenvolvimento refere-se à “comunicação, linguagem e
literacia” (Post, Hohmann & Epstein, 2013, p.43). São várias as experiências que as crianças
têm a oportunidade de desenvolver no âmbito deste indicador-chave. As crianças escutam e
respondem de variadas formas, participam ativamente através da comunicação não-verbal e da
comunicação bilateral (do tipo dar-e-receber), exploram objetos com os cinco sentidos, exploram
revistas e livros de imagens e apreciam histórias, rimas, canções. Participam.
O quinto indicador-chave é o “desenvolvimento cognitivo” (Post, Hohmann & Epstein,
2013, p.46). Este indicador desdobra-se em conjuntos de experiências no âmbito da exploração
(as crianças exploram objetos com os sentidos, descobrem a permanência do objeto, reparam
nas similitudes e diferenças das coisas) da quantidade (as crianças experimentam o mais e o
menos, a correspondência de um para um e exploram o conceito de número), do espaço (as
crianças descobrem a localização dos objetos, experimentam o juntar e o separar, o encher e o
esvaziar e observam de diferentes perspetivas) e do tempo (reparam no início e fim de um
intervalo de tempo, exploram o depressa e o devagar, antecipam acontecimentos e constatam a
relação de causa-efeito).
O sexto e último indicador-chave de desenvolvimento refere-se às “artes criativas” (Post,
Hohmann & Epstein, 2013, p.53). No âmbito deste indicador, as crianças são apoiadas nas
suas explorações sensoriomotoras que depois vão servir de base e incentivar as representações
criativas. As crianças têm a oportunidade de desenvolver uma série de experiências (como imitar
e simular; explorar materiais artísticos e de construção; identificar e responder a imagens;
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escutar, apreciar e responder à música; explorar diferentes sons e afinações vocais) que lhe
fornecerão ferramentas essenciais à sua expressividade e intencionalidade das suas
experimentações, criações, representações.
INTERAÇÕES ADULTO-CRIANÇA
21
Um dos objetivos centrais dos educadores é proporcionar interações facilitadoras de um
desenvolvimento saudável e harmonioso sustentado numa forma integrada de aprender.
Interações calorosas e estimulantes, quer em casa, quer na instituição, proporcionam à criança
o “combustível” emocional que ela precisa para ter força, liberdade e vontade de explorar e
resolver os enigmas e problemas com que se depara no seu dia.
Para desenvolver interações positivas e respeitadoras dos direitos das crianças, os
educadores que seguem o modelo HighScope mobilizam quatro estratégias gerais que depois se
desdobram em estratégias mais específicas.
Assim como acontece na relação entre pais e filhos, é também muito importante
existirem cuidados contínuos prestados por (pelo menos) um mesmo educador durante a
infância, pois assim todos retiram benefícios (a criança, a família e o educador). Este programa
tenta garantir esta continuidade dos cuidados pois tem-se a consciência de que pode ser
stressante, confuso e angustiante para a criança ter que se adaptar a diferentes educadores em
curtos espaços de tempo, acabando por não estabelecer vinculação a nenhum. Mas isto não
invalida que o educador esteja integrado numa equipa, trabalhe em parcerias e partilhe
informações.
Com o intuito de promover a continuidade dos cuidados, este programa sugere que se
tenham em conta estratégias mais específicas.
Uma dessas estratégias passa por a criança desfrutar de um educador responsável no
seu quotidiano e estar integrada num pequeno grupo de crianças que usufruam da mesma
equipa de educadores. Cada educador é considerado pessoa chave ou figura principal para
algumas crianças (duas, três ou quatro) e secundária para outras (que terão outro educador
responsável). Cada educador exerce um papel fulcral na vida quotidiana da criança como agente
apoiante, tranquilizador e transmissor de carinho e confiança.
Outra estratégia específica afirma que quando um educador responsável se ausenta, a
criança e os seus pais devem ser informados (pelo adulto que fica na sua vez) desta ausência,
de quando será o regresso e de quem ficará responsável pela criança durante esse tempo. A
22
criança não fica insegura nem desconfortável pois está também familiarizada com os outros
adultos da sala, que também lhe prestam cuidados.
Num ambiente de aprendizagem ativa salutar e suave, outra estratégia específica
utilizada é que as crianças e o seu educador responsável permaneçam juntos ao transitar de ano
letivo (bem como o(s) outro(s) pequeno(s) grupo(s) presente(s) na mesma sala e seu(s)
respetivo(s) educador(es) responsável(is)), mesmo que para isso seja necessário mudar de sala.
Para garantir a continuidade dos cuidados é também considerada uma estratégia
específica importante que os educadores adequem os seus horários às necessidades das
crianças, para que lhes seja proporcionado, bem como às suas famílias, sentimentos de
segurança e confiança com conforto nos momentos mais precisos.
Outra estratégia específica recorrentemente utilizada neste programa para garantir a
continuidade dos cuidados é o registo diário e completo das observações das crianças por parte
da equipa educativa, guiando-se pelas experiências-chave que já foram interiorizadas e que os
ajudam a descrever o que as crianças são capazes de fazer.
Os educadores integrados no programa HighScope dão bastante importância à
observação e escuta da criança, para melhor a compreender e lhe responder, constituindo esta
outra estratégia específica. Observando e escutando, os educadores fazem registos mais
fundamentados do que as crianças vão comunicando através de certas expressões faciais,
gestos, barulhos ou comportamentos e do que vão fazendo. Assim refletem sobre o significado
das exteriorizações das crianças.
Esta estratégia geral ajuda então os educadores a planificarem de forma mais adequada
e intencional. Os registos são disponibilizados aos pais para poderem conversar de forma mais
fundamentada acerca das experiências de aprendizagem que os educandos desenvolvem. Os
pais também podem deixar diariamente à equipa educativa observações que achem pertinentes
acerca da sua criança.
Segunda estratégia geral: “criação de um clima de confiança com as crianças” (Post &
Hohmann, 2011, p. 67)
Esta estratégia geral é usada para se construir e manter relações facilitadoras, apoiantes
e respeitadoras e para tal comporta algumas estratégias específicas.
23
A aprendizagem ativa das crianças mais novas é muito baseada na experiência
sensorial. Tendo elas uma compreensão muito apurada e sensível da expressão não-verbal do
outro, é impreterível que os educadores lhes toquem com carinho, brinquem e conversem com
elas serenamente, proporcionando um clima suave e de partilha em que a criança se sente
segura e serena, constituindo-se esta uma das estratégias específicas.
A criança aprende a confiar em si e no outro e é também importante a estratégia
específica de os educadores desfrutarem verdadeiramente das interações com a criança, sendo
capazes de demonstrar o prazer que delas retiram.
Outra estratégia específica para criar um clima de confiança com as crianças passa por
estar atento às necessidades das crianças para lhes responder de modo facilitador. Esta é uma
característica que os adultos devem possuir pois ao reconhecerem carinhosamente os
sentimentos individuais das crianças e ao demonstrarem uma autêntica preocupação pelas suas
ansiedades e angústias, as crianças sentem-se compreendidas e apoiadas.
No decorrer destas interações, o tempo que é dado às crianças para que interajam e
respondam consoante os seus ritmos e vontades é outra estratégia específica que os educadores
devem utilizar. Os educadores percebem a relevância do interesse das crianças em brincar
repetidamente com algo e sabem que estas ações, quando são auto motivadas e respeitadas,
consolidam competências e capacidades em desenvolvimento.
Em contextos de aprendizagem ativa os educadores interagem sensatamente com as
crianças de modo a “dar-e-receber”, ajustando-se ao ritmo da criança e respeitando-o, sem a
confundir ou inibir. Dão-lhe espaço e tempo para desenvolver a iniciativa de conduzir o diálogo
ou a interação da sua forma.
Os educadores HighScope recusam sentimentos de ciúme. Tentam, pelo contrário,
incentivar e apoiar oportunidades de as crianças desenvolverem ou fortalecerem outras relações
(com outras crianças ou adultos). Reconhecem a importância que estas brincadeiras e
interações proporcionam ao desenvolvimento social e à complexificação da exploração que as
crianças fazem da comunidade que as rodeia.
Terceira estratégia geral: “criação de uma relação de cooperação com as crianças” (Post
& Hohmann, 2011, p. 73).
24
Os educadores que praticam o programa HighScope tentam trocar qualquer tipo de
interação hierárquica ou diretiva por parcerias com as crianças. Partilham o controlo,
negoceiam, valorizam as iniciativas das crianças e tentam fazer com que elas se sintam
competentes, respeitadas e realizadas.
Neste sentido, uma das estratégias específicas para alcançar a criação destas parcerias
consiste nas interações que o educador desenvolve com a criança colocando-se ao nível físico
dela. Torna-se impulsionador da comunicação e de maior proximidade os adultos tomarem o
gesto de se baixarem e sentarem no chão para poderem olhar nos olhos das crianças, trocarem
expressões faciais e terem contacto físico com elas. Assim as crianças sentem-se acolhidas,
atendidas e numa posição de igualdade.
Os temperamentos e preferências das crianças são respeitados pelo educador,
constituindo-se este respeito como outra estratégia específica. Ele tem-nos em conta, apoia-os e
adapta-se a eles em vez de os tentar modificar, nunca esquecendo que as necessidades e
interesses das crianças vão mudando com o tempo:
25
Percebe-se que os educadores estão a utilizar outra estratégia específica para promover
a continuidade dos cuidados quando comentam e reconhecem as competências, ações e ideias
das crianças. Por exemplo, descrevendo e conversando com as crianças o que estão a ver ou
fazer, o educador respeita os seus tempos e incentiva as suas competências comunicativas.
Estando conscientes de que os bebés e as crianças mais novas atravessam uma fase
egocêntrica e podem não perceber o ponto de vista dos outros, os educadores mobilizam a
estratégia específica de saber o quão pertinente é compreender o que as crianças fazem
colocando-se na perspetiva delas, podendo assim adotar uma postura apoiante.
Quando a criança resiste a fazer alguma coisa, o educador deixa-a escolher. Ao utilizar
esta estratégia específica de oferecer opções acerca da maneira como pode decidir realizar a
tarefa, o educador está a facilitá-la sem ter que a impor à criança e ambos partilham o controlo
das situações.
Quarta estratégia geral: “apoio às intenções das crianças” (Post e Hohmann, 2011, p.
82).
26
Os educadores apoiam as crianças nas variadas escolhas que elas fazem ao longo do
dia na sequência das suas brincadeiras e explorações, conduzindo esta estratégia específica a
experiências de aprendizagem significativas.
Quando por alguma razão (falta de materiais ou ideias, por exemplo) as crianças não são
capazes de praticar, complementar ou concluir alguma tarefa, os educadores ajudam-nas a
alcançarem o seu objetivo. O educador que utiliza esta estratégia específica assume uma
postura facilitadora, apoiante e fortalecedora das iniciativas da criança, mas resistindo à
tentação de mostrar imediatamente como se faz algo que a criança não consegue fazer ou
realizar a tarefa na vez dela.
Ao tentar proporcionar às crianças condições para que elas consigam explorar e brincar
com materiais variados e ao incentivar a sua autonomia e autoconfiança, os educadores
facultam às crianças tempo para que consigam resolver os problemas com que se deparam,
constituindo-se esta como outra estratégia específica.
Quando elas se envolvem em agressões físicas ou choram, o educador tem o papel
fundamental de apoiar a resolução dos conflitos sociais, mas não de resolvê-los por elas. É
importante que no âmbito desta estratégia específica, o educador consiga mediar a situação de
forma tranquila e carinhosa, transmitindo serenidade, mostrando-se neutro e incentivando a
crescente autonomia das crianças na resolução de conflitos. Os objetivos são contribuir para a
progressiva complexificação do raciocínio e reflexão das crianças, do sentimento de confiança
que desenvolvem por si próprias e pelos outros e ainda o reforço da cooperação e respeito entre
pares e educadores.
A título de exemplo, perante uma disputa entre duas crianças por um brinquedo, o
educador que conhece a abordagem HighScope à resolução de conflitos, começaria por se situar
ao nível físico das crianças e deter as agressões. De seguida, e de forma afetuosa, tentaria
perceber e reconhecer o que as crianças envolvidas estariam a sentir, ajudá-las a descrever o
sucedido, reformulando-o para que se torne mais percetível e depois incentivá-las a darem ideias
para resolverem o problema em conjunto, elogiando a participação de ambas as partes.
Posteriormente à solução do conflito, o educador manter-se-ia perto das crianças envolvidas
ainda por algum tempo certificando-se que tudo estaria bem.
27
AMBIENTE FÍSICO
Primeiro pressuposto: “criar ordem e flexibilidade no ambiente físico” (Post & Hohmann,
2011, p. 102).
28
Os educadores responsivos e conscientes de que os interesses das crianças estão em
constante transformação apoiam as escolhas das crianças acerca do mundo que as rodeia e do
que elas querem fazer, incentivando a sua iniciativa e capacidade de partilhar o controlo e
confiança nessas escolhas.
Ao ser planeado o espaço por áreas e ao serem dispostos adequadamente pela sala os
vários equipamentos e materiais, está a ser operacionalizada “a primeira forma de intervenção
da educadora ao nível do currículo HighScope e, de um modo geral, ao nível dos currículos que
se situam numa perspetiva construtivista” (Oliveira-Formosinho, 2013, p. 85). Posteriormente e
de forma articulada são operacionalizadas as outras dimensões interventivas.
Os adultos prestadores de cuidados planeiam a organização da sala de atividades tendo
em conta que é importante definir áreas bem delineadas:
- reservadas para os cuidados (compostas por zonas de preparação de alimentos e de
refeições, zonas para o descanso e sesta e ainda zonas destinadas à higiene, todas
separadas umas das outras para que sejam garantidas as condições de satisfação das
necessidades das crianças);
- reservadas para a brincadeira (zonas espaçosas e equipamentos propícios ao jogo
cooperativo e também zonas privadas e recatadas, sejam cantos, túneis, ou quaisquer
outros dispositivos para brincarem isoladamente e estarem sossegados).
- uma área situada na entrada da sala destinada à receção e despedida das famílias
(desejavelmente).
A sala deverá incluir uma zona de chão livre, ampla, desimpedida de mobiliário e
equipamentos desnecessários, proporcionando às crianças visibilidade sobre todos os cantos e
atividades da sala. Mobílias, equipamentos e caixas móveis seguros e adequados são também
imprescindíveis numa sala de atividades, proporcionando versatilidade e flexibilidade na sua
organização e disposição, podendo ser aproveitados para delinear áreas.
Outra forma de propiciar ordem e flexibilidade tem a ver com a acessibilidade ao espaço
exterior, que muitas oportunidades de exploração sensoriomotora pode proporcionar às crianças.
Sabendo o quão precioso é para os bebés e crianças pequenas terem a possibilidade de brincar
ao ar livre num espaço repleto de experiências de aprendizagem interessantes, os educadores
facilitam a livre transição interior/exterior. Idealmente, o espaço exterior inclui um espaço com
29
teto transparente que abrigue as crianças para que possam usufruir do espaço ao ar livre e
observar as diferentes condições climatéricas da região, mesmo que chova ou neve.
30
uma melhor e mais rápida acessibilidade e funcionalidade, devendo estar referenciados e fazer
sentido para todos.
Os apetrechos e utensílios do quotidiano devem estar disponíveis de forma segura e
funcional aos adultos, facilitando a rapidez e fluidez nas rotinas e ações do dia-a-dia, bem como
tornando funcional e rentabilizando o tempo, a atenção disponibilizada e os cuidados e práticas
prestados.
Para facilitar a transição de casa para o centro e para as crianças se sentirem acolhidas,
tranquilas e mais felizes no tempo que lá permanecem, é muito importante que a entrada seja
acolhedora e que existam coisas que tragam recordações reconfortantes de casa, tais como
objetos de conforto pessoal e fotografias das famílias das crianças, ou de eventuais animais de
estimação e até da própria casa (disponíveis em álbuns ou removíveis das paredes em áreas
estratégicas, devidamente protegidas).
O sentimento de pertença e conforto das crianças é ainda desenvolvido quando os
educadores expõem as produções criativas das crianças, pois elas sentem-se reconhecidas e
valorizadas ao verem reflexos de si próprias e das suas criações artísticas representados naquele
espaço.
Para a criação de um ambiente acolhedor e interessante para os múltiplos sentidos da
criança é importante que o educador se coloque ao nível da criança, pois assim consegue
perceber melhor o ponto de vista das crianças e poderá saber melhor o que fazer para tornar o
ambiente mais estimulante.
Tendo em conta que as crianças exploram e aprendem com todo o seu corpo e sentidos
os educadores aliam as suas interações calorosas, consistentes e apoiantes ao ambiente físico
apelativo, versátil e desafiante. Isto promove o conforto e o bem-estar das crianças para que a
aprendizagem e desenvolvimento sejam facilitados.
Para amparar o desenvolvimento sensório-motor das crianças, o ambiente educativo
deve fazer um apelo aos seus sentidos múltiplos, proporcionando materiais e experiências de
aprendizagem que vão ao encontro das explorações sensoriais e lúdicas que lhes interessam
naturalmente. Existe toda uma diversidade de materiais que o educador pode utilizar para
31
potencializar o desejo intrínseco de exploração de cada criança, despertando a sua curiosidade e
estimulando a sua criatividade: materiais versáteis e flexíveis; materiais com diversas texturas
para as crianças explorarem tactilmente e ainda materiais que proporcionem vistas atrativas e
acessíveis à criança nas diferentes atividades e rotinas de cuidados.
Seriamente pensada pelos educadores, devido à sua importância para o
desenvolvimento sensoriomotor das crianças, é a estratégia de lhes proporcionar espaço e
materiais para se movimentarem à vontade. Esta liberdade facilita a necessidade de
desenvolvimento de experiências de movimento da criança. É importante para as crianças
usufruírem de espaços interessantes e adequados, bem como ser-lhes concedida livre expressão
para ativar, desenvolver e controlar a sua motricidade geral e fina de forma desafiadora.
O educador deve ter o cuidado de facultar variedade a nível de escala, nivelamentos
físicos múltiplos e zonas que atendem aos diferentes níveis de atividade/jogo e disposição da
criança.
- uma área destinada às refeições e sua preparação, que seja agradável, com condições
para apoiar a alimentação saudável das crianças bem como a sua autonomia, interações
sociais e interesse de exploração da comida;
- uma área destinada ao sono e descanso que seja recatada, aconchegante e tranquila,
ajustável às diferentes necessidades e ritmos individualizados de cada criança;
- uma área destinada à higiene que seja apelativa, de fácil e rápido acesso aos educadores
e, de preferência, situada num local perto da casa-de-banho ou pelo menos de um lavatório.
Desejavelmente esta área terá vista para o exterior (por exemplo, através de uma janela) e
proporcionará visibilidade ao adulto que presta o cuidado sobre o resto da sala e também
das outras crianças sobre ele;
32
- espaços interiores para a brincadeira que sejam atrativos e cómodos e que respondam às
necessidades de exploração, jogo e aprendizagem das crianças, adequadas a bebés e
adequadas a crianças, devendo sempre estar afastadas das três áreas referidas nos pontos
anteriores. Este programa propõe que se incluam: zonas para estimular o movimento e a
educação musical, zona de areia e água, zona dos livros, zona das artes, zona dos blocos,
zona da casinha das bonecas e zona dos jogos e brinquedos.
- espaços exteriores que sirvam para o recreio, contíguos ao espaço interior da sala de
atividades para exploração de equipamentos, materiais e brinquedos de exterior e para
desenvolver experiências de aprendizagem sensoriomotoras ricas e complementares às
experiências realizadas no interior. O ambiente exterior deverá oferecer paisagens
interessantes, contacto com diferentes condições climatéricas e invocar a interação das
crianças com elementos da natureza.
Os horários e rotinas são planificados pela equipa educativa de forma a fazerem sentido
para todos, escutando as preocupações dos pais e centrando-se nas necessidades, interesses e
características individuais das crianças, auscultados constantemente.
Os adultos prestadores de cuidados tentam conciliar os horários personalizados de cada
bebé ou criança com as rotinas de cuidados tranquilas e com os horários quotidianos previsíveis,
pensados e definidos para todos. Esta constitui uma tarefa de gestão desafiante, difícil de
praticar no dia-a-dia e que exige um grande esforço de coordenação, empenho e reflexão por
parte de cada educador responsável e posteriormente uma reflexão conjunta da equipa de
educadores:
33
Num programa de aprendizagem ativa, os educadores têm em mente duas orientações
das decisões a respeito da organização e implementação dos horários das atividades e das
rotinas diárias.
Primeira orientação: “criar um horário diário que seja previsível mas flexível” (Post &
Hohmann, 2011, p. 197).
34
Segunda orientação: “incorporar a aprendizagem ativa, incluindo o apoio do adulto, em
cada parte do dia” (Post & Hohmann, 2011, p. 204)
35
orientadoras (que tem sempre em mente) e que o ajudam a descrever e interpretar o que as
crianças sabem e conseguem fazer.
A abordagem HighScope não propõe qualquer modelo de programação pré-definido e
rígido. Antes sugere determinados tempos para os educadores disporem e poderem orientar a
planificação das atividades do dia em articulação com os tempos de cuidados corporais
adaptados às necessidades e temperamentos de cada criança. Fazem-no, tendo sempre em
conta aquilo que foi referido anteriormente acerca da flexibilidade dos horários.
Uma sugestão de programação diária segundo a abordagem HighScope para creche
seria: chegada; tempo de escolha livre; pequeno-almoço; tempo de escolha livre; tempo de
grupo; tempo de exterior; almoço; sesta; tempo de grupo; lanche; tempo de exterior; tempo de
escolha livre e partida.
38
profissionais de desenvolvimento humano que se preocupam com a qualidade dos serviços
educativos prestados à infância.
A criação da Associação Criança teve por base a pesquisa de João Formosinho no que
se refere à desconstrução da passividade pedagógica e cultural e aos direitos do discente a
participar e pertencer (Formosinho, 1987). A desconstrução da passividade e a construção da
participação exigiu um processo investigativo em torno da escola como comunidade
(Formosinho, Sousa Fernandes, Sarmento & Ferreira, 1999), da formação de profissionais de
desenvolvimento humano (Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002). Exigiu ainda a
desconstrução da escola burocrática e centralizada que promove um currículo pronto-a-vestir de
tamanho único (Formosinho, 2007). Teve também por base a pesquisa de Júlia Oliveira-
Formosinho sobre a escola como espaço cívico e moral que visa o desenvolvimento de
identidades plurais com direito a ser e a estar em comunicação e exploração (Oliveira-
Formosinho, Katz, McClellan & Lino, 1996) e a formação de professores para a educação
holística da criança que visa experienciar e explorar em comunicação e criar significado para as
aprendizagens que resultam da aprendizagem experiencial (Oliveira-Formosinho, 1992).
A Associação Criança tem sede em Braga, foi apoiada pela Fundação Calouste
Gulbenkian entre 1996 e 2002 e desde a sua criação que conta com o apoio da Fundação Aga
Khan, com a qual continua a desenvolver parceria. Desta parceria nasce o Programa de
Educação e Desenvolvimento da Infância que proporciona o desenvolvimento da Pedagogia-em-
Participação em centros de educação de infância, destacando-se o trabalho que tem vindo a ser
desenvolvido no Centro Infantil Olivais Sul, em Lisboa.
Desde 1996 que através de processos colaborativos, a Associação Criança produz
investigação e proporciona apoio sustentado a profissionais e contextos de infância públicos e
privados (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001a). Na gênese deste trabalho está o Projeto
Infância (Oliveira-Formosinho, 1998) que se desenvolveu na linha de integração da formação,
intervenção e pesquisa.
À luz das duas dimensões cívicas privilegiadas pela Associação Criança - liberdade
individual e justiça social - a sua missão prende-se com “enriquecer de características
humanizantes os diversos contextos que a criança experiencia na sua vida e com a
disseminação e promoção de programas de intervenção para a melhoria da educação das
crianças pequenas nos seus contextos organizacionais e comunitários” (Oliveira-Formosinho &
Formosinho, 2001a, p. 27).
39
Incentivar a abertura aos processos de avaliação, transformação e inovação que
conduzem a processos de desenvolvimento, aprendizagem e qualificação profissional (Oliveira-
Formosinho & Formosinho, 2001a) são também propostas desta Associação.
O trabalho da Associação Criança centra-se essencialmente no cruzamento do
desenvolvimento dos profissionais de educação de infância, com o desenvolvimento
organizacional dos contextos onde trabalham e na investigação destes processos interativos e
desenvolvimentais que visam promover o bem-estar e aprendizagem das crianças em
colaboração com as famílias (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2001a). O instrumento
privilegiado para fazer este trabalho é a formação em contexto (Oliveira-Formosinho &
Formosinho, 2001a; Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002) orientada para a transformação e
investigação praxiológicas (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012).
A formação em contexto tal como concebida pela Associação Criança sublinha a
importância de referenciais teóricos partilhados, de perspetivas participativas para a avaliação e
desenvolvimento da qualidade, de processos homólogos entre a aprendizagem da criança e a
aprendizagem dos adultos.2
Para mais informação sobre a fundação e desenvolvimento da Associação Criança consultar Oliveira-Formosinho e
2
Formosinho (2001b).
40
Dispõe também de estudos externos sobre a perspetiva pedagógica (Mesquita-Pires,
2012), sobre o quotidiano da pedagogia (Pinazza, 2012), sobre as equipas educativas
(Figueiredo, no prelo), sobre as transições entre ciclos (Monge, no prelo), sobre a formação em
contexto (Oliveira-Formosinho & Kishimoto, 2002; Castro, 2012), sobre a intencionalidade
pedagógica (Freitas, a defender em 2014).
Esta perspetiva educativa pertence à família das pedagogias participativas e o seu
quadro teórico é comum à educação pré-escolar e à creche, uma vez que as grandes finalidades,
a conceção de educação de infância, a imagem de educador e a imagem de criança que esta
perspetiva defende têm uma base paradigmática comum.
A Pedagogia-em-Participação tem como grande finalidade “apoiar o envolvimento da
criança no continuum experiencial e a construção da aprendizagem através da experiência
interativa e contínua, dispondo a criança tanto do direito à participação como do direito do apoio
sensível, autonomizante e estimulante por parte do(a) educador(a)” (Oliveira-Formosinho, 2011,
p. 103).
No âmbito do quadro paradigmático a democracia está no coração das crenças, dos
valores e dos princípios da Pedagogia-em-Participação (Oliveira-Formosinho, 2008a) e está
presente ao nível das grandes finalidades da educação de infância, do desenvolvimento do
quotidiano, da formação dos profissionais, dos processos de pesquisa.
“A plena assunção de um contexto de creche enquanto espaço democrático necessitará,
num primeiro momento, de desafiar imagens que poderão constituir obstáculos à concretização
de crenças, valores e princípios democráticos” (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013a, p. 13). O
centro de educação de infância, o educador e as equipas educativas têm um papel de
conscientização (Freire, 1970) no âmbito cívico e pedagógico. Através da análise, do diálogo e
da inovação fazer uma jornada de crescimento no respeito pelas crianças e adultos, no
reconhecimento das diferenças (sejam elas étnicas, linguísticas, culturais, raciais, de género, de
condição social, ou de personalidade), na inclusão das diferenças (integrando a diferença e
combatendo a discriminação e as desigualdades) e no incentivo à vivência dos princípios e
valores democráticos no quotidiano. Estes processos democráticos e humanizantes, rigorosos e
eficazes têm em vista cultivar uma imagem de pessoa humana com direitos e deveres que se
desenvolve a partir de uma criança que experiencia direitos e deveres. Os adultos que trabalham
com as crianças são também considerados sujeitos participativos de direitos. Uns e outros são
41
respeitados nas suas jornadas de aprendizagem que devem permitir desenvolver identidades
aprendentes (Figueiredo, no prelo; Monge, no Prelo).
A Pedagogia-em-Participação “advoga a agência e competência participativa de todas as
crianças, sem reservas suscitadas por qualquer condição idiossincrática” (Araújo & Costa, 2010,
p.8), devendo-se compreender o valor que as experiências de aprendizagem de qualidade
proporcionadas às crianças representam para o seu desenvolvimento integral e integrado. A
Pedagogia-em-Participação considera que a pedagogia só consegue fazer estas integrações, que
se traduzem em aprendizagens mais profundas, quando olha para a criança e para o grupo,
praticando diferenciação pedagógica e integrando o grupo, e proporciona experiências e
aprendizagens significativas num contexto democrático.
Acredita-se que não se trata de uma visão inatingível pois quando se pensa desta forma
não há outra maneira de se praticar pedagogia que não a de proporcionar condições para que as
crianças (e os adultos) “possam exercer a capacidade de que dispõem – a agência que nos
afirma como seres livres e colaborativos e com capacidade para pensamento e ação reflexiva e
inteligente” (Oliveira-Formosinho, 2008a, p. 38).
A Pedagogia-em-Participação mobiliza um conceito de inovação, inspirada em Paulo
Freire (2000a), entre outros autores, que incentiva à coragem de se lutar pelos ideais e
princípios em que acreditamos.
Entre os caminhos que tem percorrido na investigação, a Pedagogia-em-Participação
propõe a investigação praxiológica (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012) como uma
forma de revisitação da investigação-ação para responder aos desafios que os analistas da
investigação-ação foram apresentando a este meio de investigação (Reason & Bradbury, 2001;
Noffke & Somekh, 2010). Tem sido reconhecida a importância vital para a inovação educacional
que advém da investigação-ação (Máximo-Esteves, 2008), mas tem sido também salientada a
necessidade de rigor nos processos de inovação desenvolvidos no âmbito da investigação-ação e
no seu relato. A investigação praxiológica apresenta-se como uma possibilidade de conquistar
rigor nos processos investigativos da transformação da ação e sua disseminação sem perder o
seu caráter de inovação. Ela é cada vez mais reconhecida como uma alternativa viável e eficaz
na compreensão da complexidade da transformação da realidade educativa (Pascal & Bertram,
2012; Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012).
Através do conhecimento que produz, a investigação praxiológica visa a transformação
da praxis educativa e dos contextos educativos. Acredita-se que esta transformação garante o
42
direito das crianças e suas famílias a serem melhor servidas, dos profissionais a aprender e de
todos a conviverem num ambiente de qualidade que valorize a participação e a competência de
cada criança na construção do quotidiano e do conhecimento.
A investigação praxiológica serve-se da monitorização dos processos educativos e das
aprendizagens das crianças e adultos para apoiar o direito ao desenvolvimento profissional de
quem está envolvido na educação das crianças (Araújo, 2012; Pinazza, 2012). A investigação
praxiológica constitui-se numa forma de procura de uma “ciência social para o social”
(Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012, p. 591).
Este formato de investigação tem estado na base de vários estudos (Araújo, 2011;
Cardoso, 2012; Sands, Carr & Lee, 2012; Pinazza, 2012; Whalley, Arnold, Lawrence & Peerless,
2012) que sustentam a necessidade de uma compreensão profunda do papel das dimensões
educativas no ambiente educativo.
43
As dimensões pedagógicas integradas têm uma dinâmica de cariz interativo e
transformativo se pensadas e contextualizadas aos propósitos das crianças em interação aos
propósitos dos profissionais. Funcionam como linhas orientadoras para o pensamento e a ação
da equipa educativa. Apelam à avaliação da ação.
Concretizando, a Pedagogia-em-Participação exige a avaliação da qualidade da
organização dos espaços, da diversidade dos materiais, da organização do tempo, para que se
possa fazer a avaliação das aprendizagens das crianças.
Realizada esta análise crítica e interativa dentro da interatividade das dimensões e na
interatividade das dimensões com as aprendizagens, o caminho não está feito. Continuam as
perguntas: qual a relação entre a qualidade das interações e a conquista da aprendizagem pela
criança? Multiplicam-se as perguntas, procuram-se as respostas. Algumas respostas serão
dadas, outras serão adiadas. A reflexão analítica e crítica, essa nunca pode ser adiada.
Outra dimensão da pedagogia, a documentação pedagógica (Azevedo, 2009), constitui
uma estratégia central da Pedagogia-em-Participação para a compreensão dos processos que
conduzem às aprendizagens (das crianças e dos adultos) e para o envolvimento dos pais e das
famílias no desenvolvimento e o diálogo sobre as jornadas de aprendizagem das crianças. Na
Pedagogia-em-Participação a documentação pedagógica e o envolvimento dos pais na sua
produção são estratégias para uma educação inclusiva (Machado & Formosinho, 2012).
O ambiente educativo, tal como concebido na Pedagogia-em-Participação, abre as portas
da sala de atividades ao centro infantil, às famílias, à comunidade local, à sociedade.
44
Formosinho, 2007b), um modelo pedagógico pode ser usado como janela quando facilita a
jornada de aprendizagem do educador e consequentemente a das crianças ou como muro
quando as dificulta.
Nesta linha de pensamento e no que concerne à imagem de educação, existe a
necessidade de se perceber se se acredita numa sociedade democrática e participativa ou não.
Se se acredita numa pedagogia que respeita e valoriza os direitos da criança e sua família ou se
se acredita numa pedagogia que os inibe. Se se acredita numa escola que projeta a criança
como ser humano capaz, competente, participativo e com agência ou se, pelo contrário, se
acredita numa escola que olha para a criança como um ser que se limita a receber informação e
conhecimento e a reproduzi-los perante um desfasamento das suas necessidades, interesses ou
sentimentos. Para a Pedagogia-em-Participação a sociedade democrática que conquistámos
deve inspirar contextos educativos democráticos onde se pratica uma educação respeitadora dos
direitos de crianças e adultos e inspiradora dos seus deveres.
Após o exercício de reflexão acerca da conceção de educação e do processo ensino-
aprendizagem, é importante o educador refletir em torno da imagem de educador com que ele
próprio se identifica. O educador deverá tentar perceber se se identifica como um educador com
caráter participativo e desafiador ou mero transmissor. O educador participativo faz a ligação ao
contexto esforçando-se por proporcionar as condições e as oportunidades de aprendizagem para
que cada criança vá construindo a sua personalidade e moralidade de forma integrada, com
envolvimento e bem-estar.
Orientar a aprendizagem experiencial suspendendo a mediação pedagógica apressada,
proporcionar experiências agradáveis, contínuas e interativas que constituam educação (Dewey,
1971) e organizar e responder a motivações intrínsecas são expressões-chave para o educador
participativo.
Nestes processos, o educador dá voz à criança na implementação de regras, incentiva a
sua participação nas decisões e encoraja-a a resolver os seus problemas de forma autónoma. No
âmbito de uma pedagogia conversacional (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2011b) como
esta, o educador partilha com as crianças o poder no processo de ensino-aprendizagem,
permitindo-lhes inclusivamente negociar o currículo.
As investigações por parte das ciências que estudam o cérebro têm alertado para a
especificidade e para as potencialidades do desenvolvimento do cérebro da criança nos
primeiros anos de vida (Shonkoff, 2010). Tais conclusões têm reforçado a conceptualização da
45
imagem da criança com “enorme competência: competência para explorar, para descobrir, para
comunicar, para criar, para construir significado” (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013a, p. 14)
que a Pedagogia-em-Participação projeta a partir de uma conceção democrática de pessoa e dos
conhecimentos provindos do cruzamento de referenciais científicos.
Esta perspetiva educativa de natureza participativa defende que a aprendizagem
experiencial desenvolvida em comunidade experiencial (Oliveira-Formosinho, no prelo)
desempenha o papel integrador e impulsionador de um desenvolvimento interessado e
significativo das crianças. A aprendizagem experiencial leva ao aproveitamento estrutural e
funcional do cérebro nestas idades. São várias as evidências que nos têm fornecido as ciências
do cérebro que comprovam a existência de inteligências sensíveis nas crianças de muito tenra
idade. Inteligências velozes, perspicazes e vibrantes (Oliveira-Formosinho, no prelo) que se
alimentam da experiência sensorial e que devem ser reconhecidas e complexificadas pela
comunidade experiencial.
Para esta perspetiva educativa “convocar crenças, valores e princípios, analisar práticas
e usar saberes e teorias constitui o movimento triangular de criação da pedagogia” (Oliveira-
Formosinho, 2011, p.98) e um educador consciente e competente não pode ignorar esta
necessidade de conscientização (Freire, 1970) em torno do que é uma criança, de como melhor
vive e aprende.
46
Figura 2 - Eixos da intencionalidade pedagógica e respetivas áreas de aprendizagem da Pedagogia-em-Participação
48
escuta e respeita as intencionalidades exploratórias plurais das crianças” (Oliveira-Formosinho &
Araújo, 2013a, p.16).
O quarto e último eixo é o narrar-criar, que nos remete para a pedagogia do significado,
em que os significados representam outra área central da aprendizagem.
O narrar traduz-se na forma de pensar e compreender que estimula a criança a
mobilizar a inteligência que possui para procurar sentido e significado, baseando-se nas
experiências vividas e na documentação pedagógica que o educador disponibiliza. O criar é o
resultado da compreensão e intencionalidade que a criança obtém da narração, convergindo
para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (como a imaginação, a criatividade,
a atenção ou a reflexão) para gerar saberes com significado.
49
Tabela 3- Intencionalidade pedagógica e respetivas áreas de aprendizagem
50
plurais; cria comunicação que faz emergir significados usando as cem linguagens; provoca a
narração que sustenta a reflexão e cria significado” (Oliveira-Formosinho, no prelo, pp. 13-14).
52
Tempo de partida - quando a criança tem que lidar novamente com as emoções que
trazem a despedida e o reencontro, desta vez com os papéis invertidos uma vez que
deixa a creche e reencontra a família.
55
Para documentar pedagogicamente, o educador pode fazer-se valer de instrumentos de
observação como por exemplo o do envolvimento ou o do bem-estar da criança (Laevers et al.,
2005) para melhor compreender o impacto das oportunidades educativas que está a
proporcionar às crianças.
A documentação pedagógica integrada numa pedagogia de creche exige que o educador
seja capaz de ler muito bem os incidentes críticos e “suspender-se para escutar os sinais da(s)
criança(s) e nessa escuta dar a vez aos seus sentires e saberes” (Oliveira-Formosinho, 2010
como citado em Azevedo & Sousa, 2010, p. 38). Considera-se muito importante que a
documentação pedagógica esteja exposta na sala de atividades, no campo de visão das crianças,
pois ela revela o aprender, o viver, o brincar das crianças e assim incentivam-se múltiplos
diálogos e respostas a desafios (Oliveira-Formosinho, no prelo).
Torna-se um requisito importante para a potencialização da documentação pedagógica
rigorosa que o educador desenvolva trabalho em equipa. Equipa alargada (com parceiros tais
como supervisores científicos, diretores ou administrativos, técnicos, colegas educadores,
comunidade envolvente, etc.) e equipa pedagógica da sala (com o(s) auxiliar(es)). Trabalhando
em equipa, torna-se mais fácil documentar fotograficamente, organizar o ambiente educativo
com rotinas diárias flexíveis, transições tranquilas), organizar o espaço e apetrechar
adequadamente a sala com materiais apelativos e versáteis, planeando com o(s) auxiliar(es) e
com as crianças.
Partilhar crenças e saberes, dialogar, refletir em conjunto para que se possa trabalhar
em sintonia, valorizar interações responsivas, autonomizantes e estimulantes entre a equipa e
entre a equipa e as crianças são requisitos essenciais para o trabalho fluir com coerência e mais
qualidade.
Para além de incentivar a reflexão que conduz à melhoria das práticas da equipa
educativa e de aumentar a comunicação e autoestima da criança, a documentação pedagógica
tem também um papel decisivo na relação que o educador fomenta com as famílias das
crianças e nomeadamente no envolvimento parental.
Observando, pensando e comunicando com o educador acerca das atividades e projetos
em que as crianças se envolvem, os pais também se envolvem mais nas jornadas de
aprendizagem dos seus filhos pois “a oportunidade de examinar a documentação de um projeto
56
em progresso ou de uma atividade pode ajudar os pais a pensar em formas de colaborar e de
contribuir para as experiências de aprendizagem dos seus filhos” (Azevedo, 2009, p. 168).
Os pais tendem a relacionar-se melhor com os educadores dos filhos “quando percebem
a natureza complexa do seu trabalho e apreciam os objetivos que os educadores tentam
cumprir” (Portugal, 1998, p. 194). O tempo de partilha e reflexão com as famílias acerca de
conceções e práticas que envolvem a pedagogia do quotidiano no sentido de haver coerência e
continuidade entre a casa e a creche é muito valorizado pela Pedagogia-em-Participação.
Educadores de infância e pais são co educadores da mesma criança o que torna
importante o desenvolvimento de relações de cooperação, colaboração e respeito. Neste sentido,
o educador deve assumir atitudes positivas com os pais/famílias das crianças considerando
sempre os seus pontos de vista, rejeitando o pensamento de qualquer tipo de preconceitos ou
estereótipos.
O trabalho desenvolvido junto das famílias e com elas facilita a adaptação das crianças à
creche.
A cultura da comunidade local e a cultura da sociedade em que a criança está
integrada entram no seu processo educativo pela apropriação que faz delas através de processos
de observação, escuta, exploração, descoberta, reflexão, comunicação, criação, privilegiados no
desenvolvimento das atividades e projetos.
57
apropriação de conceitos e técnicas, incentivando a criatividade e expressividade de cada criança
e apoiando a sua competência.
O educador deve proporcionar “oportunidades para que as crianças, desde os primeiros
anos, interajam com expressões artísticas que refletem a sua própria tradição cultural, apoiando-
as a desenvolver a sua identidade pessoal e cultural” (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013a, p.
24).
Para além dos benefícios do envolvimento parental, referidos anteriormente, a
participação dos pais no quotidiano escolar pode constituir-se também como um forte
instrumento de promoção do diálogo intercultural, sendo que a Pedagogia-em-Participação
defende que a educação intercultural é um critério para a construção da qualidade e que “nos
anos mais precoces deve permear profundamente a experiência diária da criança nos contextos
de creche” (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013b, p. 87).
A educação intercultural requer da escola o acolhimento e o respeito de e por todos, a
adaptação dos currículos para que permitam conhecer e valorizar as diversas tradições
históricas, culturais e religiosas dos grupos culturais e sociais em presença e a prática de uma
diferenciação pedagógica que respeite os hábitos, valores e características de cada criança.
É importante que o educador integre a cultura maioritária e as restantes presenças
culturais em sala, sendo importante tentar preservar as características específicas de cada uma
(Leite, 2002). A coexistência de crianças portadoras de culturas diferentes deve funcionar como
uma fonte de enriquecimento de conhecimentos através da troca de experiências e informações
e nunca deve ser vista como um obstáculo para o processo educativo.
A inclusão da diversidade cultural requer a consciencialização dos educadores acerca
dos vários tipos de contextos e culturas das famílias das crianças em presença na sala. Torna-se
necessário que o educador compreenda que a pertença a certos grupos culturais pode reforçar a
situação de desvantagem em que algumas crianças já se encontram. O não reconhecimento dos
valores com que a criança se identifica pode levar à desvalorização do novo grupo cultural e do
próprio contexto educativo. Por isso percebe-se que seja indispensável para a integração dos
diversos grupos culturais na escola que o educador reconheça e valorize as características
culturais desses mesmos grupos. É importante que a escola reconheça e valorize
declaradamente tanto o direito à diferença como o direito à sua própria identidade.
A educação intercultural pressupõe partilhar a visão de escola como lugar de vida,
solidariedade e aceitação por todos os indivíduos oriundos das diversas culturas e contextos.
58
João Formosinho (1997) defende que é preciso evitar o daltonismo cultural que possa
distorcer a conceção de igualdade e criar alguma confusão. As políticas instituídas nos países
democráticos fazem apologia ao direito à igualdade de todos perante a lei, rejeitando
descriminações, mas isso não implica que todos devam ser tratados de igual forma. Ao impor
“uma igualdade de comportamento no local de trabalho independentemente de capacidades,
interesses, experiências, desejo de inovar, competência profissional, etc.” (Formosinho, 1999,
como citado em Formosinho & Machado, 2007, p.308), os serviços centrais estão a obrigar
educadores e professores a uniformizar, inculcar, corrigir. A Pedagogia-em-Participação sublinha
a ideia de que a “uniformidade administrativa restringe o sentido da igualdade em educação”
(Formosinho & Machado, 2007, p. 308).
Por outro lado, uma educação para a diferença requer o desenvolvimento cooperado e
partilhado de projetos destinados a transformar a escola e as salas de atividades em
microssistemas sensíveis à diferença. Microssistemas onde as prioridades do contexto permitem
às crianças o desafio de crescer e aprender em harmonia, atribuindo um significado positivo e
coeso de respeito pelas diversidades existentes nas sociedades atuais e praticando-se uma
pedagogia da diversidade.
O educador contribui para servir de forma mais adequada o desenvolvimento e a
complexificação das variadas competências e aprendizagens da criança, abrigando a diferença
de modo integrado. Ao documentar pedagogicamente as aprendizagens de cada criança para
depois responder, o educador está a contribuir para a prática de uma pedagogia da diversidade
(Araújo, 2009) que acolhe e respeita o direito à identidade própria, num processo que parte das
suas necessidades, preferências e nível de desenvolvimento. As atividades pedagógicas
diferenciadas, desenvolvidas no âmbito de uma prática intercultural, não só reforçam a
autoestima da criança e o orgulho pela família e pela comunidade a que pertencem, como
também valorizam as suas capacidades e competências sociais.
Para esta perspetiva educativa, a ação educativa só faz sentido e persegue a qualidade
dos serviços quando se traduz na organização e “criação de espaços e tempos pedagógicos
onde a ética das relações e interações permite desenvolver atividades e projetos que, porque
valorizam a experiência, os saberes e as culturas das crianças em diálogo como os saberes e as
culturas dos adultos, permitem às crianças viver, conhecer, significar, criar” (Oliveira-
Formosinho, 2011, p. 104).
63
A pertinência da avaliação é partilhada por diversas áreas pois “não é possível
equacionar as questões da qualidade e inovação, qualquer que seja a situação ou contexto, sem
ter como pressuposto e fundamento a avaliação” (Parente, 2004, p. 17), não esquecendo que
“qualquer abordagem à avaliação da qualidade requer não só um conjunto de critérios aplicáveis
a cada programa, mas também um consenso sobre os padrões mínimos que determinam o nível
aceitável de qualidade segundo cada critério” (M.E., 1998, p. 37).
Com o intuito de se gerar qualidade num contexto educativo, é condição imprescindível
que se monitorize todo o processo educativo, contemplando-se, neste caso, a função de
regulação do processo ensino-aprendizagem.
A avaliação da qualidade na educação de infância é um tema atual, embora só analisado
mais recentemente, que ainda suscita muitas dúvidas e questões aos profissionais deste nível
educativo. Mas urge o desenvolvimento de uma cultura de avaliação coerente e respeitadora que
nos permita no final pensar e dizer o que fazemos, de forma renovada.
Não se faz monitorização sem avaliação, tal como defende a Associação Criança acerca
da sua perspetiva de qualidade que “dá ênfase aos processos e requer instrumentos para a sua
monitorização, requer uma avaliação processual e não meramente certificativa, que permita
desenvolver processos que acompanham processos (Oliveira-Formosinho, 2002 como citado em
Oliveira-Formosinho & Araújo, 2004, p. 91).
Neste sentido, levantam-se algumas questões acerca das quais o educador deverá
refletir para saber responder e atuar: como pretende articular ensino, aprendizagem e avaliação?
Que inter-relação existe entre esta articulação e a integração curricular e a pedagogia que adota?
Que decisões tomar em relação aos procedimentos e estratégias de avaliação a adotar? Que
contributos a investigação e a formação podem dar à orientação de todo o processo de avaliação
e monitorização?
Então, o educador deverá encontrar o modelo de avaliação que faça sentido para a sua
identidade (enquanto profissional, equipa educativa e instituição) e que o torne conscientizador,
ajudando a analisar a qualidade que proporciona. Isto porque o educador tem, antes de mais, o
dever moral de se responsabilizar pelas oportunidades que está a proporcionar às crianças.
Se queremos realmente perceber a avaliação em termos de prática educativa, primeiro
temos que remontar à compreensão dos diferentes paradigmas, que resultam de diferentes
assunções filosóficas e teóricas, universalmente conhecidas.
64
O paradigma científico ou positivista (Guba & Lincoln, 1989; Patton, 1997) assenta
numa noção de avaliação que se foca somente nas competências e nos conhecimentos. A
medida e os juízos de valor predominam, são elencadas as incapacidades e atrasos no
conhecimento das crianças, dando uma imagem desfragmentada da criança, centrando-se
apenas nos produtos e resultados (Parente, 2004). Não se pretende com isto dizer que hajam
perspetivas certas e erradas, apenas que os diferentes olhares advêm de opções nas raízes que
fundamentam formas de pensar e cada um se deve situar ao nível dos seus credos.
Por outro lado, o paradigma qualitativo/naturalista (Patton, 1997) ou construtivista
(como lhe preferem chamar Guba & Lincoln (1989)) defende que é na reciprocidade que resulta
a avaliação e que todos os atores participam em todas as fases do processo de forma
negociada, sendo as técnicas utilizadas (como por exemplo a observação participante e a
entrevista em profundidade) divergentes das que são utilizadas pelo paradigma positivista
(Parente, 2004).
Deste último quadro conceptual nasce a avaliação alternativa que surge a partir de
crenças construtivistas, bem como da insatisfação reativa dos professores com o modelo de
avaliação tradicional, alicerçado no paradigma positivista. Vem afirmar que a avaliação, para ser
significativa, requer o envolvimento e participação de todos os atores internos, a apreciação dos
processos e das realizações do quotidiano (não apenas dos resultados) e atende à diversidade,
sendo adaptada a cada criança e ao grupo (Parente, 2004).
A avaliação alternativa enfatiza a compreensão da criança, da sua aprendizagem em
ação, absorve a complexidade do processo ensino-aprendizagem e incentiva a comunicação
entre a família e a equipa educativa neste percurso. Traduz-se num processo de observar,
escutar, registar e documentar o que a criança sabe e compreende, as capacidades que possui
e alicerça-se na competência da criança e no direito que tem de participar no seu processo de
aprendizagem (Parente, 2004).
Com o surgimento da avaliação alternativa “assiste-se a um desafio aa alteração de
papéis e, em última análise de atitudes, por parte de alunos, professores e pais. Os alunos são
desafiados a deixar de ter uma atitude passiva passando a desempenhar um papel ativo nas
atividades de avaliação” (Parente, 2004, p.29).
Esta forma de avaliar permite observar diretamente, analisar, documentar, interpretar,
para se auscultar o que as crianças sabem e são capazes de fazer e para creditar o que nelas
está a emergir, desenhando-se caminhos que estejam em sintonia com as necessidades,
65
interesses e motivações intrínsecas das crianças. Sabe-se que “o facto de as tarefas
apresentadas para avaliação, serem do interesse do aluno, relevantes e significativas no âmbito
do processo de ensino e aprendizagem realizado, permite a obtenção de resultados de avaliação
que efetivamente informam o aluno, e outros interessados, sobre a continuidade do processo de
ensino aprendizagem” (Parente, 2004, p.30).
Pensando desta forma, caminha-se para a construção de uma avaliação que é parte
integrante da qualidade de um contexto educativo e que está ao serviço dele, rejeitando-se a
ideia de avaliação como mera apreciação de desempenhos.
Tendo por base este quadro conceptual da avaliação alternativa, quando o educador se
prontifica a iniciar uma jornada de avaliação, existem alguns tópicos que devem ser
considerados: as finalidades/objetivos/propósitos da avaliação, ou seja, o porque se avalia e
para quê (que irão determinar a natureza do processo, o tipo de dados que se irão recolher, que
tipo de interpretação se irá fazer dos dados, como divulgar os resultados, etc.); o que se vai
avaliar (fazendo-se escolhas no âmbito do que se quer compreender e focalizando o olhar) e
como se vai avaliar (técnicas utilizadas).
A avaliação, neste sentido, carrega consigo muitas potencialidades para a qualidade da
educação que se pratica: dá visibilidade às aprendizagens das crianças; permite interpretar e
significa as experiências de aprendizagem; proporciona o desenvolvimento de processos
metacognitivos; estimula o desenvolvimento profissional do educador e da equipa educativa;
aumenta e melhora a comunicação e as interações educador/criança; convida ao envolvimento
e participação ativos dos pais. Cada vez mais a investigação nos mostra que a avaliação dos
contextos educativos é mais rica quando contempla os olhares e vozes de todos os atores
participantes da educação da criança: pais, equipa educativa e a própria criança.
Não obstante os seus benefícios, a avaliação alternativa acarreta também alguns
desafios que o educador deve ponderar e refletir com muita seriedade, tais como: o tempo
necessário para implementar a avaliação e para a apropriação das competências necessárias
para fazê-lo correta e adequadamente; as especificidades, exigências, sofisticação e treino das
competências práticas necessárias para avaliar concretamente na educação de infância; o repto
que lança à questão da avaliação dos educadores; a eventual transformação das conceções que
se possuíam (Parente, 2004).
Convém não esquecer que estes processos de avaliação não são fáceis e que exigem muito
trabalho e que o educador, em companhia, deverá ir analisando e refletindo acerca de todo o
66
processo que vai sendo desenvolvido, de forma transparente e democrática, para que, a seu
tempo, consiga melhorar aquilo com que qualquer educador reflexivo genuinamente se
preocupa: a qualidade do ensino-aprendizagem.
67
sentimentos de bem-estar que a criança experiencia lhe fornecem condições para aprender de
forma significativa.
O nível de bem-estar elucida-nos em que medida o ambiente educativo proporciona à
criança sentir-se “em casa” enquanto frequenta a creche, sentir-se tranquila, confiante, à
vontade para ser espontânea e estar em sintonia consigo mesma, satisfazendo as suas
necessidades e sendo apoiada nas suas curiosidades, interesses, explorações.
Criar condições de bem-estar às crianças para que cresçam e aprendam em harmonia
exige uma reflexão cuidadosa por parte do educador em torno do ambiente educativo que
proporciona. O educador tem que pensar sobre a organização de todas as dimensões da
pedagogia e adaptar o ambiente educativo a cada criança e ao grupo.
Sublinha-se a importância do tipo de interações que a criança experiencia na creche que
influencia fortemente os seus níveis de bem-estar. Interações adulto-criança apoiantes,
estimulantes e calorosas proporcionam à criança a base de confiança e segurança para que se
sinta bem e com vontade de experimentar e aprender. As interações positivas com os pares
devem ser provocadas e incentivadas permitindo o desenvolvimento de identidades relacionais e
a criação de laços. Assegurar o bem-estar da criança permite-lhe descobrir identidades e
pertença (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013c).
Remetendo-nos para uma abordagem ecológica e sistémica do ambiente educativo
(Zabalza, 1996), a reflexão em seu torno é muito importante porque quanto mais integrado e
adaptado à criança é o ambiente educativo mais a criança poderá aprender.
A promoção do bem-estar das crianças não pode ser um ato isolado mas contínuo e
sistemático.
A Pedagogia-em-Participação afirma que a avaliação das aprendizagens tem que ter
congruência com as ideologias da pedagogia que é adotada (Formosinho & Oliveira-Formosinho,
2008a).
O educador que pratica uma perspetiva educativa socio construtivista e participativa
documenta diariamente as aprendizagens significativas das crianças e a partir desta informação
reúne condições para utilizar formatos de observação e avaliação de forma intencional.
O instrumento que a Pedagogia-em-Participação sugere para avaliar o ambiente
educativo é o PQA (HighScope Educational Research Foundation, 2000). Para avaliar o bem-
estar da criança sugere o instrumento de observação do bem-estar da criança (Laevers et al.,
68
2005). A utilização deste instrumento como de outros exige treino. Sem formação, a utilização
de instrumentos de observação e avaliação reduz em muito a sua validade e rigor.
69
70
CAPÍTULO B – METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
1. Origem da investigação
71
2. O objeto de estudo
72
As observações das crianças foram realizadas mediante o consentimento por escrito dos
seus encarregados de educação. O anonimato das crianças, educadoras e da instituição está
assegurado.
3. O planeamento da investigação
74
3.2. O método da investigação
O método de estudo privilegiado nesta investigação é o estudo de caso. Um estudo de
caso pode compreender várias definições, que variam consoante as orientações dos diferentes
autores que se debruçaram no seu estudo. Considera-se que todas as definições parecem
convergir para a ideia de que o estudo de caso é o “exame de um fenómeno específico, seja ele
um programa, um acontecimento, uma pessoa, um processo, uma instituição, um grupo social”
(Merrian, 1988 como citado em Oliveira-Formosinho, 2002, p.92), constituindo-se na perspetiva
construtivista como um processo de intervenção participado entre o investigador e os sujeitos da
investigação.
O estudo de caso tem como finalidade particularizar e não generalizar, sendo que
“pegamos num caso particular e ficamos a conhecê-lo bem […] pelo que é, pelo que faz. A
ênfase é colocada na singularidade e isso implica o conhecimento de outros casos diferentes,
mas a primeira ênfase é posta na compreensão do próprio caso” (Stake, 2012, p. 24). Esta
escolha impõe a presença do investigador como um instrumento de investigação, uma imersão
no contexto e um contacto com os atores da investigação, assim como requer a sua aceitação e
compromisso.
O estudo de caso presente nesta investigação é de natureza observacional e tem
carácter exploratório, sendo que Evertson e Green (1986 como citado em Lessard-Hébert,
Goyette & Boutin, 2005, p. 96) afirmam que “uma investigação exploratória poderá […] pôr em
evidência determinadas hipóteses conducentes à formulação de categorias de observação
predeterminadas […] que possam servir, em seguida, o ponto de partida teórico para uma
investigação qualitativa”. Nesta investigação, o estudo de caso é utilizado para conhecer a
realidade em estudo e os dados dirigem-se ao esclarecimento e à delimitação dos problemas ou
fenómenos dessa realidade (Yin, 2005).
Para se reunirem as condições que levam verdadeiramente à interpretação do problema
que foi formulado e para se retirarem conclusões do estudo, “os planos padronizados
qualitativos exigem que as pessoas responsáveis pelas interpretações estejam no campo, a fazer
observações, a exercitar uma capacidade crítica subjetiva, a analisar e a sintetizar, e durante
todo esse tempo a aperceberem-se da sua própria consciência” (Stake, 2012, p. 56).
Na procura de uma construção partilhada do significado de qualidade (Oliveira-
Formosinho, 2002) foram observados e analisados neste estudo de caso dois contextos de sala
onde se praticavam pedagogias diferenciadas para estudar os níveis de bem-estar que as
75
crianças experimentam em cada um deles, sendo esse considerado o fenómeno que se queria
estudar.
76
3.4. Procedimentos de tratamento, análise e interpretação dos dados
recolhidos
Para tratar os dados que foram recolhidos durante a jornada de investigação foi utilizada
a estatística descritiva da observação estruturada. Esta proporcionou a criação, análise e
interpretação de gráficos decorrentes da recolha dos dados que ajudaram a obter informações
rigorosas e a descrever detalhadamente as situações em análise.
77
Neste estudo, foi utilizada uma triangulação metodológica, que se desdobrou numa
triangulação de técnicas e de dados. Em relação às técnicas, foram trianguladas a observação
naturalista e participante da investigadora e as respetivas notas de campo com a observação
semiestruturada guiada por instrumentos de observação e a documentação fotográfica.
Estas técnicas permitiram a triangulação de dados qualitativos com dados numéricos.
78
CAPÍTULO C – APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
3
A Fundação HighScope publicou uma atualização do PQA para creche em que que pode ser consultada
em HighScope Educational Research Foundation (2013).
79
práticas necessárias para bebés e crianças se desenvolverem e realizarem aprendizagens em
programas de cuidados infantis.
A pontuação dos itens está organizada para que, no final da utilização do instrumento,
seja possível criar um perfil de qualidade geral do programa que foi avaliado mas este
instrumento possibilita também utilizar apenas alguns dos seus domínios para se obter
informações específicas. Nesta investigação em concreto, o PQA foi utilizado com o intuito de se
proceder essencialmente à caracterização do espaço, dos materiais, e dos horários e rotinas de
cuidados dos dois contextos de sala estudados.
80
Figura 3 - Planta da sala de atividades de tendência transmissiva
Tabela 4 - Tabela adaptada da categoria do PQA - Ambiente físico - referente ao contexto de tendência transmissiva
81
1.1.2. Organização do tempo
Para caracterizar a organização do tempo educativo deste contexto educativo, apresenta-
se a tabela correspondente à aplicação do PQA na categoria “planos e rotinas” deste
instrumento.
Tabela 5 - Tabela adaptada da categoria do PQA - Planos e rotinas - referente ao contexto de tendência transmissiva
82
As notações atribuídas a este contexto educativo em relação ao espaço, materiais e
tempo educativos revelaram-se muito baixas, refletindo uma baixa qualidade dos serviços
educativos que são proporcionados às crianças.
83
1.2.1.2. Utilização do PQA
Para se proceder à aplicação deste instrumento de observação e avaliação no que
concerne à categoria “ambiente físico” deste contexto educativo, reuniu-se um conjunto de
informações baseado na documentação fotográfica do espaço e materiais da sala de atividades,
bem como em diálogos com a equipa educativa da sala e anotações da própria investigadora à
medida que ia realizando as observações. Assim, atribuíram-se níveis a cada indicador que
resultaram num valor médio que classifica a organização do espaço e dos materiais deste
contexto educativo participativo.
Tabela 6 - Tabela adaptada da categoria do PQA - Ambiente físico - referente ao contexto participativo
84
1.2.2.1. Utilização do PQA
Para se proceder à aplicação deste instrumento de observação e avaliação no que diz
respeito à categoria “planos e rotinas”, reuniu-se um conjunto de informações baseado na
documentação não formal (como por exemplo a planificação semanal e a rotina diária da sala),
bem como em diálogos com a equipa educativa da sala e anotações da própria investigadora à
medida que ia realizando as observações. Assim, atribuíram-se níveis a cada indicador que
resultaram num valor médio que classifica a organização do tempo educativo deste contexto
educativo.
Tabela 7 - Tabela adaptada da categoria do PQA - Planos e rotinas - referente ao contexto participativo
85
2. Análise comparativa dos dados recolhidos nos dois contextos
No contexto onde se praticava uma pedagogia transmissiva, foi verificada uma média de
2,38 no que concerne à pontuação atribuída ao ambiente físico e uma média de 2 relativamente
à organização do tempo pedagógico. No contexto onde se praticava uma pedagogia participativa,
verificou-se uma média de 4,25 em relação à pontuação atribuída ao espaço físico e uma média
de 4,78 no que diz respeito à organização temporal.
Constatam-se as notações discrepantes entre os dois contextos educativos verificados
segundo o instrumento de observação e avaliação da qualidade do ambiente educativo em
creche, o PQA. Nas categorias analisadas, o contexto educativo onde se praticava uma
pedagogia participativa apresentou uma notação média de qualidade bastante mais elevada do
que o contexto educativo onde se praticava uma pedagogia transmissiva. Estes dados conduzem
a uma relação entre a pedagogia praticada e a qualidade verificada no ambiente físico e nos
tempos educativos dos contextos.
86
CAPÍTULO D – RECOLHA E ANÁLISE DOS DADOS DA INVESTIGAÇÃO
87
desenvolvimento do enorme potencial que as crianças têm (Laevers, 2005; Laevers,
Debruyckere, Silkens & Snoeck, 2005; Laevers, Declerq, Marin, Moons & Stanton, 2010).
1.2. O instrumento pedagógico para a observação e avaliação do bem-estar
da criança
1.2.1. Descrição
O formato de observação semiestruturada desenvolvido pela equipa de Ferre Laevers na
Universidade de Leuven, na Bélgica, para avaliar o bem-estar da criança foi o instrumento de
observação do bem-estar da criança (Laevers et al., 2005).
Este instrumento permite apurar resultados, mas centra-se principalmente na criança e
nos seus processos de experiência e de aprendizagem. O seu principal objetivo prende-se com o
apuramento dos níveis de bem-estar que se está a proporcionar à criança e ao grupo. Este
apuramento permite ao educador tomar as medidas necessárias à melhoria das práticas e do
contexto com vista a aumentar o bem-estar de cada criança, proporcionando experiências de
aprendizagem mais adequadas, mais atrativas, mais significativas.
A utilização deste instrumento pedagógico em diferentes momentos e/ou diferentes
contextos, oferece a possibilidade de comparação de dados sob diversas perspetivas (consoante
a intencionalidade do educador/investigador) e de avaliação das aprendizagens das crianças,
medindo a qualidade que se está a proporcionar à criança e ao grupo.
Este instrumento de observação dispõe de sete indicadores: satisfação; relaxamento e
paz interior; vitalidade; abertura; autoconfiança e estar em sintonia consigo próprio.
O indicador da satisfação permite perceber se a criança está alegre, feliz, bem-disposta,
divertida e se está envolvida, retirando inclusivamente prazer das interações com as pessoas,
objetos e atividades.
O relaxamento e a paz interior possibilitam averiguar se a criança está a sentir-se
relaxada, tranquila, não apresentando sinais de tensão ou desconforto.
A vitalidade é um indicador que permite ao educador/investigador observar se as ações
e reações da criança são enérgicas e se a criança evidencia uma postura corporal vertical, sem
receio de interagir com as pessoas e o espaço que a rodeiam e se nessas interações a criança
revela alegria e expressividade.
O indicador seguinte é a abertura e, neste âmbito, o observador tenta perceber se a
criança demonstra à-vontade e prontidão nas experiências em que se envolve, pois ela revela
88
sinais de contentamento e recetividade relativos à atenção e carinho que recebe dos adultos ou
dos pares.
A autoconfiança é um indicador que é observável na criança quando ela demonstra
assertividade e segurança, evidenciando uma postura de orgulho e confiança nas suas
capacidades e ações.
Finalmente, surge o último indicador de bem-estar que se traduz em estar em sintonia
consigo mesma, em que a criança transparece serenidade e tranquilidade quando vê as suas
necessidades, interesses, desejos, pensamentos, sentimentos, tidos em conta e satisfeitos.
Estes indicadores foram construídos com base nas necessidades básicas da criança,
que segundo Laevers, Debruyckere, Silkens e Snoeck (2005), passam por várias necessidades:
físicas; de afeto; de calor humano e ternura; de segurança; de clareza e continuidade; de
reconhecimento e afirmação pessoal; de vivência de si própria como capaz; de significado e de
valores.
Os indicadores revelam-se através de sinais comportamentais que o
educador/investigador observa, regista, documenta e depois canaliza essa informação tratada
para a atribuição de níveis de bem-estar - através de uma escala Likert, com notação de 1 a 5 –
e que podem ajudar a entender e a interpretar melhor a situação de bem-estar em que a criança
se encontra.
O nível 1 representa um nível de bem-estar muito baixo, em que a criança evidencia
sinais claros de desconforto, tensão corporal ou tristeza, por exemplo, chorando, gritando,
batendo ou isolando-se com aspeto abatido.
O nível 2 representa um nível de bem-estar baixo, em que podem ser observados alguns
dos sinais do nível 1, embora com menos intensidade, sendo que as expressões faciais e
corporais da criança demonstram falta de à-vontade e desconforto.
Para atribuir o nível 3 que representa um nível de bem-estar moderado, o observador
constata na criança sinais de neutralidade. A criança não tem ação e demonstra pouca ou
praticamente nenhuma emoção, opinião ou vontade.
O nível 4 representa um nível de bem-estar elevado, em que a criança demonstra sinais
de contentamento, conforto e à-vontade, embora de forma mais descontinuada e com menos
intensidade do que no nível 5.
Por último, no nível 5 que representa um nível de bem-estar muito elevado, a criança dá
evidências ao longo de toda a observação, de se estar a sentir bem, confortável, à vontade e
89
feliz. Ri, sorri, dá gargalhadas, salta, é espontânea e expressiva, revelando sinais de relaxamento
mas também de energia e vitalidade ilustrativas do seu sentimento de confiança, segurança e
realização pessoais.
90
de aprendizagem que foram desenvolvidas; o período de observação (manhã ou
tarde) com referência ao intervalo de tempo; uma descrição da presença ou não dos
indicadores do bem-estar encontrados na criança durante o período de observação.
Pretendeu-se, com a utilização desta escala, medir e comparar níveis de bem-estar que
a criança experiencia num contexto de sala onde predomina uma pedagogia transmissiva, e num
contexto de sala onde se pratica uma pedagogia construtivista e participativa. A escala foi
utilizada em ambos os contextos e em vários momentos distintos, com o intuito de se poder
cruzar, comparar e analisar diferentes dados.
Nível de
bem-estar
5
Nome da
0
criança
Isabel Miguel Maria António Margarida Diogo
Figura 5 - Níveis de bem-estar observados em cada criança integrada no contexto de tendência transmissiva
Como se pode comprovar pelo gráfico acima exposto, os níveis de bem-estar verificados
nas seis crianças observadas neste contexto de creche são maioritariamente baixos. Nas seis
91
observações diárias: a Isabel revelou um nível de bem-estar de 2,3; o Miguel revelou um nível de
bem-estar de 3; a Maria apresentou um nível de bem-estar com uma média de 2; o António
revelou uma média de 2,5 no que concerne ao nível de bem-estar; a Margarida apresentou um
nível de bem-estar com uma média de 2 e finalmente o Diogo apresentou uma média de 1,8 em
relação ao seu nível de bem-estar.
Nível de
bem-estar
5
Nome da
0
criança
Beatriz Rodrigo Luís Vanessa Matilde Tomás
Como se pode comprovar pelo gráfico acima exposto, os níveis de bem-estar verificados
nas seis crianças observadas neste contexto de creche são maioritariamente elevados. Nas seis
observações diárias: a Beatriz revelou um nível de bem-estar de 4,7; o Rodrigo revelou um nível
de bem-estar de 4,7 também; o Luís apresentou um nível de bem-estar com uma média de 4,5;
a Vanessa revelou uma média de 4,5 também no que concerne ao nível de bem-estar; a Matilde
92
apresentou um nível de bem-estar com uma média elevadíssima de 5 e finalmente o Tomás
apresentou uma média de 4,3 em relação ao seu nível de bem-estar.
93
94
CAPÍUTULO E – INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS
Neste estudo salientam-se os níveis elevados de bem-estar observados nas crianças que
experienciam uma pedagogia participativa, em oposição às crianças que experienciam uma
pedagogia transmissiva que revelaram níveis de bem-estar bastante inferiores. Os dados
recolhidos parecem apontar para a ideia de que o bem-estar da criança pode variar consoante a
pedagogia específica que é praticada no contexto educativo onde ela está integrada.
Considera-se pertinente refletir acerca das razões pelas quais a criança disfruta de um
bem-estar menos elevado no ambiente educativo onde se pratica uma pedagogia transmissiva e
mais elevado num ambiente educativo participativo. Laevers (2011) considera que o bem-estar
da criança é uma das formas de medir se as aprendizagens das crianças estão a ser
significativas e se o ambiente de aprendizagem criado está a responder às necessidades e
interesses de cada criança.
A organização do espaço, dos materiais e a organização da rotina diária de cada
contexto pareceu ter impactos diferentes no bem-estar das crianças, nas suas experiencias de
aprendizagem e na qualidade do ambiente educativo, no geral.
Cruzando todos os dados recolhidos com as teorias abordadas no primeiro capítulo
deste estudo, pensa-se que esta discrepância dos níveis de bem-estar encontrados nas crianças
que foram observadas nos dois contextos possa estar relacionada com alguns fatores:
no ambiente educativo tradicional e transmissivo:
- não era realizada diferenciação pedagógica e a criança tinha um papel passivo no seu
processo de aprendizagem;
- a maioria das atividades realizadas (no período das observações) traduziram-se em
propostas que partiram da iniciativa do adulto, tendo sido apresentadas de uma forma
muito estruturada nomeadamente fichas de pintura e carimbagem;
- os adultos eram tendencialmente diretivos e não apoiavam as crianças em momentos
de escolha livre.
95
- a criança usufruía de tempos de escolha e os adultos tinham em conta as suas
necessidades, interesses e capacidades individuais para adequar as oportunidades que
proporcionavam;
- as atividades eram planeadas tendo em conta as necessidades, os interesses e as
capacidades de cada criança, desenvolvendo-se diariamente atividades em pequeno
grupo, em grande grupo e individualmente;
- a equipa educativa desafiava constantemente cada criança a superar-se,
proporcionando atividades adequadas, diversificadas e atrativas, assegurando o seu
envolvimento e bem-estar;
- foi visível o empenho e prazer na participação e envolvimento dos dois elementos da
equipa educativa (educadora e auxiliar) nas brincadeiras que as crianças decidiam
desenvolver, tentando sempre apoiar a criança e integrar e complexificar as suas
aprendizagens.
96
CONCLUSÕES FINAIS
É bastante visível neste estudo a diferença entre duas formas de se pensar e praticar
pedagogia.
A pedagogia transmissiva olha para a criança como um adulto em miniatura e centra-se
nas matérias que o professor transmite à criança. A criança apenas receciona e reproduz através
de uma atitude passiva. Esta conceção tende a dar valor central à “aquisição de capacidades
(pré)académicas, à aceleração das aprendizagens, à compensação dos défices que obstaculizam
a escolarização” (Oliveira-Formosinho, 2011, p. 99). A pedagogia participativa centra-se na
criança, nos seus interesses, necessidades e motivações, assim como no seu envolvimento e
bem-estar na experiência educativa, tendo o educador como função “organizar o ambiente
educativo e escutar, observar, para entender e responder” (Oliveira-Formosinho, 2011, p. 100).
Esta última conceção respeita os direitos da criança, reconhecendo-lhe competência e agência,
sendo que a criança é escutada, participa e é incentivada a “viver, conhecer, significar, criar”
(Oliveira-Formosinho, 2011, p.104).
A desconstrução das pedagogias transmissivas e a procura e construção das propostas
participativas são um processo que clarifica a ideia de que “as tendências reprodutoras duma
pedagogia transmissiva, muitas vezes agindo de forma subtil, efetivamente retiram à criança o
direito à participação e à co construção da sua educação” (Cardoso, 2010, p.7).
As pedagogias participativas colocam no centro o respeito pela criança desde o seu
nascimento (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2011), o que implica a promoção do seu bem-estar.
A avaliação tem de ser também um ato de respeito pela criança. As pedagogias participativas
exigem, portanto, que a avaliação da qualidade e a avaliação das aprendizagens da criança
tenham congruência teórica com a proposta teórica geral.
Os dados recolhidos nos dois contextos educativos desta investigação são bastante
discrepantes e revelam o impacto que a prática de diferentes tipos de pedagogias têm no
desenvolvimento do bem-estar das crianças, afirmando-o como uma variável contextual,
influenciada pela qualidade e pela pedagogia específica que é praticada. Segundo Laevers
(2011, p. 2), “níveis elevados de bem-estar conduzem no final a níveis elevados de
desenvolvimento da criança”, pelo que é muito importante que os profissionais tenham
consciência da necessidade de proporcionar a cada criança pela qual se é responsável, um
ambiente educativo de qualidade onde ela possa crescer e aprender com bem-estar.
97
Este estudo veio reforçar a ideia de que, assim como o envolvimento da criança não se
constitui como “um traço, intrínseco e imutável […] mas um estado dependente das condições e
características ambientais” (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2002, p.20), também o bem-estar da
criança não será um traço mas um estado.
A Pedagogia-em-Participação (Oliveira-Formosinho & Araújo, 2013) sublinha a
importância da qualidade do ambiente educativo (nas suas dimensões centrais) para a qualidade
de vida e aprendizagem da criança. A mesma perspetiva pedagógica dá um lugar central ao
bem-estar da criança como fruto de um ambiente (em que a interação educativa é muito
importante) e que se torna condição necessária para a aprendizagem. A preocupação com o
bem-estar da criança leva a um esforço reflexivo e crítico de reconstrução permanente do
ambiente educativo, à monitorização do bem-estar e à monitorização das aprendizagens.
Entendendo o bem-estar da criança como contextual, pode pensar-se na conscientização
(Freire, 1970) dos profissionais de educação que acolhem crianças tão pequenas para que
façam um esforço para melhorar as práticas e os contextos que proporcionam às crianças. Os
profissionais de educação têm um importante papel na reconceptualização e renovação da
qualidade dos contextos educativos que servem as crianças e famílias de tenra idade.
Considera-se que o reconhecimento e procura de qualidade nos contextos educativos,
muito especialmente em creche, é um dever dos profissionais de educação. Um dever que urge
e precisa ser constantemente ponderado e refletido, em companhia, por todos os indivíduos que
contribuem para a educação e prestação de cuidados de crianças. Está a apelar-se a uma
conceção ecológica da qualidade, que diz respeito “ao contexto, aos papéis dos atores dos
contextos e às suas interações […], às relações entre contextos concebidos no contexto social e
cultural mais vasto” (Oliveira-Formosinho, 2001, p. 173).
Sublinha-se a escassez de investigações em torno do bem-estar da criança e considera-
se a extrema importância do investimento em estudos nesta temática específica, explorando
diversos contextos e práticas. Sugere-se o prosseguimento de estudos, nomeadamente
longitudinais, acerca dos impactos do bem-estar da criança nas aprendizagens e no sucesso
escolar. Tais estudos seriam também relevantes para assegurar os direitos das crianças e suas
famílias a usufruírem de serviços educativos de qualidade. Pressente-se que tais estudos
precisam de fazer uma avaliação rigorosa da pedagogia praticada em sala. Sabemos que a
aprendizagem é contextual e sabemos também que o teor da pedagogia que se pratica tem um
impacto profundo no teor do contexto de aprendizagem que se cria. Estudos que partem da
98
perspetiva e escuta das crianças revelam os diferentes impactos que o teor da pedagogia
praticada pode provocar nos contextos educativos que são proporcionados às crianças (Oliveira-
Formosinho, 2008b).
Paulo Freire (2000a) afirma que temos o direito e o dever de mudar o mundo partindo
de uma realidade concreta, mas que para tal é necessário ter um sonho, uma utopia, um
projeto, integrado num contexto, e estando consciente que tal processo é lento e se constitui por
avanços e retrocessos mas que ele é possível. O educador não deverá acomodar-se e deixar que
um fator condicionante (como por exemplo o medo de inovar, a política da instituição, a
ausência de recursos) tenha um poder determinante, que paralise a inovação e a mudança.
Segundo este autor é muito importante acreditar que apesar de ser difícil mudar práticas, é
possível, e isso trará benefícios e impactos positivos na vida das crianças, dos educadores e, a
nível mais geral, dos contextos educativos. É necessário que o educador rejeite a passividade e
as posturas fatalistas que o possam influenciar e faça uso das suas capacidades críticas de
questionar, decidir, sonhar e transformar para investir na sua formação profissional.
Aponta-se a formação em contexto (Oliveira-Formosinho, 1998; Araújo, 2011; Castro,
2012), que serve as necessidades situadas da escola, como uma forma privilegiada de se
investir na reflexão e desenvolvimento da prática profissional dos educadores e
consequentemente na melhoria das práticas educativas e dos contextos de educação de
infância.
Espera-se que a conceção de educação de infância, de criança e de educador
defendidas pelas pedagogias participativas contribuam para o surgimento de políticas educativas
de cariz participativo, bem como para despertar ou reforçar nos profissionais de educação de
infância o interesse, a curiosidade e a vontade de aprenderem mais e de praticarem uma
pedagogia mais adequada e fundamentada em creche.
Em jeito de esperança (Freire, 1974), reitera-se a aspiração a que se transformem as
práticas e se melhore a qualidade dos contextos educativos, nomeadamente os de creche.
99
100
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110
ANEXOS
111
ANEXO A – Tabelas de registo da observação do bem-estar da criança
112
Observação do Bem-Estar da Beatriz – 18/01/2012
A Beatriz prestava bastante atenção à educadora enquanto ela exibia uma fotografia de uma criança presente no grupo. A Beatriz chegou-se um pouco para a frente para observar
melhor a fotografia, depois fez um grande sorriso e olhou para o seu lado esquerdo, para a criança a quem correspondia a fotografia. A Beatriz observou e acompanhou com
bastante entusiasmo as reações da outra criança. Depois da outra criança se ter posto a pé para ir buscar a fotografia e se ter dirigido para o quadro das presenças, a Beatriz
apontava para a respetiva fotografia dessa criança no quadro das presenças e emitia sons entusiastas. A outra criança sentou-se e a Beatriz riu-se e bateu palmas juntamente com o
resto do grupo. A educadora anunciou que ia retirar outra fotografia do cesto e pediu às crianças para estarem atentas. A Beatriz chegou-se um pouco para a frente, deitou a língua
de fora e arregalou os olhos redobrando a atenção. A educadora reparou na sua expectativa e procurou a sua fotografia, retirando-a do cesto e mostrando-a ao grupo. A Beatriz
automaticamente deu um pequeno salto e esfregou as mãos uma na outra, rindo-se. A educadora esticou a mão com a fotografia e a Beatriz levantou-se, pegou nela e dirigiu-se
rapidamente para o quadro das presenças. Depois de observar as várias fotografias do quadro, a Beatriz apontou para a sua e olhou para a educadora, que lhe acenou com a
cabeça e lhe disse: “Muito bem, és tu, agora onde vais colocar a fotografia que tens na mão?” A Beatriz sorriu e colocou-a por baixo da sua fotografia. A educadora e o grupo
bateram-lhe palmas e a Beatriz riu-se à gargalhada.
1
Nome da Instituição: Sala de atividades: (sala de 1 ano)
Nome da educadora: Nº de cri
anças: 8 Nº de adultos: 2
Nome da Criança: Beatriz Idade: 15 meses Sexo: Feminino
Observador: Inês Machado
Período de
observação Indicadores
(Manhã)
Foram constantes os sinais de satisfação que a Beatriz demonstrou ao longo de toda a
Satisfação observação. Sorriu, riu, deu gargalhadas, deu saltinhos, esfregou as mãos de
09:29
contentamento e emitiu sons entusiastas. Foram, portanto, bastante notórias as
Relaxamento e paz interior
evidências que a Beatriz deu de estar a retirar diversão e prazer da atividade. A Beatriz
Vitalidade revelou estar relaxada e tranquila, nunca se mostrando tensa ou desconfortável. A
Beatriz foi sempre muito espontânea, expressiva, enérgica e mostrou-se entusiasmada
Abertura ao longo da observação. Demonstrou recetividade ao ambiente que a rodeava e
estabeleceu interações com os pares e com a educadora. A Beatriz apresentou-se
Autoconfiança
confiante e orgulhosa nas suas ações, evidenciando assertividade e consciência do seu
Estar em sintonia consigo próprio valor pessoal. O acesso às suas necessidades, desejos, interesses e pensamentos
09:32
revelou-se sereno e sintonizado.