Pedagogia-em-Participação - A Perspetiva Educativa Da Associação Criança PDF
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com as conceções teóricas (teorias e saberes) e com as crenças (crenças, valores e princípios). essenciais e perenes de cuja transmissão faz depender a sobrevivência de uma cultura, e de cada
-entre-dois a teoria e a prática como alguns indivíduo nessa cultura. A essência do modo de transmissão é a passagem deste património
disseram, mas de um-entre-três as ações, as teorias e as crenças numa triangulação interativa cultural a cada geração e a cada indivíduo.
e constantemente renovada. Convocar crenças, valores e princípios, analisar práticas e usar No centro da educação tradicional transmissiva estão os saberes considerados essenciais e
saberes e teorias constitui o movimento triangular de criação da pedagogia. A pedagogia sustenta- imutáveis, logo indispensáveis, para que alguém seja educado e culto. O professor é visto como
se, assim, numa práxis, isto é, numa ação fecundada na teoria e sustentada num sistema de o mero transmissor daquilo que ontem lhe foi transmitido, o elo de ligação entre esse património
crenças. A práxis é o locus da Pedagogia e, portanto, torna-se o locus para o desenvolvimento do perene e a criança. Os objetivos da educação são baseados na transmissão desse património
conhecimento pedagógico. perene e na sua tradução em aquisição de capacidades (pré)académicas, na aceleração das
A pedagogia como construção de saberes praxiológicos na ação situada recusa o academismo aprendizagens, na compensação dos défices que obstaculizam a escolarização.
redutor em que a lógica dos saberes se constitui como critério único, tal como recusa o empirismo
3Morin (1999), citando Bachelard, mostra claramente que os métodos carregam ideologias. O método de ensino-
aprendizagem materializa-se em processos, e estes qualificam o tipo de epistemologia que está presente, tornando-a
transmissiva ou participativa. A conscientização (Freire, 2005) do papel do método é necessária quando se pretende
1 Associação Criança e Universidade Católica Portuguesa.
uma epistemologia que respeita os direitos da criança de aprender através da participação.
2 Associação Criança e Universidade Católica Portuguesa.
1 2
Os objetivos na educação de infância cifram-se, assim, em escolarizar, compensar e acelerar. A competência e atividade. A motivação para a aprendizagem sustenta-se no interesse intrínseco
imagem da criança que aqui está presente é a da tábua rasa, a da folha em branco, sendo a sua da tarefa e nas motivações intrínsecas das crianças.
atividade a de memorizar os conteúdos e reproduzi-los com fidelidade, discriminar estímulos
A atividade da criança é entendida como colaboração no âmbito do quotidiano educativo. O papel
exteriores, evitar os erros e corrigir os que não puder evitar. A imagem do professor é a de um
do professor é o de organizar o ambiente e observar e escutar a criança para a compreender e lhe
transmissor que utiliza geralmente materiais estruturados para essa transmissão manuais, responder. O processo de aprendizagem é pensado como um espaço partilhado entre a criança e
fichas, cadernos de exercícios. A motivação da criança é baseada em reforços seletivos vindos do o adulto. Os espaços e os tempos educativos são pensados para permitir a interatividade e a
exterior, geralmente do professor. continuidade educativa. As atividades e projetos são concebidos como ocasião de as crianças
O processo ensino/aprendizagem que utiliza predominantemente o modo de transmissão define a fazerem aprendizagens significativas.
memorização dos conteúdos e a sua reprodução fiel como o cerne da atividade educativa. Assim,
este processo vive de uma iniciativa exterior à sala, à escola, aos professores e às crianças,
acentuando a função respondente da criança e optando por propostas estandardizadas para a A Pedagogia-em-Participação
sala de atividades.
Como atrás foi dito, a Pedagogia-em-Participação é a perspetiva educativa da Associação Criança
A pobreza desta proposta para as crianças é isomórfica com a pobreza das propostas do adulto e que se enraíza na família de pedagogias participativas. Trata-se, essencialmente, da criação de
para o adulto. Este centra em si a iniciativa, prescrevendo objetivos e tarefas (através de materiais ambientes pedagógicos em que as interações e as relações sustentam atividades e projetos
que não são da sua autoria), devendo, seguidamente, verificar, corrigir, reforçar, avaliar. Este conjuntos, que permitem à criança e ao grupo coconstruir a sua própria aprendizagem e celebrar
contexto reduz a riqueza das interações e relações adulto-criança e propicia a seleção precoce as suas realizações (Formosinho e Oliveira-Formosinho, 2008).
das crianças cuja função respondente é apreciada, sobretudo, quando executam com prontidão e
Para a sua apresentação, vamos seguir o roteiro seguinte: fundamentação teórica crenças,
exatidão as tarefas reprodutivas que lhe são atribuídas e que cumprem a realização individual de
valores e conhecimentos; eixos pedagógicos; áreas de aprendizagem; aprendizagem experiencial
normas referidas à idade. Nalgumas variantes extremas da pedagogia transmissiva, o centro deixa
(a criação de situações vivenciais para o desenvolvimento de eixos pedagógicos); organização do
de ser a criança, e mesmo o professor, para serem os materiais estruturados para essa
ambiente educativo para a aprendizagem experiencial (espaços e tempos; materiais pedagógicos;
transmissão, que se encontram disponíveis no mercado.
grupos de aprendizagem; interações adulto-criança(s); planificação com a criança, atividades e
projetos); documentação pedagógica4.
Pedagogias participativas
As pedagogias participativas produzem a rutura com uma pedagogia tradicional transmissiva para Sustentação teórica: crenças, valores e saberes da
promover outra visão do processo de ensino-aprendizagem e do(s) ofício(s) de aluno e professor. Pedagogia-em-Participação
O desenvolvimento das pedagogias participativas (Oliveira-Formosinho, Kishimoto e Pinazza, A democracia está no coração das crenças, valores e princípios da Pedagogia-em-Participação.
2007) requer a desconstrução do modo tradicional, transmissivo, bancário (Freire, 2005) de fazer Assim, os centros de educação de infância deverão ser organizados para que a democracia seja
pedagogia, a fim de criar uma conscientização sobre finalidades e objetivos, sobre meios e metas, simultaneamente um fim e um meio, isto é, esteja presente tanto no âmbito das grandes finalidades
contextos, processos e realizações. educativas como no âmbito de um quotidiano participativo vivido por todos os atores. Segundo
Os objetivos das pedagogias participativas são os do envolvimento na experiência e a construção Dewey (1939), a democracia é mais do que uma forma de governo, é uma forma de viver em
da aprendizagem na experiência contínua e interativa. A imagem da criança é a de um ser com
4Para mais informação sobre a Pedagogia-em-Participação, ver Oliveira-Formosinho e Formosinho (2011), Oliveira-
Formosinho e Gambôa (2011), Azevedo (2009), Araújo (2011), Cardoso (2011).
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comunidade, de experiência comunicativa e partilhada. É um modo de viver sustentado por uma Partir da democracia como crença e valor fundador deste conjunto de princípios é partir de uma
crença profunda nas possibilidades da natureza humana. certa visão do mundo. Não se trata de um otimismo ingénuo, mas antes de um desafio árduo para
criar condições para que os seres humanos, tanto crianças como adultos, possam exercer a
A democracia está no coração das crenças da Pedagogia-em-Participação, porque esta incorpora
capacidade de que dispõem a agência que os afirma como seres livres e colaborativos e com
na sua missão a promoção da igualdade para todos e a inclusão de todas as diversidades. Isto
implica a assunção de responsabilidade social pelas crianças e famílias e a promoção do sucesso capacidade para pensamento e ação reflexiva e inteligente5.
educativo como instância de educação para a diversidade. Este conjunto de pontos de partida leva à afirmação do respeito por todos os indivíduos e grupos
Aspira-se a que estes princípios estejam presentes e vivifiquem todos os níveis da intervenção envolvidos nos processos educativos, ao diálogo intercultural entre grupos e indivíduos envolvidos
educativa: a definição das grandes finalidades e dos objetivos educacionais, a escolha dos meios nos processos pedagógicos, à promoção de colaboração na aprendizagem, à procura de sucesso
e das técnicas para o desenvolvimento do quotidiano pedagógico, a organização das instituições educativo para todos, num contexto de respeito pelos direitos humanos, incluindo o respeito pelos
direitos da criança, entre os quais se conta o direito a aprender. O desenvolvimento da identidade
educativas, a organização da formação e o desenvolvimento da investigação. As metas de
aprendizagem, tanto para as crianças como para os adultos, devem ser permeadas por ideais de das crianças e dos profissionais é também um processo de desenvolvimento da identidade
fazer e refletir em companhia) afirmam-se como coatores da aprendizagem como uma base para
promoção
a construção do saber.
da
igualdade
5 6
interativa e contínua, reconhecendo-se à criança tanto o direito à participação como o direito ao conhecimento e a cultura das crianças e das famílias, em diálogo com o conhecimento e a cultura
apoio sensível, autonomizante e estimulante por parte da educadora. A atenção partilhada das profissionais. A Pedagogia é vista como um encontro de culturas.
(Tomasello, 1998, 2009) é conceptualizada dentro da Pedagogia-em-Participação como
aprendizagem em companhia. Aprender em companhia a ser, sentir e estar; pertencer e participar;
explorar com as cem linguagens; desenvolver as inteligências múltiplas; viver e imaginar mundos; Eixos pedagógicos da Pedagogia-em-
criar laços com as coisas, as situações, as pessoas; narrar as aprendizagens vividas, construir Participação
significação.
Os eixos pedagógicos inspiram o processo de criação da intencionalidade educacional ao longo
A atividade da criança é exercida em colaboração com os pares e com o(a) educador(a) ao nível do quotidiano. Os eixos pedagógicos apontam quais são as linhas centrais para a intencionalidade
de todas as dimensões da pedagogia e muito especificamente no âmbito da planificação, educativa (Formosinho e Oliveira-Formosinho, 2008; Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2011).
execução, reflexão das atividades e projetos. Estes eixos indicam os campos em que aspiramos a negociar e desenvolver propósitos, objetivos,
A motivação da criança para a aprendizagem experiencial desenvolve-se na identificação dos seus meios, processos, documentação, avaliação e pesquisa. Eles constituem mediadores entre a
interesses, motivações, esperanças, criando intencionalidades e propósitos e dialogando com as teoria e a práxis.
motivações profissionais do(a) educador(a), cuja profissionalidade e identidade são projetadas no O diagrama 2 mostra os eixos definidos ao longo de vinte anos de intervenção, formação e
encontro com a criança. investigação da Associação Criança (Formosinho e Oliveira-Formosinho, 2001; Oliveira-
O papel do(a) educador(a) é o de organizar o ambiente e o de escutar, observar e documentar a Formosinho e Kishimoto, 2002).
criança para compreender e responder, estendendo os interesses e conhecimentos da criança e
do grupo em direção à cultura. A aprendizagem desenvolve-se em encontros culturais de crianças
Diagrama 2. Eixos pedagógicos da Pedagogia-em-Participação
e adultos.
Neste contexto, torna-se indispensável à realização profissional uma constante autovigilância das
identidades
interações adulto-criança, perguntando reflexivamente: será que estas interações desenvolvem pertencer
socio-
participar
histórico-
sintonia com a criança? Será que favorecem a autonomia e, ao mesmo tempo, criam culturais
interdependência e intersubjetividade? Será que promovem a atenção partilhada, o escutar, o
tomar decisões, organizar processos e estimular? Será que podem contribuir para o bem-estar,
envolvimento e aprendizagem das crianças?
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Estes eixos definidores de intencionalidade pedagógica são profundamente interdependentes e relacionamentos e pertença. A participação ganha significado no contexto dos laços de pertença
aspiram a que o processo educativo colabore na construção e desenvolvimento de identidades que se honram e desenvolvem.
sócio-histórico-culturais. A Pedagogia como um processo de aprofundamento das identidades:
Crescer em participação é facilitado quando a criança sente que ele/ela "pertence aqui", porque
cultivar a humanidade através da educação fazendo dela um processo de cultivar o ser, os laços,
ela/ele é respeitada(o) e respondida(o). O impulso social de pertença que a criança tem pede
a experiência e o significado. respostas no ambiente educativo, que precisa ser projetado para ler os sinais das crianças,
O primeiro eixo pedagógico ser/estar fornece intencionalidade a esta pedagogia de sintonizar e responder; tornar visível o respeito pelas crianças e famílias; incluir as culturas
desenvolvimento de identidades em que a aprendizagem emerge, desde o nascimento, na área familiares (Moll, Amanti , Neff e Gonzalez, 1992).
das semelhanças e das diferenças. Aspiramos a desenvolver identidades plurais, porque o nosso O "pertencer aqui" (ao centro de educação de infância) é facilitado quando as crianças sentem
objetivo é incluir todas as diversidades em presença pensando os seres humanos como seres respeito pela pertença às suas famílias. A conectividade entre as pertenças e a promoção de laços
intrinsecamente sociais. As identidades individuais em contextos sociais aprendem, desde o
com as famílias são sentidas pela criança e facilitam o desenvolvimento de sentimentos de
nascimento, a envolver-se com identidades plurais que, inevitavelmente, as apoiam a serem elas pertença ao centro. O envolvimento das famílias no centro de educação de infância ajuda as
próprias plurais (Oliveira-Formosinho e Araújo, 2011). Se o ambiente educativo é concebido para crianças a aprender a ser assertivas na participação no dia-a-dia do centro (Whalley, 1994, 2001),
promover identidades plurais, a diferença do outro não é uma barreira, pois a convivialidade do ajuda-as a participar com a sua força interior e com os fundos de conhecimento das suas famílias
arco-íris de identidades ajuda a aprender a desenvolver limites permeáveis. (Moll, Amanti, Neff e Gonzalez, 1992). Segundo estes autores, o conceito de funds of knowledge
A nossa primeira preocupação pedagógica reside na criação de um clima de bem-estar para "refere-se ao acervo historicamente acumulado e culturalmente desenvolvido de conhecimentos e
crianças e famílias, onde as identidades plurais são bem-vindas e respeitadas. O processo competências essenciais para a vida em família e para o funcionamento e o bem-estar individual"
sociocultural do desenvolvimento da identidade começa com o desenvolvimento da identidade (pág. 134).
pessoal em relação e bem-estar.
pertencimento participação
ser estar
pedagogia
de laços
pedagogia
do ser
diversidade(s) semelhança(s)
diversidade(s) semelhança(s)
semelhança(s) diferença(s) inteligentes e das inteligências sensíveis; cria conversação e significações que se expressam na
riqueza das linguagens plurais.
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experiência refletida e no resgate do sujeito identitário que desenvolve relações e cria
possibilidades (Gopnick, 2009).
O diagrama 3 representa a aprendizagem experiencial como construção do conhecimento através Áreas de aprendizagem da Pedagogia-em-
da experiência vivida e da reflexão sobre essa experiência. A experiência cria laços entre a criança Participação
e o mundo (pessoas e objetos) tornando-os um continuum. A forma reflexiva de viver a experiência
A interatividade dentro de cada pólo dos eixos de intencionalidade educativa e a interconetividade
constitui-a em expressão e significação.
entre os eixos permite apontar quatro áreas centrais de aprendizagem experiencial: as
identidades, as relações, as linguagens e os significados.
Diagrama 3. Aprendizagem experiencial
As oportunidades de aprendizagem que se criam proporcionam experiências tanto no
desenvolvimento das identidades e das relações como na aprendizagem das linguagens e da
significação. As experiências de exploração do mundo com recurso aos instrumentos culturais,
tais como a linguagem oral e escrita, a linguagem matemática, a linguagem científica, as
linguagens cívica, moral e ética, as linguagens estéticas fecundam a exploração e permitem a
representação, o significado, o sentido, os saberes. A experiência de explorar o mundo com
acesso aos instrumentos culturais, como as cem linguagens (Malaguzzi, 1998), constitui um
processo educativo que abre oportunidades de participar na herança sócio-histórica-cultural.
Deseja-se que a educação abra, para todos, portas para a cultura.
Pensamos que é importante e decisivo negociar com as crianças propósitos nestas áreas, tanto
ao nível das grandes finalidades como ao nível dos objetivos, tanto ao nível das experiências de
aprendizagem como da sua avaliação (Carr, 2001). Pensamos que é importante e decisivo garantir
que o aprender esteja integrado com o aprender a aprender, porque a forma de ensinar está, antes
Júlia Formosinho, 2010
de mais, preocupada com as formas de aprender. Achamos importante e decisivo certificar-nos de
que a aprendizagem esteja integrada com o aprender a aprender, uma vez que o modo de ensino
Assim, uma sala de atividades de um centro de educação de infância que trabalha a Pedagogia- numa pedagogia participativa, está preocupado com o modo de aprendizagem.
em-Participação organiza o ambiente educativo, a fim de criar oportunidades ricas em
Achamos importante e decisivo negociar com as crianças propósitos e itinerários ao nível de
possibilidades experienciais para o desenvolvimento das identidades pessoais; identidades
objetivos, processos e realizações nestas quatro áreas. O respeito pela criança competente e
relacionais e sociais; pertenças plurais; participação comunicativa no aprender, narração da
participativa inicia-se na negociação do que aprender, como aprender, como avaliar.
aprendizagem significativa.
O diagrama que se segue evidencia as quatro amplas áreas de intencionalidade para as
Essa sala organiza o ambiente educativo, a fim de criar oportunidades ricas em possibilidades
aprendizagens.
experienciais para o desenvolvimento da manipulação, da exploração e da representação;
experiências de comunicação relativas à exploração, manipulação e representação; experiências Diagrama 4. Áreas de aprendizagem da Pedagogia-em-Participação
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narrar meus sentidos inteligentes? Como posso aprender a aprender? Como posso responder? Como
posso obter uma resposta? Como posso participar neste processo de desenvolvimento de mim
mesmo, do outro, da subjetividade e da intersubjetividade? Sinto que pertenço? Estou crescendo
na participação? Estou usando os instrumentos disponíveis culturais (linguagens plurais)? Sou
visto como um construtor de significado? Sou escutado nos meus sinais? Sou ouvido nas minhas
perguntas?
áreas de
linguagens As oportunidades de aprendizagem experiencial das crianças são o veículo para a aprendizagem
aprendizagem
de ferramentas culturais, tais como as cem linguagens, e para o desenvolvimento de funções
psicológicas superiores, tais como atenção, memória, imaginação, reflexão (Vygotsky, 1998).
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Bettelheim (1982) pergunta: somos nós que fazemos o ambiente ou é o ambiente que nos faz? No âmbito da Pedagogia-em-Participação, pensar o ambiente educativo é um processo em
Sabemos que ele sabia a resposta: o poder do ambiente no desenvolvimento da personalidade. progresso. A criação de ambientes educativos é para nós uma constante experiência em
Lewin (1948) sustenta a ideia de que o clima social onde as crianças vivem é tão importante para democracia, porque o seu objetivo principal é a inclusão de todas as vozes e a resposta a todas e
o desenvolvimento do sentimento de segurança como o ar que ele/ela respira. Foucault (1975) a cada uma delas.
analisa os processos de organização do espaço e do tempo para a formação de certos hábitos e O ambiente pedagógico é uma textura delicada e dinâmica. Os ambientes educativos transmitem
comportamentos. Bronfenbrenner (1979) estuda a influência dos micro e macroambientes e suas mensagens, colaboram (ou não) no desenvolvimento do projeto educativo e os seus objetivos.
interações na aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Apoiam (ou não) os educadores e a ideologia educacional do centro. Respeitam (ou não) os
Com o surgimento de uma psicologia sociocultural, o significado das situações tomou um papel direitos das crianças à coautoria da sua aprendizagem.
central. A psicologia cultural esclareceu que os comportamentos podem receber significados A construção do conhecimento pela criança requer um contexto social e educacional que apoie,
diferentes em diferentes contextos culturais e, inversamente, a diferentes comportamentos poderá
promova, facilite e celebre a participação, ou seja, um contexto que participa da construção da
ser dado o mesmo significado, em diferentes contextos (Sameroff, 2010). competência e participação porque se pensa, em última análise, que aprender é crescer em
A segunda metade do século XX trouxe muitas contribuições para a compreensão dos contextos participação.
de vida e suas interações nos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças,
Para desenvolver a Pedagogia-em-Participação como um processo de escuta sensível, torna-se
enfatizando a importância da experiência vivida no contexto e sua interpretação.
necessário pensar as diversas dimensões da pedagogia os espaços, materiais e tempos
O clássico debate natureza vs. criação é constantemente retomado. As opiniões acerca dos pedagógicos, a organização dos grupos; a qualidade das relações e interações, a observação,
determinantes do crescimento e desenvolvimento de cada criança oscilam entre apelos às planificação e avaliação da aprendizagem; as atividades e projetos que trazem vida e experiência
características intrínsecas da criança e apelos às propriedades extrínsecas dos contextos. à coconstrução da aprendizagem; a documentação pedagógica que cria memória, aprendizagem
Ao longo do tempo, o pêndulo oscila quanto aos fatores que explicam a mudança no e meta-aprendizagem, o envolvimento dos pais, famílias e comunidades.
desenvolvimento, mas a experiência (a criação) jamais será colocada fora do debate6. Isto significa A textura delicada e dinâmica formada pela interconectividade destas dimensões tem como
que os múltiplos contextos de vida das crianças deverão ser seriamente considerados no que diz objetivo o desenvolvimento de identidades plurais e relações cooperativas, pertenças
respeito às suas jornadas de vida e aprendizagem. participativas, explorações comunicativas, significados narrativos.
O conhecimento disponível relativo à importância dos contextos de vida como espaços e tempos
para o desenvolvimento das identidades; da atenção, da imaginação, da memória, da inteligência
e da aprendizagem é desafiador tanto para educadores como para os investigadores. Precisamos
de desenvolver um profundo processo de questionamento sobre como os pensar e como os criar.
Isto implica percorrer uma jornada de investigação que vai desde uma conceção implícita dos
contextos educativos para uma compreensão explícita dos mesmos. Significa desenvolver
reconceptualizações pedagógicas a respeito da organização dos ambientes educativos como
contextos de viver-aprender, cujas dimensões são multidimensionais e interdependentes (Oliveira-
Formosinho, 1998; Araújo, 2011).
6 Uma boa síntese para conhecer os caminhos e o desenvolvimento deste importante debate encontra-se em Sameroff
(2010).
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Diagrama 4. Dimensões da Pedagogia Integradas construções, etc.) permite uma organização do espaço que facilita a coconstrução de
aprendizagens significativas.
Organização do Espaço Pedagógico abertos para as realidades da Europa, de outros continentes e culturas? É a pedagogicidade dos
materiais um veículo para a educação intercultural? Constitui a pedagogicidade dos materiais um
Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço, diz-nos Paulo Freire (2000)
veículo para inclusão de todas as linguagens?
quando, como secretário da Educação do Estado de São Paulo, visitou escolas da rede escolar
da cidade de São Paulo. A pluralidade das experiências que se criam quando mediadas pela pedagogicidade de materiais
fortalece, no quotidiano pedagógico, a coerência da proposta teórica fundante. A imagem de
O espaço é por nós visto como um lugar de bem-estar, alegria e prazer, um espaço aberto às
criança competente, como sujeito de direitos e especificamente do direito à participação em
experiências plurais e interesses das crianças e das comunidades. Um espaço pedagógico aberto
colaboração com pares e adultos, encontra apoio diferenciado conforme as escolhas de materiais
à natureza que se carateriza pelo poder comunicativo da estética, o poder ético de respeito por
pedagógicos.
cada identidade pessoal e social, refúgio seguro e amigável, aberto ao brincar e aprender, garante
da aprendizagem cultural. Os métodos não são neutros, são antes instrumentos eivados de ideologia (Morin, 1999). Os
materiais, que na educação de infância são um segundo educador porque medeiam a mediação
A criação de áreas diferenciadas (workshop, ateliers, oficinas) com materiais próprios (mediateca,
da profissional, fazem parte integrante do método. Estão carregados de ideologia: servem ou não
área das expressões, área do faz de conta, área de ciências e experiências, área dos jogos e
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as cem linguagens, as inteligências múltiplas, os sentidos plurais e inteligentes, todas as las, pensá-las e reconstruí-las é um habitus (Bourdieu, 1990) que as profissionais que
diversidades: pessoal, social e cultural. desenvolvem a Pedagogia-em-Participação necessitam desenvolver. É, inspiração em Vygostky,
uma função profissional superior.
No âmbito da Pedagogia-em-Participação, a seleção, disponibilização e utilização dos materiais é
pensada a montante e a jusante. A montante é pensada em coerência com a teorização Mediar a aprendizagem na qual a criança exerce agência exige autovigilância dos estilos
educacional que sustenta a perspetiva pedagógica; a jusante com base na reflexão avaliativa interativos, porque nem todos são igualmente promotores do exercício da agência da criança. A
sobre como os materiais utilizados têm sustentado no quotidiano a coerência praxiológica. agência do professor como poder para fazer a diferença na pedagogia requer transformar
Como a práxis integra na ação a teorização e as crenças, a Pedagogia-em-Participação precisa estruturas, sistemas, processos, interações que eventualmente se constituem em constrangimento
de avaliar sistematicamente a pedagogicidade humanizante dos materiais que utiliza. As à agência da criança e, assim, à aprendizagem experiencial participativa.
experiências das crianças com os objetos constituem-se em transações em que as identidades se Mediar a agência da criança requer a compreensão da interdependência entre criança que
vão constituindo como realidade em permanente mudança. aprende e o contexto de aprendizagem onde as interações adulto-criança(s) são fulcrais (Oliveira-
Formosinho, 2007). Mediar a agência da criança exige a ética de reconhecer que a participação
ativa da criança na aprendizagem depende do contexto educativo e dos processos que nela se
Organização do Tempo Pedagógico desenvolvem.
Os tempos pedagógicos organizam o dia e a semana com ritmo, uma rotina diária respeitadora A Pedagogia-em-Participação é uma proposta que honra as identidades relacionais e as relações
das preferências e das motivações das crianças, tendo em conta o bem-estar e as aprendizagens. identitárias como condição prévia de aprendizagem experiencial. É uma proposta que incorpora a
Ao tempo pedagógico pede-se que inclua uma polifonia de ritmos: o da criança individual, o dos coconstrução da aprendizagem no fluir das interações pedagógicas. No âmbito da Pedagogia-em-
pequenos grupos, o do grupo todo. Ao tempo pedagógico pede-se ainda que inclua os diferentes Participação, a construção das interações pedagógicas como mediadoras do direito de cada
propósitos, as múltiplas experiências, a cognição e a emoção, as linguagens plurais, as diferentes criança a ser respeitada e a participar tem merecido investigação teórica e empírica, bem como
culturas e diversidades7. reflexão profissional cooperada sobre o quotidiano praxiológico (Oliveira-Formosinho, 1996;
O espaço e o tempo vividos são relacionais, isto é, a organização, a diversidade, a beleza e riqueza Azevedo, 2009; Araújo, 2012; Cardoso, 2012).
do espaço, dos materiais e do tempo ganham significado através das relações e interações que
humanizam o espaço de vida e aprendizagem.
Organização dos grupos de aprendizagem
O significado de participação é, por vezes, apresentado em perspetivas simplistas e em oposição.
As interações adulto-criança(s) como questão vital da Há uma perspetiva individualista que diz ser preciso permitir a cada criança ter influência no
Pedagogia-em-Participação processo de tomada de decisão. Assim, a proposta pedagógica constitui-se em educar as crianças
As interações adulto-criança são uma tão importante dimensão da pedagogia que a análise do para, baseadas na afirmação do conhecimento dos seus direitos, desenvolverem a assertividade,
estilo dessas interações nos permite determinar se estamos perante uma pedagogia transmissiva inclusive o direito de ser parte no processo de tomada de decisão sobre o que lhe diz respeito. O
ou uma pedagogia participativa (Oliveira-Formosinho, 2007). É que as relações e interações são objetivo principal é o domínio do poder de influenciar processos e pessoas, sendo desejável
o meio central de concretização de uma pedagogia participativa. Desenvolver as interações, refleti- educar a criança para ser assertiva nesse processo.
7 Um exemplo da rotina de um
As perspetivas sociocolaborativas sublinham a ideia do grupo-turma ou da classe (e do centro
dia típico o tempo de acolhimento, o tempo de planejamento, de realização de projetos
e/ou atividades, tempo de reflexão, lazer, tempo intercultural, momento de trabalho em pequenos grupos, o conselho, educativo) como comunidade de aprendizagem onde as interações e relações são centrais, onde
o tempo da partida. Para este efeito ver Oliveira-Formosinho (2011). O espaço e o tempo na Pedagogia-em-
Participação. Coleção Infância nº 16. Porto: Porto Editora. o sentimento de pertença e participação é cultivado como forma de realizar a comunidade. O
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conceito de togetherness de Dewey é aqui muito inspirador, assim como o conceito de Lawrence propósitos da criança e negociar as atividades e projetos promovendo uma aprendizagem
Kohlberg (1984) de comunidade justa. experiencial cooperativa. Este é um processo de negociação do currículo com as crianças. A
observação e a escuta desempenham aqui um papel central.
No nosso entendimento a assertividade individual não se deve procurar sem o sentido de pertença
comunitário e este não se cumprirá integradamente sem que os indivíduos da comunidade de A observação é um processo contínuo, pois requer o conhecimento de cada criança individual,
aprendizagem possam ser assertivos. Uma pedagogia da participação transformativa tem de se no seu processo de aprendizagem, a partir da sua estrutura de criação de significado para a
certificar que, simultaneamente, realiza o ator social em contexto, com formas de participação experiência, necessariamente diferente da estrutura de atribuição de significado à experiência
recíproca, e o ator pessoal em crescimento, que é um sujeito autónomo, com expressão e iniciativa desta outra criança individual que, embora da mesma idade, tem já outra história de vida, outra
próprias. Mais uma vez a pedagogia se revela na sua complexidade, integrando a autonomia experiência, outra família, noutra cultura.
individual de exercício do poder e influência com o exercício social, recíproco e relacional da
Isto implica a necessidade de uma simbiose entre teoria e prática, pois requer a observação da
participação coletiva.
-em-ação , não a observação da criança solitária, mas da criança que se situa em vários
Ao longo do dia, durante a rotina diária, há diversos modos de participação e envolvimento das contextos - familiares, profissionais, comunitários e sociais. Na Pedagogia-em-Participação, a
crianças na coconstrução da aprendizagem experiencial individualmente, em pares, em observação é contextual, pois não se avalia a criança mas as aprendizagens da criança no
pequenos grupos, em grande grupo. contexto educativo que se criou, o que requer que, antes de observar a criança, se observe o
contexto que se criou. Isso exige que, antes de observar a criança, observemos o ambiente
A Pedagogia-em-Participação favorece a organização de grupos heterogéneos em termos etários
educativo criado e perguntemos se ele oferece oportunidades para aprendizagem.
que incluam a diversidade cultural envolvente.
A escuta é um processo de ouvir a criança sobre a colaboração no processo de coconstrução do
conhecimento, isto é, sobre a sua colaboração na codefinição da sua jornada de aprendizagem.
Planificação com a criança Para além da discussão sobre os formatos de documentação da escuta, é importante aceder à
No âmbito de uma pedagogia da infância transformativa, preconiza-se uma planificação compreensão holística e integrada da escuta. A escuta, tal como a observação, deve ser um
pedagógica que conceptualiza a criança como uma pessoa com agência, não à espera de ser processo contínuo no quotidiano educativo, um processo de procura de conhecimento sobre as
pessoa, que lê o mundo e o interpreta, que constrói saberes e cultura, que participa como pessoa crianças, seus interesses, motivações, relações, saberes, intenções, desejos, mundos de vida,
realizada no contexto da comunidade educativa procurando uma ética de reciprocidade.
reconstruídos com base na reconceptualização da pessoa como detentora de agência: a pessoa Assim, quer a escuta quer a observação devem se porto seguro para contextualizar e projetar a
do aluno e a pessoa do professor. ação educativa.
Na Pedagogia-em-Participação a planificação cria, assim, momentos em que as crianças têm A negociação é um processo de debater e consensualizar com a classe os processos e os
direito de se escutar a si próprias para definir as suas intenções e para escutar as intenções dos conteúdos curriculares, bem como o ritmo e os modos da aprendizagem Trata-se da participação
outros. São momentos em que a criança ouve e se ouve. O papel do adulto é criar espaço para guiada da classe na codefinição da planificação curricular. É um instrumento de participação que
que a criança se escute a si própria e comunique a escuta de si. afasta ainda mais a perspetiva socioconstrutivista da perspetiva tradicional, pois leva as crianças
Planificar é dar à criança poder para se escutar e para comunicar a escuta que fez de si. É um issiva o currículo.
processo humanizante a criança sabe que é garantida a escuta de si e dos outros (pedagogia
do ser, dos laços, do pertencimento). A criança que se escuta cria habitus de definir
intencionalidades e propósitos e de tomar decisões. A educadora cria o habitus de incluir os
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Atividades e Projetos Na pedagogia transmissiva, as atividades das crianças são pré-programadas pelo professor. O
projeto, se e quando aparece, surge como novo, diferente, mas é muitas vezes assimilado e
Revisitámos Dewey e Kilpatrick para desconstruir práticas vigentes de trabalho de projeto e as
acomodado na forma tradicional de realização das atividades.
reconstruir. Neste processo tornou-se evidente que atividades e projetos são os dois atos
pedagógicos intencionais a unidade básica que une atividades e projetos é a intencionalidade.
No âmbito da Pedagogia-em-Participação as crianças desenvolvem, em companhia, atividades e Na Pedagogia-em-Participação propõe-se que, no contexto educativo que promove a participação
projetos que permitem aprendizagem experiencial de conteúdos e modos de aprender. Atividades das crianças e a problematização das questões, atividades e projetos nasçam da mesma dinâmica
e projetos implicam o envolvimento das crianças e a mesma dinâmica motivacional, sendo que os motivacional e ganhem uma intencionalidade para e na ação.
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A documentação coloca o aprender no centro, facilitando, deste modo epistemológico com os requisitos educacionais provindos da sociedade e do seu projeto educativo;
socioconstrutivista, a aprendizagem de conteúdos curriculares, o desenvolvimento do aprender a apoiar a monitorização e avaliação das aprendizagens das crianças e dos adultos;
aprender e o desenvolvimento de disposições para aprender (Carr, 2001, 2012). compreender o fazer, sentir, aprender da criança.
A documentação permite à comunidade profissional descrever, compreender, interpretar e
ressignificar o quotidiano pedagógico da experiência de vida e aprendizagem das crianças, da vida Nesta perspetiva a documentação pedagógica é uma estratégia para criar descrições, análises,
profissional das educadoras e permite às crianças ver-se a aprender. Um dos grandes valores que interpretações e compreensão que permitem conhecer a criança competente e participativa,
se atribuem à documentação pedagógica é que ela retira as práticas pedagógicas do anonimato, planificar com ela (e não para ela) a aprendizagem; avaliar com ela (e não por ela ou para ela) a
visibilizando-as e permitindo colocar em diálogo culturas e identidades: a cultura da criança e a aprendizagem. É uma estratégia pedagógica para escutar as crianças e para responder
cultura do adulto; a identidade da criança e a identidade do adulto. Nesse processo, revela-nos, educacionalmente a essa escuta. É um espaço para a criação da memória de aprendizagem em
desde o nascimento, um ser que sente, explora, comunica, vive. ação, tal como constitui uma base para o desenvolvimento de identidades aprendentes.
Atualmente, a documentação é entendida como um processo de construção de significado para A documentação como um espaço-
as situações pedagógicas. Esta (re)significação do conceito deve-se, essencialmente, ao facto de para ver, ouvir, escutar a vivência das crianças remete-nos para a compreensão de uma imagem
se ter vindo a considerar que uma grande parte da aprendizagem que ocorre na escola assume o de criança que sente e se expressa, pensa e experimenta, cria compreensões da aprendizagem
sentido de participação dos sujeitos (professores, crianças, famílias e comunidade), o que implica experiencial, inicia-se a um sentimento de que é um sujeito de direitos de quem se espera que,
uma nova visão da aprendizagem e da sua documentação. A aprendizagem é entendida como um progressivamente, se compreenda a si próprio como ser com voz e participação. Um aprendiz com
processo de construção que requer o envolvimento dos seus atores centrais e a documentação identidade que tem direito de ser ouvido e ser respondido.
permite um cruzamento de olhares (das crianças, dos pais, das educadoras) sobre as marcas dos A documentação representa uma atitude de respeito pela criança que se transforma em centro da
atos educativos que se foram organizando, das situações educativas que se foram vivendo. Não ação pedagógica, registando as suas múltiplas afirmações de identidade como o ponto de partida
é um processo mecânico de acumulação de anotações. para, em escuta e comunicação, ser respondida, colaborando assim nas suas experiências plurais
A contribuição das crianças revela, desde muito cedo, que quando olham a sua história de de aprendizagem ao nível de construção de identidades relacionais, de pertenças participativas,
aprendizagem narrada nos portefólios individuais se reconhecem nela, ficam contentes, procuram de linguagens comunicativas, de narração significativa.
comunicar, interpretam e significam os seus caminhos do aprender (Azevedo e Oliveira-
Formosinho, 2008).
As narrativas de crianças como uma análise de segunda
Na perspetiva da Pedagogia-em-Participação procura compreender-se, na História da Pedagogia,
ordem a respeito da aprendizagem
a emergência de formas de documentar e, com as lições aprendidas, reconstruir um formato de
A narrativa é um caminho para criar significado quando as atividades e projetos permitem que as
documentação contextual e situado que sirva a grande finalidade de ver e entender o fazer e o
crianças usem os sentidos plurais inteligentes e inteligências sensíveis plurais. Quando o professor
pensar da criança para que, simultaneamente, permita:
é um "colecionador" de artefactos infantis culturais, pode facilmente iniciar a conversa, a
reconstruir a imagem da criança como uma pessoa e como um aprendiz; comunicação, os diálogos em torno desses artefactos e a experiência que os criou, fazer
apoiar o desenvolvimento de identidades individuais e de identidade do grupo; disponível para a criança a documentação que a ajude a revisitar a aprendizagem, a identificar os
processos de aprender a aprender a celebrar as realizações. As crianças conceptualizam-se como
apoiar a planificação que passa a criar uma intencionalidade educativa de natureza pessoas que aprendem quando têm acesso às jornadas de aprendizagem através da
bidirecional, isto é, que compatibiliza interesses, motivações, propósitos das crianças
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documentação. A complexidade deste processo permite a criação de memória e significado e desenvolver experimentos em democracia para encontrar uma forma de documentação
impulsiona a criatividade (Formosinho e Oliveira-Formosinho, 2008). pedagógica que revela o ser e o aprender da criança e do adulto.
As narrativas das crianças sobre as experiências de aprendizagem tornam-nas reflexivas e A Pedagogia-em-Participação na procura de coerência exige da documentação que visibilize os
representam uma análise de segunda ordem a respeito da aprendizagem. Enquanto narram a princípios que a sustentam ou que revele ausência desses princípios. Neste último caso pede-lhe
aprendizagem, descobrem processos e realizações, e descobrem-se a si próprias e aos outros que promova a resolução dos problemas de incoerência e desintegração que eventualmente a
nestes processos e nessas conquistas (Azevedo e Oliveira-Formosinho, 2008). Descobrem a documentação revele.
resiliência que advém da dignidade de aprender, perguntar, obter respostas. Na esteira de Morin (1986), como o todo está em cada parte, a documentação sobre qualquer
O modo como se aprende tem influência sobre a construção pessoal, social, cívica e cognitiva do parte é reveladora do todo. A documentação como uma parte integrante do todo da pedagogia é
aprendiz. A afirmação da criança como um sujeito competente e com atenção ao mundo, memória muito útil para quotidianamente transformar a pedagogia. A documentação pedagógica constitui
de ser e saber, descoberta de possibilidades, imaginação de alternativas enraíza as disposições um processo fundamental para, através da triangulação entre pensar-fazer, pensar-sustentar a
para aprender e assertividade no caminho de perguntas e respostas. práxis e promover o movimento triangular para a (re)criação da pedagogia como uma ação
fecundada na teoria e sustentada por um sistema de crenças.
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