MATOS, Olgária. Rousseau - Uma Arqueologia Da Desigualdade PDF
MATOS, Olgária. Rousseau - Uma Arqueologia Da Desigualdade PDF
MATOS, Olgária. Rousseau - Uma Arqueologia Da Desigualdade PDF
1
Olga'ria c. f. Matos
FICHA CATALOGRAFICA
(preparada pelo setor de catalog~ de
MG Editores Associados - Bibliotecaria
Diva Andradel
DA DESlGUALDADE
© desta edicao da
MG EDITORES ASSOCIADOS
Rua Sergipe. 768 . fone: 259-7398
01243 . Sao Pau 10, SP
msQ ed~tores
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COMPOSI<;AO
J Ao Kdu,
razao de ser deste trabalho
e
a meus pais
I\
I I i,
II'
I
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I •
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* Este estudo nao teria sido possivel sem concurso da F APESP
0
(Fundayao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo) que
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suMhlUo
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Pref3cio .................................. . 9
Introdu~o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
\
I\
I .
Capitulo n - A Natureza eo Artificio .............. . 45
Bibliografla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
·PREFACIO
j
J
I
os homens, Jean-Jacques Rousseau nao e urn revolucionario?· Este
mano cria sua propria barreira interna e que, nao podendo ser
!
,t;
'i,
11
sera
rema a abundancia, a sa~ das necessidades nao ultrapassa 0
desejo natwa!. 0 mundo feito somente do aqui e do agora ~ pJena
a leitura que interrogue os limites do discUfSO e que, ao faze-Io, rn mente visivei e sua visibilidade transita entre os homens para os
desvende 0 sentido dessa enigrnatica rememorar;ao que perco quais 0 simples gesto e bastante para a comunica¢o e a dor visivei
a obra onde lembrar e saber que 0 homem feliz nao tem mem6 do outro, suficiente para despertaI urn eco nos demais que nao
1 ria e falar e afirmar que a felicidade e silencioSlL A obra e per- precisam "entende-la" para senti-Ia em sua propria came. A per
se
versa e nela a busca da origem e tentativa funesta para suprirnir-en gunta pela origem da desigualdade converte-se, pais, em questao
a 51 mesma sem eonsegui-lo. A mem6ria, a linguagem, 0 pensarn acerca da transforma¢o oconida na natweza hurnana e que a fez
to e 0 trabalho sao signos da perda originaria; lembrar, escrever, passar do estado de igualdade entre homens aute-suficientes ao
pensar fazem com que 0 trabalho da obra seja a repetiyao inean estado de desigualdade entre homens que se tomaram dependentes.
o A Arqueologia da Desigualdade e urna teana da alienayao. Com
savel da perda e da divisa:o cuja origem 0 discurs esta a procurar.
A obra de Rousseau nao e descri<rao da queda: e sua plena manifes preendemos, enta:o, porquc a autora compieta a pergunta sobre
a origem da desigualdade com urna outra que lhe confere pleno
tar;ao. Como 0 diferente se toma desigual. 0 vlsivel se oculta e sentido: qual a origem da submissao? Sem a questa:o acerca da
a presenya se faz ausente? A resposta a estas que stOes, escreve obediencia a outrem seria impassivel determinar 0 momento em
olgiria. nao deve ser buscada em uma hist6ria empirica. pais RouS que a diferenya natwal e transflgurada em desigualdade social,
ado
seau nw indaga quais os fatos que teriaIIl deterrnin 0 adventO pois esta nada rnais e senao a fOlIDa da dom.ina¢o e das re~
da desigUaldade entre os homens e sim quais os principios que a tor entre homens divididos.
naralIl possivel. DiriamOs que a Arqueologia da De51gualdade tranS Olgaria Matos enfatiza a afinn~o de Rousseau segundo a
corre no espa<r0 de uma historia transcendental. Freqiientemente os qual a propriedade privada marca 0 advento do estado de guerra,
°
inteq,retes da obra rousseauniana considerarn principio explicati . mas nao' 0 advento da sociabilidade, de sorte que 0 surgimento
vo da desigualdade como f!Uta da compamr ao feita entre 0 estado . da propriedade privada e precedido de outras desigualdade que
de natureza e 0 estado de sociedade, visto que em Rousseau a crlti· a prepararn, sendo mais urn fruto deias do que sua causa. Da mesma
ca do social eneontra-se aliceryada em sua oposir;ao absoluta face maneir~ Olg3.ria mostra como 0 uso da forr;a e a ex.igencia do
ao natural. Olgaria desloca 0 foeo tradicional da interpretar;ao: reconhecimemo entre homens que se tomaram conscientes nao
nao e atraves do conceito de estado de natureza que Rousseau sao causas da suhmissao, mas apenas seus intrumentos de conser
fundamenta a teoria da desigualdade. mas atraves do conceito va~o, sendo nece~o buscar aquem delas a genese da obedit!n
de natureza hum ana. Esse desiocam ento interpretativo e funda cia. Assim, tanto 0- advento da propriedade privada quanto 0 da
vel
mentaL pois sem ele tamar-se-ia incompreensl a preocupar;ao .
\' 13
dOInin~~O alte~ descoberto como objeto de arnor ou de Odio e, assim·, como <life
i.l I
devem pressupar outras no emodo de ser
dos homeIlS que as torruuam possiveis. Eis parqu a oautora se
rente_ Mas porque ser amado e nao ser odiado supOem compara
yOes e preferencias, a Jinguagem do arnor e do 6dio eria e conserva
detem na analise da origetIl das llnguas, na compreensa do signi
ficado da passagem da sensibilidade e das paixOes para a consci~n seres desiguais, impeUdos pela vaidade e pela vergonha, pelo medo
cia e a raz~o,
na interpre~o
da genese do mun
do
do trabalho
da afronta e pelo desej 0 de vinganya_
modifi~s ~o
adas Em que momenta falar e trabalhar transformam a diferenya·
comO mundo da carencia. Essas caro o
super
po"" onde a d.,;gualdade so _ n " e cujo perfil 0'
deste livTO desenterram com paciSncia. Aqui a arqueologia
""".tul ,
e geolO
em desigualdade & [azern do desejo de reconhecimento reciproco
.\ gia. No estado de natureza. p610 ideal da origem, reioaIO a pre divisOes origi.narias - trabalho e Jinguagem - criam nova divisOOs
!
sen~ e a visibilidade. 0 nascirnento da 1ingU3SetIl e 0 advento que alteram irremediavelmente 0 modo de ser da natureza humana.
sep~o
;
etIl o e
homem natural 0 homem do arnor de si; 0 homem social, do
rel~[o cri~[o
do trabalho marC3lll a entre 0 hom e a 0rige1ll, pois
a fala e corn 0 ausente e 0 trabalhO, do passivel. arnor-proprio. Para que a primeira forma do arnor se convenesse
Com eles surge a consciencia do tempo e da morte, mas tambem (au se pe~ertesse) na segunda foi preciso que surgisse 0 desejo
i da posse e com ele 0 interesse particulaI. A subjetividade nascente,
a da pennan e a da identidade . A consciencia de si deSCO
\1 encia escreve OIgaria. organiza-se menos sob a categoria do "eu" e muito
bre-se como identica ao saber-se divetsa do mundo natural e das
demais consciencias que a cercarn. Para que a \.ingU3gem, 0 traba
e
mais sob a egide do "meu" e seu imperativo a posse. Nao sera
lho, a consciencia do tempo e da identidade surgissem foi preciso por acaso que a grande divisIo definidora do ser social do homem
que a adesao institiva ao imediato cedesse passo a algo inscrito na sera a oposiyao entre 0 inclividuo e 0 cidalUo, entre 0 interesse par
! \ natureza human desde a origem: a perfecUbilidade. Todavia, para e
ticular e 0 bem coletivo. Porem,, preciso indagar: como foi possivel
a
'l"e .... .re"" a <>cup" 0 lug" do instinto, <llitingUindo 0 bO na.scer 0 interesse particular? A. respasta a esta questao pOe em
I mem do animal, e para que a consciincia vieS5e a ocupar 0 lugar cena 0 advento da propriedade privada e do trabalho alienado,
fonte da subIl1.i.ssao.
da pun ",ngbilidade fo' p " - que ,]go ocone= na propria Na
tureza. Crises, revoluyOes natUIais e acaso s funestOS flzerarn com Se e impassivel convencer os homens de que "os frutos sao
ente de todos e a terra, de ninguem" e porque 0 trabalho se realiza
que a Natureza deixaS5e de ser grande role benevol para conver
m em terra cercada e possuida e porque a linguagem do possuidor
ter-se em obstaculo a exigi! que os hOrnens luusse para viver.
Corn 0 trabalho realiza-se a ci~O
fundamental entre homem e e linguagem do interesse. Para que a diferenya swja como desiguai.
Natureza e da labuta nasce, entre dores, 0 homem social. Forarn dade e preciso dizer "isto e meu", porem, para que a desigualdade
tambem oS cataclisrooS naturais (geleiraS e desertos, frio e seca) seja acoihida pelos esbulhados como simples difereny~ reconhe
os responsaveis pelas aglorne~Oes hum anas em certOS pontos do cida como direito de algwru.s a fruirem do trabalho de todos os
globo terre,t« e, uroa vez ";omend"", 0' hOmen' fo'''" obri- os outros, assumida como deJer de obedi~ncia dos que nada ~m aos
m que tudo possuem e preciso, primeiro, persuadir um homem de
gado, a ,ri" liugu'" ""mun' que \he' peuni_ vive' ,.unid
tarias e
que nao pode ria viver sem 0 outro . Todavia, se verdade que sem 0
e cooperar
Se 0 em tarefasparteja
trabalho cornunia divis[O
. e~ire
0 homem e a Natureza, trabalho da maioria despossuida , a minoria possuidora nao pode
a linguagem marca 0 advento da consciencia da alteridade entreo ria mer, na realidade 0 discurso persuasivo MO sera proferido
os pr6prios hom . Se 0 trabalho nasce sob a violent a pressa pelos que trabalharn e sim pelos que possuem a terra. Assim, 0
ens
da carencia, a linguagem nasce sob a ex.ig~ncia
das paixOes: ter direito A palavra cristaliza a desigualdade determinando aqueles
fome ou sede n[O faz falar, mas amar ou odiar criam os sons ar que que rem e podem falar.
ticulados. Enquanto na piedade natural os homens se identifica
15
~
cia necessana e sem este convenciInentO a
~
seria irnpas
atraves do govemo , isto e, de wna vontade determinada (pelo
\' s,,,,L Contudo. a do ,,,godo '" foi 1""",,1 qUaDdo
interesse particular) que ocupa 0 lugar da vontade univernU. Gr~as
toda a superficie da Terra ja se encontrava repartida entre algunS
\'1 a essa uSUIpru;ao aquele que nao se submeter sera tide como sus
quo p"'" def,nd,"'" _ boos , '" "",""'" dO' d, DUtton' p"os
o
dominayao perpetua a rel~o senhor·servidor e, portanto, a alie
_ eis cotDO 0 dil;cUISO do rico, fraCO para se defender sozinh , con
~o . Assim, a alienayao como forma das relayOes sociais pressu
verte-!Ie em disCUf!O do forte, pais conta com 0 awUliO submissO
daquele. que _ _ quo ",U hem ",.ssm "" ttabanw- p"" pre tanto a propriedade privada e 0 trabalho for93do quanta sua
o hem' de um ouuo-,Assim, trabalho e ~lI\ completnentaro-se legitimayao, na medida em que as re~Oes entre os homen.s sao me
diadas pew coisas e ocu1tam as relayOes humanas reais.
no ...,....."n'o in",oniruIvel da .nen",",,' ,nquaD'o a propri'
dado e 0 ttabalho afundam 0 punbalna """" dO'de......... a lin-
o Homem separado cia Natureza aliena-se porque pass;! a
I II, ' \ depender das coisas produzidas para viver e julga depender dew
!! \ guagern pOo ungU""'o oOS feridti pan cicatrizi-ias l for... con
e na:o do trabalho que as produz; por outro lado, a divisao entre
...",odo o. esbulhado' de qu, 'odDS '"" ;gu.is pO...... unidos
senhor e servidor aliena 0 proprio trabalho na medicia em que
pelo trabalho, c;riaro0 hem coletivO . do para ter as coisas para mer e preciso depender de outrem, seja
Mas 0 que tena tornado possivel 0 lagro generaliza ? Como
. daquele que possui a terra (dependencia do servidor) seja daquele
foi p""',,1 p - ' do c\alO UW da fo,<" ao ",rcicio invisivol do
. ,I \ podor'! Em qu' 0"""",,'0 0 dis=so do ri'" , do rorte ,ransfi que realiza 0 trabalho (dependencia do senhor). Todavia, escreve
\
I i
I 1\ \ 16
em
pmtro, 0 Con''''o Soci') e Cl",en' e""rim 0 de,;ejo de unil
J 1
tituto rm,) p"" , indivi"o originiri', ",nta re,,","'-.e re"""""d
, ,;,;bill
dade
e • p,,,.n,,, do' home'" un' aO' ouuo'
o
Lei, da re"" e do labo' cotidian . Pore"" • Lei. no Contra"'. '
da .=,"
INTRODUCAO
0-"",",'" "
realizaI suas esperan~ ~
!iv<0 olio '" aroplia 0' horizonle' d. leil"" da ob.. de Ro"""'"'
!'
te
cia para
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, _ ,;nda '" ultrap"'" • .omb" de MaD< de",aha"" "",
,,",en no
;>l'"'
de- pagin" e om
do _ncan'o e da culpa <PC .tonn
enuram anun'
Joan'
(Adorno)
I J"""'" a contt.-di>cU<'" ",bre 0 pre",nle volta... p'" 0 p"'" Como as paixlles, alterando-se insensivelmente , mudam de
do ape"'" p"'" ga<>h'" impulso. pO".
looge de "tan"',,,
num natureza; por que as carencias e desejos mudam de objeto; por que,
~ medida que Homero Natural se apaga, a sociedade 56 revela ao
grito. prepara'" para om .uto em pleno "'. Ei·lo n. epig<ale .
oIhar a reuniao de homens artificiais e paDdles fictlcias?
1\1\11 lhlda pel. ,uto<" "Nao ., t"ta de cOO",,,,,,, 0 p",odo. m" de
A preocupayao do DisaJrw se faz sentir em seus avanyos
realiz.aI suas espeI1Ul<!as" . e recuos, em seus acordes e pausas, sob cada signo obscurecido
! II\i\\\ e cristalizado pelo olhar desnaturado. Existiria uma perve~ao
inscrita ja na pr6pria origem? 0 claro-escuro do Discurso impede
I '\ Marilena de SOUZA Chaui
a visa:o, e 0 que transparece, desaparece. Dever·se-ia colocar a ques
\' Universi de S:lO Paulo,julhO de 1977
dade ero de outra forma, para recuperar "0 ser mais quimerico e mais
I
! ! extravagante que s6 0 delirio inventa". 0 Discurso e uma obra
I
! solene l : dedicat6ria, pre facio , evocayao que percorremos lenta
mente, como se Rousseau quisesse exprimir, pelo simboio, 0 es·
pa~o que nos separa do corney<) primeiro. De sua Genebra, passa
c\ ev~a-o de Platio e da Academia de A tenas , para deixar surgir
finalmente a floresta primitiva - de onde decorreria toda a his
t6ria: "6 homem , de qualquer regiao que sejas, quaisquer que
I sejam was opinii)es, ouve·me: eis tua hist6ria , como acreditei ~·la
I
:\l
\,,
~
19
\ . tempos, fazendo emergir, da penwnbra, 0 homem primitivo: co
;1\\ 18 meyam entao a configurar-se sua solidao indoleote, seus desejos
lido, ai0 00' li"'o' d' ""'s _,Ih"'''''
que ,ao m'oW-' m'" e carencias satisfeitos pela Natureza, num equilibrio anterior ao
n. 0'''''''-'' qu' nao m,nt' nun",".' p= ,"0<;00"" ,"'" oatu Devir abstrato do tempo. Aqui trata-se de saber 0 que e que pade
",,,a, sed p,,,;,o faz" '1"10 awn olh" qu' ,,"a ao "",,"0 "mpo al ria ter degradado a origem, desenvolvendo todos os recursos da
audi""" fala, i,to e, ,'linc'o, oa dUn,n"'o ,m que 0 hOm"" natID perfectibilidade do homem,subordinando-o a temporalidade, fa
\ '\. ",,;di"''' da n.""e'" divo<Sificada , aP'n'" olh" (qu, Ihe , ° zendo-o, de uma s6 ve:z., socUivel e ~au, sabio e escravo das apa
\, coe,,,",,,o) pade '",,"" , comp"",nd''- --0 olho fala-'" ,,,,,ta , rencias, seohor <fa natureza ao pre~ de seu pr6prio desriaturamento_
Aqui donUna 0 m'''"o ",Oocio que ,,,;," ,OU' '" "po'o, "A primeira fonte do mal e a desigualdade", diz Rosseau
fe-" ood' n'O ,,,,,", op",,"o , ond' a Vootad' G'"" ,",0 tem
o~do do tom" a pais"" P,,,que °
Estado e '"'" p,opria
ouma resposta a9 Rei Estanisla1l 5 • A Arqueologia aparece encar
G,,>ri'h~d ,
3_ A_ 1962, paris. in COhlO' pOw
Ed . Garnie[, I"~"'" ,08, , - 43, Ed- " S, oil
6. Michel Launay, JetUJ-JQct:lues Rousmru. £c:rivain Politique, p. 7/ B.
in~"
20 especie de {efledo', nw da primeira associ~lIO, mas de 'certa
Gon,b" _ qUO torna e."'scio,cia de '" de .",. da .... especie de associa¢o livre', nao, finaimente, da propriedade, mas
n,na P'Ia qual pod,,;, ",uz,u'"
.0 - " " do ,.;ollo J{VIU; 'de uma especie de propriedade' ".9
mo,t" a gono'" da ob,.. ;eu 1"''''''''' "'" p,ri_<o,
o oa qual Neste sentido, pode-se compreender porque no Discuno
"odeo",", ",.""dit6,..,. ., exprim"", ",m ., pude"'" ."
a Revoluyao nlIo e 0 indicio de uma nova justirra. Nele ba uma
oomp..-ta<e" "A t,.... revolucionaria do 'S,gundo D"""'''''
verdadeira imobiiidade no mal, em tudo oposta a imobilidade
qUO i un> """ ,ni"quocido da f,b'" , do' _ulto'
qu, ",inavam,
on"o, 00 ","0 de F,"'''"' ,
co.",balan,ad> pola p",,,,.cia b""
que caracterizava a inocencia primitiva.. No Discuno MO se trata
gu'''' do _ 'Eeonomia Politica', _ qu, ....a ",.",ruga fo" nem de urn apelo nem de uma esperanr;a: n~o se trata da "supe
raya-o dem destino", nao se trata da conquista da liberdade civil,
nuhn '" a ""tn; e 0 ",.tido global' 0 tom goial de ""da un>a
da qual falaria 0 Contrato Social. S6 aparecem neIe "ciJ.rtas e fre
on ob'" que moS= a h'';'"'' , a ...,;.avolta d, '"" pen'
da> d""
_ ...to que dov', de ,go" ,m djant<, da> ",ota d, duas fid" quentes revolu~t'5es", que levam a anarquia. "Os povos, urna vez
acostumados a senhores, ILio podem mail! dispensa-los: se procu
oposUS"
lidadesp". .7 •
Laui'ay, unidade da ob.. ., ...-ttadep...,...adaderoes-
ada ram abalar 0 jugo, afastam-se ainda mais da h1>erdade, pais. con
"'.~o ,...
fundem-na com uma licenya desenfreada, e sua revolu~t'5es entre
mo oa ,xp"- d, .,u tem' maioe • "p,oprieda " e eo. •
p~'"
00 "segundo D""""'" ,... que tal
to"""''''
rudicaL E gam-nos quase sempre a sedutores que 56 agravam as mas corren
tes: ora. con.siderando apenas (...) a institui~ao humana, se 0 magis
~
qu, os "be"''' indeP'.den"· do ho
trado , que tern todo 0 poder nas maos e se apropria de todas as van
mom' "",tnDU,m p'" ... fina\; 0 "Segundo D",""""
· I .\ 0<0 faria .,....'" _0 ",nt,aditbrlo, o...be.... , • "libe<dado",
ade tagens do Contrato, tivesse 0 direito de renunciar a autoridade, com
I
was _aIarl' apoO" • ",t,rioridade ,,..,.clal d. llb,<d com muito mais razao deveria a povo, que paga todos os erros dos che
I
,,\o¢o a p,oprioda : "podem-'" ,]i,oa< '" b,o' , o. direito. d' fes, ter direito de renunciar a dependencia." 1 0 0 que resta e so
II de
piOprie<lad" puniwido ' pO' .... ""balbo liv<', m.. nOn ., pad' mente ·a possibilidade de uma remincia a uma dependencia que,
,]ion" • p,opriedade que' • unidade e a ,,..;,,Ia do hmn,m, .,m allis, nIo e explicitada. No extremo da decadencia moral, a hu
.deg<3da< .,u ",,' , d''''''''''' • ,; "". .0. E aD final de '"" 10ngO manidade e incapaz de escapar a desordem e a vioI!ncia. Rousse~u
:\ \\ p _ quo • piOpriedade criad> ",10 hom"" liv<' volta'" "'•. hesita: como se faria a passagem de wna "sociedade anterior"
I \:\ I
ua a libeldade ".&parte, P'''''''''''''o, oOn
De n""" ape'"
",,,onde' • .,.,..
a uma sociedade "perfeitamente justa''? 0 Contrato se lanr;a nesta
busca. Mas como ler 0 Contrato?
...cia do P'_to,m.. "",bem "'"' limit... !.ann'y ob.,,,,ou; Segundo Althusser, este pode ser lido de duas maneiras:
I o ''Segundo Di.:","" n<o tennin a p,1a """",if"'; " h,,;t,",,,,',a como antecipa~lIo de uma teeria da moralidade e como tearia do
""bigUidad.. , eontrull,5'" manif''''''' a po"';bilidade de om Povo: "A primeira pronuncia seu nome em certas fannulas ja kan
"trai,<n d, d.",,", _ "'",,. ,m apiOfnnda< 0 """p"eisO", em tianas (a liberdade como obecMncia a lei que cada urn se <la, etc.);
no segundo caso, 0 ContrrIto e a antecip~ao de urna teoria do
fo,,", a "prude.d ."· que • cada in'''''' '" ",vela no Vi="" pO'
",,,, ''pOu, ,;nsi due", ". peine", "pre.,ue", "quoi qu'il en wi", Povo, como totalidade, mOOlento do Esplrito Objetivo, de que
i
1
\ "que1que", "plu tot ". RO~"''"
frua, ~iOt,gidO
pOi~
pO' um
se encontram as determin~Oes fundamentais em varias ocasiOes
(as condi~Oes hist6ricas de possibilidade do Contrato, a teoria dos
'''""e~
I que p""od' d,ouncia<: 1tou''''u "fal., ",0 d. prim,.a
,,,,,,,,ad,, m" de oma d, ""i,dad,', 0'0 de in"into,
I I
-------=
I 9. Launay, op. cit., p. 207 .
I 10. Rousseau, D.OJ., idem. p . 27.
i
\~ 7. Launay, op· cit., p. 8.
8. idem, op. cit., p. 8.
\
,1
~3
a
dade e no trabaIho. da um status propriedtuie. Aqui esta 0 impor
to
duo de conservar 0 que 1he pertence, mas sent explicar 0 que enten
meu" _ niO ",,,,lve a stu.;'o da de,.;gu.ldade. No"" trabalh
indi"'" 'apenas, de que monetra " quest"" """,tad» pelo Dis, nto
dem por " pertencer." Deste ponto de visU, compreendemos que
nlo se trata apenas de observar a condena¢o expressa da "pro-
cono sf<> _lvid" ou contom","", com<> ., ['" ntsa 0 ",nfio
----
UI/ZU., p. 9 e 5UlU orient~es bibliogrifi<:as
14 _Burgelin, op. cit.
I~ \
CAPITULO I
\\
\\\
o SIrtNCIO E A ORIGEM
\i\\i\.
I '\
1 \ \ '.'
"Diio-oos gravemente por Filosofla os sonhos de
algnmas noites mal domUdas. Alguem me dlri que
sonho tmlt>em. Concordo. Mas 0 que os ourms
Ilio se impofUm em fa:z.er - eu dou meus sonhos
por 5OD.hos., deixando buscar se tem
algo de tilu
\ as pessoas arordadas."
I ~\ (Emflioj
II \
A - 0 Visivel e a Natureza: a Presenfll e a Jguak:Uuie.
I \ \\
II \: "Tados os fil6sofos que examinaram os fundamentos cia
I ' sociedade, sentiram a necessidade de recuar ate 0 estado de natu
reza, mas nenhuro deles chegou ate 1.1." 1
I No prefacio do Discuno sabre a DesiguIJ/dade, quando Rous
seau procura reconstituir 0 estado de natureza, refere-se a ele comO
urn estado ao qual 0 homem MO mais pertence, que nao existe mais,
I
que provavelmente nunea existiu e nem vini a existir; e na primeira
\
versao do Contrato Social (1756) <liz que a idade de auro foi sem
pre urn estado estranho a natureza humana.. A descrilYao do homem
natural nao sera uma verdade historica, mas a condilYao hipotetica
1
Ii
1. Rousseau, D.OI. idem, p. 132.
'\ \ \ I
I \
.
\'t
1\
27
26
(._) da linguagem entre os homens dispersos".4 Na rel3fIo gesto
que poderi iluminar a natureza essencial do homem. Quais as expe palavra, 0 gesto nao e sornente urn acrescimo aritificial, mas 0
nencias necessan para se chegar a conhecer 0 homem natural recurso a urn signo mais natural e expressivo, mais imediato : "Em
as
e quais os meios para realizi-las no seio da sociedade?2 Rousseau bora a lingua do gesto e a da voz sejam iguaImente naturais, con·
\\'\ \
nao aponta nenhum a solurrao a dificuldade mas prop6e
ao
dire~CSes tudo a primeira e mais facil e depende menos de conven~s: pois
para abordA-la. Uma delas consistira na observarr dos animais mais objetos atingem·os nossos olhos do que os nosses ouvidos,
em seu meio natural; poder.se-ia tambeID estudar 0 homem selva e as figuras tern maior variedade do que os ·s ons". 5
I'
gem _ tendo sempre presente que este ja vive em sociedade e, Na linguagem tudo e complementar: a ideia de "substitui
portan , aprese nta-se ja distante do seu estado natural; nao e mais ~o" precede a oposiyaO entre a natureza e a cultura, pois existe
to
1\' o "homem natural", mas a ele se assemelha nO fisico e nO moral,
urn substituto (suplemento) que pode ser natural (0 gesto) e arti
'l\ \II\ \1
I \
apesar da alterayao dos seus uarro s gerai,s pela vida social.
re~
A fOI~ do sel'lagem, a acuidade de seus sentidos, sua nudez,
sua despreocupayao, mas paixOes indolentes, sua diferen~ com
ao futuro, tudo isto perroitiri a Rousseau reconstituir 0
ficial (a palavra). A palavra (ela propria substituto do gesto) pode-se
acrescentar 0 gesto visivel; neste movimentode suplementaTidade
encontra-se a origem das llnguas.
o a
homem deixa-se anunciar partir desta suplemenraridade
!' \ \ \ homem tal como devia ser quando "saia da natureza" . .
No estado natural domina 0 "sllencio da origem", no qual
que nao e nem um atributo acidental nem essencial. E 0 jogo da
11 \ I, PTf!seTIflI e da ausenaa; e a impossibilid.ade (e portanto 0 desej 0 )
nao hi nada a dizer, oude a natureza e a Unica existencia - lingUa da presen~ pura *. "Desde que aprendemos a gesticuIar, esque·
! I
I' gem silenciosa dos gestos. onde a. propria voz e muda pois nao cemos a arte das pantomimas pela mesma IaZao que, contando
represen a natureza mas identifica-se a ela. Este silencio "ruido- ·
: \ \ \ ta
so", rico de expressao, e 0 mencio do selvagem: "A primeira lin
com tantas belas gramaticas, ja nao entendemos os stmbolos dos
egipcios. 0 que os antigos diziam com mais vivacidade nao era
guagem do homem. a linguagem mais universal, mais energica, e expresso atraves de palavras, mas de signos. Nao 0 d.iziam: mos
. I
il a Unica de que teve necessidade antes de preciSaT persuadir homens travam-no."6
reunidos, e 0 grito da Natureza (. ..). Quando as ideias dos homens
\
com~aram a se difundir ease multiplicar, e entre eles se estabeleceu o que os antigos mostravam era a metMora hieroglffica,
I \
ism e, 0 signo visivel. I:. no mesmo sentido que 0 tratamento do
uma comunicayao mais estrei~, procur aram signos mais numefOS
OS
I
I
I
1\
II
I
e uma linguagern mais extensa: multipucaram as ~ex6eS da voz
e juntaram-
lhes
os gestos que, por sua natureza. sao rnais expres
sivoS e cujo sentido depende menos de uma detenninarra ante
o
visivel aparece na Nouvelle .Heloi'se: "depois de ter passeado nas
nuvens, eu chegava", diz Saint-Preux, "a urn recanto mais sereno
de onde se ve, na e~o propria, 0 trovao e a tempestade for
marem-se abaixo de sL.. Foi ai que destaquei sensi.velmente, na
riOr'.3' Mais universal, a Unguagem do gesto depende menos de pureza do ar em que me encontrava, a verdadeira causa da mu
\
COINenrr ; 0 gesto supCSe uroa distincia, urn "meio de visl"bili
II
6eS
dade" e perde sua eficicia quando 0 excesso de distincia ou de
mediayCSes interTOIDpe a visibilidade. "A arr ao do movirnen to" ,
dan~ de meu humor e da volta desta paz interior que eu perdera
\\
-.
It'r.'
1 ,
1'1 J 28
I'll
:/,I hi tanto tempo".7 A timpidez do ar e a intensidade das formas
29
nw sio urn atributo da paisagem mas uma "qualidade do olhar", Mas a que distancia enconrra·se .0 homem em relayao a visi
I,
I
que de urn s6 golpe faz desapareeer a opacidade do ar e 0 obsta bilidade perdida? Qual e a espesscra que os separa. qual 0 dp3lfO
I : culo entre os homens. Segundo Starobirub 8 , a Nouvelle Heloise a ser transposto para reencomra-Ia? Pois se a natureza expulsou
!I pfOPOe urn devaneio prolongado sobre a transparencia e 0 veu_ o homem e a Sociedade persiste em oprimi-lo, deve haver ao menos
Desde 0 inicio do romance, a descriyao da montanha lIa uma forma de inverter a questao a seu favor, procurando-se a "so
,I laisanne adquire a significayao de uma paisagem liberada do veu,
desvendada aos ollios: ':Imagine a variedade, a grandeza. a beleza
ciedade da natureza" para meditar sobre a "natureza da sociedade_"*
Para isto, torna·se necessano partir em busca das origens: 0
'lli de mil grandiosos espetacu.los; 0 prazer de s6 ver ao redor de si horn em pode chamar-se homem e exc1uir seu OUrro do jogo da
IU Hist6ria. "0 mal", diz Bento Prado Jr., "desenhou-se quando radica1izar os trayos do homem no estado puro de natureza. Neste
algo escapou a publicidade dos oihares, quando 0 homem voltou-se sentido, 0 Ensino sabre a Origem dos Linguas quer reconstitWr
sobre si mesmo, cavando urn espayo privado e secreto: 0 mal em o mOvimento pelo quai os homens "esparrro s sobre a Terra" sao
do Iado das trevas e do invisiveL 1:1 que nenhurna camara secreta anancados de seu estado primitivo; e e assim que Rousseau pocie
se esconde sob esta frna pelicula que e a superficie da planta. a escapar ao "erro dos fi16sofos" que projetam no homem primiti.
consc.iencia pode abandonar-se as aparencias e coincidir nova vo a irnagem deformada do hornem que vive em sociedade, que
I! '
I
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I'
3]
! 'Ii
I' e de angtistia, na:o faria outra coisa sena:o dotar seus "homens
naturais" de qualidades propriamente sociais. Ao confundir 0
hornem natural com 0 civilizado (ou mesmo com 0 "selvagem") ,
o hornem natural e uma totalidade, e 0 "inteiro ab soluto" ,
a unidade com re¥o a si mesmo, e s6 pode ser reportado a sj
Hobbes amplia para a idade primitiva 0 que s6 e verciadeire na mesmo ou a seu semelhante; 0 hornern social e somente uma "uni
seqUencia da Hist6ria: "0 grande defeito dos europeus e ffiosofar dade fracionana", que s6 tern sentido relacionado a um denomi
" sempre sobre a origem das coisas segundo 0 que se 'passa ao seu nador cornum e cujo valor encontra-se em sua reiayao ao inteiro
!
t redor".12 que e corpo S9cial: "as boas instituiyoes sociais sao as que da rnelhor
I' o que Hobbes via no com~ dos tempos, Rousseau v~ no maneira conseguem desnaturar 0 homem, retirar-lhe a exisUncia
fim: 0 reino do egoismo. Rousseau se dirige a natureza do homem: absoluta para dota-Io de uma reiat iva , e transpoi-tar 0 eu na llni
''Nascemos sens{veis e, desde 0 nascimento, somos afetados de dade comum; de tal forma que cada particular nao se aaedite
diversas maneiras pelos objetos que D05 cercam. Desde que co I- mais uno, mas parte da unidade, e seja apenas sensivel no todo".14
"
I\'1 \ m~os a ter, por assim dizer, a consciencia de nossas ~s,
," o estado de natureza e apresentado como historicamente
LI ', anterior ao estado civil A natureza e este "grau zero" cia Hist6ria
,
uf:, por a.ssim d.i:zer, a vida de tua especie que you descttver de aromo rom
as qualidades que recebeste e que tua ed~ e tew lUbit01 puderam de 14. Rousseau, Emile, Livre I, Ed . Gunier, p. 9.
pravar, m'a sque Ilio puderam desttuir". (n.O.I., idem, p. 140). 15. Rousseau, D,OJ., idem, p. 40.
II I
1 II'
1'r ~.
33
32
, cente". E ela que permitira a restaur~ao do "tornar·se cultura
II Rousseau articula a significayao d.a origem (essencia., pre
sen'? nascimento, rena.scimento) compreendendo as rel~s
da natureza·" .
A linguagem, a moralidade e a- (<lUO sao faculdades virtuais
entre 0 Ser e 0 Tempo a partir do "agora" . E por esta razao que que se obtem pela vida em sociedade , ja que 0 ser que com: pela
o homem selvagem enfrenu a mone sem angtistia: para ele 0 tempo floresta, que se alimenu de frutos, que [uta contra os animais
e 0 presente, 0 presente sem espessura: "Sua alma que nao e por ferozes, que passa os <lias sem hist6ria e que, talvez, impropria
nada agitada, entrega-se ao Unico sentimento da existincia atual mente chama·se homem. nao necessita disso para sobreviver; a
sem nenhuma ideia do futuro, por mais proximo que seja, e seus socjedade e a fala originam-se nele sem !he ser, pOI'cm, essenciais
projetos, limitados por sua vista, se proiongam somente ate 0 fun ou constitutivas; 0 homem primitivo . poderia ter atravessado toda
do dia Tal e ainda hoje 0 grau de previ.s3o do Ca'-alba: vende de a existencia sem precisar oem de rela.yOes nem de com~a:o.
IIlllD.M 0 leito de algodlo e vern chorar a noite para recompra-lo, o EmIlio reforya esta ideia: "Enquanto s6 se conhece a necessidade
por nao ter previsto que precisaria del~· na proxiIDa noite" .•1 7 fisica, cada homem se basta a si mesmo; a introdu~ do super
o homem primitivo vive numa iminencia: nao e 'nem "natu fluo torna indispensavel a repartiyao e a distnb~ao do trabalho ;
reza" nem "sociedade", ja apresenta caracteristicas distintas com pais, embora um homem trabalhando sozinho ganhe apenas a
reta.rao aos animais - ' e uma u quase sociedade", "sociedade nas subsist!ncia de um homem, cern homens trabalhando juntos ga
I:
nharao 0 suficiente para a subsistencia de duzentos. Assim. quando
uma parte dos homens descansa, e preciso que 0 consenso dos
bravos dos que trabalham supra a ociosidade dos que nao fazem
.:\ \1 nada".18 A desnatura¢o assinala 0 fun da independencia do indi
\1 viduo, mas a socializa¢o implica 0 desenvolvimento das "poten·
. I' 17. Rousseau, idem, p. 49-50.
cialidade s' , de sua naturllZa- Por entre as vicissiwdes da Hist6ria,
It \ \
34 35
11\
s6 a do gesto e alguns sons inarticu1ados. 1 9 Ou ainda: "parece, imediata, que s6 conhece 0 "particulor": Herta lingua possuiria
a principio, que os homens nesse estado, sem ter entre si qualquer muitos sinOnlmOS para exprimir 0 meSIllO ser em SUa! v3.rias rela
;\
especie de re~o moral ou de deveres conhecidos, nao podiam
ser nem bons nem maus, ou possuir vicios e virtudes, a menos
yOes ( ...), a l6gica em ausente dela, persuadiria sem coovencer
e pintaria sem raci o cinar" .z 2
que se considere como vicios do individuo as qualidade capazes Esta linguagem dirige-se aos olhos e nao ,3. inteligencia, pois
de prejudicar sua propria conse~o, e virtudes aqueJas capazes fala-se melhor aos olhos do que aos ouvidos: "ve-se mesmo que
de a seu favor contribuir"; neste caso, poder-se-ia chamar de mais os discursos mais eloqiientes ~o os que se comp6em de maior
II virtuoso aquele que menos resistisse aos impulsos simples da na nlimero de irnagens e os sons nunca possuem maior energia do
II tureza. 20
No estado de dispe~ da humanidade primitiva, nao exis
que quando produzem 0 efeito das cores".2 3 E Rousseau apela
para as mais antigas linguas orientais, onde na:o se pode encontrar
te nada que possa unir um a outro e nada tambem 0 subjuga: s6 nada de "met6dico ou raciocinado". S[o linguas vivas e figurativas,
se conhecia e se desejava 0 que se encontrasse ao alcance da mao, de. na:o s.fo "linguas de ge6metras" mas "de poetas" pois nao se co
tal forma que, ao inves de aproXimar 0 homem de seu semelhante, mef!l por raciocinar mas por sentir. 0 homem nfo inventa a pala
suas carencias afastavam-nos. E porque nao experimenta nenhum vra para exprimir suas ca.rencias - seu efeito natural e 0 de sepa
desejo de co~o, ~ se sente separado do outro, nenhuma d-los e nao 0 de aproxima-Ios: He foi preciso que assim se passasse
"distancia metafisica" afasta-o do exterior - por esta razao 0 para que a especie chegasse a se expandir e que a Terra fosse po
ertado primitivo e 0 momento da visibilidade absoluta: "supo-lo-ei . voada; sem o · que 0 genero humano pellDaneceria amontoado nurn
conformado em to<1os os tempos como 0 vejo hoje, andando sa canto do mundo e todo 0 resto permaneceria deserto"? 4
bre dois pes, utilizando-se de suas maos como 0 fazemos com as A origem das linguas esta nas necessidmie nwrais, nas pai
nossas, levando 0 seu olhar a toda a natureza e medindo com os xoos que aproximam os homens: "nao e a fome,ou a sede, mas
olhos a irnensidao do ceu".21 ASsim, errante nas florestas, sem o amor, 0 6dio, a piedade, a c6lera, que Ihes arrancaram as priroei
fala ou domicilio fIxo, sem necessidade do outro e sem desejo ras vozes. Os frutos 0.30 fogem as nossas m[os, e possivel alimen
de prejudica-lo, 0 homem primitivo, sujeito a rams paixoos, tinha tar-se com eles sem falar; persegue-se em siIencio a presa de que
somente "sentimentos" e "luzes" proprias a seu estado; sentia queremos nos alimentar: mas para comover um jovem co~o,
apenas necessidades verdadeiras, s6 olhava 0 que acreditasse ter para repelir urn agressor injusto, a natureza dita sinais, gritos, quei
\; interesse em ver e, assim, nem a inteligencia nem a vaidade 00 xumes. Eis as mais antigas palavras inventadas, eis porque as pri
senvolviam-se. meiras linguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem sim
H no Enso:io, a linguagem e a sociedade ~o descritas no ples e met6dicas".25
momento em que se formaram, antes de sua progressiva degrada Esta linguagem que nao da lugar nem ao c3.lculo, nem a re
~o; a linguagem instituida conserva ainda urn "canto puro", por flexao , nem a comp~ao, e ainda urna "linguagem natural" , li
ser uma lingua de puro ritmo: ja nao e mais animal, pois exprime gada as emoij:Oes; e uma lingua comurn a todos como a que "as
a paixao, e nao e inteiramente convencional, porque escapa A arti crian.yas falam antes de aprender a falar"; "estudemos as ~,
~; e nem constitui uma linguagem analitica pois abando
na-se A situa~o presente. As palavras calcam-se na experiencia
I I! \\.
\
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II\'
j. I
36
I J~
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:' e I0go n6s a reaprenderemos com elas. As amas sao os nosses mes com cerdas as suas roupas de pele, a enfeitar-se com plumas e con
tres nesta lingua; compreendem tudo 0 que dizem os bebes; res chas, a pintar 0 corpo de vArias cores, a aperfe~oar ou embelezar
pondem-lhes, tern com eles dillogos continuados; e em bora pro seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas
nunciem palavras, tais palavras sao inteiramente inuteis; nao e 0 de pescador au toscos instrumentos de mUsica; em uma palavra,
sentido das palavras que elas compreendem, mas a acennla~o de enquanto s6 se dedicaram a obras que urn Unico homem podia
7i' __ l._.l __ " 26
que s..o aCOmplUUli1U4> . criar e a artes que nw solicitavam 0 conCJ.JnO de vanas maos,
o conceito de infancia deve ser analisado sempre em rela viveram tao !ivres, sadios, bons e felizes quanto 0 podiam ser por
II' ~ao ao signo: isto quer dizer que a inIancia e a nao-re~ao ao signo sua natureza". 2 7
enquanto tal."' Para Rousseau, a · crianya e 0 nome daquilo que Este e 0 momento da "quase sociedade", da qual a cabana,
I\' :
nao tem nenhum significado case se separe 0 significmrte do sig
nificado, 0 que tomaria possivel ama-io. nele mesmo, como urn
a linguagem dos gestos e sons inarticulados sao os indicios. A fa
milia ja existi.a, pois, mesmo antes do "tempo das festas e da apro
\ \\ fetiche. Deste ponto de vista, a inIancia e 0 estado de nao-alie xiIIl.afao dos homens", estes nlIo nasciam da "terra": "poderiam
nayaO absoluto - e 0 estado da presenra que corresponde a este
\II '.
"tempo feliz em que nada marcava as horas" do Ensaio,. onde a
associa~o nao passa por tratados, leis ou representantes. 0 homem
as ger~Oes sucederem-se sem que os seXO$ se unissem e as pes
sOas se entendessem? Nao: existiam familias".18 Nela.s impera urna
\ : lingua domestica e cada qual basta a si mesmo e perpetua-se pelo
era seu pr6prio "servidor", para ser "mestre" cada urn era servido mesrno sangue; as ~ nascem dos mesmos pais, crescem juntas
por todos e 0 tempo passava sem ser percebido. E 0 tempo das e aos poucos encontram uma mane ira de compreenderem-se_ Havia
Reveries, urn tempo indiferenciado, sem intervalos au desvios fanu1ias aflIIIIa 0 Ensain, mas nao lU1foes; havia linguas domes
entre 0 desejo e 0 prazer, porque prazer e desejo confundem-se ticas e verdade, mas nao li~ populares; "havia casamentos,
e sentem-se de uma s6 vez. mas nao havia arnor". 211 *
.-
II
i I I. 38
j
39
I
A idIlde diu cabantzs ja se encontra do lade da cultura, a Este periodo de desenvolvimento das "faculdades" do ho
natureza ja sofreu alte~s, mas cad.a urn continua a manter mem (lioguagem, moralidade, trabalho) enconUa·se a meio caminho
rela¢es independentes. ~ a epoca da sociedade natural, societiade entre a indolencia primitiva e a degeneresctncia civil; par esta
nascercte ou sociedade comefada: "N a medida em que as ideias razao deve ter sido 0 momento mais feliz e mais dunivel - quando
L e sentimentos se sucedem, que 0 espiritQ e 0 corayao entram em a terra nao era de nioguem e a coIheita e a caya, atividades que
II '
I, atividade, 0 genera human 0 continua a domesticar-se, as lig~Oes bastavam aos grupos - da qual s6 se saiu par um " funesto acaso".3.
se eStendem e os I~s sefortalecem". 30 E urna vez que se trata Rousseau diz que um imenso intervalo separa a perda da natureza
II!II de uma verdadeita sociedade, a moralidade aparece sigoificando, primitiva e 0 estabelecimento da sociedade civil* - e que a &lees
ao mesmo tempo, a "oportunidade de humaoidade" e ja "origem sao destes estados nlio poderia ocorrer sent ernell, ritmadas pelas
I \.
da perversW": esta moralidade consistirt nos "primeiros deveres "Gran des Revol~" do "Segundo Discurso": "Fo~dos a se
I '
de civilidade".· Tudo ista se da quando 0 bomem deixa de domtir abastecer para 0 invemo, eis os habitantes levados a se socorrer,
I I
sob a primeira Iirvore e com~ a cortar a lenha e construir cabanas; , obrigados a estabelecer entre si alguma espede de coven~o. Quan
i:i'I
A famIlia se r=.ti.za ~m tres aspectOS~
a) na forma de ~ C'O n:..::eito imediato, comu casamento ;
! I,. I. b) na existenci;a e.:"{tenar: propried.-ie r: bens da familia e cuidados
corresponden tes..: 3.2. Rousseau, D.OJ., idem , p. 72.
'\' ,
c) na edu~o .iu cri:anyas e na <i.molu~ da familia'". (Hegel, Prin, ., A rigor, 0 estado de natureza sO sera defmitivamente extinto no
cipes de la Pltiio.:>~ du Droit, p. 189-.197/8/9. momento em que se estabelecerem as sociedades politicas com urn govemo,
30. Rousseau , D ,OJ.. riern , p, 69. como mostraremos no decorrer de nosso trabalbo,
I! *, "£ preciso ONelY:U' .:jue a soci~ rocn~a e as re~es ja esta·
33. Rousseau , E.OL. . idem, p. 212.
belecida.! entre os homens e,-ogiam deles q~es diferentes das que con' ••, £ preciso lembrar qu e nurn primeiro momento a associafQo per·
,I servavam de sua constituio.,~ primitiva: que 30 mora1idade, comeyando a manece ocasional, pressionada pelas necessidades, constituindo "grupos
I
·iI
introduziI-se nas a96es h~ .. " (Ro~ D,('I)J., idem, p. 72) .
31. Rousseau, D.OI . :d=1, p. 69.
ana,quicos " , sem pe=anencia. pois ao trabalho comum sucede a disperno.
" •. Esta "Prirneira Revoluc;: ao" n.io representa ainda a rupnua com
o elUdo de natureza..
1
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40 4/
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I, dils cabaTUlS, 0 hornem ja perdeu sua ociosidade paradisiaca, caiu das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as (J.1tras e
I I! no estado de trabalho que corney<! a opO-lo a natureza; mas a eco se encontra, entre n6s, tanto na especie quanto no individuo; eo
II" nomia que resulta e uma "economia de subsistencia"* - 0 trabalho quanto que urn animal e ao flDl de alguns meses 0 que sera por
nao cria ainda valor. Foi Locke que 0 observou - explicitamente: toda a vida., e sua especie no Hm de milhares de anos 0 que era
'j ve como um "valor natural" de qualquer objeto 0 que tern a capa no primeiro ano desses milhares. Por que 56 0 homem e su.scetl
,
cidade de satisfazer as carencias eJernentares do homem ou de vel de tornar-se imbecil? Nao sera porque volta, assim, a seu
servir a sua cornodidade. ** 'E Marx analisou-<>: a utilidade de urn estado primitivo e, enquanto 0 animal, que nada adquiriu e tam
'1\ objeto converte-<> em "vator de usa" e 0 que constitui seu ''valor bern nada tern a perder, fica sempre com seu instinto - 0 homern,
I•, de usa" - os bens - e sua propria materialidade independente perdendo com a velhice ou outros acidentes tudo 0 que sua per
I, i mente do volume de trabalho necessario·a sua produ~o. a "valor
de usa" s6 se corporifica no momento de sua utiJiza~o ou do
fectibilidade lhe fizera adquirir, recai, assim, mais baixo que 0
1
!
Por que se passa de urna economia de subsistencia a wna tinto de perfectibilidade encontra-se na origem de todas as trans
i ;!
, I economia de produriio? 0 que leva Rousseau a afumar que foi fonn~6es, mas para realizar-se depende de "fatores exteriores".
o ferro e 0 trigo que civilizaram os homens e degeneraram 0 "gf! Isto por que Rousseau rnostnua que no estado de natureza s6
nero humano"? Quando os obstaculos e a adversidade obrigam existia urn Unico estilo de desigualdade, a que chamou de nanual
!
o homem, para sob reviver, a desenvolver todas as suas forcras e ou fisica, estabelecida pela natureza (diferenya de idade, S3lide,
:I !
faculdades, percebe que, com reiacrao ao animal, e ele que tern for~a corporal e difere~a de qualidades do espirito ou da alma" ) :
! 1 o poder de modificar seu estado e a si mesmo; da perfectihilidiUie "Depois de ter provado ser a desigualdade apenas perceptivel no
11 derivam todas as outras faculdades, fonte das convulsOes econ6- estado de natureza, e ser nele quase nula sua influf!ncia, resta-me
I :j micas e sociais, fonte das "luzes adquiridas" e fonte de todas as ainda mostrar sua origem e progressos nos desenvotvimentoS" su
, I miserias: "Ainda quando as dificuldades que envolvem todas estas cessivos do espirito humano. Depois de ter mostrado que a per
I ,I
" , ·1
quest6es dessem algum lugar a discussao sobre a diferen~ entre
o homem e 0 animal, have ria uma outra qualidade especifica que
fectibilidade, as virtudes sociais e outras faculdades que 0 hornem
natural recebera potencia1mente jamais poderao desenvolver·se
os distinguiria e a respeito da qual nao pade haver contest~ao por si mesmas, pois para isso necessitam do concurso forruito
- e a faculdade de apefeic;oar-se, faculdade que, com 0 auXluo de intimeras causas estranh.as, que poderiam nunca ter Da-.<cido
I
e sem as quais 0 homem teria penuanecido eternamente em sua
I condi<;:ao primitiva, resta·me considerar e aproximar os vanos aca
" A E.xpre~o e da Starobisnki .
• , In Some considerarions on rhe Comequences of rhe lowering
of inlere!!. voL li, p. 2. .
34 . Ei Capital, p. 4. 36. D,Ol.. idem, p . 4 6.
I! 35 . ~arx. Programme de CorM. p. 6. *, D,Ol. , idem, p. 39 .
i
..
~ .:.;
....
..., :
42
43
;
-,
sos que puderam aperfeiyoar a razao humana deteriorando a espe a todo dominio desta espt!cie e aos "homens-animais". Este ho
~II cie, tomar mau wn ser ao torna-Io sociJivel e, partindo de tao longe, mens-animais tinham urna vantagem com relayIo aos outros ani
;~ 11 !. trazer enflm 0 homem e 0 mundo ao ponto em que 0 conhece mais, a propriedade de aperfeiyoarem-se, de "evoluirem ulterior
. :
mos". 3 7 Os selvagens nao sao maus justamente porque nao sabem
o que e ser bom; e neles, nao e nem 0 desenvolvimento de mas
fuzes nem a vigilincia daS leis 0 que impede 0 Mal, e sim a Cillma
mente" - e esta foi a causa da desigualda~; mas este progresso
sendo antag6nico era, ao mesmo tempo, urn recuo .
E verdade que no Emmo Rousseau aflrma que apenas em
~ !I das paix6es e a ignorrincia do vicio. * . sociedade 0 homem toma·se propriamente homem, que e a mo
i' A "perfeetibilidade" toma manifesto que as rel¢s humanas ralidade que da a bumanidade ; assim, h.a um "deslocamento"'.
mudaram; num certo sentido, realiza-se "contra a natureza", no na medida em que 0 hom em abandona sua amoralidade original:
I estado social. sob a influencia das n~ssidades materiais. au seja, e pelo mesmo movimento que ele se sabe bom e toma-se mau.
II as mudan~ repondem a uma provoca¢o vinda de fora: em certas Vemos, entretanto, que 0 progresso e mais ambiguo que diale
I
I regioos 0 homem encontrou "anos estereis, invemos longos e rudes, tieD: ''E preciso empregar muita arte para impedir 0 homem
verDes ardentM" e em seu meio natural nao conseguiu encontrar social de ser completamente artificial", <liz 0 Emz1ia. E peto aper
pro~ao segura. yendo-se foryado a sair de sua indol~ncia primi feiyoamento da cultura, por uma desnatura¢o mais avan~
tiva; a partir de enUo, passa a depender do exterior. E este ser que a concordancia com a natureza podera ser reencontrada; esu
que recehia os dons da natureza devera conquistA-Ios - a adver "segunda natureza" sera urn equilibrio novo, agora esclareeida
sidade s6 sera vencida ao pr~o de urn esforyo continuo: e 0 tra pela razao e garantida pelo sentimento moral que 0 homem des
balho que obrigani 0 homem a organizar-se em sua luta contra eonhecia antes. Em outros texmos, a antitese entre a natureza e
os obsticulos. a cultura pode resolvcr·se em urn movimento progressivo , E a fIle>
Entendida como desenvolvimento de "potencialidades" . a sofia que Kant lem em Rousseau. "'
perfectibilidade e sin6nimo de p'rogresso, mas de urn progresso que o Discurso aao oferere estas perspectivas tranqiiilizadoras.
e .. a 3
perdiyao do genero humano." ** Engels 8 mostra. portIn, Rousseau continua a procurar a origem da desigualdade e continua
que em Rousseau existe urn progresso na emergencia da desigual a mostrar que pelo trabalho 0 homem se toma um ser hist6rico que
dade: no estado natural e selvagem os homens eram iguais e, como luta contra a natureza, opondo-lhe seu trabalho e degenerando-se
Rousseau toma a linguagem como alte~o da natureza, tem razlo a medida em que se desenvolvem nele "novas luzes"; Rousseau
em aplicar a igualdade entre os animais de uma mesma especie lembra sempre que no estado de natureza os desejoS' na-o ultrapas
sam .as necessidades ffsicas e a imagina¢o nlo se manifesta pois
nada agita a alma, 56 existe 0 sentimento da existencia do mo
mento. 0 trabalho que enfrenta as coisas evoca a reflexao e 0 ho
37. D.OJ. , idem, p. 65. mem acaba por tomar con.sciencia de sua diferent;a: com~a a com·
•. D.OJ.. idem, p. 58 . parar-se ao outro e esta compar~ao se encontra na origem cia
••. £ intcreSiaIlte aproximar dois textos, um de Rousseau, outro de
Nietzsche, como pIOp6e Burgelin (in P.E.): "Esta disposi~o para cornpa
=, diz Rousseau, que uansfonna uma padao natural e boa em uma outra
facticia e rna (_.) provem das rela,.oes soci.all, do progresso das ideias e da
cuJtura do espmto" . (Dialogues, IX, p. 197). E Nietzsche: "Os Europeus, - . " A natureza quis assim : 0 homem extrai de si mesmo tudo 0 que
grayas a sua moralidarle crescente, acreditam com toda inocincia e vaidade ulUapass.a a ordem mecinica de sua existencia animal, e nao participa de
que se elevam. enquantO que, em realidade, declinam." (VoJollle de j>uU. nenhuma outra felicidade ou perfei~o a nao ser a que ele meSIllo ~ou por
sance, livro ill , p. 227) . sua propria razao, Liberada do instinto". ( Kant , fA Raison Pratit{ue. texte!
38. Anri·[)Uhring, p. 160 e ss. choins) .
44
45
raziio. Ao chegarmos neste ponto nero mesmo conseguimos recu
peru as "origens" e carla vez nos afastamos mais desta dimensllo:
"'0 que M de mais cruel ainda e que, mais os progressos rla espe
ere humana ° distanciam incessantemente de seu estado prirnitivo,
mais acumulamos novos conhecimentos, e mais retiramos os meios
°
de adquirir mais importante de todos, e que e nUID certo sentido,
°
a forya de estudar homem que nos tomamos incapazes de _co CAPITULo n
nhece-Io".H E preciso examinar 0 porqtili deste ~svio.
A NATUREZA E OARTIFICIO
1 portanto, em conven~s_ Trata-se de saber que convenyOes sao dilacera"; 0 "programa" do Contrato e 0 de colocar a lei social.
eslas_ Antes de alcanyar em ponto, devo estabelecer 0 que aca no -'fundo do cor~o do homem" . 0 Contrato aincia nao e a lei,
bo de adiantar".3 Trata-se de colocar 0 problema do Contrato mas a sua possibilidade, a possibilidade de que se retome a lei natural
em ~ . da natureza dos individuos, de suas foryas e cia mu a partir de agora abolida, na dirnensa"o da "decisao do homem".
dan~ cia maneira de ser dos homens. * S6 no Discurso e passivel que 0 homem seja feliz em plena natu
.! reza: "Se entendo bern 0 terrno miserrivel, e uma palavra sem ne
Viu-se que ao estado de indolencia feliz e de repouso do
homem original opOe-se 0 cielo das revolu~ Viu-se que para nhuro sentido au que s6 significa uma priv~ dolorosa e softi
o Rousseau do DiSClDSO, 0 hom ern civil, cotrompido e infe liz , mento do corpo au da alma. Ora, desejaria que me explicassem
pervertido pela Hist6ria e por seus pr6prios progresses, tern tudo qual poderia ser 0 genero de miseria de urn ser livre cujo co~o
a cobirrar ao homem da sociedade primitiva de onde "nunca devia esta em paz e 0 corpo com saUde".5 Na primeira vrsao do Contrato
ter saido". Ou entao, este "paradoxo inicial" permite denunciar Social, entretanto, Rousseau acentua 0 car.iter de rruseria do estado
os males de que sofrem as socieciades funciadas sobre a desigual de natureza. Para a coinpreensa"o desta passagem, e preciso notar
dade e preparar assim, atraves de uma critica radical, a passagem que , neste momento, nao se trata mais do estado primitivo do
A sociedade do Contrato: "Sem entrar, no momento , nas pesqui homem , mas de urn estaLio de natureza segundo, ern que 0 homern
sas que aioda restarn por fazer sobre a natureza do pacto funda jei esta desnaturado mas nao aincia sociaIizado; deveni ainda atra
mental de qualquer govemo, liroito-me ( ...) a considerar aqui 0 vessar toda uma "hist6ria" antes de tomar·se "homem civil" . Daqui
decorre a distin'rao que devera ser feita entre a "piedade natural"
tal como se exerce no erraLio de animalidade e a "piedade" que
despena no Ensaio sobre a Ongem das Linguas com a imagina¢o
2. D.OI. idem, p. 65/66 .
j' 3. Du Contrat Socwl, I, I, p. 236.
•. Nio se pode e~quecer que toda a primeira pane do D.O.I. descreve 4. Rousseau, D.OJ., idem, p. 84/5 .
I· o estado de puro natureza, sem necessidade nem mesmo das linguas. 5. Rousseau, idem, p_ 56.
"
-/8 49
e a re/7e.xuo, afei~6es sociais que nos remetem necessanamente ' Para Rousseau este princlpio e a piedade ' : como 0 animal,
a urn estado posterior, ao estado de razao. * E se Rousseau, 56 tar o primitivo ama sem comparar-se e a piedade e a expressao desta
Ji:llTlente vern a faJar no Discurso do "direito natural"'" *, e justa forma espontanea de arnor: diante do sofrimento, 0 cora~ao faz
':1 ente porque e preciso ref1etir, antes de mais nada, sobre a narureza dele seu proprio sofrirnento , sem no entanto ter a consciencia
Jo homem a partir do estado de natureza, para conceber 0 que do outro . 0 Homem tern apenas uma simples "consciencia" de
e a "mudanya de sua maneira de ser". Pois "como conhecer a fonte existir, sem limite, numa adesao imediata e total a si e ao outro,
da desiguaJdade entre os homens, se nao se come~ar par conhecer sem conhecimento, sem esfor<;o . Se podemos falar em "eu", este
a eJes mesmos? E como 0 homem chegara ao ponto de ver-se tal nao se encontra em nenhuma parte, nem em si, nem entre ele e
como 0 formou a natureza, atraves de todas as mudanyas produzi as coisas, nao existe nenhuma dualidade de onde se delinearia a
das na sua constitui<;ao original pela sucessao do tempo e das coisas, inquietude, 0 mundo e seu prolongamento: 0 oOginario e indi
e separar 0 que pertence it sua propria essen cia daquilo que as visao, 0 sentimento de existir ainda nao implica a consciencia .
circunstancias e seus progressos acrescentaram ou modificaram nao e "nem arnor nem 6dio", ja que 0 instinto fisico (conservayao
em seu est ado primitivO?,,6 de si ou da !(specie) compreende uma temporalidade nao vivid~.
E Rousseau d.iz que e 0 desconhecirnento da natureza do como tal. A "integra~ao do devir" e a primeira fissura nesta uill
homem que tOrna obscura a "veidadeira defllliyao de direito na dade perfeita, transformando-a em jdentidade que se estende por
tural", poSto que a ideia de direito e sobretudo a de direito natural todos os momentos da existencia e que traz. em si 0 germen da
sao manifestamente ideias reJativas it natureza do homem; nao se consciencia. "Tal e 0 puro movimento da natureza , anterior a
deve confundir 0 que e natural no eSiado seJvagem com 0 que e toda reflexao: tal e a forqa da piedade natural, que os costumes
natural no estado civil. Pode-se agora compreender como a no<;ao mais depravados ainda tern dificuldade em destruir ( ... ) . E, pois,
de "natureza do homem" u1 trap assa a nocyao do homem narural: bern certo,. que' a piedade e urn semimento natural que moderando
esta inieressa enquanto deciframento da natureza do homem. em cada indivl'duo a atividade do arnor de si mesmo, contribui
A preocupa<;ao de Rousseau consiste naquila que e conforme it a conserva<;ao mutua de toda a especie**. E ela que nos leva sem
natureza em nosso estado atuaJ, discemindo denire nossas carac
*. .£ preciso lembrar neste momento, que Rousseau tern uma dupla
teristicas as que sao naturais e aquelas que s6 representam excres
concep~ao do esudo de natureza: num pruneiro sentido, ja que 0 homem
c:encias ou desvios patologicos,. neste sentido que a natureza se nao tern nenhuma especie de rel:lI;:ao moral, signiftca urn estado aquem do
volta de certa maneira contra si mesma para "dividir e destruir". mal ( " nem vlelOs nem vutudes" , dizia 0 D. 0.1. , p. 57); mas no segundo,
Por esta ralaO "convem destacar antes de mais nada urn criterio o hOmem e nattlralmente born: "H:i. um ouuo princlPIO c. ..)
que, tendo
universal que e 0 principio de natureza". 7 sido atribuido ao homem, ern certas ciIcunstancias, para suavizar a fero
cidade de seu amor-proprio ou 0 desejo de conserva<;ao antes do nascimento
desse amor, tempera com uma repugnancia inata de ver sofrer seu semelhanle,
o ardor que consagra ao seu bem-estar C.. ). Faio da piedade, disposi~o con
veniente a seres tao fracos e sujeitos a tantos males como 0 somas: virtude
tanto mais universal e tanto mais unl ao homem que precede 0 usa de qual
*. Encontram-se vmas obscrva<;6es contraditorias a esse respeJto. quer reflexao e taO natural que as proprios animals as vezes dao dela alguns
Rousseau diz: ".£ wn espetacuio bela e grandioso ver 0 homem sair por seu sinais perceptiveis"llD.OL p. 58.\ ·
proprio esfor~o, a bern dizer do nada: dissipar pelas luzes da razao as uevas e
•• "0 arnor de ~i mesmo um sentirnento natural que leva todo animal
nas quais a natureza 0 envolvia". (Discours Stu les S c iences et fes ArTS, A, e velar pell propria conserva~ao ". (D. 0.1. , p. ll8.) Trata-se de urn egoismo
1,2) . instintivo "que leva 0 homem a se
conservar, a sa-tisfazer suas necessidades,
". ESle lema seci desenvolvido no proximo capitulo. sem no entanto prej\ldi car a ningu em: 0 primeiIo sentimento do homem
6. D .OJ., idem, p. 34. foi 0 de sua e:tl5tenC1a, sua primelIa preocupa<;ao, a de sua conserva~ao " .
7. Burgelin, op. cit. p, 222. !.idem. p. 67.)
5()
51
reflexao, ao SOcorro dos que vemos sofrer: e ela que, no estado urn ou tra, se nao sei sequer que ele sofre, se ignoro a que h:i de
de natureza, ocupa lugar de lei, de costumes e de virtu de , com comum entre ele e eu? Aquele que jarnais refletiu nao pode ser
a vantagem de que ningw!m e tentado a desobedecer ~ sua doce nem clemente, nern justo, nern piedoso".12
voz " .8 Esta concepyao da pie dade que toma densidade pela refle
A pie dade nao e apenas uma forma de identificayao com a xao seria imposslvel no Discurso, onde raztio e rej7exiIo abrangem
humarudade inteira. mas a propria maneira pela qual 0 hornem tudo 0 que condm inelu [avelmente a degenerescencia do "g~nero
redescobre sua infra-estrutura vital: "E sobre esta faculdade pri humano": "f, a razao que engendra 0 arnor-proprio e a reflexao
mordial que virao desenhar-se, num jogo de oposiyao, os predi o fortifica; faz 0 homem Yoitar-se sobre si mesmo; separa-o de
cados que a ciencia deve decifrar. 0 homem identifica-se, pri quanto 0 penurba e aflige. f a fUosofia que 0 isola; por sua causa
meiro, peJa piedade. com a totalidade da vida, para em seguida '.
ele diz, em segredo, ao ver urn homem sot'" .. do: Perece , se queres ,
distinguir-se, no interior deste campo, do 'nao-humano' ".9 I quanta a mim estou segura" .! 3 Deste ponto de vista, a conserva
"
yao do genero humano lena sldo imposslvel se dependesse da re
flexao. Esta afumayao e atenuada peio Em17io, que introdm, e
B- a Animal, 0 Homem : a Diferent;a verdade, ulna inclinayao intelectualista na concep<;ao da piedade:
"Para irnpedir que a piedade degenere em fraqueza, e preciso, pois,
No Ensaio sobre a Origem das L/nguas, no DisCUTSO e no generaliza·la e estende-la a todo 0 genero humano. Entao, as pes
Emz7io a piedade aoarece como um sentimento original, isto e, soas so se entregariam a ela na medida em que ela estivesse de
ern oposiyao ao soci;U aitillcial, 0 "reslduo que nao se deixa expli acordo com a justi~a, pois. de todas as virtudes, a justiya e a que
car pela sOciedade".1 0 mais concorre para 0 bern comum dos hornens. E preciso por raziio,
~as este sentirnento sera tratado de maneira diversificada por arnor a nos , ter piedade de nossa esp6cie mais ainda que de
nos tres textos : no DisCUTSO e no Eml7io a piedade e
vista como nosso proximo; e e uma enorme crueldade para com os homens
urn sentimento espontineo da alma (embora nao seja um senti a piedade pelos maus". 1 4
mento simples) anterior a reflexao, enquanto qu~ no Ensaio 1 I As tIeS obras, enuetanto, nao sao incompat(veis, pois a reda
transparece urn acento inteiectualista. Assim, no Ensaio Rousseau ~ao do Ensaio prolonga·se por varios anos, de onde a possihilidade
diz: "A piedade, embora natural ao corayao do hornern, pem1a de se deslacarem "diversas camadas" de reflexao; certos capitulos
neceria etemarnente inativa sem a imaginayao que a coloca em importantes podern rnuito bern ter side comparados, compJetados ou
jogo. Como nos deix.amos comover pela piedade? T'ranspo rt an remanejado~ ao mesmo tempo que 0 "Segundo Discurso", au
do-nos para fora de n6s rnesmos, identificando-nos COm 0 ser que mesmo depois dele , Mais ainda. a piedade que se toma ativa pela
sofre. Sofremos apenas na rnedida em que julgamos que ele sofre; irnaginayao nao entra em contradiyao nos diversos textos de Rous
nao e em n6s, e nele que sofremos. Figure-se 0 quanta este trans seau pOis existe uma "theorie de l'inneite" * como virtualidade
\
porte supoe de conhecimentos adquiridos. Como imaginaria os
males de que nao tive. nenhurna ideia? Como sofreria venda sofrer
. ,'
,.
I
,'"
~.:.
53
ou uma teoria da naturalidade como "po tentia/Ire sommeillante ". *
As faculdodes v/rtUIJis operam como ligadura em todos os p6ntos tinc,:ao entre 0 homem e 0 animal; se bern que dotado de inteiigencia,
de frssura te6rica (nos pontos em que a sociedade se rompe) ani os anirnais nao sao passiveis de aperfeic,:oarem-se , sao desprovidos
culando-se com a natureza. Isto leva a pensar a natureza nao mais de (magina~ao. do poder de antecipac,:ao que ultrapassa 0 dado
como urn dado , como presenc,:a atual. mas como urn residua, uma sensivel e presente , na direc,:ao do nao-percebido : "Todo animal
reserva. Assim, e a imaginac,:ao que de sperta 0 poder de sua reserva, t ern ideias , pOSto que tern sentidos ; chega mesrno a combinar suas
sem se esquecer sua dupla detenninac,:ao : ela e a fonte dos vicios ideias ate certo ponto . e a hornern, a esse respeito , s6 se diferencia
e das virtudes, de urn lado , do I3em e do Mal, do outro. E que do animal como do mais ao men os. Alguns ftl6sofos chegararn
a pr6pria imaginac,:ao pode perverter-se; desperta as faculdades mesmo a afirrnar que existe maior diferenc,: a entre urn homem e
virtuais mas logo as transgride. 1 5 outro do que entre urn certo homern e 0 animal. Nao e, pois, tanto
o entendimento quanta sua qualidade de agente livre que 0 distingue
A imaginayao desempenha urn papel decisive no desenvol
dos animais" . I 7
vimento das faculdades do homem, pois sem ela a piedade nunca
se tomaria ativa e 0 homem nao poderia identificar-se a seu serne· A distinc,: ao entre 0 animal e 0 homem, ou mellior, "a trans
lhante; e alern disso 0 homem em bora dotado de perfectibilidade , cedencia • do homern" ": marca-se na oposic,:ao entre liherdade
perrnaneceria em sua condic,:ao de "quase animalidade" . Desta e instinto. "e sta obscura facu!dade " que parece guiar, sem nenhum
exigencia de aperfeic,:oamento ver-se ....a· nascer sua hist6ria : a pie dade conhecimento adquirido , 0 animal na direc,:clo de alguma fmalidade .
pOe as afei~6esh' em movimento, sob impulso da imagin~a:o, e 0 Neste sentido , a liberdade e a perfectibilidade"": "Sobre a di
homem pode entw compreender a dor e a ail.ic,:ao de seu seme feren rra entre 0 homem e 0 animal, ha uma outra qualidade muito
Ihante, saindo ja, num sentido estre ito , da sua solidao , rompendo especlfica que os distingue e a respeito da qual nao pode haver
o isolamento. Rousseau diz : "A imaginac,:ao que entre n6s causa conte stac,:ao - e a fac u ldade de aperfeic,:oar·se ( ... ) - porquanto
tantos <Unos, nao fala a corac,:5es selvagens; cada qu al espera cal o animal 'e, ao fUll de alguns meses, 0 que sed por toda a vida,
e sua especie, no fun de milhares de anos , 0 que era no prirneiro
mamente 0 impulso da natureza , entrega-se a ele sem escolha, com
ano desses milhares".
mais prazer do que furor e, uma vez satisfeita a necessidade, extin
gue-se tod
· ,,16
o o dese.Jo . Texto que se apresenta, de agora em diante, sob urn aspecto
A imaginayao esta do lade da socializac,:ao e e, portanto, po noyo : a Imagina~ao e ao mesmo tempo a condi~ao da " perfecti
bilidade" (a liberdade) e a facuidade que pode despertar a piedade,
licitamente concebida_ E a dupl<' determin~ao desta categoria, bern
distinguindo para sempre 0 homern do animal. A animalidade nao
como a "perfectibilidade" da imaginaya:o , leva-nos a seguir sua evo
tern hist6ria porque a sensibilid ade e 0 entendimento sao fun r6es
lll(;ao nas diversas obras, e particularrnente seu significado no
Ensaio_ *** Nele pode-se ver como a perfectibilidade determina a dis de passividade: n uma carta ao principe de Warteemberg***, Rous
seau diz da imaginayao que 56 eia e a~va e as paix5es s6 se excitam
pela imaginac,:ao ; quant o i piedade, e inata tantO nos homens como
nos animais , e tao natural que - como diz no Discurso - mesrno
*. Idem p_ 263 . os animais manifestarn a sua presenc,:a.
1.5. Cf. D., idem, p. 315/16.
.. . Traduzimos pOI :Lfei~ao 0 SUbstanlivo affection, lembrando que
Rousseau se utiliza constanlemente de seu duplo sentido, de afeirao e afec· 17. Rou sseau, D .O'!.. idem_ p. 47.
(:!lo . •. Cf. Burgelin , P.E. , idem, p. 72.
16. DOI. idem, p. 62. ' • . " Perfe ctibiLidade e uma uadu ~ao cientlfica e precisa da palavra
.;'**. Cf. Demda, in De la Grammatologie , onde e discutida a comple co mum de liberdade, que escondia vanas confusOes. Exprime simpiemlente
mentaridade entre 0 Discurso e 0 Ensaio. a ideL> de que 0 homem pode uansformar-sc." l Launay, o p. cit.• p_ 267) .
• n . Carta de 10-11-17 6 3.
)4 55
Sob 0 impul so da imagina ~ ao . est a piedacie vai despertar poder enraizar-se nas bordas fcrte is do Eurotas: obscrvari:l que cm
como iwmalliJade: vemOS entao delineaIem·se J uas seri e s ~, a da geral os povos ' do nort c s50 mais industriosos do que os do suI
mimalidade - c:Hencia. intere sse. geslO' se nsibilid3de - ' e a da por pod crem menos se pri va r de se -Io , como se a natureza qui
humanidade - paix30. imaginacao . pala vra. liberi13de : a paItJr se sse assim igualar as coisas dotando os esplritos da fertilidade que
daL. a imagina<;:ao pode ser compreendida com o 0 .. tomar-se hu recusa a terra' .19
mano da piedadc· '. As paix6es s50 os principais instrumenlos da conscrva<;: ao
E preciso , agora, situar 0 lugar da paixao na propria natureza. do homem, sao obras d e Dew, inslitui~6e s da propria Natureza.
o homcm come~a por fu n~ 6 es puramc nte anHTI31S: per('eber e No " Segundo Discurso" a naturcza nao e um intermediari o en
sem ir. pois neste momento esta entregue . pe la nalUreza , somen te tre Deus e 0 Mundo. mas substitui a no<;:10 dc Deus ao colocar-se
ao instinto ; mas q ll erer e l1Iio qll erer. J eseiar e l em a se rao :1S pri· a si me sma como ponto originario de todos os acontecimento s
meiras opera y6es ate que as circunstancias detenninern novas mu· - "tudo 0 que sai das maos da natureza e born" - afastan c o a
dan~as: "A natureza comanda tod os os an imais. e 0 anim al obe afirma~ao de um cri3dor perfeito . NJo vern os. pois. 110 Discursu
dece.O homem nasce livre paIa aquie sce r ou re sistJr . e ~ sobretulio esta "hip6tese teoI6gica": "E preciso dotar a sociedade geral e 0
na consciencia dessa liberdade que se mosua 3 es[)iriwalidade de direito natural de urn do historico que e 0 lugar vaciJante do nas
sua alma** , pois a FIsica de cer:t9 modo explica 0 mecanismo cimento. e apenas uma hipotcse teologica permite neutralizaI esta
dos ,entidos e a forma<;:ao das icieias , m::tS 11 0 ro der de querer. vacda<;30 e pensar 0 nascim ento como pura origem (. .. ); por inter
ou me thor, de escoUler e no sentimento de sse poder 56 se encontram medio do dire ito natural, e a vontade de Deus quc rege esta so·
atos purarnente espirituais que de modo algum s50 ex plicados ciedade do ge nero humano·' '" 0 P:Ha Rousseau. a Biblia aIruina·
pelas leis da Mecanica"lS Alem disso . po rque J !XiLXaO e tambem ria a nOC30 de um puro estado de naturcza , sobre 0 quai os filo
natural no homem. eia 0 lev a a satisfazer su as carencias. Nem a sofos cristao s. se apoiam para distingUlr 0 homem de an tes da queda
fome , nem a sede, afirma 0 Ensaio , poderiam provocar no homem e 0 homem pecador - ou. em outros termos, a igualdade desejada
a palavra: mas 0 amor, 0 odio, a colera arrancam "as primeiras por Deus an tes do pecado ori ginal c a desiguald ade nao men os
vozes·'. "Mais ainda" , diz Rousseau, "ser-me-ia Lieil fazer ver que. desejada depois da culpa de Adao e Eva: "A religiao nos manda
em todas as na~6es do mundo. os progressos do esplrilO se propor acreditar que se 0 proprio Deus tirou os homens do estado de
cionaram precisamente segundo as necessidades que os povos rece· natureza. eles sao desiguais porque Ele quis que 0 fossem" .:! I
beram da natureza ( ... ) . Mostraria. no Egito. as aItes nascen do E Rousseau: "E evidente, pela leitura dos Jivros sagrados , que ,
e difundindo-se segundo 0 transbordaInenlO do Nilo: acompanhaIia tendo 0 prirpeiro homem recebido im ediatamente de Deus Juze s
seu progresso entre os gregos, onde se as viu germinaI, creseer e e preeeilOs. nao se encontrava nesse estado e que, acrescentand o
elevar-se ate os ceus entre as areias e os rochedos da Atica, sem aos escritos de Moises a fe que the deve tod o f116sofo cristao, e
preciso negaI que. mesmo antes do diluvio, os homens se tenl1am
encontrado no estado pUIO de natureza, .a. menos que nao tenham
*. Segundo Derrida, op. cit., p. 260 / 62. recaido nele por causa de qualquer acontecimento extraordina
' •. A nota e nossa : a explritualidad e da alma l anuna-animal) que
e
faz a distin~ao entre 0 homem e 0 animal a liberdade. -'las 0 espz"rito tern
tam bern urn segundo sentido no Discurso , como 0 que movimenla a sen
sibilidade e 0 enlendimen 10, an les passivos : " .-\ssim, os homens dissolulos
se enlregam a excessos que Ihes causarn febre e morte porque 0 esplrilo
deprava os sentidos e a vonlade fala ainda quando a nalw eza se CJ..la". (Idem , 19. D.O.!.. idem, p. - ~ .
p.47) . 20. Palrick Hochan , Cahiers .. , p . 8 0 .
18. D .OJ., Idem, p. 49 . 21. LlUnall, op, cit., p. 204.
56
57
rio - paradoxa baslanre emb:lra~uso de di::fender e complelamcn· damentos quando. por seus desenvolvimentos sucessivos, chega
te impossivel de provar·'." 2 a ponto de sufoc::u 3 natureza".2 5
Rousseau rellete sobre 0 princ(pio de que 0 homem e nalU· Do animal ao homem h:i uma continuidade , ja que possuem
ralmente bum e que. pOfl ~ n!O. nao pode existir uma perreniJaJe um lunda comwn - a sensibiLidadc. A ruplura OCorre com a per.
origl/wl nos primeiros movimentos da natureza: est a e unidade . fectibili dade : "E J prcipna natureza que se lOrna sociavei no hu .
onde 0 homem vive em 51. num estado de indivisao, de tal form] memo e -jue s6 sc reveL:! Jesta maneira pelo concurso dos acasos
que apenas um Jlan ind eterrninado conduz a defesa ou a indo· da historia do globo. Os aconlecimentos exteriores e a natureza
10ncia: CS5:! adesao a ,i mesmo e cOlIlcidencia consigo mesrno .: escondida do homem formam uma unica e mesma realidade em
c6
pro\imidade do originario. do nao..Jividido: a (mica paixao com movimemo" Apenas quando 0 homem come~a a olhar seu
a qual !lasce e 0 amor de si. pai:dio que em si mesma e indiferenlc semelhanle COmo t3.1. come~a aver suas reia,,6es e as rei~5es das
ao bem e ao mal: por isto. 0 homem n:llural e sempre "justo" : coisas. constltuindo·se entao as Ideias de conveniencia. justl"a e
"e!a s6 se tom:1 boa ou ma". diz Rousseau. "por acidente e segundo ordem.
as circunStanClas em que se desenvolve: todos os vleios que se 56 agora "0 belo mora.!" com eya a se tornar senslveL 3. cons
~tribuem ao cora"ao humano nao the sao naturais e (".) pela al· ciencia entra em Jr;:ao e os homens passarn a !er "'virtudes"; e se
tera"ao sucessi va da bon dade original. os homens se tomarn. fInal· tern tambem v1'eios, diz a Carta a /..1. Je Beaumo nr, e a partir da
'lo estado de !'-Iatureza 0 homcm se limita exclusivarnerile da que "suas iuzes" se desenvolvem; enquanto nao ha lamas opo
ao instinto fl"sico. "eJe e ningucm. e bieno". 0 e:Hater animal tern siyoes entre interesses e portanlO e pequeno 0 COncurso de "suas
o sentido cia recuS<l de lj ualqu er <.?xpucacao nao·n:1turaJ das mu luzes". os homcns sao cssencialmen!e bons.
dancas do homem: quando se JfastaIn JS consideracl5es re ligiosas. E na nn.iem socia.! que se encontra a causa da mudanca, pOl S
:l \alUrcza pemlanece aquilo que se consrr6i por 51 mesmo: dat em tudo d3. 1i COntraria :l natureza e a tiraniza sem tregua. Com
J insen satez dos que se queLxam da natureza sem saber "que todos isso, percebe ·se porque Rousseau nao precisou da lzipOlese teolo.
os males vem de si mesm: Js" , Jizem as "Confissoes". As palavras gica: nao supas 0 homem mau por narureza. ja que p6de marcar
"Provideneia", "Natureza" ou "Divindade" tomarn·se 0 me smo: 'a origem e 0 progresso da maldade: talllip6tese nao e eficaz. nem
"Porque a divindade existe e e boa, e preciso com baler a concep mesmo possl"vel: a rela~ao Com Deu s e de "ordem religiosa" e nao
yao social que desfigurou . perverteu e travestiu a Natureza". 2 4 ·'filosofica". diz Rousseau. Deus nao e uma "evidencia", os primi
Rousseau procura as causas humanas e naturais do estado de guer tivos nao 0 conhecem, Emilio 0 descobre tarde e porque e ensi.
ra - a piedade. por si mesma. nao engendra a sociabilidade. No nado a conh~ce ·lo, E 0 CUn/raro exclui os atributos rnetafisicos
DisClLTSO pode·se ler : "Do concurso e da combinayao que nosso de Deus: a existencia da divindade "poderosa, in teligente , bene
espirito e capaz de fazer desses dois principios (0 arnor de si e a merita, previdente e providente" e urn dogma da religiao civil.
picdade). scm que seja necessario nele introduzir 0 da ,ociabili Por ourro lado, lemos no Eml'lio: "Eu sei que 0 mundo e govemado
dade. parecem-me decorrer todas as regras do direito natural. regras por um3 l ontad e podcro sa c sabia: eu a vejo. ou meUlOf. eu a sin 10.
essas que a razao, depois. e foryada a restabelecer com outros fun· e e import3.Dle eu saber disso . \1as es!e mesmo mundo e ctemo
ou criado') Hj um prine (pio tinico das coisas? Hj dois ou varios '
'$.
58 59
equal ea
sua natureza') Eu nao sei. E 0 que me impor1a ( .. . ) Re·
1
A piedade deriva do arnor de si e ao mesmo tempo tern um ler.
nuncio a quest5es ociosas que podem inquielar meu arnor·pro rilorio na sociedade. porque ela nao e uma paixJo simples: " Ela
prio mas que sao inuleis a minha comiula e superiores a minha poss ui dois principios. a saber. 0 ser mteligente e 0 ser sensitivo
razao" '" 7 cUJo bem-eslar nao e 0 mesrno . 0 apetite dos sentidos tende ao
Retomemos. pois. as paLxoes: pertencem a 0i atureza e par 00 corp o e 0 arnor da ordem ao da alma. Este ultimo arnor, de·
csla razao a analise da desigualdade nao pode voltar·se nessa di· senvolvido e ativado, leva 0 nome de con sciencia; mas a consci~n·
re~ao. comO se as paix5e s ja estivessem marca uas peio mal . Ao cia so se desenvolve e age com as Juzes do homem. E so por estas
contrano: nao se trala de reprimir 0 vlcio mas oe in1pedi·l o de luzes que chega a conhecer a ordem e 56 quando a conhece sua
nascer: e urn empreendimenlO VaG e ridlculo, diz 0 Emi7io. "que· consciencia 0 leva a ama.la" . 2 9
rer destruir as paix5es. controlar a natureza e refonnar a obra Somente 0 homem born e mau, que conhece 0 arnor e 0
de Deus": seria contraditorio que a Natureza (Deus) quise sse ani· 6dio , em quem a imaginayao e as paix6es desenvolverarn·se pro·
quilar as paix5es que ela engenora no homem. :-.tas e preciso estar porcionalmente (isto e, 0 hom em que desperta para as afeiyoes
atenlO ao falO de que. 5e e verdade que a origem de todas as pai· sociais e que e sensivel a
piedade), experimenta a necessidade de
x5es e natural. nem todas 0 sao : " a necessidade de satisfayao de falar e in~nta a lingua. 0 lino V do Emma descreve a impor·
uma mul tiplicidade de paix5es e obra da sociedade", diz 0 Discurso. tancia das paixoes que se encontrarn na origem da sociedade e
E preciso perguntar·se qual 0 es[artlfO da piedade como da moral; e pela paixao que se constr6i a relayao com 0 outro.
prlixiio natural. ja que tarnbem ocu pa um lugar na sociedade (em· primeira forma de sociabilidade, e no "munnlirio das paixlks"
bora de maneira menos arnpla do que no estado de natureza) . Pois que 0 homem pode nascer verdadeirarnente.
Rousseau observa : "A benevolencia e a amizade sao. bern enlendi Das PaLxOes iniciais. amor de si (natureza) e rlmor·propr/o
das , produ~5es de uma pie dade constanle ( ...) , pois desejar que (s ociedade) vao logo nascer todas as que co nstituem 0 ser moral:
aiguem nao sofra nao sera desejar que seja feliz? A ser verdadeiro mas Rousseau denuncia logo 0 pecado onginal do ser moral: se
que a comisera~ao nao passa de um senlimento que nos coloca as paixOes "doces e afetuosas" se originarn do arnor de si (este
no lugar daquele que sofre. senlimento obscuro e vivo no homem sentimento segundo 0 qual todo ser vela por sua pr6pria conser·
selvagem, desenvolvido mas f raco no homem civil. que im portara v~ao mas no qual a preocup~ao de si supOe sempre 0 olhar do
lal ideia para a verdade do que digo , senao para the dar mais for~a? outro), as p;u;.cOes perversas nascem do arnor·pr6prio , sentimen·
A comisera~ao. com efeito. mostrar·se·a tanto mais enthgica quanto to que leva cada urri a cuidar de sua propria conserv~ao; e urn
mais intin1arnente se idenlificar 0 animal espeCLador com 0 animal sentimento relativo, ficticio. que nasce em sociedade. 0 arnor
sofredor. Ora. e evidente que essa identifica~ao foi infmitarnente pr6prio e e
oP arnor de si, que se tom a interesse parricu!nr, isto
mais esueita no estado de natureza do que no estado de racioci· o recalque e 0 esquecin1ento do sentimento natural. Germma,
nio' ,2 8 E que a piedade nao e nem a pr6pria origem , nem urn neste momenta, a ideia da culpa , posto que a hip6tese teo16gi·
f1uxo passional dcrivado . uma paixao adquirida entre outras: ela ca foi descartada e a divindade confia ao homem a regencia do
e a primeira "deriva~ao" do arnor de si. ela e "quase natural".* mundo, fazendo dele nao 56 um animal mas urn ser livre; e nu
rna carta a Voltaire*, Rousseau diz que a fonte do mal esta na
liberdade do homem, na perfectibilidade que ja comeya corrom·
60
fJJ
pida . 0 mal e produzido pela hist6ri3. e pela sociedade, e a culpa
da sociedade nao e 3. culpa do "homem essencial" mas a do "ho desfruta dela (. .. ). A consciencia de si lorna entao a vida como se
mem em relaC;ao" ; 0 mal esta do lado do factual e nao existiria collie urn fruto maduro que se encontra diante da mll"o que 0 lo
se 0 homem nao pOSSUl·Sse a ·'perigosa l.iberdade" de negar, pelo rna:".) 2 . ' Este gozo na imediatez, gozo de si, na:o e diferenciado
artiflcio, 0 natural. "E nas maDs do homem, e nao em seu cora por inrervalos - nao hA descontinuidade, nao hoi alteridade ; e a
faO que tud o degenera. Suas maos rrabalham, mudam a natureza, experiencia da presenya continua a si mesmo, e 0 tempo das Re
J
fazem a hist6ria" 3 0 veries, tempo da presencra "onde 0 presente dur~ sempre sem con
tudo marcar sua durayao e sem nenhwn rastro de sucessao": sem
anrecipa<;:ao ou recor~a:o.
C - 0 Retorno do Reprimido na SoCledade Mas 0 prazer que se realiza positivamente neste desfrutar ,
ao mesmo temp o em que e "ce rteza de si" (islo e, conscit!ncia
Rousseau se esforc;a por pensar a sociedade geral* como de si objetiva) tern uma significa~ao negativa - a de e/e proprio
uma sociedade quase pura, sem negar as contradic;5es que viriam ser suprimido. Hegel <liz: "Ora, a consciencia de si concebeu sua
cindir a origem, prolongando numa du~:io homogenea, sem li propria atualizac;ao apenas em sua significa~3o positiva , eis por
Inite e sem bst6ria, 0 momento fugidio do nascimento, onde a que sua experiencia entra como contradicao na consciencia; nesta
unica desigualdade e a desigualcfade fisica. 3 J 0 "princlpio de des experiencia, a realidade da singularidade da consci~ncia de si efe
trniC;ao" ja esta presente neste "quase", na pr6pria origem, mas tivamente alcanc;ada assiste a· seu aniquilamento por parte da
de alguma forma permanece indlferente. Desta forma, Rousseau esse ncia negaliva que, privada de realidade efet iva, levanta-se vazia
nao considera os principios origiruirios de conservariio e de des diante dela e e, porem, a p<:ltencia que 3 conserva" .33
truiriio das origens como simuirtineos. 0 que equivaleria a destrui Retomemos Rousseau: embo ra presente desde a origem, 0
c;ao <fa noyao de origem; e levado a conceber como sucessivo 0 que, mal e sempre conseqiiencia de uma falta de vigilancia, a conseqi.ien
na realidade, descreve como simultaneo, posto que desde 0 ini cia de uma distra((ao fatal; nos te xtbs de' Rousseau este instante e
cio 0 ~'princlpio de destruic;ao" age insensivelmente. assinaJado pela expressao "tant que" do Discurso - enquanto os
Isto po de ser compreendido a panir da analise hegeliana homens se contentaram com suas cabanas rUsticas, enquo.nro se
da consciencia. A consciencia de si tern a certeza de ser a realida limitaram a coser suas roupas de peles, viveram livres e saos; 011
de; tern seu objeto em si mesma; mas a consci~ncia e urn objeto ainda na Carta a M de Beaumont: "enquanto ha menos oposiC;6es
de tal ordem que nao 0 possui apenas para si (0 ser the aparece de interesses~ os homeru sao essencialmente bons". _Segundo Rous
comO uma realidade diferente dela) - num primeiro momento, seau, anos estereis, irlvernos long os e crueis, veroes calcinantes que
ela e consciencia de sf c9mo essencia singular irldependenre da secavam os frulos da terra, impuseram 0 trabalho ao homem;*"
outra consciencia de si, a partir da qual torna-se ser para si; ou
entao reduz esta "outra consciencia de si" a si mesma. "A cons
ciencia de si joga-se. po is , na vida e caminha em direc;ao a realiza
sao da pura individualidade na qual surge . Em lugar de cons; "u 32. Hegel, liz Phenomenologie de {'Esprit , p. 298.
a. £. interessante apro ximar este rexlO do de Rousseau sobre 0 gozo
sua pr6pria felicidacfe, ela a collie imediatamente e imediatameme
imediato no estado de natureza : "OS [ruIO S estlio ao alcance da mao, deles
nos alimentarnos sem falar; pereguimos em silencio a presa com que nOS
saciarnos." (Emile, idem, p. 162.)
30. Starobinski, T. e! 0 ., idem , p. 34.
33 : Ph en. E ., idem, p_ 299.
*. Trata-se da sociedade nascenTe. (D.0.1., idem, p. 72).
..• . Quando a naturf',Za p<u>a a ser urn o bstaculo, surge 0 uabalho : de
31. Hochart, " Droit Naturel el Simulacre", Cahie,.s ... . idem. e, pois, 0 advento do negatIVo : d.3·se a prirneira I:rande divisao, a Natureza
e'o ··primeiro Outro" que 0 ho mem alcan~a e que ~e porque lh e e howl.
62
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a necessidade que os homens passaro a rer uns dos outros nao e
acosrumavam·se pouco a pouco
natural: na a convivencia tomou-se necessaria. Vma por se fazer
vez que a sociabilidade nao e uma a festas: os
cial se por ao mesmo nao bastava m:us e a voz 0
de certos "acasos",
fortuitos de c:ircunsUincias", "diferentes senti! ao mesmo
causas estranhas que nun~ ter nascido", "causas mw do OUtro, a homem identifica suas :.ememanya.'> na
to leves", femes acasos" *, etc. E Rousseau: manerra de pensar e de sentir e aJia-se ao outro - ou torna-se seu
...",
66
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71
para tentar manter-se no estado natural: "Estas foryas sao cons foryada; este interesse particular e a foana que torna 0 amor-pr6
tituidas pelos atributos do homem natural que chega ao estado pn·o na sociedade nascente e que se radicaliza no estado de guerra.
de guerra_ Sem esta Ultima precisao, 0 problema do contrato social Podemos considera-l0 (e Rousseau 0 faz) urn estado de natureza.
e ininteligivel".'"
pois e estado social mas ainda nao e estado civil; no estado de
Neste momento, nao se trata rnais das lorras do homem no guerra 0 homem encomra-se no interior do estado de natureza: sO
primeiro estado de natureza - onde e ainda urn aninuJilivre , cujas
que ~sti aiienado. 0 que pora fun ao segundo estado de natureza
faculdades intelectuais e morais ainda sao nulas. Econtrarno-nos e a luta mortal a qual 0 homem se entrega.
diante de um animal corrvertido sob as catastrofes naturais e sob
o impacto da Grande Descoberta (a Metalurgia). E 0 homem chega
ao estado de guerra generalizado de posse de seu corpo mas com B - A Genese cia Oposi¢o: A Consciencio.
suas foryas fisicas enfraquecidas pela vida social: "Foi nossa indus
tria que nos privou da for~ e da agilidade que a necessidade obciga A deSllatur~ao assinala a perda da independencia do indi
o homem natural a adquirir_ Se tivesse urn machado, seu punho viduo, mesmo que em seus principios isto se passe num cenano
romperia galhos tio resistentes? Se possuisse uma escada, subi
de canto e de dan~ - 0 que termina por estabeiecer a primeira
ria tao ligeiramente numa arvore? Se tivesse urn cavalo, seria tao dilereTlfi1 consciente entre 0 homem e seu outro: "0 canto e a
agil na corrida? Dai ao homem civilizado 0 tempo de reunir todos dan'f3, verdadeiros fillios do arnor e do lazer, tomaram-se a dis
esses instrurnentos a' sua volta; nao se pode duvidar que ultrapasse tra~ao, ou meihor, a ocupa~o dos homens e das mulheres ociosos
com facilidade 0 homem selvagem". 5
e agrup31ios. Cad a um come~u a olhar os outros e a desejar ser
o homem no estado de guerra possui "foryas intelectuais" ele proprio olhado, e a estima publica passou a ter urn prec;:o. Aque
e ·' bens" - e a violencia configura-se como estrutura constituti Ie que cantava ou dan<;:ava melhor, 0 mais belo, 0 mais fone, 0 mais
va do reino da carbu:iIl: "desde 0 instante em que urn homem llabil ou 0 mais eloqiiente passou a ser 0 mais considerado, e foi
urn s6 contar com provis(jes para dois, a igualdade desapareceu, vIcio; destas primeiras preferencias nasceram, de urn lado. a vai
introduziu-se a propn~edade, 0 trabalho tomou-se necess:irio e dade e 0 desprezo e de ourro a vergonha e a inveja ( ... ).
74
75
incessantemente procure interessa-los sua sorte e faze·los
se neste elemento da consciencia e nele in£.
encontrar, de fato au em lucro em trabalharem tala momentos, esta
sellS
para ele: 0 que 0 toma falso e artificioso para com uns,
e todos aparecem enuro como
e duro para com as outros".1 1 A cieneia deste camml:io e a ei~ncia da "''M~P1'7I''''rrrr
A que deoorre de todo este processo rea cia faz".13 Ha urn mOvimento de
liza-5e mm na dimens.io do meu do que na do eu*. Rousseau sobre s:i mesma, em que nada se ue!![[aJ::::I
afmna: "0 que tendo cercado urn terreno lembrou-se o que torna a suas obras dl"'............ "W
e
de dizer 'isto meu' e encontrou pessoas suficientemenre
ciencia perrnaneoe consciencia de s:i lllliversal no interior
para 0 acreditar foi 0 verdadeiro fundador da sociedade Civil".1
uma entre esta consciI!ncia na
'este demonio", traduz a luta entre os individuos eleva UillVenauaaae e eIa mesma. na da co:nscienci.a 14
ao mutuo,
Por causa da 0 eu coioca 0 outro como urn
Para e este 0 estatuto do rousseaWsta. A luta
que
ea ao discernir 0 bem e 0
desde 0 como raziio de uma
mentar para 0
consciente, a razao de que ele e
dOl[!ll11acao permanece soberana em si mesma. recusa-se a
como e dai emerge urn vieio: 0 V15WUV
a confundir-se com coisa que mIo eIa mesma. reiterada dos v:irios seres a si mesmos e de uns aos
Tal passagem ser entendida em termos
esu "~""U"'V do as percew)es
realizar nenhwna obra
de cenas Estas ( ... ) acabaram par
e a orJ!:anizacao da liberdade: se Ulna cecta
a consciencia neste momento nao realizar "atos As novas luzes que resultaram desse U"~""U"V
. Isto porque a consciencia e tomada tal como e, em taram
sua ao Outro 0 Mundo ou a natureza. Este saber cons
do Outro e urn saber de si e este e urn saber do do Mundo. sabre si mesmo
diversos da consciencia descobrimos a 0
termina 0 homem da natureza e comeya 0
Mundo e seu 0 eu coloca a si mesmo como tendo neces
rompe 0 do COmo
sidade de urn nao-eu, isto e, de sua deduzem-se suas
urn ser 0 &0 coincide mm mesmo:
o eu, quando coloca sua 56 aparecer
"Se a natureza nos destinou a sermos OllSO quase assegurar
da Alteridade: "0 estar-ai irnediato do
que 0 estado de e urn estado contra a narureza e 0 homem
as dois momentos: 0 do saber e 0 da que medlta e urn animal 16
com ao saber. 0
A divisii"o emre 0 eu e 0 outro realiza a nerversao do arnor
de si em
e, com 0 trabalho e 0 confronto entre 0
1 L D.OL p. 76.
'. "Com PaLxOes taO pouco ativas (."J 0$ oomens nae possUlam a menor
m:x;io do teu e do meu, nem qualquer ideia 'i'e!':iZ da justi,?; consideravam 13. Hegel, op. cir.. p. 31/3:2.
J.S \101encias que podiam romr como urn llUl facil de ser reparado e nao 14. Idem. p. 133.
como uma que deve ser punida." (D.OJ.. p. 61).
15. Rousseau. DOL idem. p. 67/68.
I::. DOJ., p. 66.
16. ROU<;'''''~lI D.OI, idem. p. 45.
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obstaculo e a acentua·se no homem a consci(!ncia de sua
do , dil 0 A ratio e 0 instru
a fma! entre ele e 0 outro constituira agora
e merece que se dela - ela se cohea
o veniadeiro da Razao". A instrumentos
a e do "0 homem sensual
entre 0 hornern e a natureza; e da mesma rna· ~ 0 homem da natureza. a homem que 0 da oviniao
nein.. 0 homem se de sua identidade no IX LluUV'"V.
vi: desmanchar-se a dimensao de sua vida LLU"'....l"" .....
sern interior nem e
o descobre
mm abandofiar-se ao "sentimento at;; sua exisU!ncia
eX1pnme numa au menor habi
atual". "A 0 passar do
o dominio
". Rousseau diz que "a doce voz da pied.ade" foi .inscrita no com;;ao
I para descobrir uma mesma facu1dade por .Deus (Natureza). Trata-se de urna "escrita naruraJ." a escriJa dQ rolll!p:il,
que faz a consciente do que lie opae a e
escrita da Rauio; eiLa "scm piedade", traru:g:ride a lei e a
UVLU>Oll-l sabre 0 mundo faz tambem com que ele se doente voz dil piedade, substirumdo a afei"ao natural pela afej~ao pervemda. ~as
. 1
ou morrendo Rousseau nos mostra como, hi ainda OUIIOS renudo. da palavra Razao. Nu Le.ttreJ d Sophie, Rous.seau
o homem sai de sua animal e descobre a confli diz; "A Razio e
a fac:uJdade de ordenar todas as facu1dades d.a alma confor.
me ~ nat:ureza das coisas e a .sua ret.a.;ao con=". A Razao toma-:se urna
to dos contranos: 0 fora e 0 0 eu e 0 outro, 0 ser eo pare·
plena, profundamente enraizada na sensibil.id.ade e que re:.iliz.a a
eer.o bern e 0 0 e a servidlo."l '1 unidade do homem; ''Como rudo 0 que penetta no enlendunemo hum.ano
o da consciencia se materializa no governo vern dos s.entidos, a primeira raziio do nomem Ii urna razao s.ensiliva, Ii ela
que quer e executa ao mesmo tempo uma ordem e uma de· que serve de base a
razao intelectual". (Emile, idem, p. 94). E urn Iex!O
d:l Nouvelle HelOIse esclarece esta arnbigUidade: "De tocias as fac:uJdades
do outro constituindo-se como vontade determi.nol:ia em as outras, e a que se desenvol:ve mais difici1mente e mais tardiarnente" Seu
. a vontade universal; como na 0 go· carater romposr:o justifica sua pois nao sc pode esquecer 0 que
verno 56 como vioriosa", Rousseau fala no Discurso (p. 90): "e a tazao que engendra 0 arnor-proprio,
e nisto reside a necessidade de seu decliruo. Este govemo e ne· /! a reflexao que fOnifica: faz 0 homem volta.r-:se sabre si mesmo; sepan-o
de quanto 0 perturba e aflige. t: a fJ.!osofra que 0 tsol.a; por sua cau~ ele
suspeitos em substitui-se a ser a mi.m estou s.eguro" Talvez seja interessante em Ultima aruilise,
que da cidas pan rompor oU!!aS verdades que se ~onvarn e que tal ane nos faz
brutal deste si no elemento do ser ao deSCObru. I,las nao nos emina 2. conhecer as \'erdades prunHivas que serrem
de elemento :is OUtral, e qll.il11do coiocamos em seu iugar nos.m opi.n.iOes,
retirar seu ser".1 5 Neste momento, nao existe IU1'll.U.UTI'~71!
noss,as paixces, nossos preronceitos, longe de nos esclareoer, ele nos rega
para 0 direito que emerge da de Terror a submissao c
L..l. Este inronvemente irueparavel do espmto de sL:l1.ema, que sozinho
dos vencidos nao e urn titulo para 0 vencedor. Tudo istO leva aos grandes principios e consiste em generalizar . (Ler:tr/?sli 5:>.
que 0 amor-Drovrio foi bern sucedido. aooiado na raxilo phil". p. -17). Entendemos que a Razao pode. num ceria lenneO, fazer pane
da senSloilidade <Razlo Ser,srr:va, diz Burgelin1 pela deSOJDerta Ge ":ilTIa
lOgiC<! inscrita no senslvei·'_ ::omo du Bemo Prado 1r. (in ReV1.."1i:l lempo
Brasileiro. idem. p. 1761, uma f:!culdade que precede 0 su)eilo que se m..mr
festa. mesmo que precanarnente, na linguagem mela.f6rica que Ie enoontra
17. S tarobinski, T. er 0., idem, p. 347.
na rait; da linguagem da Raz.:i:o. Deste ponto de visla, ~ 0 raciodniQ que e
is. Hegel, idem, I, p. 617. abandon ado com desprezo aD; {liosoI'o;, comrruwres de sisremas.
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onde os particulares so acidentalmente sao inimigos*. 0 direito
lidade no trabalho), materializa·se em seguida na propriedade e no
de conquista tem por tiDico fundamento a lei do mais forte H .
dinheiro. A desigualdade marca, assim, a vontade de colocar 0
E se a guerra nao eli ao vencedor 0 direito de massacrar 0 vencido,
individuo como um valor independente ao mesmo tempo em que
este direito inexistente nao pode ser 0 fundamento do direito de
desperta 0 desejo de distin{:iio, isto e. 0 de impor 0 reconhecimento
suiei~lio; na verdade, 0 direito de mane 50 ap arece quando nao
de seu pr6prio ser a opiniao do outro. Isto quer dizer que, desde
se'pode fazer 0 outro de escravo: "0 direito de transforma·lo em
agora. e a ordem do parecer que passa a representar seu ser - Rous,
escravo nao vem do direito de . mau·lo : e pois uma troca iniqua
seau diz: "Quanto mais examino a obra dos homens e suas insti·
vaos para assegura-la. Para nao ceder atorrente das coisas , fazem·se
mil vinculos, e depois, quando querem dar urn passo nao podem
*. "Cada Estado sO pode ter como inimigo ounos Estados e nao ho·
e se espantam de estarem presos a tudO" .1 9
mens, pois que nao se po de estabelecer quaJquer relayao verdadeira entre
~ a for~a que val ligar os homens uns aos outros, patencia coisas de na~eza d iversa" (Rousseau, C.S.. livro I, IV , p . 241) .
f(sica da qual nao resulta nenhuma moralidade. Ceder a forya cons **. Seria interessante aproximar dois textos, urn de Rousseau , outro
Supondo-se rnesmo a existencia desse terrivel direito de a si; e cada qual e a si rnesmo e ao outro uma essencia imediata
tudo matar, afumo que urn escravo feito na guerra C· ··) nao tern que e para si , mas que, ao mesmo tempo, e para si somente atraves
qualquer obriga~ao para com seu senhor. senao obedece-Io enquan desta mediac;ao"?2 Isto quer dizer que cada qual e p(Ua 0 OUtro
to a isso e forc,:ado. Ao tomar urn equivalente a sua vida, 0 ven porque 0 outro e para si mesmo. Esta Iuta contra 0 outro pode
cedor nao lhe concedeu gras:a: ao inves de mata-Io sem proveito, manifestar-se em diversas ocasi~es, sem no entanto ser 0 motivo
rnatou-o unlmente. Longe, pois, de ter adquirido qualquer auto essencial do conllito - 0 conflito e essencialmente urn coniuto
ridade sobre ele alern cia for~a , 0 est ado ·,e guerra persiste entre pelo reconhecimento. A consciencia de si faz a experiencia da
'ambos comO anterionnente, senao a' propria relac;ao entre eles luta pelo~ reconhecirnento, mas a verdade desta experiencia en
seu efeito e a utilizac;ao do direito de guerra nao supCie qualquer
gendra uma outra, a das relaroes de desigwlJdade no reconheci
tratado de paz. Finnaram urna convens:ao - seja; mas esta con
mento, a experiencia da domina.c;ao e da servidao.
vens:ao, longe de deStruir 0 estado de guerra, supOe sua continui
H que a oposis:ao entre os homens conduz a dominac;ao
dade".21 e a servidao, uma inversao dialetica entre eles acabanl. por libertar
Para assegurar sua conserva~ao, 0 homem se im p~ ao ou tro '"; o servidor (Der Kencht) : a verdadeira mestria pertence a hist6ria
o vencido e poupado porque 0 vencedor tern necessidade de ser do servidor, que recupera sua hurnanidade (ao salvar 0 "bioI6gico",
reconhecido. Em tennos hegelianos , 0 vencedor, "0 senhor", e por medo de arriscar a vida, 0 servidor perde 0 esp{rito, que e
o homem que leva ate 0 fim a luta pelo reconhecimento, arris conquista do "senhor") pelo trabalho ; 0 senho, arriscou a vida,
cando a vida: " ... cada extremo e para 0 outro 0 tenno medio exprUnindo, assirn, a consciencia de si imediata; 0 servidor repre
com a ajuda do qual entra em rela~ao consigo mesmo e se retme senta a mediac,;ao essencial a consciencia de si despercebida pelo
senhor - e e efetuando conSSiememente esta mediacrao que 0
servidor se libera. pois 0 senhor s6 e senhor por ser reconhecido pelo
dendo COnal as panes que \he par ecessem proporcionais it. importincia da servidor; alem disso, 0 sezvidor nao e propriamente servidor do se
dlvida: "deSle ponto de vista, muito cedo e por toda parte , houve estima nhor mas da vida , ja que recuou foi diante da morte. 0 senhor, uma
tivas precisas, por vezes atrozes em suas minucias, estimativas que tinham vez reconhecido como pura consciencia de si, p~ 0 servidor a seu
a forlj4 do d iTeito ( ... ), Foi ji urn progresso, prova de wna concepyao juri
dica mais livre, mais generosa, mais romana, -quando a lei das Doz:e Tabuas seI\'i~o utilizando-o materialmente: 0 trabalho e servidao , depen
decreta que pouco importa, que 0 credor tome mais ou menos nurn tal caso dencia, mas culmina na transforma9ao da natureza e na criayao
C..). Falfamos uma ideia clara da logica desta fonna de compensayao C.. ): de urn prociuto. 0 subjetivo se objetiva no produto, cria urn mundo
est.lbelece-se wna eq uivaiencia, substituindo a vantagem que compensaria proprio; 0 produto do trabalho nlio e mais em si mas para si; ou
diretamente 0 dana (logo, a sua compensayao em dinheiro, em terra ou em
seja, e passivel ao servidor reconhecer-se nos produtos que criou.
urn bern qualquer) wna especie de SDtisfa¢o que se concede ao credor para
reemboLsi-lo e indenizi-lo, >ati~alf50 de pader exercer sem contenr;:ao sua o servidor experimenta uma outra forma de presencra do objeto,
pOlencia sobre urn impotente ( .. .), desfrutando da vio~ao ." (GM., idem, ignorada pelo senhor - objem ao mesmo tempo estranho e nao
p. 27/8) . E ainda: "0 sentimentO de justir;:ae, na verdade, uma fonna intei estranho. For esta raz3o, Marx diz, nos Manuscritos de 1844, que
ramente tardia e mesmo refmada do jUlzo e do laciocinio humano (. .. ). f na Fenomenologia do ESP1'rito a dialetica da negatividade foi to
nesta e~era, a do direito das obriga,,6es, que se enconlra 0 nucleo de ori
mada como a produC;ao do nomem par ele t:'r6prio no trabalho.
gem do mundo dos conceitos morai s "culpa," "consciencia," " dever," "ca
rater sagrado do dever " - f oi, em seus princlpios, longamente e abundan o homem e tanto 0 produto de seu trabalho quanto eSle e seu
temente regado com sangue ( ... ) e no [undo este mundo sempre conservou produto, da mesma maneira que as circunstancias sociais sao pro
urn certo odol de sangue e de tortura (mesmo no velho Kant: 0 imperativo
categorico tern >abor d e crueldade)." (idem, p. 250).
21. C.S., livre IV , idem , p. 242 .
e
•. Que nao mais 0 " outro como ele meSIllo" , do estado de naturez:a. 22. Hegel, Phen. E., idem, p . 157.
83
82
"interesse dos interesses
duto do homem e 0 homem 0 23 que aparece quer e
transf'onna,;ao do mundo selVidor e sua ela que constitui 0 individuo como particular tendo urn interes·
A dialetica da "em mostar que
se Relembremos Rousseau, quando aruma que 0
o senhor se revela em sua verdade como 0 escravo do escravo e 0
meiro individuo que cercou urn terreno e disse ·'isto e meu" e
escravo como senhor do ." 24
encontrou pessoas suficientemente para
fof 0 orirneiro. 0 verdadeiro fundador da sociedade civil:
crimes. guerras, miserias e horrores nao teria
C A Guerra de Todos contra Todos
ao que, arrancando os credulos
o Estado de senhor e servidor no interior do estado de guerra ou enchendo 0 a seus semelhantes: 'Defen
perpetuo e univers.al e 0 "estado de 0
dei-vos de ouvir esse impostor, estareis
homem se perde, pois 0 illteresse - es· que os frutos sao de todos e a terra nao e de Grande
tranha ao olhar dos interesses par ea de que as coisas j Ii entao tivessem
ticulares tomou das e0 ao de nao poder mais perdurar como erarn: pois esta ideia
acordo desses mesmos irrteresses que 0 tomou que de de muitas idew anteriores que sO
h3. de comum nestes diferentes interesses e 0 que fonna 0 ei0 so- tef nascido mIo se fonnoll
e se nao houvesse em que todos os inreresses mente no humane: foi precise se fazer muitos progresses,.
nenhuma sociedade node ria existir, Ora, e lJruca muita industria e luzes, transmit i-las e aurnenta·las
de geradio geracii'o. antes de chegar a esse ultimo tenno do es
mente sobre este interesse com urn
de SOClallZ3r.r<lU ao mesmo
do homem e 0 arnor de sl em interesse par da terra esttl na raiz do estado
dos interesses e os efeitos do estado de de guerra e de seus efeitos: ricos e pobres, fortes e
do inriiv{duo, 0 interesse e escravos. As entre as indivfduos que constituirao 0 esta·
guerra:
toma a fonna abstrata (e do de guerra sao tambem produto da atividade do hornem: tais
do interesse nao sao extemas com relayao aos existem
alienaCfao do arnor de si. Mas 0
particular 0 vincula diretarnente a natureza do
estado de guena . COmo "consubstancialidade", islo e, todo 0 desenvolvunento da
seu fundamento hist6ria do homem se de tal maneira que os efeitos da
A categoria do interesse
universal. S6 existe interesse de outros inte dos individuos;
resses particulares em universal" ,1 ~
Deste ponto de vista, a sign i. o homem se aliena cada vez mais.
fica que 0 interesse se constitui peia oposigao uruvers.al ta", 0 homem esc.apar a t irania das sociais e a seus
_ e esta por sua vez, e a f'<;sencia do estado de guerra. efeitos coercitivos. Quando 0 "reino da floresta" toda
a terra comeyou a ser cultivada, dominada pelo
forte que usurpou a terra aos ocupantes
In T. et O.
32. Mm;, id., ibid •• p. 104.
Discours SW" les Sciences et les ies Arts.
86
87
yao (alienare-alienus-alheio) significa que, com reJa<;ao as coisas
que 0 homem produz e com relayao a si mesmo, encontra-se na o que Rousseau nao perce be e que a apropriayJo dos obje
mesma relay[o que frente a wn objeto esu::nho; 0 objeto produ tos revela-se como aliennriio nao somente sob seu aspecto moral
zido pelo trabalho enfrenta 0 homem como um ser estranho, co mas tambem sob 0 dominio economico: quanto malS 0 trabalha
dor produz, menos ele possui, caindo sob a dOminac;ao de seu
mo urn bern independente do produtor: "Poi 0 ferro e 0 trigo
produ1O, 0 capital: "0 carater exterior do trabalho", diz Marx,
que civilizaram 0 homem e arruinararn 0 genero human 0 ", diz
"aparece no fa10 que eJe nao e urn bern que the e proprio (ao tra
Rousseau; 0 homem caiu no universo do trabalho e no estado
de reflexao que descobre as vantagens da divisao social do traba balliador) mas antes 0 de urn outro, que nao pertence ao trabalhor;
que no trabalho 0 trabalhador nao pertence a si mesmo mas a
!ho. Cada qual cL .• 1:' ver que, par serem as la<;os da servidao for
urn outro,,35 Por outro lado, Rousseau prefigura Marx quando
mados unicamente pela dependencia mutua dos homens e pelas
mostra de que maneira a cultura esrabelecida nega a Natureza
necessidades reciprocas que os unem, e impossivel subjugar urn
homem sem antes te-lo colocado na situa<;ao de nao poder viver (Discurso, EmIlio) e que desta nega~ao deriva a alienac;:ao, "as
falsas luzes" - as que nao iJuminarn 0 mundo humano e veJam
sem 0 outro, situayao essa que, por nao existir no estado de natu
a transparencia natural, separando os homens uns dos outros, par
reza, deixa cada um livre do jugo e toma inutil a lei do mais for
te".33 ticularizanct'o seus interesses e SLbsrituindo a cotnunicaj:iio essen
cial urn "comercio facticio" - a sociedade se constitui ta onde
o estado de depen£iencia e desigualdade esta ligado passa a cada qual Se isola em seu arnor-proprio e se protege por tras do
gem de uma economia de subsistencia a uma economia de produ
parecer: 0 mundo da alienac;:ao e urn mundo "de opacidade e de
faO_ * Na econornia de subsistencia 0 produto do trabalho e 0 traba
mentira·'.36 Rousseau consldera a alienaC;ao COmo desapropria.
!ho materializado nwn objeto, 0 que e a objetivarrio do trabalho;
c;ao, alienac;:ao das reJaC;oes dos trabalhadores com 0 produto de
no estado de dependencia e desigualdade, 0 trabalho vai se apre
sentar ao trabalhador prirneiro como perda de sua realiciade e em seu trabalho - 0 que resta mosuar e que a alienac;:ao nao aparece
somente no resultado mas no proprio ato de produc;ao, no inte
seguida como perda do objeto QU servidiio com relaiYao ao objeto
rior da atividade produtiva em que 0 homem Ja se encontra es
- isto significa que a apropria<;ao torna-se aliena<;ao, desapropria
tranho a si mesmo. Conseqiienremenre, se 0 produto do trabalho
rao. Mas Rousseau nao chega a destaCaI 0 nucelo da questao; mostra
apenas que "a sociedade civilizada, desenvolvendo cada vez mais sua
e alienac;:ao, a produc;ao e, tambem, alienac;:ao em ato ou "a alie
naiYao da atividade e a propria arividade da alien~ao".
oposi<;ao a natureza, obscurece a reJayao imediata das conscit!ncias:
a perda cia tran~1JaIencia original caminha ao lade da aliena<;ao Nos Manuscn'tos, Marx mostra a contradic;ao fundamental
que existe entre 0 trabalho social (as for<;as produtivas) e a apro
do homem nas coisas materiais ( ... ). Com eido, 0 Discurso sobre
priac;:ao individual (reJayoes de propriedade): as condic;:oes e 0 pro
a Desigualdade e wna hist6ria cia civiliz~ : o como progresso da
duto do trabalho apresentam-se COmo estranhos e independentes,
negaiYao do dado natural, progresso ao quai corresponde uma de
as coisas perdem seu carater de supone das forc;as produtivas e das
gradaiYao cia inocencia original. A hist6ria das tecnicas e ex-posta
relac;:Oes de produc;:ao; as coisas apresentam-se como estranhas
em estreita lig~ao com a hist6ria moral da humanidade C... ). Mas
porque efetivamente sao consideradas independentemente do ho
e como moralista que descreve a hist6ria da moral".3 4
mem, ao tomarem·se independentes de to do sistema produtivo
que lhes deu origem_ 0 trabalho separado de seu objeto e "a alie
,i
,118 89
na~ao do homem pelo homem" ; os individuos se i50lam uns dos por intermedio das relar;:6es estabelecidas pelo ato da troca, dire·
outros, e Jogam-se uns contra os outros e fLnalmente encontram-se tamente entre os produtos e indiretamente, por seu intermedlo,
Ligados mais pelas mercadorias que trocam do que par suas pes entre os produtores. A este Ultimos, conseqilentemente, as relar;:6es
, soas: "0 trabaillo nao produz :=.p en as mercadorias. produz a si que ligam 0 trabalho de urn individuo ao traba11.o dos outros nao
mesmo e ao trabalhador como mercadoria, ao produzir merca aparecern como relacr5es sociais entre os individuos que trabalharn,
dorias em geral"? 7 E mais: "a produc;:ao capitalista de mercadorias mas como sao na realidade, isto e, relacr6es rnateriais entre as pes
tern 0 result ado mistificador de trans1~ormar as reJa~6es sociais. 50as" 4 0
dos individuos em qualidades das proprias coisas (mercadorias) Nos tennos de Rousseau, a sociedade - negadora da natu·
e ainda mais especificamente, de tran50frmar em uma coisa (di reza nao a suprirne mas mantem com ela urn conllito permanen
nheiro) as pr6prias correla~6es de p rodu s:ao",3 8 ti de onde nasa:m os males e vicios de que os homens sofrem,
Rousseau nao diz outra eoisa. completando nossO percursa: desenvolvendo tecnicas. a divisao social do trabalho e a proprie·
"alem do mais. 0 dinheiro e 0 suplemento dos homens e 0 supJe dade privada: "A llvenyao das artes C.. ..) fOi, pois, necessaria para
mento nunca valera a pr6pria coisa ( ...), Os sistemas de fmanr;:as for~ar 0 genero a se dedicar a arte agricola. Desde que se precisou
fazem almas venais; e quamio 56 se quer ganhar, ganha-se sempre de homens para fundir e fOrjar 0 ferro, precisou·se de Qutros para
mais sendo velhaco que ·homem ho nesto, 0 emprego do dinheiro alimentar a estes. Quanto mais se multiplicava 0 nlimero de tra
desvia e esconde; destina·se a uma coisa e emprega-se em outra. balhadores, houve menos maos para atender a subsistencia comum
Os que 0 manejam-logo aprenciem a desvia-Io ( ... ); se sO houvesse sem que com isto houvesse menos bocas para consumi-Ia e como
riquezas publicas' e manifestas. se 0 c:uninho do ouro deixasse uns precisavam de vjveres em troca de ferro, outros por f1m encon
uma marca ostensiva e nao pudesse se esconder, nao haveria ex· traram 0 segredo de empregar 0 ferro para a multiplicacrao dos
pediente maJS comodo para comprar os servis:os da coragem, da viveres. N asceram, assirn, de urn lado, a lavoura e a agricultura
fidelidade, das virtudes; mas, tendo em vista sua circulas:ao secreta e, de outro, a arte de trabalhar os metais e multiplicar-lhes 0 usa".
( ...) 0 dinheiro extorquido se esconde facilmente".3 9 Da cultura das terras resultou sua partilha e a propriedade
o encontro de Rousseau e Marx se faz. pois, pela "gene foi reconhecida, fazendo aparecer as primeiras regIas de justi~:
ralidade absuata"'- que e 0 di.nheiro. A abstrar;:ao toma 0 lugar "pois, para dar a cada urn 0 que e seu, e preciso que cada Lim passua
do particular e do universal - e d31 seu resultado mistificador; alguma coisa ( ... ). Esta origem e tanto mais natural quanta e im
sua origem esta na maneira especlfica da produs:ao de mercadorias possivel conceber-se a ideia da propriedade nascente de algo que
com individuos isalados que nao s6 trabalham independentemente nao a mao-de-obra, pais nao se compreende como, para se apro
uns dos outros mas satisfazem suas necessidades exclusivarnente priar de coisas que nao produziu, 0 hornem conseguiu pOr nisso
pelas necessjdades do mercado: "posto que os produtores nao mais do que 0 seu trab<iIho. Somente 0 trabalho, dando ao cw
entram em contato uns com os outroS ate 0 instante em que trocam tivador urn direito sobre 0 produto cia terra que ele trabalhou,
seus produtos, 0 carater social especifico do trabalho de cada pro da·lhe consequentemente dire ito sobre as terras pelo menos ate
dutor 56 se mostra no ato da troca. Em outras palavras, 0 trabalho a collieita, assim sendo cada ano; fato que determinando urna
do individuo 56 se aflIffia como urna parte do trabalho da sociedade posse continua se transfonna facilmente em propriedade" 4 1
T~~
90 91
Com a divisao social do trabalho, 0 trabalho e seu desfru ~ neste sentido que Marx <liz: "A propriedade privada nos
tar, a produ~ao e 0 consumo se dao a indiv{duos diferentes. A . tomou tao estupidos e limitados que s6 consideramos urn objeto
divisao social do trabalho esta na origem da reparti~ao desigual nos so quando 0 possulmos, quando existe para n6s como capital
do trabalho e de seus produtos, qualitativa e quantitativamente . ou quando imediatamente consumido , comido , bebido , veSlido ,
Alem disso , "div1SaO do trabalho e propriedad e privada sao C···) habitado por n6s etc., em suma, quando nos servimos dele, em
expressOes identicas - dado que numa se exprime com rela~ao bora 0 proprietario privado s6 considere tais realiza~oes imediatas
a atividade 0 que na outra se aplica com r e !a~ao ao produto da di posse como meios de subsistencia : a vida para a qual servem
atividade".42 A partir dal compreende-se 0 sistema de desenvo l de meio e a vida cia propriedade privada , 0 trabalho e a conversao
vimento das artes, das ciencias, do comercio, da indUstria, das dos objetos em capital.
fUlan~as, da circula~ao do dinheiro - 0 que vern simultaneamente Em lugar de todos os sentidos f{sicos e intelectuais apareceu ,
(como, mostra Rousseau em seu Discurso so bre as Ciencias e as pois, 0 sentido do rer, que nao e senao a aliena~ao de todos esses
Anes) ao luxo material e ao do esp[rito - de onde decorre a' forma sentidos. 0 ser humano deveria ser reduzido a esta pobreza abso
9 ao de urn povo avido, ambicioso, servil , sempre no extremo da luta, a fun- de engendrar sua riqueza interior partindo de si mes
miseria e da opulencia: " A ambi~ao devoradora, 0 ardor de aumen mo ,, 4S
tar sua fo rtuna relativa, 'menos por uma verdadeira necessidade Assim que a propriedade privada cometyou a exi stir, nasceu
do que para se colocar acima dos outros, inspira a todos os ho urn conflito perpetuo entre os homens, entre 0 "direito" do mais
mens urna negra tendencia a prejudicarem-se mutuamente, uma fo rte e 0 do primeiro ocupante, 0 que culminou em "combates
inveja secreta tanto mais perigo sa quanto , para dar seu golp e com e crimes" : "A sociedade nascente deu lugar ao mais horrlvel esta
seguran~a , freqtientemente coloca a mascara da benevolencia ( ... ). do de guerra : 0 genero humano, aviltado e desolado, nao podend c
Quando as h eran~as cresceram em nllinero e em ex te nsao a ponto mais voltar sobre seus passos , nem renunciar as aquisi~oes infeli
de cobrir todo 0 solo e tocarem-se umas as outras, uns s6 puderam zes que realizara, chegou as portas de sua fUina por nao trabalhar
prosperar as expensas dos outros, e os supranumerarios, que a senao para sua vergonha, pelo abuso das faculdades que 0 dignifi
fraquez2 ou a indolencia tinham irnpedido de as adquirir por sua carn ( ..). Os ricos C...), alias, qualquer que fosse a cor que pudessem
vez, tendo se tornado pobres sem nada terem perdido, porque dar a suas usurpa~5 e s, sabiam muito bern que s6 se apoiavam
rudo mudando a sua volta somente eles nao mudararn, virarn-se num direito precirio e abusivo e que, tendo sido adqumdas apenas
obrigados a receber ou arrebatar sua su bsiSlencia cia mao dos ricos . pela for~ , a mesma fory<! poderia arrebaUl.-las".4 6
Daf come~aram a nascer, segundo os varios caracteres de uns e de o estado de guerra reveste-se, portanto , de significa~ao - a
outros , a domina~ao e a servidao ou a violencia e as rap in as" .43 de Jegitimar as usurpatyoes, de transformar urna si t~ao de fato
E mais: para formar wna na~ao livre que nao tema a ninguem e que atual em direito. Os homens se encontram num est ado de guerra
seja feliz, " e preciso utilizar urn metodo bern diferente - manter, que sua pr6pria atividade produz, se bern que tornados, nurn ceno
restabelecer ( ...) costumes simples, gostos saos; ( ... ) fonnar almas sentido, de surpresa - tornam-se os homens de rela~6es alienadas,
corajosas e desinteressadas; aplicar os povos a agricultura e as aries dominados pe10~ interesses particulares e expostos a cada instante
necessarias a vida: tamar 0 dinheiro desprez{vel e, se posslvel, a uma contradi~ao: "Contradi~ao no sentido proprio do termo ,
inutil" .44 posto que 0 estado de guerra e a liberdade e a atividade humana
voltadas contra si mesmas, sob as aparencias de seus proprios efeitos.
BALAN<;OS E PERSPECTIV AS
i'
Jos individuos e destas forlfas : "Sendo, porem, a forlf a e a liberdade
de cada indivlduo os instrumentO S primordiais de sua conservalf ,
ao I natural, e a familia: as crianlfas s6 permanecem ligadas ao pai du
rante 0 tempo em que necessitam dele para se C()nservarem. Lo
en
como poderia ele empenha-los sem prejudicar-se e sem neglig go que cessa esta necessidade, 0 elo natural se desfaz. As crianlfas,
ciar os cuidados que deve a si mesmo?" ? Assim, procura-se uma isentas da obediencia que devem ao pai; 0 pai isento dos cuidados
"forma de associalf ao " que assegure a uniao das for~as dos indi que devia aos mhos, recuperam todos igualmente a independencia.
iiD
,-iduos sem prejudicar os insrrumen[QS de sua conservar - suas Se continuam a permanecer unldos, nao e naturalrnente, e volun
for~as (no interior do estado de guerra as for~as significam, alem tariamente ; e a propria familla sO se mantem por convenyao".6
das for~as f\sicas, os bens) e sua liberdade. Novas forlfas que se o corpo politico nao pode, portanto , formar-se nem por
chamam: interesse particular - "Esfor<;:ll·me-ei, sempre, nessa exten~o da fam ilia nem a partir de uma sociedade natural ou
e
\ pesquisa em atiar 0 que 0 direito pennite aO que 0 L'1teress pres
creve, a flITI de que a justilfa e a utilidade nao fiquem separadas".3
geral, constltui-se em descontinuidade com a natureza fisica, 0 que
o faz 1rredutivelmente ourro: 0 advemo do corpo politico cons
Isto pode ser feito atraves do Contrato. Nele, a liberdade titui uma "ruptura" - cabe a Lei reconstituir 0 campo social,
subsiste enquanto qualidade humana, como direito e como dever, irr::Jrimindo-lhe uma dirnensao simbolica que 0 estado de natureza,
em suma, como [undamento da mora/wade. A sociedade civil em sua i.. . nediatez, nao possui: "Se chamamos ( ...) politica, a 'for
ente
sera 0 espalfo em que a liberdade pode se exercer plenam - e ma' na qual se descobre a dirnensao politica do social, nao e para
a passagem a sociedade civil produz uma mudanlfa notavel no ho privilegiar as rela~6es de poder, entre outras, mas para fazer com
mem; 0 insrinto e substituido pela iustir;a e as alfoes humanas ga preender que 0 poder nao e 'alguma coisa', empiricameme deter
nham a moratidade que llies faltava. df s6 entao que, sucedendo minada, mas indissociavcl de sua rep resentalfao , e que a prova
a voz do dever ao irnpulso [(siC() e 0 direito ao apetite, 0 homem, que se faz dele, simultaneamente prova do saber e modo de ar·
que ate entao s6 olhava a si mesmo, ve-se for~ado a agir sobre ticula<;:ao do discurso social, e constitutiva da identidade social".7
outros principios e a C()nsultar a razao antes de ouvir suas incli A caracteristica do como politic() em sua identidade, e que e a
nalf :; 4 Apenas em sociedade suas "faculdades virtuais" tern marca da alteridade, se enC()ntra na "moralidade"; mas isto nao
oes
cidadania e podero se desenvolver : "Embora se prive, nesse est ado , basta para constituir 0 C()rpo politiC(), na medida em que se pode
de muitas vantagens que the vem da natureza, ganha outras de conceber uma sociedade sem Contrato, fundada apenas na lei moral,
vem
igual monta: suas faculdades se exerce:n e se desenvol , suas presente em todos e em cada um. Assim, 0 corpo politico e uma
ideias se estendem, sua alma toda se eleva".5 pessoa moral que resulta da uniao dos seres fisicos que 0 cons
E preciso deterrninar a natureza do corpo social, ja que ele tituem, e urn ser espec/fIco que nao pode ser reduzido a seus com
nao existe no estado de natureza. E mesmo quando se sustenta, ponentes fundadores " mais ou menos como os componentes qui
contrariamente ao "Segundo Discurso", que a farmua e uma so
ciedade natural, havera sempre uma heterogeneidade entre a estru
tura da [amz1ia (estrutura fisica fundada no instinto, na inclin~ao
' . Cf. E.O .L .. cap . IX: "A inclina~ao natural bastava para os unir
(os homens do estado de natureza), 0 instinto ocupava 0 lugar da pauao,
o h.lbito ocupava 0 lugar da prefen!ncia." (p.220).
2. Rousseau, C.S., iaem, I, VI, p. 243. 6. C.S.. idem, I, II, p. 236.
3. C.S .. idem, p. 233. 7. Claude Lefort, "Esquisse d 'une Genese de I'Ide6Jogie", in Rel'1.Jt?
4. C.S .• idem, I, VIII , p. 246-7. Textwes. p . 10,74/8-9.
5. C.S .. idem, p. 247.
96
u-
micos tern propriedades que nao retiram de nenhuma das misturas
que os compoem".8 A descriyao do estado de pura natureza surge, assim, dd
o corpo politico e urn ser moral, fundado; quando se co necessidade de conservar a independencia e a irredutibilidade do
loca a questao de sua natureza, coloca-se, ao mesmo tempo, a de componente fundador e a do componente fundado*, cada qual
sua origem, ja que a questao sobre a ongem s6 tern sentido para com uma natureza propria, independenternente do outro. Ou seja,
seres morais, isto e, a origem s6 constitui um problema em virtude alem da pessoa publica, e preciso considerar as pessoas privadas
da desigualdade moral e nao pela desigualdade fisica: "Concebo, que a compoem , e cuja vida e liberdade independem delas. Po
na especie humana, dois tipos de desiguaJdade: uma, que chama de-se passar da independencia inscrita na estrutura da pessoa moral
natural ou fisica, por ser estabelecida pela natureza e que con a sua ex.istencia historicamente anterior ao componente fundador;
siste na diferenqa de idade , de saude, das foryas do corpo e das mas isto nao representa urna dUiculdade para Rousseau que nao
qualidades do espirito e da alma; a outra, que se po de chamar se interessa pela produyao hist6rica do corpo polItico, mas SUa
desigualdade moral ou politica, porque depende de uma especie explicita~ao enquanto ser moral - 0 que legitima esta apresentayao
de convenyao e que eestabelecida au, pelo menos, autorizada a margem da hist6ria . E enoontramos no "Segundo Discurso"
peloconsentimemo dos homens ( ... ). urn modo de colo car rigorosamente a questao dos fundamentos:
Nao se pode perguntar qual a fonte da desigualdade natural , "pois, "COmo conhecer a fonte da desigualdade entre os homens,
porque a resposta estaria enunciada na simples defini~ao da pa se nao se CDmeyar por conhecer a eles mesmos? e como 0 homem
lavra. Pode-se, ainda menos, procurar a existencia de qualquer chegani ao ponto de ver-se tal como 0 formou a natureza?"! I A
ligayao essencial entre essas duas desigualdades, pois, em outras pa partir dai, a analise se orienta para 0 exame da forma pela qual
lavras , seria perguniar se aqueles que mandam valem necessaria os elos puramente fisicos do estado de natureza (instinto, par
exerrplo) podem perrnitir a uniao dos hornens nurn corpo polI'tico,
mente mais do que os que obedecem , e se a forya do corpo ou
do espirito, a sabedoria ou a virtude sempre se encontram nes que apresenta uma individualidade propria; tambem aqui, Rous
tes mesmos individuos, na proporyao do poder ou da riqueza" 9 seau nao se interessa peJa produyao real da sociedade politica mas
Mais ainda, a busca das origens constitui a unica forma de desven pela necessidade de constituir urna verdadeira uniao, visto que
dar a desigualdade moral e a natureza do corpo politico: "Esse "h<i mil maneiras de reunir os homens mas apenas uma de u.n.i-Ios" .
mesmo estudo do homem original, de suas verdadeiras necessi o Contraro Social fomece 0 metodo para realizar as sociedades
dades e dos principios fundamentais de seus deveres, representa poLiticas, pois Rousseau procura "0 direito e a razao e nao discu
ainda 0 unico meio born que se pode empregar para descartar essa te fatos" 12. 0 y,ue se tenta apreender e a razao da passagem de
multidao de dificuldades que se apresentam sobre a origem da urn estado a outro, a causa da instituiyao do corpo politico: "0
polftico, sobre os direitos reciprocos de seus membros e sobre E onde nasce a uniao de seus rnembros? Oa obrigayao que os li
hiers.
• A Expressao e de P. Hochan, "Droit Naturel et Simul.acre", Ca
8. Rousseau, Manuscrit de Geneve, I, 2, p. 284, D.C., PJeiade, 1964.
11. D.O./.. idem, p. 34 .
".
99
98
Neste sentido , 0 Emmo e
uma prirneira hist6ria da conscien
se !irrUta a satisfazer suas caH!ncias flsicas, 0 estado civil sera a
cia natural que, atraves de suas experiencias, ultrapassa a si mesma
fonte das "necessidades morais"; e no mesmo sentido em que a
e a todos os obslacuios ate a liberdade* As leis entram tivrememe
piedade permanecia inativa sem a presenya da imagina~ao, a cons
no Contrato e a Vontade Ceral e a expressao de sua liberdade
ciencia 56 fala no instante em que 0 homem se toma urn ser social.
racional, "razao" compreendid a como expreSSlio do universal,
£, a consciencia que permitira 0 abandono do estado de guerra,
a que s6 ocorre gor ocasiao do Contrato. Para Rousseau, a "li
dando nascimento a urn "projeto refletido" que 0 neutraliza e
vista da sociedade, como a obrigartlo que estabelece a humanidade *. Devemos considerar que a sociedade civil pressupoe sua o~em
a Partir cia Sociedade geral e engendrani a sociedade poulica. Por isso, 0
enquanto pessoa moral. Se nao existe sociedade geral da humanidade lugar da sociedade geral se enconua enUe 0 eSlado de pUIa natureza Conde
nem obrigar;:oes no estado de natureza, a constituiyao da huma a sociedade nao existe) e 0 estado civil (onde 0 eSlado de natureza nao exisle
mais e nao mais poderia existir). Deste ponlO de vista, a sociedade geral e
o perfodo da Sociedade e do direilO natUIais que se identifica com a "socie
16. Rousseau, Emile. II , p. 207, Ed. Hachette. dade nascente", ou "sociedade come9ada", no momento da danya e do canto
17 . C.S., idem, III, p. 238. (capitulo IX do £nsaioj enquanlo nao existe a "idade patriarcal" em que
a sociedade jii est! fortemente estruturada.
102 103
natural e a sociedade geral, longe de serem quirneras unaginadas nom as e \ivres , sem sofrer "solidao ou servidao"; sua existencia
no modelo da sociedade e do direito civis, aparecem como 0 que pessoal justifica-se e garante-se pelo reconhecimento do ou tro,
torn a posslvel a constitu iy ao de um dire ito e de uma sociedade fundada na benevolencia uruinime: "Esta~ cJausulas (as do Conrrato)
civil, que s6 tem realidade moral ( ... ) na. medida em que se con reduzem-se todas a uma s6: a saber, a alienayao total de cada asso
fonnem as exigencias do dircito natural e da sociedade geral".23 Os ciado, com todos os seus direitos, a comunidade toda: pois, em
bens sociais >6 podem consolidar-se a partir do "sentirnen to de primeiro lugar, cada urn dando-se inteiramente, a condiyao e igual
humanidade": "Parece que 0 senrimento de. hurnanidade evapora para todos. ( ... )
e se enfraquece ao estender-se por toda a terra ( ... ). ~ preciso, de Adernais, fazendo-se a alienayao sem reservas, a uniao e tao
certa maneira, lirnitar e comprimir 0 interesse e a comiserayao perfeita quanto pode ser e nenhum associado tera algo mais a re
para do1<1-10 de atividade". ' 4 damar C... ).
Toma-se uma necessidade fundar 0 ciireito civil sobre 0 di En fun , cada urn dando-se a todos nao se d.3. a ninguem. ( ... )
reito natural, tinica altern:ltiva para que 0 Contrato Social nao Cada urn de nos poe em comum sua pessoa e toda sua potencia
infrinja a lei IUJwral; 0 Conuato devera respeitar os "direitos de sob a dheyao suprema da vonrade geral; e recebemos ainda cada
humanidade" , que de cena fonna sao anteriores ao direito civil membro como parte indivislvel do todO".28
e 0 ultrapassam: e "tod a Yirtude que se funda sobre uma violayao o que Rousseau apresenta no Conrraro Social e a diferenya
deste direito (natural) e uma falsa virtude que encobre infalivel entre 0 hom em natural que vive no estado de natureza e 0 homem
mente alguma iniquidacie·'.: s 0 verdadeiro Contrato eo que forma natural que vive em sociedade; a bondade natural subsiste e 0 EmI
o povo , em seu sentido poiltico , como urn conjunto de associados, lio e 0 selvagem feito para viver em sociedade, "para morar na
como corpo moral ao qual 0 pacta confere unidade. Ainda por cidade". Par i5S0, toda a educaltao do EmUio devera desp.::rtar
isto, 0 Conrraw Socicl lOma "os homens tais come sao e as leis as paixoes doces e afetuosa5 e ilnpedir (\ nascirnento das paixoes
tais como podem ser" . 2 6 0 Contrato deve fundar-se numa "ra degradantes e crueis, opondo "a forya expansiva do corayao" as
zao cultivada" pois 0 homem sensivel e passional descobre atraves "pulsoes egois!as". *
do amor a seu semelhante e da comunica<;ao, que foi feito para Entretanto, a reflexao sobre a natureza do Contrato leva
a sociedade - resta-lhe constituir uma que seja feita para 0 homem; Rousseau a acusar a cumplicidade emre seu nascimento e a con·
o Contrato pennitinl a construyao de urna sociedade em que sejam solidayao da propriedade privada; disto derivou a concorrencia, a
garantidas a liberdade e a igualdade pelo abandono voluntario das rivalidade, a oposi~ao dos interesses e "0 desejo escondido de lucrar
pessoas e dos bens a comunidade. 0 homem se aliena no Contrato as custas do outro". Fixando-se a lei de propriedade, fIXa-se a
_ "ilienar", diz Rousseau, "e dar ou vender,,27 - mas esta alie desigualdade, e as leis que "de uma habil USUrpay30 flZeram urn
nayiio nao poderia ser compreendida no mesmo sentido que a dire ito inexorcl.vel e, para 0 lucro de alguns ambiciosos, sujeitaram
do Discurso e a do pensamento de Marx. Trata-se, no Conrrato, a partir de entaQ todo 0 genero humano ao trabalho, a servidao
da alienayao total pel a qual os ser~;--se-- "entre-oferecern", toman e a miseria"! 9 Mais ainda. 0 dire ito de propriedade e 0 delito
do-se mutuamente visz'veis, isto e, trata-se de urna certa fonna da re
cuperayao da preseTlfa com 0 direito de existir como pessoas auto
Ed. Gallirnard, 1968) onde diz que nao se cura 0 ascetisrno , as condi~6es
41. Critique du Programme de Gotha. de existencia nao podem ser refutadas com argumentos: "Nao se refula 0
42. Gilles Deleuze, Logitzue du Sens , p. 69. cristianismo, nao se refuta uma doen~ dos ollios. Ter-se cor.lbatido 0 pes
43. CS.. III , idem, p. 280. simismo como uma ftIosofta, [oi 0 cumuJo da idiotia sabia."
112 113
a natureza e eu. Seria a1 que ela (a Natureza) pareceria oferecer blema pollrieo: ela sO e :nodelo para urn pequeno grupo de pes
a meus olhos uma magnifi~ncia sempre nova".4 6 Rousseau e soas virtuosas capazes ::.t! d2.r a ~ mesmas suas pr6prias regras;
conduzido a "busca da solidao" pela mes:ma razao que 0 fez ima· ~ urna sociedade jUSla. :nde 0 homem faz a experiencla da feli
ginar 0 estado de natureza. Lebrun observa, entretanto, que a cidade de viver entre se:.s semeih:mtes. onde seu ser moral e seu
solidao nao significa uma fuga a sociedade, mas a condi~ao de ser social confundem·se JU.i11 a mesma voc~ao: "Teria desejado
poss~bilidade da sociabilidade cuj a ideia esta encoberta pela vida nascer num pais no qua 0 soberano e 0 pavo nao pudessem ali
social: "Posto que 0 espeUculo do reino vegetal nos ocasiona o· mentar senao urn unico e ::J.esrnO in leresse ".49
prazer que experimentariamos em todos os momentos no reino Em Clarens nao hi 1 '1ecnic3. de representa~ao" das associa
dos flns. urn pacto· secreto liga a floresta a
cidade etica ( ... ). 0 ~5es palfticas; estas sao SlDS1itu[d3.s peJa participa~ao ativa de cada
retjro longe dos homens ensina-nos a amar 0 genera humano " .47 wn na vida d.a comunien:e , nas assembleias, nos pequenos centros
em que todos se confun:an e se compreendem facilm~nte: vivem
uns sob 0 olhar dos OL::US. Ju lie, nJ Nouvelle Heloise, percebe
C - Um Balanj:o sem Perspectivas a proximidade dos amig:.s como uma parte de seu ser: "estou cer
cada .por tudo que me ::.:~ressa , lOdo 0 universo se encontra aqui
Mas 0 que ~ este pacta secreta se nao for 0 Contrato? para mim; desfruto ao ::lesmo tempo do apego que tenho por
meus arnigos e do que = ,JTestam : GO que tem urn pelo outro; sua
A sociedade justa e uma possibilidade extra-hist6rica, a pa benevolencia mutua ou 1!!ill de mim ou se me refere; nada vejo
tir da qual (deste pacto ideal) e posslvel reconhecer 0 que hi de que nao amplie meu se; ~ que o · jjvida ; ele esta em tudo que me
rnistificador no pacta h ist6 rico. A no~ao de Natureza perrnitiu cerca, nenhurna por~ao t.~':~le longe de mim: minha imagin~ao nao
urn "distanciarnento hist6rico" e a nos;ao de "direito" (no sen ,tern mais nada a fazer. :;10 tenho r.3da a de5eJar; sentir e desfrutar
tido de oposi9ao ao fato) maIDfesta a dirnensao das infra¢es: sjo para mim a mesma :.:::sa; vi.o 30 mesmo tempo em tudo que
ela ~ a possibilidade de urn saber cntico e de uma a~ao nova. arno, eu me satisfa~o de :''!licidade e de vida". so A!t!m disso, nos
Deste ponto de vista, Rousseau vai estabelecer urna norma momentos de festa, en.:::nua-se J unidade primitiva, pois ~ urn
cuja oportunidade de sucesso se liga a constitui~ao dos "peque espetaculo onde se restlli.-:l a preSenra originaL A festa exprime
nos grupos" - Clarens. E isto porque, ao opor a imagem do homem no plalUJ e.xistencial de Jfeti~'idade 0 que 0 Contrato formulou
Sfibio a do homem corrompido, 0 Discurso evidenciou urn impasse: no plano da Teoria do ':'lJ'eito . E, como eJe , esta condenada. Em
a condi~ao do selvagem nao pode mais ser reconquistada e a do meio a alegria publica, C1Ji.J qual e 110 mesmo tempo ator e espec·
civilizado e inaceitavel. A sociedade de Clarens, delineada na Nou tador - 0 que 0 Contra: prop6e no p);mo da Vontade e do Ter,
velle Heloise nao podera reencontrar a existencia no "imediato" a festa realiza no plano :.0 Ollmr e do SeT: cada qual se aliena no
(como faz 0 homem primitivo) , no instantaneo; tratar-se-a de urn olhar do outro mas YO::! a si mesmo por este "reconhecimento
imediato recuperado num Dutro plano, que ja se enconta media universal" - a festa re.:::nquista 0 rl'IIlO Ja sensibilidade, num
tizado ; nao ~ mais a felicidade espontanea mas ~ "a repara~ao universo de musica e i! dal1~a. ~o EIISQZO Rousseau explica: a
refletida da infelicidade".4 & A pequena sociedarie de Clarens, musica nlio co move a ~ mas remove 0 corpo; 0 canto perten
em que paderia viver 0 Emilio, ~ uma solu¢o moral a urn pro ce ao homem e assim ~ se ouve "ClIlto ou sin'fonia" e por que
"urn outro ser sensivel =::ti aqui" . Na festa. 0 homem canta, dan
-.
118
lH
mise ri as e horrores nao pouparia 0 genero humane aquele que
deduzir-se da natureza do homem un;camente peJas luzes da r~
arrancando os credulos ou enchendo 0 fossO ...".60
zao e independentemente dos dogmas que dao a Juto!idade sobe
Por que lhe falta uma Teoria da Hist6ria como 0 espa~o
rana a sanc;:ao do direito diVlIlO. Segue-se desta exposiy30 que , sendo
em que os homens fazem e refazem sua existencia em suas rela
a desigualdade quase nul a no estado de natureza , de ve sua [o ry a
yoes com a natureza e com os outIos homens, como totalidade
e seu incremento ao desenvolvimento de nossas faculdade s e aos
econ6mica, politica e moral - nao surge ninguem para "encher
progressos do espirito humano, tomando-se, afmal, eWlvel e legl'
o fesso " dos terrenos cercados, engradados, A propriedade de
tirna grac;:as ao estabelecimento da propriedade e das leis. Segue-se,
sequilibrou 0 mundo destruindo a igualdade primitiva. 0 que Rous
ainda, que a desiguaJdade moral, autorizada unicamente pelo di
seau nao chega a mostrar e que deste proprio desequilibric (0 do
reito positiv~, 'e contraria ao direito natural sempre que nao coin
confuto ininterrupto entre a origem e os desenvolvimentos da
cide , na mesrna propor~ao, com a desigualdade fisica - distinqao
perfectibilidade, as novas aquisiqoes tecnicas e a corrup~ao dos
que deterrnina suficientemente 0 que se deve pen sar, a esse res
costumes) poderia emergir a solu~ao para reencontrar 0 "centro
peito, da especie de desigualdade que reina entre todos os povos
de gravidade": He este desequilibrio que toma as revolu~5es pos
policiados, pois e manifestamente contra a lei da narureza, seja
siveis; nilo que as revolu~Oes sejam deterrninadas pela progressao
qual for maneira por que a defmimos, uma crian~a mandar nwn
a
tecnica, mas tomam-se possiveis' por esta distancia entre as duas
vellio, um irnbecil guiar urn sabio, e urn punhado de pessoas re
series (no caso de Rousseau, as da origem e da desigualdade*)
gurgitar superfluidades enquanto a multidao faminta falta 0 ne
o que exige remanejamentos da totalidade econ6mica e politica cessario" 6 2
em fun~ao das etapas do progresso tecnico. Ha paiS dois erros,
o mesmo na verdade: 0 do reformista ou da tecnocracia, que pre
tende promover ou impor remanejamentos parciais das relayoes
sociais no ritmo etas aquisiq5es tecnicas; e 0 do totalitarismo, que
pretende construir uma totaliza~ao do significavel e do conheci
do no ritmo da totalidade social existente num momento dado.
Eis por que 0 tecnocrata e 0 amigo natural do (litador, ordena
dor e da ditadura, mas 0 revoluciomirio vive na distincia que se
para a progressao tecnica e a totalidade social, ai inscrevendo seu
sonho de revoluqao perrnanente. Ora, este SOMO e por ~i sO ac;:ao,
realidade, ameaya efetiva sabre toda a ordem estabelecida e tor
na possivel aquilo de que e sonho". 6 I
o sonho de Rousseau no DisCUlSO nao se realizaria pela re
beliiia, e por isso le-se em seu paragrafo [mal: "Esforcei-me por
expor a origem e 0 progresso da desigualdade, 0 estabelecimento
e 0 abuso das sociedades politicas, quanto possam essas coisas
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