MATOS, Olgária. Rousseau - Uma Arqueologia Da Desigualdade PDF

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. .


Olga'ria c. f. Matos

FICHA CATALOGRAFICA
(preparada pelo setor de catalog~ de
MG Editores Associados - Bibliotecaria
Diva Andradel

Matos. Olgaria G.F.


Rousseau - uma arqueologia da desigualdade. Sao Pau­
lo. M.G. Editores. 1978.
124p.
Bibl iografia.
ROUSSEAU

1. Filosofia francesa I. T(tulo.


COD 194
UMA ARQUI~OLOGIA

DA DESlGUALDADE

© desta edicao da
MG EDITORES ASSOCIADOS
Rua Sergipe. 768 . fone: 259-7398
01243 . Sao Pau 10, SP
msQ ed~tores
~ "">ei.d,,,

SAO PAULO -- 1978


I
\
Produ~ MirtDl'ial: · Flonlntino Marcondes D' Angelo
Cape:
R..,isio:
Mauro Lopes
Rosane Albert
Assistente de Prod~: Nilza lraci Silva

COMPOSI<;AO

COMGRAF _ Compo5i~ GrSficas SIC Ltda.

Rua Alvarenga. 1237· 2!' conj. 23· Tel.: 21 0-8579

J Ao Kdu,
razao de ser deste trabalho
e
a meus pais

I\
I I i,
II'
I

I
! ,
I •

\ \

, \
* Este estudo nao teria sido possivel sem concurso da F APESP
0
(Fundayao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo) que

!\ concedeu bolsa de estudo durante sua elaborayao na Universidade


de Paris I, Sorbonne.
I
1
,

\
I

!
~
\,

\
i

suMhlUo
iI I

Pref3cio .................................. . 9

Introdu~o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

I \ Capitulo I - 0 Silencio e a Origem ... .. ........... . 25

I I A - 0 Visivel e a Natureza: a Presen93- e a 19ualdade .... . 25

B - 0 Movimento das Paix6es .... ... ............ . 36

\
I\
I .
Capitulo n - A Natureza eo Artificio .............. . 45

A - 0 Animal, 0 Homem: a Identidade ............. . 45

B - 0 Animal, 0 Homern: a Diferen~ ............. . 50

C - 0 Retorno do Reprimido na Sociedade . : . . . ..... ' . 60

CapitWo ill - Da Vis.ibilidade aAlienayao . . . . . . . . . . . . 61

A - 0 Invisfve1 e a Represen~o ........... . .... . 67

B - A Genese da Oposiyao: a Consciencia ........... . 71

C - A Guerra de Todos contra Todos: a Propriedade .. . . . 82


!'

ConduSio - Balan~s e Perspectivas .. ............. . 93

A - Restaurar a Visibilidade: 0 Contrato ............ . 93

B - Urn Balan~ Provis6rio ............ . ....... . 104.

C - Urn Balanyo sem Perspectivas . .... ... ........ . 112

Bibliografla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

·PREFACIO
j

III\ Por que, tendo escavado as origens da desiguaidade entre

J
I
os homens, Jean-Jacques Rousseau nao e urn revolucionario?· Este

livro nos convida a refletir menos ace rca da coerencia da obra


\
de Rousseau e mais sobre a inquietante quesUro de seus limites_

A autora procura localizar 0 ponto em que 0 discurso rousseau­

mano cria sua propria barreira interna e que, nao podendo ser

ultrapassada, impede a emer;gencia da ideia de uma nova justiya

e a exigencia de uma revoluyao para alcanya-Ja. A origem e 0 fun­

damento da desigualdadl social sao marcados pelo advento da

propriedade privida, porem falta a analise de Rousseau apontar

o vinculo necessario entre propriedade e explorayao_ A ausencia


desta Ultima impossibilita dar a desigualdade "um conteudo his­
t6rico" e, na falta deste, nao M como conceber "uma pa.ssagem
dialetica das contradiyOes·'. Eis porque as duas soluy5es oferecidas
pelo mosofo - 0 contrato social e a pequena comunidade de Cla­
rens - aparecem mais como substitutos para a injusti~ do que
como luta contra sua causa. Ser desnaturado porque cindido da
Natureza e socialmente dividido, 0 homem jarnais recupe rani "
a indivisao da origem quando, silencioso e disperso, colhia os frutos
da terra, 'aplacava as necessidades e divagava no murmUrio das
paix5es benevolentes. Quando os homens se reunem ja se sepa­
raram da Natureza e a sociedade, precana substitui~ao. e incapaz
de refazer a umdade indivisa do originario. Buscando a origem
perdida. 0 homem social apenas encontra substitutos para eia ,
mas porque a perda e perversao, perversos serao os substitutos
encontrados e nascendo acorrentado aos grilh5es do destino de
tudo quanto advem depois da queda, 0 homem social e homem
scm espermya e sem redenyao. Desnaturar-se e ser culpado e tor­
nar-se suspeito no cora.;ao de uma alteridade pervertida e cada

!
,­t;
'i,
11

10 presente no "Segundo Discurso", quanto as transform~t'Ses ooorri­


'\'
movim da hist6ria apenas agrava a culpa e alimenta a suspei~o.
to
das no modo de ser do homem_ Destarte, tanto 0 concerto de he­
ento mem natural quanta 0 de homem social bern como a passagem do
A perfectibilidade, substituto para a imediateza do instin
em , <liz
Olgana, nao e dialetica e sim ambigua, pais ohom progride
estado de natureza ao de sociedade encontram-5e fundados em urn
\I
I
porque e desgrayado e se aperfeir;oa em de~ e para a desgraya.
principio Unico e s6lido a partir do qual e possivei narrar 0 drama
I do genero humano. Assim, a pergunta pela origem da desigualda­
, I Socializar-se e nascer para a morte.
Hist6ria da perversidade, 0 disc\llSO que a tematiza sO pade· de entre os homens deve passar peio momento em que os homens
ria ser perverso tambem . Na:o seria esta uma pista para adivinhar­
eram iguais na diferenr;a puramente natural. momento da auto-sufi.
mos que a questao acerca da coerencia da obra de Rousseau talvez
ciencia e da piedade, momento origimirio da iiberdade e da esponta­
se}a urn falso problema? Pedir-lhe coerencia nao sena urn contra­ente
nea identifica.;:ao eom 0 outro no sofrimento. Se a natureza buma­
na e livre e piedosa em estado de natureza e parque neste estado
\
\
senSO, nao seria exigi! que 0 discurso escapasse milagrosam

da traroa dessa hist6ria perversa que 0 suscita e provoca para


se tornasse urn "born discurso" sobre 0 mal? MaiS fecun
da que

sera
rema a abundancia, a sa~ das necessidades nao ultrapassa 0
desejo natwa!. 0 mundo feito somente do aqui e do agora ~ pJena­
a leitura que interrogue os limites do discUfSO e que, ao faze-Io, rn mente visivei e sua visibilidade transita entre os homens para os
desvende 0 sentido dessa enigrnatica rememorar;ao que perco quais 0 simples gesto e bastante para a comunica¢o e a dor visivei
a obra onde lembrar e saber que 0 homem feliz nao tem mem6­ do outro, suficiente para despertaI urn eco nos demais que nao
1 ria e falar e afirmar que a felicidade e silencioSlL A obra e per- precisam "entende-la" para senti-Ia em sua propria came. A per­
se
versa e nela a busca da origem e tentativa funesta para suprirnir-en gunta pela origem da desigualdade converte-se, pais, em questao
a 51 mesma sem eonsegui-lo. A mem6ria, a linguagem, 0 pensarn ­ acerca da transforma¢o oconida na natweza hurnana e que a fez
to e 0 trabalho sao signos da perda originaria; lembrar, escrever, passar do estado de igualdade entre homens aute-suficientes ao
pensar fazem com que 0 trabalho da obra seja a repetiyao inean­ estado de desigualdade entre homens que se tomaram dependentes.
o A Arqueologia da Desigualdade e urna teana da alienayao. Com­
savel da perda e da divisa:o cuja origem 0 discurs esta a procurar.
A obra de Rousseau nao e descri<rao da queda: e sua plena manifes­ preendemos, enta:o, porquc a autora compieta a pergunta sobre
a origem da desigualdade com urna outra que lhe confere pleno
tar;ao. Como 0 diferente se toma desigual. 0 vlsivel se oculta e sentido: qual a origem da submissao? Sem a questa:o acerca da
a presenya se faz ausente? A resposta a estas que stOes, escreve obediencia a outrem seria impassivel determinar 0 momento em
olgiria. nao deve ser buscada em uma hist6ria empirica. pais RouS­ que a diferenya natwal e transflgurada em desigualdade social,
ado
seau nw indaga quais os fatos que teriaIIl deterrnin 0 adventO pois esta nada rnais e senao a fOlIDa da dom.ina¢o e das re~
da desigUaldade entre os homens e sim quais os principios que a tor­ entre homens divididos.
naralIl possivel. DiriamOs que a Arqueologia da De51gualdade tranS­ Olgaria Matos enfatiza a afinn~o de Rousseau segundo a
corre no espa<r0 de uma historia transcendental. Freqiientemente os qual a propriedade privada marca 0 advento do estado de guerra,
°
inteq,retes da obra rousseauniana considerarn principio explicati­ . mas nao' 0 advento da sociabilidade, de sorte que 0 surgimento
vo da desigualdade como f!Uta da compamr ao feita entre 0 estado . da propriedade privada e precedido de outras desigualdade que
de natureza e 0 estado de sociedade, visto que em Rousseau a crlti· a prepararn, sendo mais urn fruto deias do que sua causa. Da mesma
ca do social eneontra-se aliceryada em sua oposir;ao absoluta face maneir~ Olg3.ria mostra como 0 uso da forr;a e a ex.igencia do
ao natural. Olgaria desloca 0 foeo tradicional da interpretar;ao: reconhecimemo entre homens que se tomaram conscientes nao
nao e atraves do conceito de estado de natureza que Rousseau sao causas da suhmissao, mas apenas seus intrumentos de conser­
fundamenta a teoria da desigualdade. mas atraves do conceito va~o, sendo nece~o buscar aquem delas a genese da obedit!n­
de natureza hum ana. Esse desiocam ento interpretativo e funda­ cia. Assim, tanto 0- advento da propriedade privada quanto 0 da
vel
mentaL pois sem ele tamar-se-ia incompreensl a preocupar;ao .
\' 13

.1 . 12 vaIn uns com os outros, na Jinguagem dos sentimentos 0 outro e

dOInin~~O alte~ descoberto como objeto de arnor ou de Odio e, assim·, como <life­
i.l I
devem pressupar outras no emodo de ser
dos homeIlS que as torruuam possiveis. Eis parqu a oautora se
rente_ Mas porque ser amado e nao ser odiado supOem compara­
yOes e preferencias, a Jinguagem do arnor e do 6dio eria e conserva
detem na analise da origetIl das llnguas, na compreensa do signi­
ficado da passagem da sensibilidade e das paixOes para a consci~n­ seres desiguais, impeUdos pela vaidade e pela vergonha, pelo medo
cia e a raz~o,
na interpre~o
da genese do mun
do
do trabalho
da afronta e pelo desej 0 de vinganya_
modifi~s ~o
adas Em que momenta falar e trabalhar transformam a diferenya·
comO mundo da carencia. Essas caro o
super­
po"" onde a d.,;gualdade so _ n " e cujo perfil 0'
deste livTO desenterram com paciSncia. Aqui a arqueologia
""".tul ,
e geolO­
em desigualdade & [azern do desejo de reconhecimento reciproco

uma luta mortal? Como a sociabilidade nascente engendra 0 estado

\ . de guerra? Para 0 compreender ~ preciso mostrar como as duas

.\ gia. No estado de natureza. p610 ideal da origem, reioaIO a pre­ divisOes origi.narias - trabalho e Jinguagem - criam nova divisOOs

!
sen~ e a visibilidade. 0 nascirnento da 1ingU3SetIl e 0 advento que alteram irremediavelmente 0 modo de ser da natureza humana.

sep~o
;
etIl o e
homem natural 0 homem do arnor de si; 0 homem social, do
rel~[o cri~[o
do trabalho marC3lll a entre 0 hom e a 0rige1ll, pois
a fala e corn 0 ausente e 0 trabalhO, do passivel. arnor-proprio. Para que a primeira forma do arnor se convenesse
Com eles surge a consciencia do tempo e da morte, mas tambem (au se pe~ertesse) na segunda foi preciso que surgisse 0 desejo
i da posse e com ele 0 interesse particulaI. A subjetividade nascente,
a da pennan e a da identidade . A consciencia de si deSCO­
\1 encia escreve OIgaria. organiza-se menos sob a categoria do "eu" e muito
bre-se como identica ao saber-se divetsa do mundo natural e das
demais consciencias que a cercarn. Para que a \.ingU3gem, 0 traba­
e
mais sob a egide do "meu" e seu imperativo a posse. Nao sera
lho, a consciencia do tempo e da identidade surgissem foi preciso por acaso que a grande divisIo definidora do ser social do homem
que a adesao institiva ao imediato cedesse passo a algo inscrito na sera a oposiyao entre 0 inclividuo e 0 cidalUo, entre 0 interesse par­
! \ natureza human desde a origem: a perfecUbilidade. Todavia, para e
ticular e 0 bem coletivo. Porem,, preciso indagar: como foi possivel
a
'l"e .... .re"" a <>cup" 0 lug" do instinto, <llitingUindo 0 bO­ na.scer 0 interesse particular? A. respasta a esta questao pOe em
I mem do animal, e para que a consciincia vieS5e a ocupar 0 lugar cena 0 advento da propriedade privada e do trabalho alienado,
fonte da subIl1.i.ssao.
da pun ",ngbilidade fo' p " - que ,]go ocone= na propria Na­
tureza. Crises, revoluyOes natUIais e acaso s funestOS flzerarn com Se e impassivel convencer os homens de que "os frutos sao
ente de todos e a terra, de ninguem" e porque 0 trabalho se realiza
que a Natureza deixaS5e de ser grande role benevol para conver­
m em terra cercada e possuida e porque a linguagem do possuidor
ter-se em obstaculo a exigi! que os hOrnens luusse para viver.
Corn 0 trabalho realiza-se a ci~O
fundamental entre homem e e linguagem do interesse. Para que a diferenya swja como desiguai.
Natureza e da labuta nasce, entre dores, 0 homem social. Forarn dade e preciso dizer "isto e meu", porem, para que a desigualdade
tambem oS cataclisrooS naturais (geleiraS e desertos, frio e seca) seja acoihida pelos esbulhados como simples difereny~ reconhe­
os responsaveis pelas aglorne~Oes hum anas em certOS pontos do cida como direito de algwru.s a fruirem do trabalho de todos os
globo terre,t« e, uroa vez ";omend"", 0' hOmen' fo'''" obri- os outros, assumida como deJer de obedi~ncia dos que nada ~m aos
m que tudo possuem e preciso, primeiro, persuadir um homem de
gado, a ,ri" liugu'" ""mun' que \he' peuni_ vive' ,.unid
tarias e
que nao pode ria viver sem 0 outro . Todavia, se verdade que sem 0
e cooperar
Se 0 em tarefasparteja
trabalho cornunia divis[O
. e~ire
0 homem e a Natureza, trabalho da maioria despossuida , a minoria possuidora nao pode­
a linguagem marca 0 advento da consciencia da alteridade entreo ria mer, na realidade 0 discurso persuasivo MO sera proferido
os pr6prios hom . Se 0 trabalho nasce sob a violent a pressa pelos que trabalharn e sim pelos que possuem a terra. Assim, 0
ens
da carencia, a linguagem nasce sob a ex.ig~ncia
das paixOes: ter direito A palavra cristaliza a desigualdade determinando aqueles
fome ou sede n[O faz falar, mas amar ou odiar criam os sons ar­ que que rem e podem falar.
ticulados. Enquanto na piedade natural os homens se identifica­
15

proprio discurso. Com efeito. 0 advento da propriedade privada


convence~o d~nd~i1-
Jot
;1 \ Os possuidores os demais acerca da
faz com que a alteridade seja vivida como urn perigo e para exor­
sub~o ciza-la a razao nasce como razao de dominayao, manifestand.o-se

~
cia necessana e sem este convenciInentO a
~
seria irnpas­
atraves do govemo , isto e, de wna vontade determinada (pelo
\' s,,,,L Contudo. a do ,,,godo '" foi 1""",,1 qUaDdo
interesse particular) que ocupa 0 lugar da vontade univernU. Gr~as
toda a superficie da Terra ja se encontrava repartida entre algunS
\'1 a essa uSUIpru;ao aquele que nao se submeter sera tide como sus­
quo p"'" def,nd,"'" _ boos , '" "",""'" dO' d, DUtton' p"­os

1\ peito e merecera a exclusao. Essa vontade determinada au razao de


_ ",n'" """ "",io daque10s qu' ,,,,,,,",, ","do ,,,,,,llad

o
dominayao perpetua a rel~o senhor·servidor e, portanto, a alie­
_ eis cotDO 0 dil;cUISO do rico, fraCO para se defender sozinh , con­
~o . Assim, a alienayao como forma das relayOes sociais pressu­
verte-!Ie em disCUf!O do forte, pais conta com 0 awUliO submissO
daquele. que _ _ quo ",U hem ",.ssm "" ttabanw- p"" pre tanto a propriedade privada e 0 trabalho for93do quanta sua
o hem' de um ouuo-,Assim, trabalho e ~lI\ completnentaro-se legitimayao, na medida em que as re~Oes entre os homen.s sao me­
diadas pew coisas e ocu1tam as relayOes humanas reais.
no ...,....."n'o in",oniruIvel da .nen",",,' ,nquaD'o a propri'­
dado e 0 ttabalho afundam 0 punbalna """" dO'de......... a lin-
o Homem separado cia Natureza aliena-se porque pass;! a
I II, ' \ depender das coisas produzidas para viver e julga depender dew
!! \ guagern pOo ungU""'o oOS feridti pan cicatrizi-ias l for... con­
e na:o do trabalho que as produz; por outro lado, a divisao entre
...",odo o. esbulhado' de qu, 'odDS '"" ;gu.is pO...... unidos
senhor e servidor aliena 0 proprio trabalho na medicia em que
pelo trabalho, c;riaro0 hem coletivO . do para ter as coisas para mer e preciso depender de outrem, seja
Mas 0 que tena tornado possivel 0 lagro generaliza ? Como
. daquele que possui a terra (dependencia do servidor) seja daquele
foi p""',,1 p - ' do c\alO UW da fo,<" ao ",rcicio invisivol do
. ,I \ podor'! Em qu' 0"""",,'0 0 dis=so do ri'" , do rorte ,ransfi­ que realiza 0 trabalho (dependencia do senhor). Todavia, escreve

\l' da logitimidade? Como e p""',,1 ,,'" movi­


gut>-'" "'" _ 0Igaria. Rousseau toma a alienayao como resultado do mavimento
",onto """,,ruzad da propriodad, , da " " ' _s . do "abolM cia produ~ao e IlIo como interior ao proprio ato produtivo e, inca­
o paz de alcanyar a "alienayao em ato ", nao pode ultrapassar a di­
\ \
e da \inguagetn? Para responder a estas questoe otgaria Matos
oxplici" 0 de","volvirDonto de urna opnsi"" que ",Iou a "'Pa­ mensao das oposiyOOs que descrevera.
Permanecendo prisioneiro dos conflitos cuja origem des­
r..;§<> definitiva """" 0 ho"''''' oatural e 0 M""'" social, 0 de­
1\ \ semo1vUn da opasi 1iO entre 0 ser e 0 parecer . "Ha etn Rous;eau vendou, Rousseau p<>dera apenas tentar oferecer remedios para
ento
y o estado de guerra. mas nao sua supressao. No estado de guerra im­
um "sistema de oposiyoes' que vai ' do plano onto16gico ao plano
pera a for~ Ora., 0 que e adquirido pela for~a., a forya pode arre­
pnliti«>' .,rop""",r; ."'r-olO-",r; fo",,-f_; ri","""bre- 0 dis­a
""'" do ricO (calegoriaocon<nnica) e 0 _ do forte (ca",gori batar e somente uma forya maior pode conservar. Para que a for­
~ ceda lugar ao poder e preciso universalizar a vontade particu­
pOHtica). que se desdobra Como ..- (calegOna da _om)a
, a injus ", (catcgoria mond) , que recobre a folsidad< (calegori lar. Ao contrato social cabera a tarefa de funday!o da UIriversa­
ti lidade, submetendo a vonwie particular il Lei, nascida na Von­
Foi precisO a opacidade do mundo para que a
ontol6gica." ap~ncia ,t ade GeraL Ora, escreve Olgana., do ponto de vista da desigualdade
i a
deSSe lingUagem 0 pod er p~
afinnar que 0 mal 0 e bem~ a fra­ social 0 contrato sene apenas para fool-la, uma vez que sua reali­
I, ~ao implica em transformar a posse belicosa em propriedade
queza. fo,<,,; a guo"" paz; a menlira. venJarle- somente qu>n­
legitima.
do a refiexa , poder invisivel assenhorou-se da sensibilidade, foi
o Por seu tum 0 , a pequena comunidade de Clarens tambem
\ p"",,,1 conv""",r os hOm,ns de que a · ",,,,,,,dad< m,recia 0
, (! impotente para superar a desigualdade , e atraves dela Rousseau
nome No de liberdade apenas encontra uma via para que senhores benevolentes sejam
entan •. 0 mesroO movimento que permite a Rousseau
to
desvendar a origem da alien~1io
e com ela a origem da desigual­ hem servidos por alegres trabalhadores. Malgrado seu fracasso,
dz.:le e0 moviment() que 0 deixa prisioneirO no interior de seu
!

\
I i

I 1\ \ 16
em
pmtro, 0 Con''''o Soci') e Cl",en' e""rim 0 de,;ejo de unil

\\ home'" que , "",iedade ,pen" re""'"'- a de,;ejo de un"o, ",b,o

J 1
tituto rm,) p"" , indivi"o originiri', ",nta re,,","'-.e re"""""d
, ,;,;bill
dade
e • p,,,.n,,, do' home'" un' aO' ouuo'
o
Lei, da re"" e do labo' cotidian . Pore"" • Lei. no Contra"'. '
da .=,"
INTRODUCAO

re'" e , ')egre l,bula. em Claren, olo podem apag'" 0 ""uo


da -,ociedade n"oda da guerra e , lemb""'''' da origem nan «­
, \1 dime 0 pre",ote. pnmado do ,tieo .,bre 0 pOlitico. do opjrio
gene.!6­
gioO .,bre 0 bJSl6rieo. do a<queol6gico ,obre 0 revoluci •0
_ .,b« ,de,;gu')dade "",,, p""" de_""""o do origint·
1\1 '\1 "Nao se trata de conser·
rio: e grito parado
p,cten,e no aI. ",bre 0 dnffi' do hom"" a\ienodo. este
"",di""'O var 0 passado, mas de
I 1\ ' \

0-"",",'" "
realizaI suas esperan~ ~
!iv<0 olio '" aroplia 0' horizonle' d. leil"" da ob.. de Ro"""'"'
!'

te
cia para
=-
, _ ,;nda '" ultrap"'" • .omb" de MaD< de",aha"" "",­
,,",en no
;>l'"'
de- pagin" e om
do _ncan'o e da culpa <PC .tonn
enuram anun'
Joan'
(Adorno)

I J"""'" a contt.-di>cU<'" ",bre 0 pre",nle volta... p'" 0 p"'" Como as paixlles, alterando-se insensivelmente , mudam de
do ape"'" p"'" ga<>h'" impulso. pO".
looge de "tan"',,,
num natureza; por que as carencias e desejos mudam de objeto; por que,
~ medida que Homero Natural se apaga, a sociedade 56 revela ao
grito. prepara'" para om .uto em pleno "'. Ei·lo n. epig<ale . ­
oIhar a reuniao de homens artificiais e paDdles fictlcias?
1\1\11 lhlda pel. ,uto<" "Nao ., t"ta de cOO",,,,,,, 0 p",odo. m" de
A preocupayao do DisaJrw se faz sentir em seus avanyos
realiz.aI suas espeI1Ul<!as" . e recuos, em seus acordes e pausas, sob cada signo obscurecido
! II\i\\\ e cristalizado pelo olhar desnaturado. Existiria uma perve~ao
inscrita ja na pr6pria origem? 0 claro-escuro do Discurso impede
I '\ Marilena de SOUZA Chaui
a visa:o, e 0 que transparece, desaparece. Dever·se-ia colocar a ques­
\' Universi de S:lO Paulo,julhO de 1977
dade ero de outra forma, para recuperar "0 ser mais quimerico e mais
I
! ! extravagante que s6 0 delirio inventa". 0 Discurso e uma obra
I
! solene l : dedicat6ria, pre facio , evocayao que percorremos lenta­
mente, como se Rousseau quisesse exprimir, pelo simboio, 0 es·
pa~o que nos separa do corney<) primeiro. De sua Genebra, passa
c\ ev~a-o de Platio e da Academia de A tenas , para deixar surgir
finalmente a floresta primitiva - de onde decorreria toda a his­
t6ria: "6 homem , de qualquer regiao que sejas, quaisquer que
I sejam was opinii)es, ouve·me: eis tua hist6ria , como acreditei ~·la
I

\ 1. A expressao e de Starobinslci, in Jean·Jacqu es Rou=u . fA Trans­


[XlTe1Ice et rObS/acle.

:\l

\,,
~
19
\ . tempos, fazendo emergir, da penwnbra, 0 homem primitivo: co­
;1\\ 18 meyam entao a configurar-se sua solidao indoleote, seus desejos
lido, ai0 00' li"'o' d' ""'s _,Ih"'''''
que ,ao m'oW-' m'" e carencias satisfeitos pela Natureza, num equilibrio anterior ao
n. 0'''''''-'' qu' nao m,nt' nun",".' p= ,"0<;00"" ,"'" oatu­ Devir abstrato do tempo. Aqui trata-se de saber 0 que e que pade­
",,,a, sed p,,,;,o faz" '1"10 awn olh" qu' ,,"a ao "",,"0 "mpo al ria ter degradado a origem, desenvolvendo todos os recursos da
audi""" fala, i,to e, ,'linc'o, oa dUn,n"'o ,m que 0 hOm"" natID perfectibilidade do homem,subordinando-o a temporalidade, fa­
\ '\. ",,;di"''' da n.""e'" divo<Sificada , aP'n'" olh" (qu, Ihe , ° zendo-o, de uma s6 ve:z., socUivel e ~au, sabio e escravo das apa­
\, coe,,,",,,o) pade '",,"" , comp"",nd''- --0 olho fala-'" ,,,,,ta , rencias, seohor <fa natureza ao pre~ de seu pr6prio desriaturamento_
Aqui donUna 0 m'''"o ",Oocio que ,,,;," ,OU' '" "po'o, "A primeira fonte do mal e a desigualdade", diz Rosseau
fe-" ood' n'O ,,,,,", op",,"o , ond' a Vootad' G'"" ,",0 tem
o~do do tom" a pais"" P,,,que °
Estado e '"'" p,opria
ouma resposta a9 Rei Estanisla1l 5 • A Arqueologia aparece encar­

\1\ b _ • rep""aode'" ,.;]tocio , a inSt~


pala""- pO" n' , _ in"''''''''' conttadit6dO'- A ANuoologia
do'''' outroL ,.;]tocio
regada de "cavar ate a raiz" a desigualdade de oode provem 0 mal;
oeste sentido 0 "Segundo Discurso" e taxativo, 0 mal nw reside
na natureza humana mas nas estruturas sociais_ 0 pooto crucial
\ _ qu' '" tom ",",,0 _ em o.da ",,,,,[hante ao toan",do ",",,0 ° da analise sera a "propriedade privada", ou seja. as origens do
.toal oan malaa pod< ,," mude, como no .",meo ,m qu' P'""n­ Estado de Guerra do qual resulta urn "projeto refletido" que "pOe
cia .0 ,"""",0 da na "'-'; 0 suidto acab a pO' ",I tornado in"i- fun ao estado de natureza ao flXar esta lei de propriedade". .
W
,an"o" no , , _ do outro da oa""ox>" (a cul""') qUO Ih' o itiner3.rio seguido pelo "Segundo Discurso" indica as dire­
~ que 0 tern a cia Desigualdade tomara nos outros textos de
iInPoe A ob" "' erig' ,ntre do;' ","ociO' "U, "' ,_am mUtua­
0 s1leucio. Rousseau, tomando possi~l a expli~o do que permanece "eva­
\ m,ot" ° do hom"" na""," , 0 do hom"" ci<il- ",,;t,
e"",do sivo" ou "ausente" nas respostas do Discurso. No entanto, a com­
RO"""'u <liz: "Ou<;O ao loog' 0'
grito' de ,",gria de om'o mul­ preensao da obra exige , preliminannente, urn sillncio sobre 0 sis­
! I
tidio in",."t ; <Ojo con""",rem-"' p,)ici'" e cidado'; ",i
a
a 0"­ tema: " Antes de falar do sistema de Rousseau ou cia estrurura
i\
",rem " .rt", " l,is, a co."e,cio; ,oj0 '" pO'o' fonn",m-"" ''P ­ de seu texto, e preciso lerose teDtado apreender no ate suas hesi­
m=l""''''''-''''
~
nwom-"" ",,,,derem"" como " ondu do "'''; ~s, suas escolhas, seus a:rrependimentos, em suma, os momentos

\ \ \ ': <Ojo 0' hom'''' "unld", "" pOnto, de ",U "Jrlt6do


do pa<3 de sua liberdade, e proteger-se de qualquer simplifi~o retrospec­
,; "' de,o",e", mutu""'"" , ""","onna=> 0 mun o nom ho'­ tiva, de qualquer ilusao anacr6nica. Se existe estrutura ou sistema,
""I de"'''o'' _' A partir do dia om que " a ,quilibd "n ",pOu"," pensamos, como se t:ivessemos chegado ao meio 00 ao co~o
da . ."",,,, foi ,,,,,,pido, a hist6da do hom,m n>o deUtOU d, ",' • de nossa pesquisa, que esta estrutura ou este sistema e 0 [ruto
p,OCU" ob,;tinada do uro ",nUo d' ",vidade impOndor.i"I, qu' curiosa de urn processo no qual os acasos da Hist6ria e as escolhas
'" de,"oca a cada in""", ,.,.,and
o , ","", cada "'z ",ala, 0 de­ livres de urn homem desempenharam urn grande papel: acasos e
tiva escolhas liVJes inesperados., imprevislveis de qualquer forma, apesar
orioI"nconuo
sequillb . da natu,,'" ",Ii • {urica ,""m. a tom" cia ten~ao de reduzi-los a esquemas satisfat6rios ao espirito".6
pD'S,,,1 a I,it"" d, urn ",undo qu' h> muitO "' fez ilegi",l. "tIa­
Sigamos estes passos: Launay conta uma hist6ria. a cia ela­
nM a "'u p,6pd .,ntido. , no fundo do qu," hom"'" ap"'" co­
o
° bora9a'0 do pensameoto politico de Rousseau, sua ~ao a urn
cO"'o oma P'""n"'''' ,n"'''- Rou,",'" "' ",fugia na memOria do' "meio social historicament.e defmido" - a classe dos artesaos de

,_ J,m-J."'''' Ro"""" Di¢''''' "" 1'0"",,'


~ d, 1104'/>" ,- .0 , 5. Oeuvres CompUte$. Correspondance , t. ill, p. 49 .

G,,>ri'h~d ,
3_ A_ 1962, paris. in COhlO' pOw
Ed . Garnie[, I"~"'" ,08, , - 43, Ed- " S, oil­
6. Michel Launay, JetUJ-JQct:lues Rousmru. £c:rivain Politique, p. 7/ B.

~ . £ssa i S".JI I'Qngine des LangtJes. p. 2.()8.


21

mas de uma 'especie de instinto', mo da reflexao. mas de 'cern

in~"
20 especie de {efledo', nw da primeira associ~lIO, mas de 'certa
Gon,b" _ qUO torna e."'scio,cia de '" de .",. da .... especie de associa¢o livre', nao, finaimente, da propriedade, mas
n,na P'Ia qual pod,,;, ",uz,u'"
.0 - " " do ,.;ollo J{VIU; 'de uma especie de propriedade' ".9
mo,t" a gono'" da ob,.. ;eu 1"''''''''' "'" p,ri_<o,
o oa qual Neste sentido, pode-se compreender porque no Discuno
"odeo",", ",.""dit6,..,. ., exprim"", ",m ., pude"'" ."
a Revoluyao nlIo e 0 indicio de uma nova justirra. Nele ba uma
oomp..-ta<e" "A t,.... revolucionaria do 'S,gundo D"""'''''
verdadeira imobiiidade no mal, em tudo oposta a imobilidade
qUO i un> """ ,ni"quocido da f,b'" , do' _ulto'
qu, ",inavam,
on"o, 00 ","0 de F,"'''"' ,
co.",balan,ad> pola p",,,,.cia b""
que caracterizava a inocencia primitiva.. No Discuno MO se trata
gu'''' do _ 'Eeonomia Politica', _ qu, ....a ",.",ruga fo" nem de urn apelo nem de uma esperanr;a: n~o se trata da "supe­
raya-o dem destino", nao se trata da conquista da liberdade civil,
nuhn '" a ""tn; e 0 ",.tido global' 0 tom goial de ""da un>a
da qual falaria 0 Contrato Social. S6 aparecem neIe "ciJ.rtas e fre­
on ob'" que moS= a h'';'"'' , a ...,;.avolta d, '"" pen'
da> d""
_ ...to que dov', de ,go" ,m djant<, da> ",ota d, duas fid" quentes revolu~t'5es", que levam a anarquia. "Os povos, urna vez
acostumados a senhores, ILio podem mail! dispensa-los: se procu­
oposUS"
lidadesp". .7 •
Laui'ay, unidade da ob.. ., ...-ttadep...,...adaderoes-
ada ram abalar 0 jugo, afastam-se ainda mais da h1>erdade, pais. con­

"'.~o ,...
fundem-na com uma licenya desenfreada, e sua revolu~t'5es entre­
mo oa ,xp"- d, .,u tem' maioe • "p,oprieda " e eo. •

p~'"
00 "segundo D""""'" ,... que tal
to"""''''
rudicaL E gam-nos quase sempre a sedutores que 56 agravam as mas corren­
tes: ora. con.siderando apenas (...) a institui~ao humana, se 0 magis­
~
qu, os "be"''' indeP'.den"· do ho­
trado , que tern todo 0 poder nas maos e se apropria de todas as van­
mom' "",tnDU,m p'" ... fina\; 0 "Segundo D",""""
· I .\ 0<0 faria .,....'" _0 ",nt,aditbrlo, o...be.... , • "libe<dado",
ade tagens do Contrato, tivesse 0 direito de renunciar a autoridade, com
I
was _aIarl' apoO" • ",t,rioridade ,,..,.clal d. llb,<d com muito mais razao deveria a povo, que paga todos os erros dos che­
I
,,\o¢o a p,oprioda : "podem-'" ,]i,oa< '" b,o' , o. direito. d' fes, ter direito de renunciar a dependencia." 1 0 0 que resta e so­
II de
piOprie<lad" puniwido ' pO' .... ""balbo liv<', m.. nOn ., pad' mente ·a possibilidade de uma remincia a uma dependencia que,
,]ion" • p,opriedade que' • unidade e a ,,..;,,Ia do hmn,m, .,m allis, nIo e explicitada. No extremo da decadencia moral, a hu­
.deg<3da< .,u ",,' , d''''''''''' • ,; "". .0. E aD final de '"" 10ngO manidade e incapaz de escapar a desordem e a vioI!ncia. Rousse~u
:\ \\ p _ quo • piOpriedade criad> ",10 hom"" liv<' volta'" "'•. hesita: como se faria a passagem de wna "sociedade anterior"
I \:\ I
ua a libeldade ".&parte, P'''''''''''''o, oOn
De n""" ape'"
",,,onde' • .,.,..
a uma sociedade "perfeitamente justa''? 0 Contrato se lanr;a nesta
busca. Mas como ler 0 Contrato?
...cia do P'_to,m.. "",bem "'"' limit... !.ann'y ob.,,,,ou; Segundo Althusser, este pode ser lido de duas maneiras:
I o ''Segundo Di.:","" n<o tennin a p,1a """",if"'; " h,,;t,",,,,',a como antecipa~lIo de uma teeria da moralidade e como tearia do
""bigUidad.. , eontrull,5'" manif''''''' a po"';bilidade de om Povo: "A primeira pronuncia seu nome em certas fannulas ja kan­
"trai,<n d, d.",,", _ "'",,. ,m apiOfnnda< 0 """p"eisO", em tianas (a liberdade como obecMncia a lei que cada urn se <la, etc.);
no segundo caso, 0 ContrrIto e a antecip~ao de urna teoria do
fo,,", a "prude.d ."· que • cada in'''''' '" ",vela no Vi="" pO'
",,,, ''pOu, ,;nsi due", ". peine", "pre.,ue", "quoi qu'il en wi", Povo, como totalidade, mOOlento do Esplrito Objetivo, de que
i
1
\ "que1que", "plu tot ". RO~"''"
frua, ~iOt,gidO
pOi~
pO' um ­
se encontram as determin~Oes fundamentais em varias ocasiOes
(as condi~Oes hist6ricas de possibilidade do Contrato, a teoria dos
'''""e~
I que p""od' d,ouncia<: 1tou''''u "fal., ",0 d. prim,.a
,,,,,,,,ad,, m" de oma d, ""i,dad,', 0'0 de in"into,
I I

-------=
I 9. Launay, op. cit., p. 207 .
I 10. Rousseau, D.OJ., idem. p . 27.
i
\~ 7. Launay, op· cit., p. 8.
8. idem, op. cit., p. 8.
\
,1

~3

o Nao trataremos, pois, da uniciade da obra, trabalho, no es­


do~
,, 22
., \'
"
"'\
",,,,,,",,, da ",ligiio, etc.). No.
Conuato Soci.! f<a'- em roa
"",s, 0 objeto mosbfic
fun,"" originaDa. Nem a moW'
sen cial , ja desenvolvido'~ ; procuraremos ver como, no interior do
"Segundo Discurso", a an.ilise da alienayao nao culmina num PIa­
:I \ dade kantiana., nem ° pavo hegeliano ~ constituidos poI um
jeto de desalienayao , mesmo quando se faz vir em seu socorro
textos exteriores. 0 tema " aliena~ao ", que coexiste na proprie­
I Conua . B""'" wa., I" Rou""au de perto p'" ...' que "'u Con-

a
dade e no trabaIho. da um status propriedtuie. Aqui esta 0 impor­
to

rrato nao eUlJl contrato" .l 1

A Hist6ria pela qual cOm~a 0 Conrra tO - a alien~ao da


tante : 0 trabalho legitimaria a propriedade? Vanos antares fala­
ram, diz Rousseau no Discurso, do direito natural de cada indiri­
Vonude de tados cas mi!O' de tadOs, 0 que "",,tituitia 0 "istn ,O

duo de conservar 0 que 1he pertence, mas sent explicar 0 que enten­
meu" _ niO ",,,,lve a stu.;'o da de,.;gu.ldade. No"" trabalh

indi"'" 'apenas, de que monetra " quest"" """,tad» pelo Dis, nto
dem por " pertencer." Deste ponto de visU, compreendemos que
nlo se trata apenas de observar a condena¢o expressa da "pro- ­
cono sf<> _lvid" ou contom","", com<> ., ['" ntsa 0 ",nfio

priedade privada" para a ultrapa.ssagem do mal E precise veri­


~
entre a Orig'" e a l)esigu.!dade . /< ()rigelD .nco "" pelo e nO

"",ginWo que, em sua t<.nsputncia, ou de"'''"' def";·


ficar sen estatuto no "'Segundo Discurso", no qual notamos que
tivamen'" 0 hom""'; a alma bum"'" _e<ou, desfigusou,,,
°
falta ~ propriedade urn ftuuiamento hist6rico, Unico que penni­
quas< que in",;,amen"', .,m pod« ,cen",n"" sua bel""a prlurl'
tiria a "passagem dialetica das contradi~6es", COIl!O Engels a consi­
derava. Rousseau he8i.ta sempre entre " formar um homem au um
(iva _ ou enUlo, a de[onno;10 repre""'''' ant.. de to"" .ada,
uma oaJlafiio' a ..tUreZ" prime... su......, to" escOndida; sob cidadao", como bem 0 mostrou P. Burgelin 1 4 • Assim, vemos que
a toO dos artiliciOS, • origelO peDU~'
ente
o
",m _pre, ;n0 "a n~o da nega¢o tao e necessariamente uma afinn~o e 0
esquema reenvia antes a uma ambigiiidade que a uma diaMtica" I 5.
tact..rtalha
Te"" de[endid» pO' vWS .!",mativam , pO' v.... g.
e que, no interior do DUcurso, 0 sonho de Rousseau nao podeni
raul tanea1lle1l te. modo, afastaIDo-nos de F. Engels. 'l'le ve no
De qualquer realizar-se: "Teria desejado nascer em um pais no qual 0 Soberano
Anti-l)Uhrin8 un> -">ho dialitico de'" 0 D"""'" - onde 0 e 0 pavo nilo pudessem alimentar senao um Unico e mesmo inte­
\ hom"'" _ ;salado p"'" ." feliz passando pelo Emilio - que resse ( ...) 0 que nilo poderia suceder, a menos que 0 pavo e 0 sobe­
1. I \ deve" aJam'" um certa idade p"'" te, ...,.., a vida ,.oci.!, ate
a
rano sejam u'a mesma pessoa" . 16
A trama terminara numa dimensao insitwivel. onde a ques­
o Co_"' SQda/, momento de sin_ em que EmiliO , un> ,.1·
_ [eito p"'" _ , na cidade. Bento Pndo 1<. ",,,,,,,, que os· tao cia proprieciade perde seu territ6rio, saindo da Hist6ria - atopia
a ''unidade'' niO ., .ncon'" .. pe""anOnci' dos to_OS te!na5 dos Devaneios, onde se sonha a plenitude e a transpar~ncia.. A
e 0_' "pO. a unidade da ob'" niO " con> efeito, a toesm' contradiyao permanece sempre com a impossibilidade de que a
""'" que • unidade do pe.,.,..,nto"" . /< unidade .,ria encontsada. an3lise da de8i.gualdade se supere na n~o de explol7lfiio- $eria
ncia nece~o uma outra existincia "em que seria., eu mesmo , sem
de pre[e"ncia, .. _etra deW RO-' "/< ",ut de de"'"
dem e a il"",o de contsadi¢o, denunciada' i a pm Rou,.,au, podiam contradi~ao ( ... ) _ Sim, sem duvicia, e preciso que eu tenha feito
sem que percebesse um salta cia vigilia ao SODO". 7.
na realidad "" 0 efeitO de un>a lei"'" que \gOo", a o,..,uz.;'o
ret6rica da eobn. a monetra pela qual esta ., di>p<Ie a om audit6­
•. Cf. P. Bu.rgelin,lAPlri1olOphie .de l '£zistence de Jetln-JQCQutS Row-
rio particular" .1 3

----
UI/ZU., p. 9 e 5UlU orient~es bibliogrifi<:as­
14 _Burgelin, op. cit.

en 15. Bento Pndo Jr., Rtvisla DiscwV, idem , p. 43_


11
11_. Cahien
R evjstQ.·..DilCUrJO
idem , p.ll.
, n 9 3, p _ 41, CnglWJ Oficial do l)epartaIll to 16. Rousseau , D.OJ.. idem, p . 126.

17_ Rousseau, Tro~ Dialogue, p. 291 / 2 - BibliothCque de Qlmy.

de F ilQ50fia da F .F .C.H. da U.sJ>·, 19'11·


13. Idem, p. 51.
lIir\'

I~ \

CAPITULO I
\\
\\\
o SIrtNCIO E A ORIGEM
\i\\i\.

I '\

1 \ \ '.'
"Diio-oos gravemente por Filosofla os sonhos de
algnmas noites mal domUdas. Alguem me dlri que
sonho tmlt>em. Concordo. Mas 0 que os ourms
Ilio se impofUm em fa:z.er - eu dou meus sonhos
por 5OD.hos., deixando buscar se tem
algo de tilu
\ as pessoas arordadas."
I ~\ (Emflioj

II \
A - 0 Visivel e a Natureza: a Presenfll e a Jguak:Uuie.
I \ \\
II \: "Tados os fil6sofos que examinaram os fundamentos cia
I ' sociedade, sentiram a necessidade de recuar ate 0 estado de natu­
reza, mas nenhuro deles chegou ate 1.1." 1
I No prefacio do Discuno sabre a DesiguIJ/dade, quando Rous­
seau procura reconstituir 0 estado de natureza, refere-se a ele comO
urn estado ao qual 0 homem MO mais pertence, que nao existe mais,
I
que provavelmente nunea existiu e nem vini a existir; e na primeira
\
versao do Contrato Social (1756) <liz que a idade de auro foi sem­
pre urn estado estranho a natureza humana.. A descrilYao do homem
natural nao sera uma verdade historica, mas a condilYao hipotetica
1

Ii
1. Rousseau, D.OI. idem, p. 132.

'\ \ \ I
I \
.
\'t
1\
27
26
(._) da linguagem entre os homens dispersos".4 Na rel3fIo gesto­
que poderi iluminar a natureza essencial do homem. Quais as expe­ palavra, 0 gesto nao e sornente urn acrescimo aritificial, mas 0
nencias necessan para se chegar a conhecer 0 homem natural recurso a urn signo mais natural e expressivo, mais imediato : "Em­
as
e quais os meios para realizi-las no seio da sociedade?2 Rousseau bora a lingua do gesto e a da voz sejam iguaImente naturais, con·
\\'\ \
nao aponta nenhum a solurrao a dificuldade mas prop6e
ao
dire~CSes tudo a primeira e mais facil e depende menos de conven~s: pois
para abordA-la. Uma delas consistira na observarr dos animais mais objetos atingem·os nossos olhos do que os nosses ouvidos,
em seu meio natural; poder.se-ia tambeID estudar 0 homem selva­ e as figuras tern maior variedade do que os ·s ons". 5
I'
gem _ tendo sempre presente que este ja vive em sociedade e, Na linguagem tudo e complementar: a ideia de "substitui­
portan , aprese nta-se ja distante do seu estado natural; nao e mais ~o" precede a oposiyaO entre a natureza e a cultura, pois existe
to
1\' o "homem natural", mas a ele se assemelha nO fisico e nO moral,
urn substituto (suplemento) que pode ser natural (0 gesto) e arti­

'l\ \II\ \1
I \
apesar da alterayao dos seus uarro s gerai,s pela vida social.

re~
A fOI~ do sel'lagem, a acuidade de seus sentidos, sua nudez,
sua despreocupayao, mas paixOes indolentes, sua diferen~ com
ao futuro, tudo isto perroitiri a Rousseau reconstituir 0
ficial (a palavra). A palavra (ela propria substituto do gesto) pode-se
acrescentar 0 gesto visivel; neste movimentode suplementaTidade
encontra-se a origem das llnguas.
o a
homem deixa-se anunciar partir desta suplemenraridade
!' \ \ \ homem tal como devia ser quando "saia da natureza" . .
No estado natural domina 0 "sllencio da origem", no qual
que nao e nem um atributo acidental nem essencial. E 0 jogo da
11 \ I, PTf!seTIflI e da ausenaa; e a impossibilid.ade (e portanto 0 desej 0 )
nao hi nada a dizer, oude a natureza e a Unica existencia - lingUa­ da presen~ pura *. "Desde que aprendemos a gesticuIar, esque·
! I
I' gem silenciosa dos gestos. onde a. propria voz e muda pois nao cemos a arte das pantomimas pela mesma IaZao que, contando
represen a natureza mas identifica-se a ela. Este silencio "ruido- ·
: \ \ \ ta
so", rico de expressao, e 0 mencio do selvagem: "A primeira lin­
com tantas belas gramaticas, ja nao entendemos os stmbolos dos
egipcios. 0 que os antigos diziam com mais vivacidade nao era
guagem do homem. a linguagem mais universal, mais energica, e expresso atraves de palavras, mas de signos. Nao 0 d.iziam: mos­
. I
il a Unica de que teve necessidade antes de preciSaT persuadir homens travam-no."6
reunidos, e 0 grito da Natureza (. ..). Quando as ideias dos homens
\
com~aram a se difundir ease multiplicar, e entre eles se estabeleceu o que os antigos mostravam era a metMora hieroglffica,
I \
ism e, 0 signo visivel. I:. no mesmo sentido que 0 tratamento do
uma comunicayao mais estrei~, procur aram signos mais numefOS
OS

I
I
I
1\
II
I
e uma linguagern mais extensa: multipucaram as ~ex6eS da voz
e juntaram-
lhes
os gestos que, por sua natureza. sao rnais expres­
sivoS e cujo sentido depende menos de uma detenninarra ante­
o
visivel aparece na Nouvelle .Heloi'se: "depois de ter passeado nas
nuvens, eu chegava", diz Saint-Preux, "a urn recanto mais sereno
de onde se ve, na e~o propria, 0 trovao e a tempestade for­
marem-se abaixo de sL.. Foi ai que destaquei sensi.velmente, na
riOr'.3' Mais universal, a Unguagem do gesto depende menos de pureza do ar em que me encontrava, a verdadeira causa da mu­
\
COINenrr ; 0 gesto supCSe uroa distincia, urn "meio de visl"bili­
II
6eS
dade" e perde sua eficicia quando 0 excesso de distincia ou de
mediayCSes interTOIDpe a visibilidade. "A arr ao do movirnen to" ,
dan~ de meu humor e da volta desta paz interior que eu perdera

di7. Rousseau, "e irnediata pelo to ear , ou mediata, pelo gesto: a


\~
4. E.O.I.. idem, p. 150.
primeira, tendo por termO 0 comprimento do brayo, nao pode 5. Rousseau, id~ ibid., p. 152.
tnmsmitir- ~ distincia; mas a outra vai tao longe quanto 0 mgulo ' . ..£ precise notar", diz Starobinski, "que 0 estado de natureza 112:0
, de visao. Assirn restam apenas a visao e a audirr 1iO , como 6~aos
se e um imperativo moral, 112:0 e uma norma pratica. a qual ser{amos convidados
i· a nos conformar: e um postulado teOrico, mu que recebe uma evidencia
quase concreta, pela 'irtude de Ulna lingu;Igem que sabe dar ao imaginirio
todas u caractensticas da presen(j<l". (T. tt 0., p. 344/5.)
6. Rousseau, id.: ibid .. p. 152. .
2. Rousseau; idem, p. 35.
3. Rousseau, idem , p. 53 .
l
\1

\\
-.

It'r.'

1 ,

1'1 J 28

I'll
:/,I hi tanto tempo".7 A timpidez do ar e a intensidade das formas
29
nw sio urn atributo da paisagem mas uma "qualidade do olhar", Mas a que distancia enconrra·se .0 homem em relayao a visi­
I,
I
que de urn s6 golpe faz desapareeer a opacidade do ar e 0 obsta­ bilidade perdida? Qual e a espesscra que os separa. qual 0 dp3lfO
I : culo entre os homens. Segundo Starobirub 8 , a Nouvelle Heloise a ser transposto para reencomra-Ia? Pois se a natureza expulsou
!I pfOPOe urn devaneio prolongado sobre a transparencia e 0 veu_ o homem e a Sociedade persiste em oprimi-lo, deve haver ao menos
Desde 0 inicio do romance, a descriyao da montanha lIa­ uma forma de inverter a questao a seu favor, procurando-se a "so­
,I laisanne adquire a significayao de uma paisagem liberada do veu,
desvendada aos ollios: ':Imagine a variedade, a grandeza. a beleza
ciedade da natureza" para meditar sobre a "natureza da sociedade_"*
Para isto, torna·se necessano partir em busca das origens: 0
'lli de mil grandiosos espetacu.los; 0 prazer de s6 ver ao redor de si horn em pode chamar-se homem e exc1uir seu OUrro do jogo da

/ 1\ objetos inteiramente novos, passaros. estranhos, plantas ex6ticas


e desconhecidas, de observar de uma certa fonna uma outra natu­
"suplementaridade", quer dizer, recuperando a "primitividarie"
da natureza. da animalidade, da infancia e da loucura: '<Pois como
Ii; reza e de encontrar-se num novo mundo. Tudo isto provoca nos conhecer a fonte da desigualdade entre os homens, se nfo se came­
olhos uma mescla inexprimivel, cujo encanto aurnenta mais pela ~ pOr conhecer a eles mesmos ( ...). Semelhante aestatua de Glau­
sutileza do ar que toma as cores mais vivas, os trayos mais mar­ co, que 0 tempo, 0 mar e as intemperies tinham desfigurado, e a
cados, reaproxima todos os pontos de vista; as disUncias parecem tal ponto que se assemelhava mais a urn animal feroz do que a urn
menores do que nas planicies onde a densidade do arcobre a terra deus, a alma humana alterada no seio da sociedade por milhares
com um veu, 0 horizonte apresenta aos olhos mais objet os do de causas sempre renovadas, pela aquisiyao de uma multicIao de
que parece conter; esquece-se tudo, esquece-se de si me SIll0 , nw conheciri!entos e de enos, pelas mudan~ que se dW na cons­
se sabe mais onde se esta".9 1! a transpazincia que faz reinar uma titui~o do corpo e pelo choque continuo das paixoos, muciou
atmosfera m3.gica: 0 mundo parece mais vasto e simultaneamente por assim dizer de aparencia. a ponto de se tomar quase irreco­
tudo se toma mais proximo, pois a "infelicidade da distincia das nhec{vel ( ... ); e f<kiJ ver que nessas mudan~ sucessivas da cons­
coisas atenua-se'\ titui~ao humana e que se deve procUIar a origem primeira Cas
A Botaruca. em Rousseau, e tambem 0 dominio da transpa­ diferen~ que distinguem os homens". I I
Itnea e da visibilidade e erige-se em simbolo da inocencia perdida E pela linguagem que Rousseau pode marcar, acentuar e

IU Hist6ria. "0 mal", diz Bento Prado Jr., "desenhou-se quando radica1izar os trayos do homem no estado puro de natureza. Neste

algo escapou a publicidade dos oihares, quando 0 homem voltou-se sentido, 0 Ensino sabre a Origem dos Linguas quer reconstitWr

sobre si mesmo, cavando urn espayo privado e secreto: 0 mal em o mOvimento pelo quai os homens "esparrro s sobre a Terra" sao

do Iado das trevas e do invisiveL 1:1 que nenhurna camara secreta anancados de seu estado primitivo; e e assim que Rousseau pocie

se esconde sob esta frna pelicula que e a superficie da planta. a escapar ao "erro dos fi16sofos" que projetam no homem primiti.

consc.iencia pode abandonar-se as aparencias e coincidir nova­ vo a irnagem deformada do hornem que vive em sociedade, que

mente com as suas senS<UfOes". 1 0 fazem da sociabilidade e da Jinguagem os criterios da humanidaOe,

impondo limites a natureza. Para Rousseau, quando Hobbes esu­

7. Rousseau. Premiere Panie. Leere XXIII , Pleiade , O.c. II, p . 78.


8. In T. er 0., p. 102.
9. Rousseau. La Nouvelle Heloi'se. cit. Starobinski. idem, p . 102...
helecia 0 estado de natureza como estado de guerra. de violc!ncia

•. Esta seria, segundo UYi-Strauss. a mensagem


t7rzro Social, das Canas Sob~
imlissolu"~l
a Bofdnica e das Riveries. (In
do Corr­
Jean-Ja~
I
10. Revisra Tempo Brosileiro. n9 15 / 16, p. 78, Rio de Janeiro, Gla­ RoUSseau,
P.16). ~Fundador de las Gencias del Hombre", Prf!lmcia de RoUSJe:al..
nahan.
11. Rousseau, D .OJ.. idem. p. 34 .
! 1

I! '
I
I JO
I'
3]
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I' e de angtistia, na:o faria outra coisa sena:o dotar seus "homens
naturais" de qualidades propriamente sociais. Ao confundir 0
hornem natural com 0 civilizado (ou mesmo com 0 "selvagem") ,
o hornem natural e uma totalidade, e 0 "inteiro ab soluto" ,
a unidade com re¥o a si mesmo, e s6 pode ser reportado a sj
Hobbes amplia para a idade primitiva 0 que s6 e verciadeire na mesmo ou a seu semelhante; 0 hornern social e somente uma "uni­
seqUencia da Hist6ria: "0 grande defeito dos europeus e ffiosofar dade fracionana", que s6 tern sentido relacionado a um denomi­
" sempre sobre a origem das coisas segundo 0 que se 'passa ao seu nador cornum e cujo valor encontra-se em sua reiayao ao inteiro
!
t redor".12 que e corpo S9cial: "as boas instituiyoes sociais sao as que da rnelhor
I' o que Hobbes via no com~ dos tempos, Rousseau v~ no maneira conseguem desnaturar 0 homem, retirar-lhe a exisUncia
fim: 0 reino do egoismo. Rousseau se dirige a natureza do homem: absoluta para dota-Io de uma reiat iva , e transpoi-tar 0 eu na llni­
''Nascemos sens{veis e, desde 0 nascimento, somos afetados de dade comum; de tal forma que cada particular nao se aaedite
diversas maneiras pelos objetos que D05 cercam. Desde que co­ I- mais uno, mas parte da unidade, e seja apenas sensivel no todo".14
"
I\'1 \ m~os a ter, por assim dizer, a consciencia de nossas ~s,
," o estado de natureza e apresentado como historicamente
LI ', anterior ao estado civil A natureza e este "grau zero" cia Hist6ria
,

estamos preparados a procurar ou a fugir aos objetos que os pro­


duzem; primeiro, confozme sejam agradaveis ou desagradaveis; onde 0 hornem natural "si1encioso e estOpido" age, no entanto,
em seguida, conforrne a conveniencia ou incon~ncia que en­ como hornern. Este hornem nao tern Hist6ria, encontra-se entre
contramos entre n6s memIOS e estes objetos e, fmalmente, con­ os animais, e para 0 outro como para si proprio, sem consci~ncia
fOIIDe os ju{zos que construimos sobre a ideia de felicidade ou e sem mem6ria, sern vicios, sern virtudes, sem razao. ~ preciso
I!
de perfei~o que a razao nos da. Estas dispo~Oes se ampliam sair da Hist6ria caso se queira tomar como ponto de partida a
II
I ou se fortalecem na medicia que nos tornamos mais sensiveis e imagem de urn hornern aincia proximo da "estupidez dos animais";
II mais esclarecidos; mas constrangidas por nossos habitos, alteram-se
e preciso "afastar todos os fatos'" 5 , pois estes sa:o os trayos his­
I t6ricos do hornern e fariam com que par.issemos na Hist6ria; pren­

mais ou menos por nossas opiniC5es. Antes desta a1te~o, eIas


I 'j s10 0 que em n6s chamamos a natureza".' 3 der-se aos latos seria penetrar nwn dominio ja afastado da origem.
I ' A distinyao entre homem natwal e homem social faz apa­ Para recupera-la, Rousseau adota as ~Oes des via:jantes que
recer a "natureza" como um absolulo - 0 hornem natural do viveram entre os selvagens, apesardestes ja estarem desnaturados,
I poderia ser destruido no interior do hornem social - de outra diferenciados pela cultura: mas encontram-se tao distantes de n6s
I I maneira a educayfo do Emilio seria impossi'veL * que se voltarmos a olhar. em sua direya:o estarernos, ao mesmo
tempo, olbando em direyoo da origem. Por tr3.s de homens co­
10ridos por pinturas e plumas, 0 olhar des-<:obre a irnagem de urn
12. Rousseau., E.OL.. cap. YIII, idem. p. 192. homem nu e solitario, cujos desejos nJ'0 ultrapassam as necessi­
13. Emik v. II, p. 6, Ed. Hachette. dades fisicas. "Os urucos bens que conhece no universo sao 0 ali­
*. Se tomamos a Nouvelle HeloIse. vemos que aconteceu muitas vezes mento , uma femea e 0 repouso; os Unicos males que teme sA:o
!1 a Saint-Preux, nos instantes em que faz a satira dos costumes puisierulCS,
evocar, com respeito u "ahnas fU teis e pelRZ1aJ", cenas reaparir;6es impre­ a dor e a forne. Digo a dor, e nao a morte; pois jamais 0 animal
vistas do "natural" que desanicula, no momento , a conf'~ dos ha­ sabera 0 que e rnorrer - e 0 conhecimento da morte, de seus terrores,
bitos e conven~s sociais.. P. BUIgelin (in P..E.) monn que a deDt/ltlUrl¢o e uma das primeiras aqu~Oes do hornem, ao se afastar da condi­
e, na realldade, uma dualidade: 0 homem mundano compOe1: de um 1U cao animal"! 6
profundo e de Ulna mmaua sob a qual perrnanece escondido 0 primeiro,
scm no entanto apagar-se. Por em ratio, tern seotido 0 projeto de Rousseau:

uf:, por a.ssim d.i:zer, a vida de tua especie que you descttver de aromo rom

as qualidades que recebeste e que tua ed~ e tew lUbit01 puderam de­ 14. Rousseau, Emile, Livre I, Ed . Gunier, p. 9.

pravar, m'a sque Ilio puderam desttuir". (n.O.I., idem, p. 140). 15. Rousseau, D,OJ., idem, p. 40.

II, 16. Rousseau, idem, p. 49.

II I
1 II'
1'r ~.

33
32
, cente". E ela que permitira a restaur~ao do "tornar·se cultura
II Rousseau articula a significayao d.a origem (essencia., pre­
sen'? nascimento, rena.scimento) compreendendo as rel~s
da natureza·" .
A linguagem, a moralidade e a- (<lUO sao faculdades virtuais
entre 0 Ser e 0 Tempo a partir do "agora" . E por esta razao que que se obtem pela vida em sociedade , ja que 0 ser que com: pela
o homem selvagem enfrenu a mone sem angtistia: para ele 0 tempo floresta, que se alimenu de frutos, que [uta contra os animais
e 0 presente, 0 presente sem espessura: "Sua alma que nao e por ferozes, que passa os <lias sem hist6ria e que, talvez, impropria­
nada agitada, entrega-se ao Unico sentimento da existincia atual mente chama·se homem. nao necessita disso para sobreviver; a
sem nenhuma ideia do futuro, por mais proximo que seja, e seus socjedade e a fala originam-se nele sem !he ser, pOI'cm, essenciais
projetos, limitados por sua vista, se proiongam somente ate 0 fun ou constitutivas; 0 homem primitivo . poderia ter atravessado toda
do dia Tal e ainda hoje 0 grau de previ.s3o do Ca'-alba: vende de a existencia sem precisar oem de rela.yOes nem de com~a:o.
IIlllD.M 0 leito de algodlo e vern chorar a noite para recompra-lo, o EmIlio reforya esta ideia: "Enquanto s6 se conhece a necessidade
por nao ter previsto que precisaria del~· na proxiIDa noite" .•1 7 fisica, cada homem se basta a si mesmo; a introdu~ do super­
o homem primitivo vive numa iminencia: nao e 'nem "natu­ fluo torna indispensavel a repartiyao e a distnb~ao do trabalho ;
reza" nem "sociedade", ja apresenta caracteristicas distintas com pais, embora um homem trabalhando sozinho ganhe apenas a
reta.rao aos animais - ' e uma u quase sociedade", "sociedade nas­ subsist!ncia de um homem, cern homens trabalhando juntos ga­
I:
nharao 0 suficiente para a subsistencia de duzentos. Assim. quando
uma parte dos homens descansa, e preciso que 0 consenso dos
bravos dos que trabalham supra a ociosidade dos que nao fazem
.:\ \1 nada".18 A desnatura¢o assinala 0 fun da independencia do indi­
\1 viduo, mas a socializa¢o implica 0 desenvolvimento das "poten·
. I' 17. Rousseau, idem, p. 49-50.
cialidade s' , de sua naturllZa- Por entre as vicissiwdes da Hist6ria,

•. Para delinear a constitui~o original do homern, Rousseau volta-se


sobre si mesmo: "Co mecemos, pois, por nos tornannos nos mesmos, por o homem atualiza as SIlaS fac:u1dades virtuais, a linguagem, a mora­
entrumos em nos, por circunscrever nossa alma com os mesmos limites lidade, a razao; nos primeiros tempos, ao contrario ("chamo de
com que a natureza dotou /lOSSO ser, comecemos, numa paJavra, por nos primeiros tempo". diz Rousseau, "os da dispersao dos homens,
reuniImos onde estamOs a flII1 de que, procurando nos conhecer, tudo 0
\\ que nos componha venha, ao mesmo tempo, apresentar-se a nos. De minha
seja qual for a idade' do genero humano na qual se queira fixar
\ parte, penso que aquele que conheceu melhor em que consiste 0 eu humano tal epoca"), os homens dispersos sobre a face da Terra s6 tinham
,I I, esta mais proximo da sabedoria; e da meSIlla forma que 0 primeiro ~ por sociedade a da familia., por leis s6 as da nawreza, por lingua
de um desenho se compOe de linha! que 0 realizam, a primeira idtHa do ho­
mem e de sepani-lo do que Ilio e de". : (LemeJ d Sophie, VI, Masson, cit.
Burgelin, op. cit., p. 143). 0 estado de natureza e, antes de ma.i.s nada, WDll
experienCla vivida de que se tern urna visao direta: "libeno da inqwerude
da esperan~a, e certo de perder assim pouco a pouco a do dese)o, vendo -. t precise observar que hi, em Rousseau, a ooruiderayao do "bomem
que 0 passado ja nlio me era nada, procurava me pOr inteiramente no estado da natureza", "homem primitiYo" e "homem selvagem" que tendem a oon­
\' de um homem que com~ a viver·'. (Rousseau, Emile er Sophie. O. C, ill, fundir-se, como se vera pel.a seq uencia dos textos. Nos tn!s casos. 0 impor­
p. 18, Ed. Hachette). Trata-se do retorno a presen9D das origens ; no " cora~o" tante e a representayao da ausencia de desiguaJdade e 0 momento da vida
isto se passa depois de carla "funesto acaso", que pode recompor a vida: indolente e ern equilibrio com a natureza (embora, a rigor, 0 homem da
I.
depois da for<;:a divina que quis que 0 homem fos.se sociavel (no Ensaio sobre natureza e 0 homem primitivo ~jarn os unicos a estar dispersos, sem ter
a Origem das L frzguas); depois que Rousseau foi derrubado por urn "cachoao nenhuma idtHa de reuruao: "quem nao percebe", diz Rousseau, "que tudo
; 1 dinamarques" ("Deuxieme Promenode ") ; e 0 acordar que significa a volta parece afastar do homem seJvagem a tentllf30 e 05 meio5 de deixar de s6-1o?"
a pura presenc;a, sem anIec~ . sem lembran~a, sem nenhuma comp~o (D.OJ., idem, p. 49) ,
ou distinc;ao, sem articula~o. Assim se apagam a memoria e seus signos, 18. Emile, p. 240, Ed. Garnier,
I \\
tudo se torna narural na paisagem, tudo e visto pela primeira vez.

It \ \
34 35
11\
s6 a do gesto e alguns sons inarticu1ados. 1 9 Ou ainda: "parece, imediata, que s6 conhece 0 "particulor": Herta lingua possuiria
a principio, que os homens nesse estado, sem ter entre si qualquer muitos sinOnlmOS para exprimir 0 meSIllO ser em SUa! v3.rias rela­

;\
especie de re~o moral ou de deveres conhecidos, nao podiam
ser nem bons nem maus, ou possuir vicios e virtudes, a menos
yOes ( ...), a l6gica em ausente dela, persuadiria sem coovencer
e pintaria sem raci o cinar" .z 2
que se considere como vicios do individuo as qualidade capazes Esta linguagem dirige-se aos olhos e nao ,3. inteligencia, pois
de prejudicar sua propria conse~o, e virtudes aqueJas capazes fala-se melhor aos olhos do que aos ouvidos: "ve-se mesmo que
de a seu favor contribuir"; neste caso, poder-se-ia chamar de mais os discursos mais eloqiientes ~o os que se comp6em de maior
II virtuoso aquele que menos resistisse aos impulsos simples da na­ nlimero de irnagens e os sons nunca possuem maior energia do
II tureza. 20
No estado de dispe~ da humanidade primitiva, nao exis­
que quando produzem 0 efeito das cores".2 3 E Rousseau apela
para as mais antigas linguas orientais, onde na:o se pode encontrar
te nada que possa unir um a outro e nada tambem 0 subjuga: s6 nada de "met6dico ou raciocinado". S[o linguas vivas e figurativas,
se conhecia e se desejava 0 que se encontrasse ao alcance da mao, de. na:o s.fo "linguas de ge6metras" mas "de poetas" pois nao se co­
tal forma que, ao inves de aproXimar 0 homem de seu semelhante, mef!l por raciocinar mas por sentir. 0 homem nfo inventa a pala­
suas carencias afastavam-nos. E porque nao experimenta nenhum vra para exprimir suas ca.rencias - seu efeito natural e 0 de sepa­
desejo de co~o, ~ se sente separado do outro, nenhuma d-los e nao 0 de aproxima-Ios: He foi preciso que assim se passasse
"distancia metafisica" afasta-o do exterior - por esta razao 0 para que a especie chegasse a se expandir e que a Terra fosse po­
ertado primitivo e 0 momento da visibilidade absoluta: "supo-lo-ei . voada; sem o · que 0 genero humano pellDaneceria amontoado nurn
conformado em to<1os os tempos como 0 vejo hoje, andando sa­ canto do mundo e todo 0 resto permaneceria deserto"? 4
bre dois pes, utilizando-se de suas maos como 0 fazemos com as A origem das linguas esta nas necessidmie nwrais, nas pai­
nossas, levando 0 seu olhar a toda a natureza e medindo com os xoos que aproximam os homens: "nao e a fome,ou a sede, mas
olhos a irnensidao do ceu".21 ASsim, errante nas florestas, sem o amor, 0 6dio, a piedade, a c6lera, que Ihes arrancaram as priroei­
fala ou domicilio fIxo, sem necessidade do outro e sem desejo ras vozes. Os frutos 0.30 fogem as nossas m[os, e possivel alimen­
de prejudica-lo, 0 homem primitivo, sujeito a rams paixoos, tinha tar-se com eles sem falar; persegue-se em siIencio a presa de que
somente "sentimentos" e "luzes" proprias a seu estado; sentia queremos nos alimentar: mas para comover um jovem co~o,
apenas necessidades verdadeiras, s6 olhava 0 que acreditasse ter para repelir urn agressor injusto, a natureza dita sinais, gritos, quei­
\; interesse em ver e, assim, nem a inteligencia nem a vaidade 00­ xumes. Eis as mais antigas palavras inventadas, eis porque as pri­
senvolviam-se. meiras linguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem sim­
H no Enso:io, a linguagem e a sociedade ~o descritas no ples e met6dicas".25
momento em que se formaram, antes de sua progressiva degrada­ Esta linguagem que nao da lugar nem ao c3.lculo, nem a re­
~o; a linguagem instituida conserva ainda urn "canto puro", por flexao , nem a comp~ao, e ainda urna "linguagem natural" , li­
ser uma lingua de puro ritmo: ja nao e mais animal, pois exprime gada as emoij:Oes; e uma lingua comurn a todos como a que "as
a paixao, e nao e inteiramente convencional, porque escapa A arti­ crian.yas falam antes de aprender a falar"; "estudemos as ~,
~; e nem constitui uma linguagem analitica pois abando­
na-se A situa~o presente. As palavras calcam-se na experiencia

22 . E.O.L ., idem, p. 168 .


19.E.OL .. idem, p.194. 23. Idem, ibid. p. 156.
20. D.OJ.. idem, p. 57. 24. Idem, ibid. p. 162.
, \ 21. D.OJ.. idem, p. 41. 25. Rou~seau,E.O.L. , idem, p. 162.

I I! \\.
\

\\ \\
II\'

j. I
36
I J~­
!

:' e I0go n6s a reaprenderemos com elas. As amas sao os nosses mes­ com cerdas as suas roupas de pele, a enfeitar-se com plumas e con­
tres nesta lingua; compreendem tudo 0 que dizem os bebes; res­ chas, a pintar 0 corpo de vArias cores, a aperfe~oar ou embelezar
pondem-lhes, tern com eles dillogos continuados; e em bora pro­ seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas
nunciem palavras, tais palavras sao inteiramente inuteis; nao e 0 de pescador au toscos instrumentos de mUsica; em uma palavra,
sentido das palavras que elas compreendem, mas a acennla~o de enquanto s6 se dedicaram a obras que urn Unico homem podia
7i' __ l._.l __ " 26
que s..o aCOmplUUli1U4> . criar e a artes que nw solicitavam 0 conCJ.JnO de vanas maos,
o conceito de infancia deve ser analisado sempre em rela­ viveram tao !ivres, sadios, bons e felizes quanto 0 podiam ser por
II' ~ao ao signo: isto quer dizer que a inIancia e a nao-re~ao ao signo sua natureza". 2 7
enquanto tal."' Para Rousseau, a · crianya e 0 nome daquilo que Este e 0 momento da "quase sociedade", da qual a cabana,
I\' :
nao tem nenhum significado case se separe 0 significmrte do sig­
nificado, 0 que tomaria possivel ama-io. nele mesmo, como urn
a linguagem dos gestos e sons inarticulados sao os indicios. A fa­
milia ja existi.a, pois, mesmo antes do "tempo das festas e da apro­
\ \\ fetiche. Deste ponto de vista, a inIancia e 0 estado de nao-alie­ xiIIl.afao dos homens", estes nlIo nasciam da "terra": "poderiam
nayaO absoluto - e 0 estado da presenra que corresponde a este
\II '.
"tempo feliz em que nada marcava as horas" do Ensaio,. onde a
associa~o nao passa por tratados, leis ou representantes. 0 homem
as ger~Oes sucederem-se sem que os seXO$ se unissem e as pes­
sOas se entendessem? Nao: existiam familias".18 Nela.s impera urna
\ : lingua domestica e cada qual basta a si mesmo e perpetua-se pelo
era seu pr6prio "servidor", para ser "mestre" cada urn era servido mesrno sangue; as ~ nascem dos mesmos pais, crescem juntas
por todos e 0 tempo passava sem ser percebido. E 0 tempo das e aos poucos encontram uma mane ira de compreenderem-se_ Havia
Reveries, urn tempo indiferenciado, sem intervalos au desvios fanu1ias aflIIIIa 0 Ensain, mas nao lU1foes; havia linguas domes­
entre 0 desejo e 0 prazer, porque prazer e desejo confundem-se ticas e verdade, mas nao li~ populares; "havia casamentos,
e sentem-se de uma s6 vez. mas nao havia arnor". 211 *

\ ; B - 0 Movimento dils PtIix6es 27. D.01., idem, p. 72/13.


28. E.O.L., idem, p. 220.
29. Idem, ibid. p. 220.
A separ~o entre 0 mestre e 0 servidor 56 se torna possi­ *. A familia nascente encontta-se n.a origem da sedi:men~o social
vel a partir da diferenc~o temporal que permite medir 0 tempo Em termos hegeJianos, esta fanuM pernnce ao momento cia pre-hist6ria
e simultaneamente atirar 0 homem fora do Presente. A sucessao do homem: "A moraJidade objetiva Ii a ideia da liberdad.e C.•). 0 conc:eito
e
desu ideia 56 0 Esplrito como a1go de real e consCiente de si se for a ob­
dos ·'tempos" no Disauso sen!. enUo retornada pelos conceitos jetiV1l~ao de si mesmo, 0 movimento que percone a forma de seus diferentes
de estado de natureza, estado se1vagem e estado sociaL Nele Rous­ momentos. Ele e:
a) 0 Espirito moral objetivo irnediato ou natural - a farru1ia. Esta
seau diz: "Enquanto os hom ens se comentaram com suas caba­
substancialidade se dissipa n.a percia de sua unidade, na divis3:o
nas rusticas, enquanto se limitaram a costurar com espinhos ou e no ponto de vista do relativo; torna-se, poi$,
1: b) sociedade civil, a~o de membros que sao indivlduos inde­
pendentes numa urriTersalidade formal, atraves Cas necessidades,
pela constitui~o juricti<:a como instrumento cia seguran~a da pessoa
e da propriedade e por urna regulamen~o exterior para as neces·
\I 'I.\ 26. Rousseau, Emile. p. 45, Ed. Garnier, 1962.
' . Derricia (in De La Craml7'U1tologie) diz que nao existe signo en­ sidarles paruculares e coletivas. Este estado exterior redunda e
quanto tal: urn signo Ii considerado como uma COLsa e mio email urn signo, reune-se na
ou enta~ ele e urn "enviar", uma mensagem e portanto nao e mm ele mesmo. c) constituiyao do Estado. que e 0 fun e a realidade em ato da subs­
uncia universal e cia vida publica que se consagra a isso C.. ).
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i I I. 38

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39
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A idIlde diu cabantzs ja se encontra do lade da cultura, a Este periodo de desenvolvimento das "faculdades" do ho­
natureza ja sofreu alte~s, mas cad.a urn continua a manter mem (lioguagem, moralidade, trabalho) enconUa·se a meio caminho
rela¢es independentes. ~ a epoca da sociedade natural, societiade entre a indolencia primitiva e a degeneresctncia civil; par esta
nascercte ou sociedade comefada: "N a medida em que as ideias razao deve ter sido 0 momento mais feliz e mais dunivel - quando
L e sentimentos se sucedem, que 0 espiritQ e 0 corayao entram em a terra nao era de nioguem e a coIheita e a caya, atividades que
II '
I, atividade, 0 genera human 0 continua a domesticar-se, as lig~Oes bastavam aos grupos - da qual s6 se saiu par um " funesto acaso".3.
se eStendem e os I~s sefortalecem". 30 E urna vez que se trata Rousseau diz que um imenso intervalo separa a perda da natureza
II!II de uma verdadeita sociedade, a moralidade aparece sigoificando, primitiva e 0 estabelecimento da sociedade civil* - e que a &lees­
ao mesmo tempo, a "oportunidade de humaoidade" e ja "origem sao destes estados nlio poderia ocorrer sent ernell, ritmadas pelas
I \.
da perversW": esta moralidade consistirt nos "primeiros deveres "Gran des Revol~" do "Segundo Discurso": "Fo~dos a se
I '
de civilidade".· Tudo ista se da quando 0 bomem deixa de domtir abastecer para 0 invemo, eis os habitantes levados a se socorrer,
I I
sob a primeira Iirvore e com~ a cortar a lenha e construir cabanas; , obrigados a estabelecer entre si alguma espede de coven~o. Quan­

I:;j passa enta:o a DeCessitar do socorro do outro, 0 que se encontra


na origem do estabelecimento e distin~ das fanulias.
do as expediyOes se tomam irnpossiveis e 0 rigor do frio os detem,
o redio os liga tanto como a necessidade: os LapOes, enterrados
A idIlde diu cabanas assiste a i.ot.rod~OO de urna espt:cie nos gelos, os Esquim,6s, 0 mais selvagem de todos os poyos, reu­
de propriedade de onde decorrem quere1&s e com bates. Pois, "c0­ nem-se no invemo em suas cavemas e, no vera-o, nem se conhecem
mo os mais fortes foram provavelmente as primeiros a construir mais. Auroentai de urn grau seu desenvolvimento e suas luzes, e
I" habiUlfOes que Se sentillID capaz.es de defender, e de crer que ei-Ios reunidos para sempre". 3 3 0 homem primitivamente oooso,
os fracos acharam mms r:ipido e segura imita-Ios do que teotar sobredeterminado pelas "circunstancias exteriores" descobre a
desaloja-Ios e, quanto ;)()S que possuiam cabanas, nenhuro deles necessidade e a eficicia do trabalho. **
eertamente proclirou apIOpriar-se cia de seu vizinho menos por Sobrevem 0 que Rousseau chama a "Primeira Revolu~o" ***
1 nao !he pertencer do que par ~r-lhe inutil e nao pader apoderar-se - 0 periodo dos agrupamentos em familia e da constrllyao das
dela sem expor-se a um arduo combate com a f~1ia que a ocu­ comunidades. Quanto mais Rousseau reflete ' sobre ele e 0 recoIlS'
11\ pava".31
titui, mais acredita ·ser este 0 estado menos sujeito a conflitos, 0
I 'I melhor ao homem , e do qual s6 saiu por uro "funesto acaso " que
II' para 0 bem de todo's noo deveriam nuoca ter ocorrido. Na idade

i:i'I
A famIlia se r=.ti.za ~m tres aspectOS~
a) na forma de ~ C'O n:..::eito imediato, comu casamento ;
! I,. I. b) na existenci;a e.:"{tenar: propried.-ie r: bens da familia e cuidados
corresponden tes..: 3.2. Rousseau, D.OJ., idem , p. 72.
'\' ,

c) na edu~o .iu cri:anyas e na <i.molu~ da familia'". (Hegel, Prin, ., A rigor, 0 estado de natureza sO sera defmitivamente extinto no
cipes de la Pltiio.:>~ du Droit, p. 189-.197/8/9. momento em que se estabelecerem as sociedades politicas com urn govemo,
30. Rousseau , D ,OJ.. riern , p, 69. como mostraremos no decorrer de nosso trabalbo,
I! *, "£ preciso ONelY:U' .:jue a soci~ rocn~a e as re~es ja esta·
33. Rousseau , E.OL. . idem, p. 212.
belecida.! entre os homens e,-ogiam deles q~es diferentes das que con' ••, £ preciso lembrar qu e nurn primeiro momento a associafQo per·
,I servavam de sua constituio.,~ primitiva: que 30 mora1idade, comeyando a manece ocasional, pressionada pelas necessidades, constituindo "grupos
I

·iI
introduziI-se nas a96es h~ .. " (Ro~ D,('I)J., idem, p. 72) .
31. Rousseau, D.OI . :d=1, p. 69.
ana,quicos " , sem pe=anencia. pois ao trabalho comum sucede a disperno.
" •. Esta "Prirneira Revoluc;: ao" n.io representa ainda a rupnua com
o elUdo de natureza..

1
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40 4/
1\
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I, dils cabaTUlS, 0 hornem ja perdeu sua ociosidade paradisiaca, caiu das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as (J.1tras e
I I! no estado de trabalho que corney<! a opO-lo a natureza; mas a eco­ se encontra, entre n6s, tanto na especie quanto no individuo; eo­
II" nomia que resulta e uma "economia de subsistencia"* - 0 trabalho quanto que urn animal e ao flDl de alguns meses 0 que sera por
nao cria ainda valor. Foi Locke que 0 observou - explicitamente: toda a vida., e sua especie no Hm de milhares de anos 0 que era
'j ve como um "valor natural" de qualquer objeto 0 que tern a capa­ no primeiro ano desses milhares. Por que 56 0 homem e su.scetl­
,
cidade de satisfazer as carencias eJernentares do homem ou de vel de tornar-se imbecil? Nao sera porque volta, assim, a seu

servir a sua cornodidade. ** 'E Marx analisou-<>: a utilidade de urn estado primitivo e, enquanto 0 animal, que nada adquiriu e tam­

'1\ objeto converte-<> em "vator de usa" e 0 que constitui seu ''valor bern nada tern a perder, fica sempre com seu instinto - 0 homern,

I•, de usa" - os bens - e sua propria materialidade independente­ perdendo com a velhice ou outros acidentes tudo 0 que sua per­
I, i mente do volume de trabalho necessario·a sua produ~o. a "valor
de usa" s6 se corporifica no momento de sua utiJiza~o ou do
fectibilidade lhe fizera adquirir, recai, assim, mais baixo que 0

proprio animal? Seria triste Yermo-nos for~ados a corrvir que seja


III, ~ I
consumo de um determinado objeto, isto e, 0 "valor de uso" e esta faculdade, distintiva e quase ilimitada, a fonte de todas as
''worth'' e nao "value" (este ja e "valor de troca", prodl1~O para infelicidades do homem; que seja ela quem, com 0 tempo, 0 ar­
\'1i a cir~o num mercado). "as valores de uso", diz Marx, "formam ranca dessa condicrao original na qual passaria dias tranq~·ilos e
I o conteudo material da riqueza qualquer que seja sua forma so­ inocentes; que seja ela que, fazendo com que atraves dos seculos
JI t I desabrochem suas luzes e enos, seus vicios e virtudes, toma-o
i
:, 'i, I'
l cial... 34 A "sociedade nascente" e, neste sentido, 0 momento
do "valor de uso", ja que "a natureza e a fonte dos valores de
USO".35
com 0 tempo 0 tirano de si mesmo e da natureza"?"

Num segundo texto, Rousseau precisa 0 conceito - 0 ins­

1
!
Por que se passa de urna economia de subsistencia a wna tinto de perfectibilidade encontra-se na origem de todas as trans­

i ;!
, I economia de produriio? 0 que leva Rousseau a afumar que foi fonn~6es, mas para realizar-se depende de "fatores exteriores".
o ferro e 0 trigo que civilizaram os homens e degeneraram 0 "gf!­ Isto por que Rousseau rnostnua que no estado de natureza s6
nero humano"? Quando os obstaculos e a adversidade obrigam existia urn Unico estilo de desigualdade, a que chamou de nanual
!
o homem, para sob reviver, a desenvolver todas as suas forcras e ou fisica, estabelecida pela natureza (diferenya de idade, S3lide,
:I !
faculdades, percebe que, com reiacrao ao animal, e ele que tern for~a corporal e difere~a de qualidades do espirito ou da alma" ) :
! 1 o poder de modificar seu estado e a si mesmo; da perfectihilidiUie "Depois de ter provado ser a desigualdade apenas perceptivel no
11 derivam todas as outras faculdades, fonte das convulsOes econ6- estado de natureza, e ser nele quase nula sua influf!ncia, resta-me
I :j micas e sociais, fonte das "luzes adquiridas" e fonte de todas as ainda mostrar sua origem e progressos nos desenvotvimentoS" su­

, I miserias: "Ainda quando as dificuldades que envolvem todas estas cessivos do espirito humano. Depois de ter mostrado que a per­
I ,I
" , ·1
quest6es dessem algum lugar a discussao sobre a diferen~ entre
o homem e 0 animal, have ria uma outra qualidade especifica que
fectibilidade, as virtudes sociais e outras faculdades que 0 hornem
natural recebera potencia1mente jamais poderao desenvolver·se
os distinguiria e a respeito da qual nao pade haver contest~ao por si mesmas, pois para isso necessitam do concurso forruito
- e a faculdade de apefeic;oar-se, faculdade que, com 0 auXluo de intimeras causas estranh.as, que poderiam nunca ter Da-.<cido
I
e sem as quais 0 homem teria penuanecido eternamente em sua
I condi<;:ao primitiva, resta·me considerar e aproximar os vanos aca­
" A E.xpre~o e da Starobisnki .
• , In Some considerarions on rhe Comequences of rhe lowering
of inlere!!. voL li, p. 2. .
34 . Ei Capital, p. 4. 36. D,Ol.. idem, p . 4 6.
I! 35 . ~arx. Programme de CorM. p. 6. *, D,Ol. , idem, p. 39 .

i
..­
~ .:.;

....

..., :
42
43
;
-,
sos que puderam aperfeiyoar a razao humana deteriorando a espe­ a todo dominio desta espt!cie e aos "homens-animais". Este ho­
~II cie, tomar mau wn ser ao torna-Io sociJivel e, partindo de tao longe, mens-animais tinham urna vantagem com relayIo aos outros ani­

;~ 11 !. trazer enflm 0 homem e 0 mundo ao ponto em que 0 conhece­ mais, a propriedade de aperfeiyoarem-se, de "evoluirem ulterior­

. :
mos". 3 7 Os selvagens nao sao maus justamente porque nao sabem
o que e ser bom; e neles, nao e nem 0 desenvolvimento de mas
fuzes nem a vigilincia daS leis 0 que impede 0 Mal, e sim a Cillma
mente" - e esta foi a causa da desigualda~; mas este progresso
sendo antag6nico era, ao mesmo tempo, urn recuo .
E verdade que no Emmo Rousseau aflrma que apenas em
~ !I das paix6es e a ignorrincia do vicio. * . sociedade 0 homem toma·se propriamente homem, que e a mo­
i' A "perfeetibilidade" toma manifesto que as rel¢s humanas ralidade que da a bumanidade ; assim, h.a um "deslocamento"'.
mudaram; num certo sentido, realiza-se "contra a natureza", no na medida em que 0 hom em abandona sua amoralidade original:
I estado social. sob a influencia das n~ssidades materiais. au seja, e pelo mesmo movimento que ele se sabe bom e toma-se mau.
II as mudan~ repondem a uma provoca¢o vinda de fora: em certas Vemos, entretanto, que 0 progresso e mais ambiguo que diale­
I
I regioos 0 homem encontrou "anos estereis, invemos longos e rudes, tieD: ''E preciso empregar muita arte para impedir 0 homem
verDes ardentM" e em seu meio natural nao conseguiu encontrar social de ser completamente artificial", <liz 0 Emz1ia. E peto aper­
pro~ao segura. yendo-se foryado a sair de sua indol~ncia primi­ feiyoamento da cultura, por uma desnatura¢o mais avan~
tiva; a partir de enUo, passa a depender do exterior. E este ser que a concordancia com a natureza podera ser reencontrada; esu
que recehia os dons da natureza devera conquistA-Ios - a adver­ "segunda natureza" sera urn equilibrio novo, agora esclareeida
sidade s6 sera vencida ao pr~o de urn esforyo continuo: e 0 tra­ pela razao e garantida pelo sentimento moral que 0 homem des­
balho que obrigani 0 homem a organizar-se em sua luta contra eonhecia antes. Em outros texmos, a antitese entre a natureza e
os obsticulos. a cultura pode resolvcr·se em urn movimento progressivo , E a fIle>­
Entendida como desenvolvimento de "potencialidades" . a sofia que Kant lem em Rousseau. "'
perfectibilidade e sin6nimo de p'rogresso, mas de urn progresso que o Discurso aao oferere estas perspectivas tranqiiilizadoras.
e .. a 3
perdiyao do genero humano." ** Engels 8 mostra. portIn, Rousseau continua a procurar a origem da desigualdade e continua
que em Rousseau existe urn progresso na emergencia da desigual­ a mostrar que pelo trabalho 0 homem se toma um ser hist6rico que
dade: no estado natural e selvagem os homens eram iguais e, como luta contra a natureza, opondo-lhe seu trabalho e degenerando-se
Rousseau toma a linguagem como alte~o da natureza, tem razlo a medida em que se desenvolvem nele "novas luzes"; Rousseau
em aplicar a igualdade entre os animais de uma mesma especie lembra sempre que no estado de natureza os desejoS' na-o ultrapas­
sam .as necessidades ffsicas e a imagina¢o nlo se manifesta pois
nada agita a alma, 56 existe 0 sentimento da existencia do mo­
mento. 0 trabalho que enfrenta as coisas evoca a reflexao e 0 ho­
37. D.OJ. , idem, p. 65. mem acaba por tomar con.sciencia de sua diferent;a: com~a a com·
•. D.OJ.. idem, p. 58 . parar-se ao outro e esta compar~ao se encontra na origem cia
••. £ intcreSiaIlte aproximar dois textos, um de Rousseau, outro de
Nietzsche, como pIOp6e Burgelin (in P.E.): "Esta disposi~o para cornpa­
=, diz Rousseau, que uansfonna uma padao natural e boa em uma outra
facticia e rna (_.) provem das rela,.oes soci.all, do progresso das ideias e da
cuJtura do espmto" . (Dialogues, IX, p. 197). E Nietzsche: "Os Europeus, - . " A natureza quis assim : 0 homem extrai de si mesmo tudo 0 que
grayas a sua moralidarle crescente, acreditam com toda inocincia e vaidade ulUapass.a a ordem mecinica de sua existencia animal, e nao participa de
que se elevam. enquantO que, em realidade, declinam." (VoJollle de j>uU. nenhuma outra felicidade ou perfei~o a nao ser a que ele meSIllo ~ou por
sance, livro ill , p. 227) . ­ sua propria razao, Liberada do instinto". ( Kant , fA Raison Pratit{ue. texte!
38. Anri·[)Uhring, p. 160 e ss. choins) .

44
45
raziio. Ao chegarmos neste ponto nero mesmo conseguimos recu­
peru as "origens" e carla vez nos afastamos mais desta dimensllo:
"'0 que M de mais cruel ainda e que, mais os progressos rla espe­
ere humana ° distanciam incessantemente de seu estado prirnitivo,
mais acumulamos novos conhecimentos, e mais retiramos os meios
°
de adquirir mais importante de todos, e que e nUID certo sentido,
°
a forya de estudar homem que nos tomamos incapazes de _co­ CAPITULo n
nhece-Io".H E preciso examinar 0 porqtili deste ~svio.

A NATUREZA E OARTIFICIO

~u-5e por sepailii 0 homem cia natureza


e por f = dele urn reino soberano, acreditando-se,
assim, que se apagava seu carater mail irrecusivel,
o de ser, antes de mais Dada, urn ser vivo. E fechan­
do-re os ollios a esta propriedade comwn, abriu-se
caminho a todos os abuses.' Nunca como ao final d~
quarro Ultimos seculos de sua historia, 0 homem
ocidental compreendeu que arrogand<>---5e 0 direito
de separiIr radicalmente a hwnanidade da animali­
dade, entregando a .wn tudo 0 que se retirava ao
ourro, abria urn clrculo maid ito e que a mesma freD­
teira, constantemente deslocada para tr.i.s, serviria
para separar os hom ens uns dos outros e reivindicaYa,l
em beneficio de algumas oUnorias cada vez mail;
restritas, 0 privil~o de urn hurnanismo corrompido
desde sell nascimento, por tel feito do amor-pr6prio
seu principio e sua n~:'l

A - 0 animal, 0 fuJmem: a identidade

E preciso colocar a questao fundamental (originMia) que o-pije


o estado de natureza ao estado civil e constitui 0 "abisrno te6rico"
da vida politica. Rousseau filo se interessa pela produ~ao hist6­
rica deste movimento. mas pela elucidac;:lfo de sua natureza; em
outros termos. sao os fundamentos que 0 "Segundo Discurso" em

39. DOJ.. idem, p. 34.


L Claude Levi-Sttauss, op. r.t.. p. 17.
if
I'

46 47
:1
'i procurando - a verdade da origem nao se confunde com a verdade estabelecimento do cofPO politico como urn verdadeiro contrato
dos faw. Por isso Rousseau com~ por "afastar todos os fatos" entre 0 povo e os chefes que escolhe, contrato pelo qual as duas
1
e continua lembrando: "Confesso que os acontecimentos que tenho partes se obrigam a observancia das leis nele estipuladas e que
a descrever, podendo sobrevir de inu.meros modos, 56 por coojectu­ formam os liames de sua uniao ( ... ). Pois nao se baseando a rna­
ras posso decidir-me na escolha. Mas, mesmo que essas conjecruras gistrarura e seus direitos senao nas leis fuodamentais , assim que
se tomem razOes quando sao as mais provaveis que se possaro extrair estas fossem destruidas, os magistrados deixariam de ser legitim os
·1
., da natureza das coisas e os Unicos meios que se possa ter para des­ e 0 , pavo nao mais estaria obrigado a obedece-Ios, e como nao
1 cobrir a verdade, as conseqii!ncias que quero deduzir nao serao era 0 magistrado, mas a lei, que constituira a essencia do Estado,
cada urn de direito voltaria a liberdade natural" .4 0 estado de
I por isso conjecrr.uais, porquanto, sabre os principios que acabo
de estabelecer, nao se poderia formar nenhum outro sistema que
nao me fomecesse os mesmos resultados e do qual nao pudesse
solidao esta aquem do hem e do mal., que 56 podem ser defmidos
pela ordem sociaL No eszado de sociedatie, porem, a mi.seria do
ioferir as mesmas conelusOes',.l homem traosparece na contradi'rao entre seu estado e seus desejos,
A descoberta de urn metoda capaz de substituir a Hist6ria, entre seus deveres e in~Oes, entre a natureza e as instit~s
vai ajudar "perigosamente" Rousseau: pois e necessario explicar sociais - em suma, entre 0 homem e 0 cidadfio_ A lei deve, assim,
a ordem social, "este direito sagrado que serve de base a todos tomar 0 homem feliz fazendo-o uno, entregando-() inleiro ao Estado
os outros. Tal d.ireito, DO entanto, nan vem cia natureza: funcia-se, ou a si mesmo, pois "quando se divide 0 co~ao, 0 homem se
:i j

1 portanto, em conven~s_ Trata-se de saber que convenyOes sao dilacera"; 0 "programa" do Contrato e 0 de colocar a lei social.
eslas_ Antes de alcanyar em ponto, devo estabelecer 0 que aca­ no -'fundo do cor~o do homem" . 0 Contrato aincia nao e a lei,
bo de adiantar".3 Trata-se de colocar 0 problema do Contrato mas a sua possibilidade, a possibilidade de que se retome a lei natural
em ~ . da natureza dos individuos, de suas foryas e cia mu­ a partir de agora abolida, na dirnensa"o da "decisao do homem".
dan~ cia maneira de ser dos homens. * S6 no Discurso e passivel que 0 homem seja feliz em plena natu­
.! reza: "Se entendo bern 0 terrno miserrivel, e uma palavra sem ne­
Viu-se que ao estado de indolencia feliz e de repouso do
homem original opOe-se 0 cielo das revolu~ Viu-se que para nhuro sentido au que s6 significa uma priv~ dolorosa e softi­
o Rousseau do DiSClDSO, 0 hom ern civil, cotrompido e infe liz , mento do corpo au da alma. Ora, desejaria que me explicassem
pervertido pela Hist6ria e por seus pr6prios progresses, tern tudo qual poderia ser 0 genero de miseria de urn ser livre cujo co~o
a cobirrar ao homem da sociedade primitiva de onde "nunca devia esta em paz e 0 corpo com saUde".5 Na primeira vrsao do Contrato
ter saido". Ou entao, este "paradoxo inicial" permite denunciar Social, entretanto, Rousseau acentua 0 car.iter de rruseria do estado
os males de que sofrem as socieciades funciadas sobre a desigual­ de natureza. Para a coinpreensa"o desta passagem, e preciso notar
dade e preparar assim, atraves de uma critica radical, a passagem que , neste momento, nao se trata mais do estado primitivo do
A sociedade do Contrato: "Sem entrar, no momento , nas pesqui­ homem , mas de urn estaLio de natureza segundo, ern que 0 homern
sas que aioda restarn por fazer sobre a natureza do pacto funda­ jei esta desnaturado mas nao aincia sociaIizado; deveni ainda atra­
mental de qualquer govemo, liroito-me ( ...) a considerar aqui 0 vessar toda uma "hist6ria" antes de tomar·se "homem civil" . Daqui
decorre a distin'rao que devera ser feita entre a "piedade natural"
tal como se exerce no erraLio de animalidade e a "piedade" que
despena no Ensaio sobre a Ongem das Linguas com a imagina¢o
2. D.OI. idem, p. 65/66 .
j' 3. Du Contrat Socwl, I, I, p. 236.
•. Nio se pode e~quecer que toda a primeira pane do D.O.I. descreve 4. Rousseau, D.OJ., idem, p. 84/5 .
I· o estado de puro natureza, sem necessidade nem mesmo das linguas. 5. Rousseau, idem, p_ 56.

"
-/8 49

e a re/7e.xuo, afei~6es sociais que nos remetem necessanamente ' Para Rousseau este princlpio e a piedade ' : como 0 animal,
a urn estado posterior, ao estado de razao. * E se Rousseau, 56 tar­ o primitivo ama sem comparar-se e a piedade e a expressao desta
Ji:llTlente vern a faJar no Discurso do "direito natural"'" *, e justa­ forma espontanea de arnor: diante do sofrimento, 0 cora~ao faz
':1 ente porque e preciso ref1etir, antes de mais nada, sobre a narureza dele seu proprio sofrirnento , sem no entanto ter a consciencia
Jo homem a partir do estado de natureza, para conceber 0 que do outro . 0 Homem tern apenas uma simples "consciencia" de
e a "mudanya de sua maneira de ser". Pois "como conhecer a fonte existir, sem limite, numa adesao imediata e total a si e ao outro,
da desiguaJdade entre os homens, se nao se come~ar par conhecer sem conhecimento, sem esfor<;o . Se podemos falar em "eu", este
a eJes mesmos? E como 0 homem chegara ao ponto de ver-se tal nao se encontra em nenhuma parte, nem em si, nem entre ele e
como 0 formou a natureza, atraves de todas as mudanyas produzi­ as coisas, nao existe nenhuma dualidade de onde se delinearia a
das na sua constitui<;ao original pela sucessao do tempo e das coisas, inquietude, 0 mundo e seu prolongamento: 0 oOginario e indi­
e separar 0 que pertence it sua propria essen cia daquilo que as visao, 0 sentimento de existir ainda nao implica a consciencia .
circunstancias e seus progressos acrescentaram ou modificaram nao e "nem arnor nem 6dio", ja que 0 instinto fisico (conservayao
em seu est ado primitivO?,,6 de si ou da !(specie) compreende uma temporalidade nao vivid~.
E Rousseau d.iz que e 0 desconhecirnento da natureza do como tal. A "integra~ao do devir" e a primeira fissura nesta uill­
homem que tOrna obscura a "veidadeira defllliyao de direito na­ dade perfeita, transformando-a em jdentidade que se estende por
tural", poSto que a ideia de direito e sobretudo a de direito natural todos os momentos da existencia e que traz. em si 0 germen da
sao manifestamente ideias reJativas it natureza do homem; nao se consciencia. "Tal e 0 puro movimento da natureza , anterior a
deve confundir 0 que e natural no eSiado seJvagem com 0 que e toda reflexao: tal e a forqa da piedade natural, que os costumes
natural no estado civil. Pode-se agora compreender como a no<;ao mais depravados ainda tern dificuldade em destruir ( ... ) . E, pois,
de "natureza do homem" u1 trap assa a nocyao do homem narural: bern certo,. que' a piedade e urn semimento natural que moderando
esta inieressa enquanto deciframento da natureza do homem. em cada indivl'duo a atividade do arnor de si mesmo, contribui
A preocupa<;ao de Rousseau consiste naquila que e conforme it a conserva<;ao mutua de toda a especie**. E ela que nos leva sem
natureza em nosso estado atuaJ, discemindo denire nossas carac­
*. .£ preciso lembrar neste momento, que Rousseau tern uma dupla
teristicas as que sao naturais e aquelas que s6 representam excres­
concep~ao do esudo de natureza: num pruneiro sentido, ja que 0 homem
c:encias ou desvios patologicos,. neste sentido que a natureza se nao tern nenhuma especie de rel:lI;:ao moral, signiftca urn estado aquem do
volta de certa maneira contra si mesma para "dividir e destruir". mal ( " nem vlelOs nem vutudes" , dizia 0 D. 0.1. , p. 57); mas no segundo,
Por esta ralaO "convem destacar antes de mais nada urn criterio o hOmem e nattlralmente born: "H:i. um ouuo princlPIO c. ..)
que, tendo
universal que e 0 principio de natureza". 7 sido atribuido ao homem, ern certas ciIcunstancias, para suavizar a fero­
cidade de seu amor-proprio ou 0 desejo de conserva<;ao antes do nascimento
desse amor, tempera com uma repugnancia inata de ver sofrer seu semelhanle,
o ardor que consagra ao seu bem-estar C.. ). Faio da piedade, disposi~o con­
veniente a seres tao fracos e sujeitos a tantos males como 0 somas: virtude
tanto mais universal e tanto mais unl ao homem que precede 0 usa de qual­
*. Encontram-se vmas obscrva<;6es contraditorias a esse respeJto. quer reflexao e taO natural que as proprios animals as vezes dao dela alguns
Rousseau diz: ".£ wn espetacuio bela e grandioso ver 0 homem sair por seu sinais perceptiveis"llD.OL p. 58.\ ·
proprio esfor~o, a bern dizer do nada: dissipar pelas luzes da razao as uevas e
•• "0 arnor de ~i mesmo um sentirnento natural que leva todo animal
nas quais a natureza 0 envolvia". (Discours Stu les S c iences et fes ArTS, A, e velar pell propria conserva~ao ". (D. 0.1. , p. ll8.) Trata-se de urn egoismo
1,2) . instintivo "que leva 0 homem a se
conservar, a sa-tisfazer suas necessidades,
". ESle lema seci desenvolvido no proximo capitulo. sem no entanto prej\ldi car a ningu em: 0 primeiIo sentimento do homem
6. D .OJ., idem, p. 34. foi 0 de sua e:tl5tenC1a, sua primelIa preocupa<;ao, a de sua conserva~ao " .
7. Burgelin, op. cit. p, 222. !.idem. p. 67.)
5()
51

reflexao, ao SOcorro dos que vemos sofrer: e ela que, no estado urn ou tra, se nao sei sequer que ele sofre, se ignoro a que h:i de
de natureza, ocupa lugar de lei, de costumes e de virtu de , com comum entre ele e eu? Aquele que jarnais refletiu nao pode ser
a vantagem de que ningw!m e tentado a desobedecer ~ sua doce nem clemente, nern justo, nern piedoso".12
voz " .8 Esta concepyao da pie dade que toma densidade pela refle­
A pie dade nao e apenas uma forma de identificayao com a xao seria imposslvel no Discurso, onde raztio e rej7exiIo abrangem
humarudade inteira. mas a propria maneira pela qual 0 hornem tudo 0 que condm inelu [avelmente a degenerescencia do "g~nero
redescobre sua infra-estrutura vital: "E sobre esta faculdade pri­ humano": "f, a razao que engendra 0 arnor-proprio e a reflexao
mordial que virao desenhar-se, num jogo de oposiyao, os predi­ o fortifica; faz 0 homem Yoitar-se sobre si mesmo; separa-o de
cados que a ciencia deve decifrar. 0 homem identifica-se, pri­ quanto 0 penurba e aflige. f a fUosofia que 0 isola; por sua causa
meiro, peJa piedade. com a totalidade da vida, para em seguida '.
ele diz, em segredo, ao ver urn homem sot'" .. do: Perece , se queres ,
distinguir-se, no interior deste campo, do 'nao-humano' ".9 I quanta a mim estou segura" .! 3 Deste ponto de vista, a conserva­
"
yao do genero humano lena sldo imposslvel se dependesse da re­
flexao. Esta afumayao e atenuada peio Em17io, que introdm, e
B- a Animal, 0 Homem : a Diferent;a verdade, ulna inclinayao intelectualista na concep<;ao da piedade:
"Para irnpedir que a piedade degenere em fraqueza, e preciso, pois,
No Ensaio sobre a Origem das L/nguas, no DisCUTSO e no generaliza·la e estende-la a todo 0 genero humano. Entao, as pes­
Emz7io a piedade aoarece como um sentimento original, isto e, soas so se entregariam a ela na medida em que ela estivesse de
ern oposiyao ao soci;U aitillcial, 0 "reslduo que nao se deixa expli­ acordo com a justi~a, pois. de todas as virtudes, a justiya e a que
car pela sOciedade".1 0 mais concorre para 0 bern comum dos hornens. E preciso por raziio,
~as este sentirnento sera tratado de maneira diversificada por arnor a nos , ter piedade de nossa esp6cie mais ainda que de
nos tres textos : no DisCUTSO e no Eml7io a piedade e
vista como nosso proximo; e e uma enorme crueldade para com os homens
urn sentimento espontineo da alma (embora nao seja um senti­ a piedade pelos maus". 1 4
mento simples) anterior a reflexao, enquanto qu~ no Ensaio 1 I As tIeS obras, enuetanto, nao sao incompat(veis, pois a reda­
transparece urn acento inteiectualista. Assim, no Ensaio Rousseau ~ao do Ensaio prolonga·se por varios anos, de onde a possihilidade
diz: "A piedade, embora natural ao corayao do hornern, pem1a­ de se deslacarem "diversas camadas" de reflexao; certos capitulos
neceria etemarnente inativa sem a imaginayao que a coloca em importantes podern rnuito bern ter side comparados, compJetados ou
jogo. Como nos deix.amos comover pela piedade? T'ranspo rt an­ remanejado~ ao mesmo tempo que 0 "Segundo Discurso", au
do-nos para fora de n6s rnesmos, identificando-nos COm 0 ser que mesmo depois dele , Mais ainda. a piedade que se toma ativa pela
sofre. Sofremos apenas na rnedida em que julgamos que ele sofre; irnaginayao nao entra em contradiyao nos diversos textos de Rous­
nao e em n6s, e nele que sofremos. Figure-se 0 quanta este trans­ seau pOis existe uma "theorie de l'inneite" * como virtualidade

porte supoe de conhecimentos adquiridos. Como imaginaria os
males de que nao tive. nenhurna ideia? Como sofreria venda sofrer

12.E.0.L., idem, p. 196.


8. D.OJ., p. 59/60. 13. D.O'!., idem, p. 60.
9. Bento Prado Jr., Revista Tempo Braf'ikiro, idem, p. 16/17. 14. Emile, idem , p. 304.
j 0. P. Burgelin, PE, idem, p . 219. '. A expressao e de Derrida na Grammatologie, p. 244 , Ed, Minuit,
1t. Segundo Starooinski, Ed. Ph~iade, voL 1lI, p. 1330, Paris, 1967 .

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53
ou uma teoria da naturalidade como "po tentia/Ire sommeillante ". *
As faculdodes v/rtUIJis operam como ligadura em todos os p6ntos tinc,:ao entre 0 homem e 0 animal; se bern que dotado de inteiigencia,
de frssura te6rica (nos pontos em que a sociedade se rompe) ani­ os anirnais nao sao passiveis de aperfeic,:oarem-se , sao desprovidos
culando-se com a natureza. Isto leva a pensar a natureza nao mais de (magina~ao. do poder de antecipac,:ao que ultrapassa 0 dado
como urn dado , como presenc,:a atual. mas como urn residua, uma sensivel e presente , na direc,:ao do nao-percebido : "Todo animal
reserva. Assim, e a imaginac,:ao que de sperta 0 poder de sua reserva, t ern ideias , pOSto que tern sentidos ; chega mesrno a combinar suas
sem se esquecer sua dupla detenninac,:ao : ela e a fonte dos vicios ideias ate certo ponto . e a hornern, a esse respeito , s6 se diferencia
e das virtudes, de urn lado , do I3em e do Mal, do outro. E que do animal como do mais ao men os. Alguns ftl6sofos chegararn
a pr6pria imaginac,:ao pode perverter-se; desperta as faculdades mesmo a afirrnar que existe maior diferenc,: a entre urn homem e
virtuais mas logo as transgride. 1 5 outro do que entre urn certo homern e 0 animal. Nao e, pois, tanto
o entendimento quanta sua qualidade de agente livre que 0 distingue
A imaginayao desempenha urn papel decisive no desenvol­
dos animais" . I 7
vimento das faculdades do homem, pois sem ela a piedade nunca
se tomaria ativa e 0 homem nao poderia identificar-se a seu serne· A distinc,: ao entre 0 animal e 0 homem, ou mellior, "a trans­
lhante; e alern disso 0 homem em bora dotado de perfectibilidade , cedencia • do homern" ": marca-se na oposic,:ao entre liherdade
perrnaneceria em sua condic,:ao de "quase animalidade" . Desta e instinto. "e sta obscura facu!dade " que parece guiar, sem nenhum
exigencia de aperfeic,:oamento ver-se ....a· nascer sua hist6ria : a pie dade conhecimento adquirido , 0 animal na direc,:clo de alguma fmalidade .
pOe as afei~6esh' em movimento, sob impulso da imagin~a:o, e 0 Neste sentido , a liberdade e a perfectibilidade"": "Sobre a di­
homem pode entw compreender a dor e a ail.ic,:ao de seu seme­ feren rra entre 0 homem e 0 animal, ha uma outra qualidade muito
Ihante, saindo ja, num sentido estre ito , da sua solidao , rompendo especlfica que os distingue e a respeito da qual nao pode haver
o isolamento. Rousseau diz : "A imaginac,:ao que entre n6s causa conte stac,:ao - e a fac u ldade de aperfeic,:oar·se ( ... ) - porquanto
tantos <Unos, nao fala a corac,:5es selvagens; cada qu al espera cal­ o animal 'e, ao fUll de alguns meses, 0 que sed por toda a vida,
e sua especie, no fun de milhares de anos , 0 que era no prirneiro
mamente 0 impulso da natureza , entrega-se a ele sem escolha, com
ano desses milhares".
mais prazer do que furor e, uma vez satisfeita a necessidade, extin­
gue-se tod
· ,,16­
o o dese.Jo . Texto que se apresenta, de agora em diante, sob urn aspecto
A imaginayao esta do lade da socializac,:ao e e, portanto, po­ noyo : a Imagina~ao e ao mesmo tempo a condi~ao da " perfecti­
bilidade" (a liberdade) e a facuidade que pode despertar a piedade,
licitamente concebida_ E a dupl<' determin~ao desta categoria, bern
distinguindo para sempre 0 homern do animal. A animalidade nao
como a "perfectibilidade" da imaginaya:o , leva-nos a seguir sua evo­
tern hist6ria porque a sensibilid ade e 0 entendimento sao fun r6es
lll(;ao nas diversas obras, e particularrnente seu significado no
Ensaio_ *** Nele pode-se ver como a perfectibilidade determina a dis­ de passividade: n uma carta ao principe de Warteemberg***, Rous­
seau diz da imaginayao que 56 eia e a~va e as paix5es s6 se excitam
pela imaginac,:ao ; quant o i piedade, e inata tantO nos homens como
nos animais , e tao natural que - como diz no Discurso - mesrno
*. Idem p_ 263 . os animais manifestarn a sua presenc,:a.
1.5. Cf. D., idem, p. 315/16.
.. . Traduzimos pOI :Lfei~ao 0 SUbstanlivo affection, lembrando que
Rousseau se utiliza constanlemente de seu duplo sentido, de afeirao e afec· 17. Rou sseau, D .O'!.. idem_ p. 47.
(:!lo . •. Cf. Burgelin , P.E. , idem, p. 72.
16. DOI. idem, p. 62. ' • . " Perfe ctibiLidade e uma uadu ~ao cientlfica e precisa da palavra
.;'**. Cf. Demda, in De la Grammatologie , onde e discutida a comple­ co mum de liberdade, que escondia vanas confusOes. Exprime simpiemlente
mentaridade entre 0 Discurso e 0 Ensaio. a ideL> de que 0 homem pode uansformar-sc." l Launay, o p. cit.• p_ 267) .
• n . Carta de 10-11-17 6 3.
)4 55

Sob 0 impul so da imagina ~ ao . est a piedacie vai despertar poder enraizar-se nas bordas fcrte is do Eurotas: obscrvari:l que cm
como iwmalliJade: vemOS entao delineaIem·se J uas seri e s ~, a da geral os povos ' do nort c s50 mais industriosos do que os do suI
mimalidade - c:Hencia. intere sse. geslO' se nsibilid3de - ' e a da por pod crem menos se pri va r de se -Io , como se a natureza qui­
humanidade - paix30. imaginacao . pala vra. liberi13de : a paItJr se sse assim igualar as coisas dotando os esplritos da fertilidade que
daL. a imagina<;:ao pode ser compreendida com o 0 .. tomar-se hu­ recusa a terra' .19
mano da piedadc· '. As paix6es s50 os principais instrumenlos da conscrva<;: ao
E preciso , agora, situar 0 lugar da paixao na propria natureza. do homem, sao obras d e Dew, inslitui~6e s da propria Natureza.
o homcm come~a por fu n~ 6 es puramc nte anHTI31S: per('eber e No " Segundo Discurso" a naturcza nao e um intermediari o en­
sem ir. pois neste momento esta entregue . pe la nalUreza , somen te tre Deus e 0 Mundo. mas substitui a no<;:10 dc Deus ao colocar-se
ao instinto ; mas q ll erer e l1Iio qll erer. J eseiar e l em a se rao :1S pri· a si me sma como ponto originario de todos os acontecimento s
meiras opera y6es ate que as circunstancias detenninern novas mu· - "tudo 0 que sai das maos da natureza e born" - afastan c o a
dan~as: "A natureza comanda tod os os an imais. e 0 anim al obe­ afirma~ao de um cri3dor perfeito . NJo vern os. pois. 110 Discursu
dece.O homem nasce livre paIa aquie sce r ou re sistJr . e ~ sobretulio esta "hip6tese teoI6gica": "E preciso dotar a sociedade geral e 0
na consciencia dessa liberdade que se mosua 3 es[)iriwalidade de direito natural de urn do historico que e 0 lugar vaciJante do nas­
sua alma** , pois a FIsica de cer:t9 modo explica 0 mecanismo cimento. e apenas uma hipotcse teologica permite neutralizaI esta
dos ,entidos e a forma<;:ao das icieias , m::tS 11 0 ro der de querer. vacda<;30 e pensar 0 nascim ento como pura origem (. .. ); por inter­
ou me thor, de escoUler e no sentimento de sse poder 56 se encontram medio do dire ito natural, e a vontade de Deus quc rege esta so·
atos purarnente espirituais que de modo algum s50 ex plicados ciedade do ge nero humano·' '" 0 P:Ha Rousseau. a Biblia aIruina·
pelas leis da Mecanica"lS Alem disso . po rque J !XiLXaO e tambem ria a nOC30 de um puro estado de naturcza , sobre 0 quai os filo ­
natural no homem. eia 0 lev a a satisfazer su as carencias. Nem a sofos cristao s. se apoiam para distingUlr 0 homem de an tes da queda
fome , nem a sede, afirma 0 Ensaio , poderiam provocar no homem e 0 homem pecador - ou. em outros termos, a igualdade desejada
a palavra: mas 0 amor, 0 odio, a colera arrancam "as primeiras por Deus an tes do pecado ori ginal c a desiguald ade nao men os
vozes·'. "Mais ainda" , diz Rousseau, "ser-me-ia Lieil fazer ver que. desejada depois da culpa de Adao e Eva: "A religiao nos manda
em todas as na~6es do mundo. os progressos do esplrilO se propor­ acreditar que se 0 proprio Deus tirou os homens do estado de
cionaram precisamente segundo as necessidades que os povos rece· natureza. eles sao desiguais porque Ele quis que 0 fossem" .:! I
beram da natureza ( ... ) . Mostraria. no Egito. as aItes nascen do E Rousseau: "E evidente, pela leitura dos Jivros sagrados , que ,
e difundindo-se segundo 0 transbordaInenlO do Nilo: acompanhaIia tendo 0 prirpeiro homem recebido im ediatamente de Deus Juze s
seu progresso entre os gregos, onde se as viu germinaI, creseer e e preeeilOs. nao se encontrava nesse estado e que, acrescentand o
elevar-se ate os ceus entre as areias e os rochedos da Atica, sem aos escritos de Moises a fe que the deve tod o f116sofo cristao, e
preciso negaI que. mesmo antes do diluvio, os homens se tenl1am
encontrado no estado pUIO de natureza, .a. menos que nao tenham
*. Segundo Derrida, op. cit., p. 260 / 62. recaido nele por causa de qualquer acontecimento extraordina­
' •. A nota e nossa : a explritualidad e da alma l anuna-animal) que
e
faz a distin~ao entre 0 homem e 0 animal a liberdade. -'las 0 espz"rito tern
tam bern urn segundo sentido no Discurso , como 0 que movimenla a sen­
sibilidade e 0 enlendimen 10, an les passivos : " .-\ssim, os homens dissolulos
se enlregam a excessos que Ihes causarn febre e morte porque 0 esplrilo
deprava os sentidos e a vonlade fala ainda quando a nalw eza se CJ..la". (Idem , 19. D.O.!.. idem, p. - ~ .
p.47) . 20. Palrick Hochan , Cahiers .. , p . 8 0 .
18. D .OJ., Idem, p. 49 . 21. LlUnall, op, cit., p. 204.
56
57

rio - paradoxa baslanre emb:lra~uso de di::fender e complelamcn· damentos quando. por seus desenvolvimentos sucessivos, chega
te impossivel de provar·'." 2 a ponto de sufoc::u 3 natureza".2 5
Rousseau rellete sobre 0 princ(pio de que 0 homem e nalU· Do animal ao homem h:i uma continuidade , ja que possuem
ralmente bum e que. pOfl ~ n!O. nao pode existir uma perreniJaJe um lunda comwn - a sensibiLidadc. A ruplura OCorre com a per.
origl/wl nos primeiros movimentos da natureza: est a e unidade . fectibili dade : "E J prcipna natureza que se lOrna sociavei no hu .
onde 0 homem vive em 51. num estado de indivisao, de tal form] memo e -jue s6 sc reveL:! Jesta maneira pelo concurso dos acasos
que apenas um Jlan ind eterrninado conduz a defesa ou a indo· da historia do globo. Os aconlecimentos exteriores e a natureza
10ncia: CS5:! adesao a ,i mesmo e cOlIlcidencia consigo mesrno .: escondida do homem formam uma unica e mesma realidade em
c6
pro\imidade do originario. do nao..Jividido: a (mica paixao com movimemo" Apenas quando 0 homem come~a a olhar seu
a qual !lasce e 0 amor de si. pai:dio que em si mesma e indiferenlc semelhanle COmo t3.1. come~a aver suas reia,,6es e as rei~5es das
ao bem e ao mal: por isto. 0 homem n:llural e sempre "justo" : coisas. constltuindo·se entao as Ideias de conveniencia. justl"a e
"e!a s6 se tom:1 boa ou ma". diz Rousseau. "por acidente e segundo ordem.
as circunStanClas em que se desenvolve: todos os vleios que se 56 agora "0 belo mora.!" com eya a se tornar senslveL 3. cons­

~tribuem ao cora"ao humano nao the sao naturais e (".) pela al· ciencia entra em Jr;:ao e os homens passarn a !er "'virtudes"; e se

tera"ao sucessi va da bon dade original. os homens se tomarn. fInal· tern tambem v1'eios, diz a Carta a /..1. Je Beaumo nr, e a partir da

menre. 0 que SaO .. 2 3 amplia~ao de Seus interesses e do despertar da ambi"ao, a medi­

'lo estado de !'-Iatureza 0 homcm se limita exclusivarnerile da que "suas iuzes" se desenvolvem; enquanto nao ha lamas opo­

ao instinto fl"sico. "eJe e ningucm. e bieno". 0 e:Hater animal tern siyoes entre interesses e portanlO e pequeno 0 COncurso de "suas

o sentido cia recuS<l de lj ualqu er <.?xpucacao nao·n:1turaJ das mu­ luzes". os homcns sao cssencialmen!e bons.

dancas do homem: quando se JfastaIn JS consideracl5es re ligiosas. E na nn.iem socia.! que se encontra a causa da mudanca, pOl S
:l \alUrcza pemlanece aquilo que se consrr6i por 51 mesmo: dat em tudo d3. 1i COntraria :l natureza e a tiraniza sem tregua. Com
J insen satez dos que se queLxam da natureza sem saber "que todos isso, percebe ·se porque Rousseau nao precisou da lzipOlese teolo.
os males vem de si mesm: Js" , Jizem as "Confissoes". As palavras gica: nao supas 0 homem mau por narureza. ja que p6de marcar
"Provideneia", "Natureza" ou "Divindade" tomarn·se 0 me smo: 'a origem e 0 progresso da maldade: talllip6tese nao e eficaz. nem
"Porque a divindade existe e e boa, e preciso com baler a concep­ mesmo possl"vel: a rela~ao Com Deu s e de "ordem religiosa" e nao
yao social que desfigurou . perverteu e travestiu a Natureza". 2 4 ·'filosofica". diz Rousseau. Deus nao e uma "evidencia", os primi­
Rousseau procura as causas humanas e naturais do estado de guer­ tivos nao 0 conhecem, Emilio 0 descobre tarde e porque e ensi.
ra - a piedade. por si mesma. nao engendra a sociabilidade. No nado a conh~ce ·lo, E 0 CUn/raro exclui os atributos rnetafisicos
DisClLTSO pode·se ler : "Do concurso e da combinayao que nosso de Deus: a existencia da divindade "poderosa, in teligente , bene­
espirito e capaz de fazer desses dois principios (0 arnor de si e a merita, previdente e providente" e urn dogma da religiao civil.
picdade). scm que seja necessario nele introduzir 0 da ,ociabili­ Por ourro lado, lemos no Eml'lio: "Eu sei que 0 mundo e govemado
dade. parecem-me decorrer todas as regras do direito natural. regras por um3 l ontad e podcro sa c sabia: eu a vejo. ou meUlOf. eu a sin 10.
essas que a razao, depois. e foryada a restabelecer com outros fun· e e import3.Dle eu saber disso . \1as es!e mesmo mundo e ctemo
ou criado') Hj um prine (pio tinico das coisas? Hj dois ou varios '

22. D.G./. idem. p. 40.


23. LelCre 1i .'.1 de Beaumont , idem. p. 444. 25 . DOl.. id e m. p. 37 .
24. Launa).' . op. U( .. p. 205 . ::'6. LJuna v,op. elr , p. 268 .

'$.
58 59

equal ea
sua natureza') Eu nao sei. E 0 que me impor1a ( .. . ) Re·
1
A piedade deriva do arnor de si e ao mesmo tempo tern um ler.
nuncio a quest5es ociosas que podem inquielar meu arnor·pro­ rilorio na sociedade. porque ela nao e uma paixJo simples: " Ela
prio mas que sao inuleis a minha comiula e superiores a minha poss ui dois principios. a saber. 0 ser mteligente e 0 ser sensitivo
razao" '" 7 cUJo bem-eslar nao e 0 mesrno . 0 apetite dos sentidos tende ao
Retomemos. pois. as paLxoes: pertencem a 0i atureza e par 00 corp o e 0 arnor da ordem ao da alma. Este ultimo arnor, de·
csla razao a analise da desigualdade nao pode voltar·se nessa di· senvolvido e ativado, leva 0 nome de con sciencia; mas a consci~n·
re~ao. comO se as paix5e s ja estivessem marca uas peio mal . Ao cia so se desenvolve e age com as Juzes do homem. E so por estas
contrano: nao se trala de reprimir 0 vlcio mas oe in1pedi·l o de luzes que chega a conhecer a ordem e 56 quando a conhece sua
nascer: e urn empreendimenlO VaG e ridlculo, diz 0 Emi7io. "que· consciencia 0 leva a ama.la" . 2 9
rer destruir as paix5es. controlar a natureza e refonnar a obra Somente 0 homem born e mau, que conhece 0 arnor e 0
de Deus": seria contraditorio que a Natureza (Deus) quise sse ani· 6dio , em quem a imaginayao e as paix6es desenvolverarn·se pro·
quilar as paix5es que ela engenora no homem. :-.tas e preciso estar porcionalmente (isto e, 0 hom em que desperta para as afeiyoes
atenlO ao falO de que. 5e e verdade que a origem de todas as pai· sociais e que e sensivel a
piedade), experimenta a necessidade de
x5es e natural. nem todas 0 sao : " a necessidade de satisfayao de falar e in~nta a lingua. 0 lino V do Emma descreve a impor·
uma mul tiplicidade de paix5es e obra da sociedade", diz 0 Discurso. tancia das paixoes que se encontrarn na origem da sociedade e
E preciso perguntar·se qual 0 es[artlfO da piedade como da moral; e pela paixao que se constr6i a relayao com 0 outro.
prlixiio natural. ja que tarnbem ocu pa um lugar na sociedade (em· primeira forma de sociabilidade, e no "munnlirio das paixlks"
bora de maneira menos arnpla do que no estado de natureza) . Pois que 0 homem pode nascer verdadeirarnente.
Rousseau observa : "A benevolencia e a amizade sao. bern enlendi­ Das PaLxOes iniciais. amor de si (natureza) e rlmor·propr/o
das , produ~5es de uma pie dade constanle ( ...) , pois desejar que (s ociedade) vao logo nascer todas as que co nstituem 0 ser moral:
aiguem nao sofra nao sera desejar que seja feliz? A ser verdadeiro mas Rousseau denuncia logo 0 pecado onginal do ser moral: se
que a comisera~ao nao passa de um senlimento que nos coloca as paixOes "doces e afetuosas" se originarn do arnor de si (este
no lugar daquele que sofre. senlimento obscuro e vivo no homem sentimento segundo 0 qual todo ser vela por sua pr6pria conser·
selvagem, desenvolvido mas f raco no homem civil. que im portara v~ao mas no qual a preocup~ao de si supOe sempre 0 olhar do

lal ideia para a verdade do que digo , senao para the dar mais for~a? outro), as p;u;.cOes perversas nascem do arnor·pr6prio , sentimen·
A comisera~ao. com efeito. mostrar·se·a tanto mais enthgica quanto to que leva cada urri a cuidar de sua propria conserv~ao; e urn
mais intin1arnente se idenlificar 0 animal espeCLador com 0 animal sentimento relativo, ficticio. que nasce em sociedade. 0 arnor­
sofredor. Ora. e evidente que essa identifica~ao foi infmitarnente pr6prio e e
oP arnor de si, que se tom a interesse parricu!nr, isto
mais esueita no estado de natureza do que no estado de racioci· o recalque e 0 esquecin1ento do sentimento natural. Germma,
nio' ,2 8 E que a piedade nao e nem a pr6pria origem , nem urn neste momenta, a ideia da culpa , posto que a hip6tese teo16gi·
f1uxo passional dcrivado . uma paixao adquirida entre outras: ela ca foi descartada e a divindade confia ao homem a regencia do
e a primeira "deriva~ao" do arnor de si. ela e "quase natural".* mundo, fazendo dele nao 56 um animal mas urn ser livre; e nu­
rna carta a Voltaire*, Rousseau diz que a fonte do mal esta na
liberdade do homem, na perfectibilidade que ja comeya corrom·

27 . Rousseau , Emile. tran scrito por ele na Lettre Ii M. de Beaumont,


idem, p. 459/460.
28. D.O.!. idem, p. 59i60.
29. Rousseau, Lettre Ii M . de Beaumonr . idem. p. 444.
e
*. A e xpressao de Derrid 3.
' . Primeiro de Agosto de 1756.

60
fJJ
pida . 0 mal e produzido pela hist6ri3. e pela sociedade, e a culpa
da sociedade nao e 3. culpa do "homem essencial" mas a do "ho­ desfruta dela (. .. ). A consciencia de si lorna entao a vida como se
mem em relaC;ao" ; 0 mal esta do lado do factual e nao existiria collie urn fruto maduro que se encontra diante da mll"o que 0 lo­
se 0 homem nao pOSSUl·Sse a ·'perigosa l.iberdade" de negar, pelo rna:".) 2 . ' Este gozo na imediatez, gozo de si, na:o e diferenciado
artiflcio, 0 natural. "E nas maDs do homem, e nao em seu cora­ por inrervalos - nao hA descontinuidade, nao hoi alteridade ; e a
faO que tud o degenera. Suas maos rrabalham, mudam a natureza, experiencia da presenya continua a si mesmo, e 0 tempo das Re­
J
fazem a hist6ria" 3 0 veries, tempo da presencra "onde 0 presente dur~ sempre sem con­
tudo marcar sua durayao e sem nenhwn rastro de sucessao": sem
anrecipa<;:ao ou recor~a:o.
C - 0 Retorno do Reprimido na SoCledade Mas 0 prazer que se realiza positivamente neste desfrutar ,
ao mesmo temp o em que e "ce rteza de si" (islo e, conscit!ncia
Rousseau se esforc;a por pensar a sociedade geral* como de si objetiva) tern uma significa~ao negativa - a de e/e proprio
uma sociedade quase pura, sem negar as contradic;5es que viriam ser suprimido. Hegel <liz: "Ora, a consciencia de si concebeu sua
cindir a origem, prolongando numa du~:io homogenea, sem li­ propria atualizac;ao apenas em sua significa~3o positiva , eis por­
Inite e sem bst6ria, 0 momento fugidio do nascimento, onde a que sua experiencia entra como contradicao na consciencia; nesta
unica desigualdade e a desigualcfade fisica. 3 J 0 "princlpio de des­ experiencia, a realidade da singularidade da consci~ncia de si efe­
trniC;ao" ja esta presente neste "quase", na pr6pria origem, mas tivamente alcanc;ada assiste a· seu aniquilamento por parte da
de alguma forma permanece indlferente. Desta forma, Rousseau esse ncia negaliva que, privada de realidade efet iva, levanta-se vazia
nao considera os principios origiruirios de conservariio e de des­ diante dela e e, porem, a p<:ltencia que 3 conserva" .33
truiriio das origens como simuirtineos. 0 que equivaleria a destrui­ Retomemos Rousseau: embo ra presente desde a origem, 0
c;ao <fa noyao de origem; e levado a conceber como sucessivo 0 que, mal e sempre conseqiiencia de uma falta de vigilancia, a conseqi.ien­
na realidade, descreve como simultaneo, posto que desde 0 ini­ cia de uma distra((ao fatal; nos te xtbs de' Rousseau este instante e
cio 0 ~'princlpio de destruic;ao" age insensivelmente. assinaJado pela expressao "tant que" do Discurso - enquanto os
Isto po de ser compreendido a panir da analise hegeliana homens se contentaram com suas cabanas rUsticas, enquo.nro se
da consciencia. A consciencia de si tern a certeza de ser a realida­ limitaram a coser suas roupas de peles, viveram livres e saos; 011
de; tern seu objeto em si mesma; mas a consci~ncia e urn objeto ainda na Carta a M de Beaumont: "enquanto ha menos oposiC;6es
de tal ordem que nao 0 possui apenas para si (0 ser the aparece de interesses~ os homeru sao essencialmente bons". _Segundo Rous­
comO uma realidade diferente dela) - num primeiro momento, seau, anos estereis, irlvernos long os e crueis, veroes calcinantes que
ela e consciencia de sf c9mo essencia singular irldependenre da secavam os frulos da terra, impuseram 0 trabalho ao homem;*"
outra consciencia de si, a partir da qual torna-se ser para si; ou
entao reduz esta "outra consciencia de si" a si mesma. "A cons­
ciencia de si joga-se. po is , na vida e caminha em direc;ao a realiza­
sao da pura individualidade na qual surge . Em lugar de cons; "u 32. Hegel, liz Phenomenologie de {'Esprit , p. 298.
a. £. interessante apro ximar este rexlO do de Rousseau sobre 0 gozo
sua pr6pria felicidacfe, ela a collie imediatamente e imediatameme
imediato no estado de natureza : "OS [ruIO S estlio ao alcance da mao, deles
nos alimentarnos sem falar; pereguimos em silencio a presa com que nOS
saciarnos." (Emile, idem, p. 162.)
30. Starobinski, T. e! 0 ., idem , p. 34.
33 : Ph en. E ., idem, p_ 299.
*. Trata-se da sociedade nascenTe. (D.0.1., idem, p. 72).
..• . Quando a naturf',Za p<u>a a ser urn o bstaculo, surge 0 uabalho : de
31. Hochart, " Droit Naturel el Simulacre", Cahie,.s ... . idem. e, pois, 0 advento do negatIVo : d.3·se a prirneira I:rande divisao, a Natureza
e'o ··primeiro Outro" que 0 ho mem alcan~a e que ~e porque lh e e howl.
62
63
a necessidade que os homens passaro a rer uns dos outros nao e
acosrumavam·se pouco a pouco
natural: na a convivencia tomou-se necessaria. Vma por se fazer
vez que a sociabilidade nao e uma a festas: os
cial se por ao mesmo nao bastava m:us e a voz 0
de certos "acasos",
fortuitos de c:ircunsUincias", "diferentes senti! ao mesmo

acasos", -'mwto sabia , "concurso fortuito de varias em uma de

causas estranhas que nun~ ter nascido", "causas mw­ do OUtro, a homem identifica suas :.ememanya.'> na

to leves", femes acasos" *, etc. E Rousseau: manerra de pensar e de sentir e aJia-se ao outro - ou torna-se seu

tremores de terra cercaram de au de - conforme as

do separaram e cortaram o mal nao e uma natureza, e conungente com


do cominente. Concebe-se que entre os hornens a
natureza do horn em. H;1 uma entre
desse modo e a mer teve que se a essencia do homem como e sua ""'"",,'vav
formar wn idioma 34 homem nasceu livre e em toda parte esui
No 0 Unico indlcio da dos homens traw. Mas tal se na essencia do social ou em
- a consisre na passagem do "acidentes hlstoricos" que no fundo perrnanecenam estranhos a
a c~ e pesca ~o atividades essencia?
diferentes ttknicas e
a nrimPiro No caso do DisCW'so ja conhecemos a resposta - "as aca­
50S": no :;.ao os "abuses": "se os abilses desta nova con­
a ,,36 A liberdade natural do estado de UQ.-U'W'4J

com a natureza e com 0 o recurso de que Rousseau 0


uma de retlexlo a oartir da argumento "causalidade nlo
sentido: domina os animais que lhe faz com que a como
e torna·se urn para 0 outrO. 0 pnmelIo uso senti do da busca do no movimemo de
que faz da reflexao e para se saber ao animal. do social: no estado de natureza a homern se encontra
A lura do homem contra as outras muncia as que na da animalidade e nao realizou sua natureza hist6rica:
"mam opor 0 homem ao homem: 0 uso que faz de suas ponto em que os obsticulos
"novas hues" e retletir sabre a natureza do outro e sobre as rela­ que no estado de natureza
que devera desenvolver com ele de agora em diante. Desde de que cada indlviduo
ha um duplo desenvolvimento social: urn nnrinnJI1 para manter-se Entao. eSle estado orimitivo ja rulo
de de Benevolencia fundada sobre 0 bem comum: ':sob velhos
carvalhos. vencedores dos anos, wna ardente

35. £.0.,[, idem, p. no .


•. Lodjca;;ao de Launay, op. cit.. p. 215. 36. CS.. livro i, cap. L idem, p. 236.
34. o.C. Pleiade, IR p. 168. • A observayao e de Marilena S.Chau!. q'.lanoo da leirwa deste trabalho.
64
65
pode subsistir e 0 genero humane pereceria se nao mudasse seu
modo de ser',3 7. e permitido infringir e eie nunca a infringe irnpunemente".40 Neste
sentido. se urn "preconceito insensato" nao tivesse separado Julie
Rousseau concebe uma mudanc;:a do hornem natural (muda,
e Saint·Preux. poder-se·ia assistir ao desabrochar de uma situa¢o
por assim dizer, de natureza, mas continua subsistindo no estado
narural: estas "belas aimas" sairam das maos da natureza Huma
civil). Esta passagern nao se da, entre tanto , sem dificuldade: Rous­
para a autra·'. "e numa doce uniao, ~ no seio da felicidade, livres
seau diz no Discurso que nao ~ uma tarer'a ligeira a de separar 0
para expandir SilaS forc;as e exercer suas virtudes, que tenam ilu.
original do artificial na narureza atwJl do homem_ A natureza rnuda,
minado a terra com seu exemplo" ,4 1
de uma cena forma: "para estabelecer a escravidao foi necess3.r:io
Mas 0 BanIo d' Eunge, expre~o da sifl4l¢o social, mo
violentar a narureza, foi preciso transforma-la para perpetuar este
compreendeu que os direitos de urn amante s.'io mais yerdadeiros
direito"38; a natureza atual do homem e mais que 0 hornem na­
do que os de urn pai e que violava. com sua proibi~o, a 'lei da na­
tural. contem tudo 0 que 0 homern veio a ser e pode tomar-se
tureza. A mone de Julie representa, ao mesmo tempo,' 0 castigo
conJorme as indicayees de sua narureza; e isto no sentido em que
da natureza e 0 unico alivio passivel: morta, Julie l.iberta-se da
sempre osciJa entre a simp/icidade original (instintiva, estitica)
necessidade de agir, pois pode funar-se ao esfor~o que lhe custa­
e 0 dinamismo cia perfectibilidade; 0 vicio cia natureza atu.a.l (a
va a lei do dever. Assim, a virtude (que eo conhecimento do Bern
"desordern" da natureza atual) consiste em desnaturar 0 homern,
e do \taL e vit6ria volunriria sabre 0 Mal) jamais voltanl a ser
irnpedindo~ de viver "conforme sua natureza". Nao se .!rata de
"inocencia primitiva", ignorancia do Bern e do Mal,: a alma vir­
uma volra a natureza, mas de segui-la. Nao basta deflIlir a natu­
tuosa fez a expenencia do confljto. A Morte e suplemento e re­
reza peia "lei natural", se nao se percebe, ainda, 0 que significa
present a 0 senrimenro que mIo coincide mais consigo rnesmo e com
naTUreza" : 0 que impona registrar e que qualquer coisa. para ser
a Natureza; embora as "beias almas" tragam de volta 0 reino cia
narural. jeve falar "imediatamente pela VOl cia natureza". Rous­
limpidez. elas sabem que a verdadeira transparencia esti perdida;
seau nao entende por lei natural a que torna indiferemernente
'}. felicidade que podem reencontrar nao exclui a lembranc;:a do
escravos ao homem e ao animal; esta coniusa:o provem do fato
tempo da iru-elicidade e cia divls.ao: ..elas conservarn assim a lem­
de designar-se "com esse
nome (lei narural) antes a lei que a natu­
branc;:a cia tribula~ao entre a transparenci:i inicial e a transparencia
reza irup<5e a si mesma do que a que prescreve".39 Encontrarnos
restaurada: conhecem sua historicjdade . Sabem tambem que a
uma ilustrac;:ao disto oa Nouvelle Heloise - uma atrac;:ao espont~­
felicidade atual e efeiro de sua forc;:a e de sua livre decisao e, con.
nea aproxirna dois seres: "se reina 0 arnor e que a narureza ja es­
sequentemente, precaria. Poderiam, cansadas de mer no extremo
colheu ( ... ). Esta e a lei sa.grada da natureza., que ao homem nao
de sua yontade, recair nas vias da opacidade. Bastaria urn deslize
para os corac;:6es se fecnarem novamente sobre seu segredo e com.
prometerem a screnidade tao penosamente conquistada".4 2
As oobelas almas" saDem dis.so e nao podern deixar de lastimar
37. c.s.. !.ivro I, cap. \1, p. "43. o tempo da inocencia, tempo " sern esfor90" , quando 0 instanre
38. IJem. p. 84.
presente nao representava qualquer amea<;:a em rela<;:ao ao instante
'. £ interessante notaI que ha no texto da .",·ouvelle Heloise 0 mesrno
~o,i..-nen:o que se encontra no Discuno: " assim como para estabelecer a
anterior. :'-relas a ....olta do passado reprimido provoca sempre uma
~;::r:!VldJo loi necessano 'iolenlaI a natureza " , p. 84): viol€nCJa presente cena rensao. sensivel em ~odo 0 romance, mesmo quando Rous.
- ) c;10rco para apagaI as I ~ mbran~as em Julie e Sain[·Preux: " des violen­ seau fala da confianc;:a a6soluta das "beias almas" , da comunica.
~'.;71-5e ~2IJ libertar·se delas. \\as este es.iorc;:o na:> pede se reaiiz.ar de uma
.,,~7. por ' .JGas. Jeve ser perpeluaJnenle recome~o. De onde uma luta que
40. T. er G.. idem, p. 115.
~'Orre 0 >:: ;00 de 1O!:1ar-Se insupGn.1v ',l". (SI.aIobin;.ri. T. er G .. Idem. p. 114).
41. iA ;....ouvelle Helo/~. LI. III, '.!.I1, p. 253.
39. D.GJ.. idem, p . 26.
42. Surobinski , T. er G.? 250.

...",
66

yaO "sem obruiculos da co nscien cia" , da ausencia. enfIm. de segre­


do: ':Deixo exalar rninha5 comoyees". diz Saint-Preux. "sem cons­
trangimento: nao conteID nada que eu deva calar, nada que per­
turbe a presenya do sabio Woimar. Nao terno que 0 seu oiliar escia­
recido leia no fundo do meu corayao; e quando uma lema lembr(Ill­
~a quer renJ1SCer, urn olhar de Claire 0 recompensa. urn olbar de
Julie me enrubesce'· .4 3 Mesmo "exalando" essa "transpart!!ncia
perfeita", Saint-Preux confessa a neeessidade de lutar contra a
"tema lembranya" .
t nesle sentido que 0 Discurso sobre a Desigull/dade erige
a sociedade sempre como urn mal com relayao aNatureza. As CAPI'ruw III
causas forturtas que marcaram 0 flIll do estado de natureza e que
deveriam promover as virtudes morais s6 conseguirarn "aperfeiyoar
a razao, deteriorando a especie" e tornar urn ser mau "fazendo-o
DA VI~IBILIDADE AALIENAyAO
sociive}" , provocando a perda da transparencia e da visibilidade
absolutas.
Ao nivel do Discurso, 0 conflito ja manifesta a desigualdade. A - 0 Invis(vei e Q Representafiio
a impOSSloilidade de viver "conforme a ~atureza" . 0 interesse
particular comeya a movimentar-se. tran'sformando 0 arnor de si
EIIUllO* sera, primeirarnente, 0 hornem da natureza que COm
em arnor-proprio, transformando a felicidade de urn na infelici­
seu 0liL1r natural illl1Ilinani as contradi90es sociais (ftrn do livro
dade do OUllO, a tal ponto "que 56 permanece na boca dos hornens
V) . Nela dOmina urn novo silencio · antes descoMecido, 'o da escra­
uma palavra feita para enganarem-se mutuamente. Cada qual fIDge
vitiao, na qual a Vontade Geral se cala sob a tirania, a conscit!ncia
querer sacrificar seus interesses ao do publico, e todos mentem.
sob representay(les que lhe escapam ; aquele que era sennar de
Ninguem quer 0 bern publico senao quando concorda com 0
suas representayOes passa a submeter-se a elas, e com esta suj ei 9ao
seu".44
tern flID. a liberdade natural. e deste ponto de vista que 0 Discur­
so, ao !ratar da origem e dos progressos da desiguaJdade, da por
perdida a causa do homein social: "Assirn como um coreel mdoma­
vel eriya a erina, bate cOrti0 pe na terra e se debate irnpetuosamente
s6 COm a aproxirna~o do freio, enquamo que urn cavalo domado
suporta pacientemente 0 ducote e a espora, tarnbem 0 hornem
barbara nao curva sua cabeya ao juga que 0 hornem civilizado
traz sern murmUrio e preiere a mais iempestuosa liberdade a uma

•. 0 Emfiio represema 0 ultimo recuno para salvar 0 individuo ~rque


a sociedade esti perdida. .\{as. como o bsen-:l L. R. Salinas. as cart2.S "os
governos podern "au.ti!iar ·· i.:ITl cumprhnento 2?roximado da lei, ames que
43. S H.. partie V, Lettre VlI , O.c.. p. 609. a COrpo poUtico esteja wtalrnente mono . Dem po n ro de vilU. entre 0 Emi­
44 . Larre aM. de Bequmont, p. 445. lia e a ConI7r1to Cui a DiscuTSO como gene "Jo ; 21 do mal. mas ha ramoe:;; as
"canas ·' como medicina poiiuC:l.
68
69
Se a
a pela qual se
dominados que se para 0 outro, coube a SDciedade natural
a favor ou contra a realizado a sociedu.de civil. para urn
pJr tooos os pQvos !ivres para se Sei que do terror" e para a
valencia universal':
os nada fazem senao enaltecer contLluamente a paz o estado de guerra. 0 L11srinto que
e 0 sossego de que gozam sob seus mas isto e, a arnor de sf.
animais nascidos livres e detesrando 0 cativeiro esmagarem a de uma
e moral", e 0
VU;)L4cuios que s.e

contra as da multid5es de a vida e as que os


nus as e enfremarem a mento, os nao provem matS da lhe OpQr·. Neste mo­
as armas e a mone para conservar somente a sua do natweza \'-<'''''0", 'VU'J,
recursos para a da
concluo que nao cabe a escravos raClOcmar sobre liber­
dade" I puramente il'I.temos as
o homem civilizado sera sempre a opres­ erudo de guerra que constante­
mente 0 (os sua Este
sao "sem munnuno", a e unifonnidade estado de guerra deve ser
da v1da anLmal e Como afuma Rousseau: "De que se niu; como uma

nata neste Discurso? De no progresso das dente dos

coisas, 0 momento em que, sucedendo 0 direito a sub­


meteu-se a de por que encadeamento de que
resolver-se a servir 0 fraco. e 0 povo a com·
prar uma pre90 de uma felicidade
real".2 em cavemas, encontrou
Eis novamente diante de n6s a da
duros e que serviram para COrta! lenna, cavar a terra e fazer
agora relacionada com a faro de que, na sociedade, 0 homem cai
de ramos que em resclveu cobrir de
sob 0 dominic das leis da eultura das terras decorreu necessa­
e da que
<"""u..tJ", e que

permanece a proema nasceram rnuitas guerras e cornba­


para a vida social. na cons­
ce
toda de toda rem
tambem
coisas 0 que foi feito soberania divina e 0 cia
que 0 homem realizar. Ja que todos os foram a sociedade tern urn
para reparar os vlcios sociais. e a guerra "esta guer;-a
e afastar todos os velhos materiais". ~ anterior a guerra"*"'. A todos as obs­
ticulos que dele dl'N'lrr.,..,... 0 noml'm so opor suas
"natureza do pacto fundamental" e "estudar a socledade
para os homens e as homens para a sociedade".
Antes da lei. cada qual era 0 Umco IWz das ofensas recebidas.
o que culmrnou em terriveis e crueis".
" 0 percurs.o e 0 ce"lrhusser m "Sli1 le (anITal Soclll·'. C:;.1iel'5
DOL 69.
1. Rousseau, D.OI, idem, p. 82.
.., Em
dila exis:e de G...:ecre ' " Rous.s.eau C1Z que g'~erra rro~n..unente
2. D,OJ.. idem, p. 39. entre :l.!i soc1ecia.:~s c1VlS.
.~

70
71
para tentar manter-se no estado natural: "Estas foryas sao cons­ foryada; este interesse particular e a foana que torna 0 amor-pr6­
tituidas pelos atributos do homem natural que chega ao estado pn·o na sociedade nascente e que se radicaliza no estado de guerra.
de guerra_ Sem esta Ultima precisao, 0 problema do contrato social Podemos considera-l0 (e Rousseau 0 faz) urn estado de natureza.
e ininteligivel".'"
pois e estado social mas ainda nao e estado civil; no estado de
Neste momento, nao se trata rnais das lorras do homem no guerra 0 homem encomra-se no interior do estado de natureza: sO
primeiro estado de natureza - onde e ainda urn aninuJilivre , cujas
que ~sti aiienado. 0 que pora fun ao segundo estado de natureza
faculdades intelectuais e morais ainda sao nulas. Econtrarno-nos e a luta mortal a qual 0 homem se entrega.
diante de um animal corrvertido sob as catastrofes naturais e sob
o impacto da Grande Descoberta (a Metalurgia). E 0 homem chega
ao estado de guerra generalizado de posse de seu corpo mas com B - A Genese cia Oposi¢o: A Consciencio.
suas foryas fisicas enfraquecidas pela vida social: "Foi nossa indus­
tria que nos privou da for~ e da agilidade que a necessidade obciga A deSllatur~ao assinala a perda da independencia do indi­
o homem natural a adquirir_ Se tivesse urn machado, seu punho viduo, mesmo que em seus principios isto se passe num cenano
romperia galhos tio resistentes? Se possuisse uma escada, subi­
de canto e de dan~ - 0 que termina por estabeiecer a primeira
ria tao ligeiramente numa arvore? Se tivesse urn cavalo, seria tao dilereTlfi1 consciente entre 0 homem e seu outro: "0 canto e a
agil na corrida? Dai ao homem civilizado 0 tempo de reunir todos dan'f3, verdadeiros fillios do arnor e do lazer, tomaram-se a dis­
esses instrurnentos a' sua volta; nao se pode duvidar que ultrapasse tra~ao, ou meihor, a ocupa~o dos homens e das mulheres ociosos
com facilidade 0 homem selvagem". 5
e agrup31ios. Cad a um come~u a olhar os outros e a desejar ser
o homem no estado de guerra possui "foryas intelectuais" ele proprio olhado, e a estima publica passou a ter urn prec;:o. Aque­
e ·' bens" - e a violencia configura-se como estrutura constituti­ Ie que cantava ou dan<;:ava melhor, 0 mais belo, 0 mais fone, 0 mais
va do reino da carbu:iIl: "desde 0 instante em que urn homem llabil ou 0 mais eloqiiente passou a ser 0 mais considerado, e foi

precisou do socorro' de outro, desde que se percebeu ser util a


esse 0 primeiro passo tanto para a desigualdade quanta para 0

urn s6 contar com provis(jes para dois, a igualdade desapareceu, vIcio; destas primeiras preferencias nasceram, de urn lado. a vai­

introduziu-se a propn~edade, 0 trabalho tomou-se necess:irio e dade e 0 desprezo e de ourro a vergonha e a inveja ( ... ).

as vastas florestas transfonnaram-se em campos apraziveis que se


Assim que os homens comec;aram a apreciar-se mutuamente
precisou regar com 0 suor dos homens e nos quais logo se viu a e se lhes forrnou no espirito a ideia da considera.c;:ao, cada urn pre­
escravidao e a miseria genninarem e crescerem com as colheitas".6 tendeu ter direito a ela e a ninguem foi mais possivel deixar de
A propriedade e 0 iildicio da passagem do estado de natureza te-la irnpunemente. Sairam da! os primeiros deveres de civilidade,
ao estado civil. 0 animal humane do "primeiro estado de natu­ mesmo entre os selvagens, e por isso toda a afronta volunLiria
reza" nao tern, a rigor, interesse particular: nao ex.istem relac;:6es tomou-se urn ultraJe porque, junto com 0 mal que resultava da
necessirias entre os homens, e a condifao para oporem-se tambem injUria ao ofen dido, este ',ia nela desprezo pela sua pessoa, freqlien­
se encontra ausente. No "estado de natureza segundo", 0 homem temente mais insuportavel do que 0 proprio mal. Eis como, cada
desenvolvido, alienado de seu estado anterior, adquire a no~ao urn punindo 0 desprezo que !he dispensavarn propo rcio f!a1mente
de interesse particular, estirnulado pelas rela~oes de sociiliza9ao
~ importincia que atribuia a si mesmo. as vinganyas tomavam-se
terrIveis e os homens sangiiinanos e crueis·'.7

4, Allh~I, "Sur Ie Conrracr Social", idem , p. 10.


5. D,OJ.. p. 42.
6. Rot=eau, D.OJ.. p. 73. 7, D.O.I., p. 71/2.
73
72
em relac,:ao a sua forruna e A craegoria do parecer
Este texto mosua 0 naSC1ll1ento da "consciencla de si". 0
elan que 0 homern no estado de natureza 0 arnor
ca a divisao interior do hornem e, sua servidiio e a
carater ilimllado de suas de Rousseau
de si COIDe~ a dividir-se: 0 hornem da natureza nao se compara
diz que a consclencia a voz da e as a do carpo, a
ao OUtIo* mas a ele se idenufica pela nas
consciencia para a alma 0 que 0 instinto e para
a se realiza em do outro, 0 eu e def!­
ne.se di.turIe do outrO e AA_~;" "".. ,.,..,., " ('Intra. oois necessita ser

o corpo. A vox. cia alma e


diferenle da YOz do corpo mas as duas
sao Natureza a conscienCla 56 lorna 0 rumo da
a Natureza se se abre 0 ca.rninb.o para a da
Dai decorre a divisao entre 0 ser e 0 parecer, entre urn nU­
"can tra-naturez a" 0 homem a "fonte
cleo f/.I1.llITfll e urn eu de tomaram-se duas

de todas as miserias", di.z 0 Eml7ia. 0 homem cia Natureza era


coisas mteiramente diferentes. Desta resultaram 0 fausto

uno porque os seus meios coincidiam com suas necessidades e de-


a asrocia enganauu
e todos os vicios que constituem
11,,*

o hornem do parecer "we na do e s6 do


o seu VV.·~J- allieio e que retirar 0 sentimento de sua pr6pria exis­
o homem aliena·se na que e ao me sma tempo
tencia.
e causa das Ou
~IVIUUaJlzaFJ.o que os homens se diferenciem entre
a moral e a econ6mica vern "Os politicos
vv",",v-,... uns aos outros. A do instante em que se des­
falavam incessanternente de bons costumes e de virtudes, os nosses
cobre 0 DUtro cada se ve a se limitar·se. esco­
sO falam de comercio e de dinheiro Que nOSSOS se
lher - oreieru au recusar: .•... que 0 amor absoluto d~enel
sellS ca1culos para refletir sobre estes
em a
e que de urna vez por todas se tern de tudo com
quando se 0 Mbito de se medir com 0 outro e nans­
dinheiro. salvo bans costumes e 0 hornern social
sua ex.isl~ncia ' e para ela invent a para fora de si, para se 0 e
cada vez mais aos por si nao e capaz de satis­ nao tamar aversao por tudo 0 que nos

fazer enta~, ao rnesmo tempo, de e de pres­ tudo 0 que, sendo de sennos


dominaT rnnllriencias. S6 se o se compara nunca estar satisfeito
do outrO e de seu porque, ao fazer comeada urn rnais a si que ao outro,
que os ounos 0 0 que e E como
as homens nao procuram matS satlsfazer mas "verdadeiIas necessi­
mas as que sua \'aidade enconuarn·se constanremente
"AnImO que em nosSO estado primltlvo. no veroadeuo estado de fora de 5i. estnmhos a si_ cscravos uns dos outrOS: "0
narurez.a. 0 nao existe. POLS, ~ada homem de livre e que era, devido a uma multidlra de novas
olharuio-;;e a si mesmo como iinico que 0 observa C·.) toma-se necessiciade5. passou a estar por assim a natureza
que urn sentimento que vai buscar sua fante em dos nUID certa senti-
inteira e, sooreruaa, a sellS
que niio estaO a sell alcance. possa germinar err! sua alma." (Rousseau, D.OJ..
do se LOrna escravo, se wma senhor: nco.
p. 1181. de seu socorro e a rneciiocridade
S. D.Ol.. idem. p. 76. sa de SeUS
.. Hi em Rousseau um "sistema d~ oue Ya! do plano de viver sem eies. f. preciso. que
onto16;:;co 300 planO . scr-parecer: ~er·nJ.o-ter; forte-irae<)" nco-po­
ore. 0 ii:>CUISO do Rico (categona econoIDlca) e0 dlSCillSO do Forte \cate­
gona , que se desdobra como persu - ;_;,,~i,-, ,r",,",oria cia
lin.r~~m e da. moral) e que recoDre a. filildade

10. Rousseau. D.. lX, p. 196.


Rousseau, o c.. PltHarle. t m. p. 19.

74
75
incessantemente procure interessa-los sua sorte e faze·los
se neste elemento da consciencia e nele in£.
encontrar, de fato au em lucro em trabalharem tala momentos, esta
sellS
para ele: 0 que 0 toma falso e artificioso para com uns,
e todos aparecem enuro como
e duro para com as outros".1 1 A cieneia deste camml:io e a ei~ncia da "''M~P1'7I''''rrrr
A que deoorre de todo este processo rea­ cia faz".13 Ha urn mOvimento de
liza-5e mm na dimens.io do meu do que na do eu*. Rousseau sobre s:i mesma, em que nada se ue!![[aJ::::I
afmna: "0 que tendo cercado urn terreno lembrou-se o que torna a suas obras dl"'............ "W

e
de dizer 'isto meu' e encontrou pessoas suficientemenre
ciencia perrnaneoe consciencia de s:i lllliversal no interior
para 0 acreditar foi 0 verdadeiro fundador da sociedade Civil".1
uma entre esta consciI!ncia na
'este demonio", traduz a luta entre os individuos eleva UillVenauaaae e eIa mesma. na da co:nscienci.a 14
ao mutuo,
Por causa da 0 eu coioca 0 outro como urn
Para e este 0 estatuto do rousseaWsta. A luta
que
ea ao discernir 0 bem e 0
desde 0 como raziio de uma
mentar para 0
consciente, a razao de que ele e
dOl[!ll11acao permanece soberana em si mesma. recusa-se a
como e dai emerge urn vieio: 0 V15WUV
a confundir-se com coisa que mIo eIa mesma. reiterada dos v:irios seres a si mesmos e de uns aos
Tal passagem ser entendida em termos
esu "~""U"'V do as percew)es
realizar nenhwna obra
de cenas Estas ( ... ) acabaram par
e a orJ!:anizacao da liberdade: se­ Ulna cecta
a consciencia neste momento nao realizar "atos As novas luzes que resultaram desse U"~""U"V
. Isto porque a consciencia e tomada tal como e, em taram
sua ao Outro 0 Mundo ou a natureza. Este saber cons­
do Outro e urn saber de si e este e urn saber do do Mundo. sabre si mesmo
diversos da consciencia descobrimos a 0
termina 0 homem da natureza e comeya 0
Mundo e seu 0 eu coloca a si mesmo como tendo neces­
rompe 0 do COmo
sidade de urn nao-eu, isto e, de sua deduzem-se suas
urn ser 0 &0 coincide mm mesmo:
o eu, quando coloca sua 56 aparecer
"Se a natureza nos destinou a sermos OllSO quase assegurar
da Alteridade: "0 estar-ai irnediato do
que 0 estado de e urn estado contra a narureza e 0 homem
as dois momentos: 0 do saber e 0 da que medlta e urn animal 16
com ao saber. 0
A divisii"o emre 0 eu e 0 outro realiza a nerversao do arnor
de si em
e, com 0 trabalho e 0 confronto entre 0

1 L D.OL p. 76.
'. "Com PaLxOes taO pouco ativas (."J 0$ oomens nae possUlam a menor
m:x;io do teu e do meu, nem qualquer ideia 'i'e!':iZ da justi,?; consideravam 13. Hegel, op. cir.. p. 31/3:2.
J.S \101encias que podiam romr como urn llUl facil de ser reparado e nao 14. Idem. p. 133.
como uma que deve ser punida." (D.OJ.. p. 61).
15. Rousseau. DOL idem. p. 67/68.
I::. DOJ., p. 66.
16. ROU<;'''''~lI D.OI, idem. p. 45.
76
77
obstaculo e a acentua·se no homem a consci(!ncia de sua
do , dil 0 A ratio e 0 instru­
a fma! entre ele e 0 outro constituira agora
e merece que se dela - ela se cohea
o veniadeiro da Razao". A instrumentos
a e do "0 homem sensual
entre 0 hornern e a natureza; e da mesma rna· ~ 0 homem da natureza. a homem que 0 da oviniao
nein.. 0 homem se de sua identidade no IX LluUV'"V.
vi: desmanchar-se a dimensao de sua vida LLU"'....l"" .....
sern interior nem e
o descobre
mm abandofiar-se ao "sentimento at;; sua exisU!ncia
eX1pnme numa au menor habi­
atual". "A 0 passar do

o dominio
". Rousseau diz que "a doce voz da pied.ade" foi .inscrita no com;;ao
I para descobrir uma mesma facu1dade por .Deus (Natureza). Trata-se de urna "escrita naruraJ." a escriJa dQ rolll!p:il,
que faz a consciente do que lie opae a e
escrita da Rauio; eiLa "scm piedade", traru:g:ride a lei e a
UVLU>Oll-l sabre 0 mundo faz tambem com que ele se doente voz dil piedade, substirumdo a afei"ao natural pela afej~ao pervemda. ~as
. 1
ou morrendo Rousseau nos mostra como, hi ainda OUIIOS renudo. da palavra Razao. Nu Le.ttreJ d Sophie, Rous.seau
o homem sai de sua animal e descobre a confli­ diz; "A Razio e
a fac:uJdade de ordenar todas as facu1dades d.a alma confor.
me ~ nat:ureza das coisas e a .sua ret.a.;ao con=". A Razao toma-:se urna
to dos contranos: 0 fora e 0 0 eu e 0 outro, 0 ser eo pare·
plena, profundamente enraizada na sensibil.id.ade e que re:.iliz.a a
eer.o bern e 0 0 e a servidlo."l '1 unidade do homem; ''Como rudo 0 que penetta no enlendunemo hum.ano
o da consciencia se materializa no governo vern dos s.entidos, a primeira raziio do nomem Ii urna razao s.ensiliva, Ii ela
que quer e executa ao mesmo tempo uma ordem e uma de· que serve de base a
razao intelectual". (Emile, idem, p. 94). E urn Iex!O
d:l Nouvelle HelOIse esclarece esta arnbigUidade: "De tocias as fac:uJdades

~"'!.JUJ..L\""...=, de urn lade excluindo de sua as outros indio


do homem, a rnz.iio - que niio Ii por assim d.izer scmi'o urn romp-elSlo de tl:liias

do outro constituindo-se como vontade determi.nol:ia em as outras, e a que se desenvol:ve mais difici1mente e mais tardiarnente" Seu

. a vontade universal; como na 0 go· carater romposr:o justifica sua pois nao sc pode esquecer 0 que

verno 56 como vioriosa", Rousseau fala no Discurso (p. 90): "e a tazao que engendra 0 arnor-proprio,

e nisto reside a necessidade de seu decliruo. Este govemo e ne· /! a reflexao que fOnifica: faz 0 homem volta.r-:se sabre si mesmo; sepan-o

de quanto 0 perturba e aflige. t: a fJ.!osofra que 0 tsol.a; por sua cau~ ele

ressariamente os cidad1ros sao sempre


diz, em seg:redo, ao ver urn homem sofrendo: se queres; quanta

suspeitos em substitui-se a ser a mi.m estou s.eguro" Talvez seja interessante em Ultima aruilise,

au tern essa externa contra esta e


"Razao" e "RaClocinio". 0 ractOclnio a ane de comparar verdades conbe­

que da cidas pan rompor oU!!aS verdades que se ~onvarn e que tal ane nos faz

brutal deste si no elemento do ser ao deSCObru. I,las nao nos emina 2. conhecer as \'erdades prunHivas que serrem
de elemento :is OUtral, e qll.il11do coiocamos em seu iugar nos.m opi.n.iOes,
retirar seu ser".1 5 Neste momento, nao existe IU1'll.U.UTI'~71!
noss,as paixces, nossos preronceitos, longe de nos esclareoer, ele nos rega
para 0 direito que emerge da de Terror a submissao c
L..l. Este inronvemente irueparavel do espmto de sL:l1.ema, que sozinho
dos vencidos nao e urn titulo para 0 vencedor. Tudo istO leva aos grandes principios e consiste em generalizar . (Ler:tr/?sli 5:>.
que 0 amor-Drovrio foi bern sucedido. aooiado na raxilo phil". p. -17). Entendemos que a Razao pode. num ceria lenneO, fazer pane
da senSloilidade <Razlo Ser,srr:va, diz Burgelin1 pela deSOJDerta Ge ":ilTIa
lOgiC<! inscrita no senslvei·'_ ::omo du Bemo Prado 1r. (in ReV1.."1i:l lempo
Brasileiro. idem. p. 1761, uma f:!culdade que precede 0 su)eilo que se m..mr
festa. mesmo que precanarnente, na linguagem mela.f6rica que Ie enoontra
17. S tarobinski, T. er 0., idem, p. 347.
na rait; da linguagem da Raz.:i:o. Deste ponto de visla, ~ 0 raciodniQ que e
is. Hegel, idem, I, p. 617. abandon ado com desprezo aD; {liosoI'o;, comrruwres de sisremas.
79
78
onde os particulares so acidentalmente sao inimigos*. 0 direito
lidade no trabalho), materializa·se em seguida na propriedade e no
de conquista tem por tiDico fundamento a lei do mais forte H .
dinheiro. A desigualdade marca, assim, a vontade de colocar 0
E se a guerra nao eli ao vencedor 0 direito de massacrar 0 vencido,
individuo como um valor independente ao mesmo tempo em que
este direito inexistente nao pode ser 0 fundamento do direito de
desperta 0 desejo de distin{:iio, isto e. 0 de impor 0 reconhecimento
suiei~lio; na verdade, 0 direito de mane 50 ap arece quando nao
de seu pr6prio ser a opiniao do outro. Isto quer dizer que, desde
se'pode fazer 0 outro de escravo: "0 direito de transforma·lo em
agora. e a ordem do parecer que passa a representar seu ser - Rous,
escravo nao vem do direito de . mau·lo : e pois uma troca iniqua
seau diz: "Quanto mais examino a obra dos homens e suas insti·

.0 faze·lo comprar ao preyo de sua liberdade sua vida ( ... ).


tui~6es, vejo rnais que, por forya de parecerern independentes,

fazem.se escravos , e que gastam sua pr6pria liberdade em esforyos

vaos para assegura-la. Para nao ceder atorrente das coisas , fazem·se

mil vinculos, e depois, quando querem dar urn passo nao podem
*. "Cada Estado sO pode ter como inimigo ounos Estados e nao ho·
e se espantam de estarem presos a tudO" .1 9
mens, pois que nao se po de estabelecer quaJquer relayao verdadeira entre
~ a for~a que val ligar os homens uns aos outros, patencia coisas de na~eza d iversa" (Rousseau, C.S.. livro I, IV , p . 241) .
f(sica da qual nao resulta nenhuma moralidade. Ceder a forya cons­ **. Seria interessante aproximar dois textos, urn de Rousseau , outro

titui urn ato de necessicUuie e nao de vontade; a for~a nao introduz


de Nietzsche - Rousseau : "Ou.yo sempre dizer que os mais fortes oprimUiill
os fracos. Que me expliquem 0 que querem dizer com a palavra opressao.
nenhum direito , ja que "0 mais forte tem sempre razao". Uns dominarao com violt!ncia, ou tro s gemerao submetidos a lodos os seus
Nenhum hornem goza de autoridade natural sobre seu seme· caprichos. AI. esta precisamente 0 que observo entre nos, mas nao vejo como
lhante _ como entao padem 5air do estado de guerra? Rousseau se poderia dizer islo de homens selvagens ao s quais se teria mesmo grande
diz que Grotius e outros retiraram da guerra 0 "direito de servidao", diflculdade de fazer compreender 0 que e semdao e dominayao. Urn ho­
mem poded muito bern apossar-se dos frules que urn outro cotheu, do ani·
no sentido de que 0 vencedor teria 0 direito de matar 0 vencido
mal cao;:ado por este, do antro que lhe se rvia de abrigo, mas como chegana
e este poderia conservar sua vida ao preyo de sua liberdade. Mas ao pontO de se fazer obedecer? e quaJ.s poderao se r as cadeias de depencten·
~ousseau mostra que este pretenso direito de matar os vencidos cia entre homens que nada possuem? Se me expulsam de urna arvore, wu
nao resulta do estado de guerra: "Apenas porque, vivendo em sua livre de ir a uma OUlra, se me perseg-Jem num certo lugar, 0 que me impe·
primitiva independencia, os homens nao mantem entre si relayoes dici de ir a outro? Se encontrar urn homem com forya bern superior mi· a
nha e, aJem disw, 0 baslante depravado , pregui90w e feroz para me obrigar
suficientemente constantes para constituir qU0r 0 estado u<! paz a prover a su .~ 'TIrtencia enquanlo pennanece ociose, sera precise que ele
quer 0 de guerra ( ...) . ~ a relayao entre as coisas e nao a reiayao se resolva a nao me perder de vista urn so ins.anle e ter-me amarrado com
entre os homens que gera a guerra e, nao padendo 0 estado de muilo cuidado enquanto donni! , temendo que eu escape ou que 0 mate
guerra originar-se de simples rela~es pessoals, mas unicamente ( ...) : depois de tudo isso, sua vigiJancia arnaina urn pouco, urn fUldo impre­
das re1a~5es reais, a guerra particular ou de homem a hornem nao visto faz corn que volte a cab~ , ando vinle pa5Sos na floresta, meus gn­
LlJoes se quebram e ele nao me reven nunca mais." (D. OJ., p. 64/65).
pode existir nem no estado de natureza, no qual nao 1"Li proprie·
o a
texto de Nielzche parece uazer uma resposta questao "como 0
dade constante, nem no estado social, em que tudo se encontra homem poderia chegar a se fazer obedecer"'? Nietzche se pergunta sobre
2
sob a autoridade das leis". 0 surgimenlo da rna consciencia e a Geneaiogia da Moral encontra a origem
Os combates particulares, os du '.:los, os encontros ocasionais , da no"ao de culpa na idtiia de d (vida. nas relac;6es entre os credores e os
nao constituem um estadO. A guerra e uma relayao entre Estados, devedores: "relayao contratual ( ... ) e que reconduz por sua vez as formas
fundamentais da compra, da venda, da troea, da circulayao (La Geneaiogle
de fa Morale . p. 25/27). Para inspirar confianya, 0 devedor registra em sua
propria conSClencia a necessidade do pagamento, sob a fonna do dever. da
obriga~iio . comprometcndo·se a indenizar 0 eredor no caso de insolvencia
19. E.O.L ., cap . II, p. 444., Ed. llachette. da divida com a1guma coisa que possua. mesmo sua liberdade ou sua )·ida.
20. Rousseau, C.S., idem, p. 240. A partir dislO , 0 credor pede degradar e lorturar 0 corpo do devedor, po'
80 81

Supondo-se rnesmo a existencia desse terrivel direito de a si; e cada qual e a si rnesmo e ao outro uma essencia imediata
tudo matar, afumo que urn escravo feito na guerra C· ··) nao tern que e para si , mas que, ao mesmo tempo, e para si somente atraves
qualquer obriga~ao para com seu senhor. senao obedece-Io enquan­ desta mediac;ao"?2 Isto quer dizer que cada qual e p(Ua 0 OUtro
to a isso e forc,:ado. Ao tomar urn equivalente a sua vida, 0 ven­ porque 0 outro e para si mesmo. Esta Iuta contra 0 outro pode
cedor nao lhe concedeu gras:a: ao inves de mata-Io sem proveito, manifestar-se em diversas ocasi~es, sem no entanto ser 0 motivo
rnatou-o unlmente. Longe, pois, de ter adquirido qualquer auto­ essencial do conllito - 0 conflito e essencialmente urn coniuto
ridade sobre ele alern cia for~a , 0 est ado ·,e guerra persiste entre pelo reconhecimento. A consciencia de si faz a experiencia da
'ambos comO anterionnente, senao a' propria relac;ao entre eles luta pelo~ reconhecirnento, mas a verdade desta experiencia en­
seu efeito e a utilizac;ao do direito de guerra nao supCie qualquer
gendra uma outra, a das relaroes de desigwlJdade no reconheci­
tratado de paz. Finnaram urna convens:ao - seja; mas esta con­
mento, a experiencia da domina.c;ao e da servidao.
vens:ao, longe de deStruir 0 estado de guerra, supOe sua continui­
H que a oposis:ao entre os homens conduz a dominac;ao
dade".21 e a servidao, uma inversao dialetica entre eles acabanl. por libertar
Para assegurar sua conserva~ao, 0 homem se im p~ ao ou tro '"; o servidor (Der Kencht) : a verdadeira mestria pertence a hist6ria
o vencido e poupado porque 0 vencedor tern necessidade de ser do servidor, que recupera sua hurnanidade (ao salvar 0 "bioI6gico",
reconhecido. Em tennos hegelianos , 0 vencedor, "0 senhor", e por medo de arriscar a vida, 0 servidor perde 0 esp{rito, que e
o homem que leva ate 0 fim a luta pelo reconhecimento, arris­ conquista do "senhor") pelo trabalho ; 0 senho, arriscou a vida,
cando a vida: " ... cada extremo e para 0 outro 0 tenno medio exprUnindo, assirn, a consciencia de si imediata; 0 servidor repre­
com a ajuda do qual entra em rela~ao consigo mesmo e se retme senta a mediac,;ao essencial a consciencia de si despercebida pelo
senhor - e e efetuando conSSiememente esta mediacrao que 0
servidor se libera. pois 0 senhor s6 e senhor por ser reconhecido pelo
dendo COnal as panes que \he par ecessem proporcionais it. importincia da servidor; alem disso, 0 sezvidor nao e propriamente servidor do se­
dlvida: "deSle ponto de vista, muito cedo e por toda parte , houve estima­ nhor mas da vida , ja que recuou foi diante da morte. 0 senhor, uma
tivas precisas, por vezes atrozes em suas minucias, estimativas que tinham vez reconhecido como pura consciencia de si, p~ 0 servidor a seu
a forlj4 do d iTeito ( ... ), Foi ji urn progresso, prova de wna concepyao juri­
dica mais livre, mais generosa, mais romana, -quando a lei das Doz:e Tabuas seI\'i~o utilizando-o materialmente: 0 trabalho e servidao , depen­

decreta que pouco importa, que 0 credor tome mais ou menos nurn tal caso dencia, mas culmina na transforma9ao da natureza e na criayao
C..). Falfamos uma ideia clara da logica desta fonna de compensayao C.. ): de urn prociuto. 0 subjetivo se objetiva no produto, cria urn mundo
est.lbelece-se wna eq uivaiencia, substituindo a vantagem que compensaria proprio; 0 produto do trabalho nlio e mais em si mas para si; ou
diretamente 0 dana (logo, a sua compensayao em dinheiro, em terra ou em
seja, e passivel ao servidor reconhecer-se nos produtos que criou.
urn bern qualquer) wna especie de SDtisfa¢o que se concede ao credor para
reemboLsi-lo e indenizi-lo, >ati~alf50 de pader exercer sem contenr;:ao sua o servidor experimenta uma outra forma de presencra do objeto,
pOlencia sobre urn impotente ( .. .), desfrutando da vio~ao ." (GM., idem, ignorada pelo senhor - objem ao mesmo tempo estranho e nao
p. 27/8) . E ainda: "0 sentimentO de justir;:ae, na verdade, uma fonna intei­ estranho. For esta raz3o, Marx diz, nos Manuscritos de 1844, que
ramente tardia e mesmo refmada do jUlzo e do laciocinio humano (. .. ). f na Fenomenologia do ESP1'rito a dialetica da negatividade foi to­
nesta e~era, a do direito das obriga,,6es, que se enconlra 0 nucleo de ori­
mada como a produC;ao do nomem par ele t:'r6prio no trabalho.
gem do mundo dos conceitos morai s "culpa," "consciencia," " dever," "ca­
rater sagrado do dever " - f oi, em seus princlpios, longamente e abundan­ o homem e tanto 0 produto de seu trabalho quanto eSle e seu
temente regado com sangue ( ... ) e no [undo este mundo sempre conservou produto, da mesma maneira que as circunstancias sociais sao pro­
urn certo odol de sangue e de tortura (mesmo no velho Kant: 0 imperativo
categorico tern >abor d e crueldade)." (idem, p. 250).
21. C.S., livre IV , idem , p. 242 .
e
•. Que nao mais 0 " outro como ele meSIllo" , do estado de naturez:a. 22. Hegel, Phen. E., idem, p . 157.
83
82
"interesse dos interesses
duto do homem e 0 homem 0 23 que aparece quer e
transf'onna,;ao do mundo selVidor e sua ela que constitui 0 individuo como particular tendo urn interes·
A dialetica da "em mostar que
se Relembremos Rousseau, quando aruma que 0
o senhor se revela em sua verdade como 0 escravo do escravo e 0
meiro individuo que cercou urn terreno e disse ·'isto e meu" e
escravo como senhor do ." 24
encontrou pessoas suficientemente para
fof 0 orirneiro. 0 verdadeiro fundador da sociedade civil:
crimes. guerras, miserias e horrores nao teria
C A Guerra de Todos contra Todos
ao que, arrancando os credulos
o Estado de senhor e servidor no interior do estado de guerra ou enchendo 0 a seus semelhantes: 'Defen­
perpetuo e univers.al e 0 "estado de 0
dei-vos de ouvir esse impostor, estareis
homem se perde, pois 0 illteresse - es· que os frutos sao de todos e a terra nao e de Grande
tranha ao olhar dos interesses par­ ea de que as coisas j Ii entao tivessem
ticulares tomou das e0 ao de nao poder mais perdurar como erarn: pois esta ideia
acordo desses mesmos irrteresses que 0 tomou que de de muitas idew anteriores que sO
h3. de comum nestes diferentes interesses e 0 que fonna 0 ei0 so- tef nascido mIo se fonnoll
e se nao houvesse em que todos os inreresses mente no humane: foi precise se fazer muitos progresses,.
nenhuma sociedade node ria existir, Ora, e lJruca­ muita industria e luzes, transmit i-las e aurnenta·las
de geradio geracii'o. antes de chegar a esse ultimo tenno do es­
mente sobre este interesse com urn
de SOClallZ3r.r<lU ao mesmo
do homem e 0 arnor de sl em interesse par­ da terra esttl na raiz do estado
dos interesses e os efeitos do estado de de guerra e de seus efeitos: ricos e pobres, fortes e
do inriiv{duo, 0 interesse e escravos. As entre as indivfduos que constituirao 0 esta·
guerra:
toma a fonna abstrata (e do de guerra sao tambem produto da atividade do hornem: tais
do interesse nao sao extemas com relayao aos existem
alienaCfao do arnor de si. Mas 0
particular 0 vincula diretarnente a natureza do
estado de guena . COmo "consubstancialidade", islo e, todo 0 desenvolvunento da
seu fundamento hist6ria do homem se de tal maneira que os efeitos da
A categoria do interesse
universal. S6 existe interesse de outros inte­ dos individuos;
resses particulares em universal" ,1 ~
Deste ponto de vista, a sign i.­ o homem se aliena cada vez mais.
fica que 0 interesse se constitui peia oposigao uruvers.al ta", 0 homem esc.apar a t irania das sociais e a seus
_ e esta por sua vez, e a f'<;sencia do estado de guerra. efeitos coercitivos. Quando 0 "reino da floresta" toda
a terra comeyou a ser cultivada, dominada pelo
forte que usurpou a terra aos ocupantes

23. Hegel, Phen, E" p. 165.


24. J. Hynnolite. Genese et StructUTe de Ia Phimomen%gie de /'Es­
prit de Hegel. p.
25. Althusser, "Sur Ie ContrJ.ct Social", Colliers. p, 11.
27. D.OL idem, p. 66.
26. Cahiers. '. p, 11
85
84
vllam·se for­ a eu do homem social naa se reconhece mals em si mesmo, mas
nao procUIa-se no exterior, entre as tornando-se seu
A E a divisiio do que faz naseer uma
a pro­ entre os temilnara sendo vlvida
o su­ dos
perfiuo, naa se quer m a i s U o u i r ) mas nao se
Marx vai afirmar que 0 homem ests. indissoiuvelmente Uga­
mais os bern aruais mas os abstratos dos bens do a natureza pelo trabalho. "0 homem vive da natureza: isto
Jpropria'r0es 0 homem precisa satisfazer "uma infi·
que a natureza e 0 seu corpo com 0 deve manter
urn processo consrame para nao morrer. Dizer que a vida [(sica
nidade de que sao obra da
a correta<;:ao entre 0 fato de que e intelectual do homem est:!. indissoluvelmente a natureza
mIo nada mais do que dizer que a natureza esta indisso­
a si mesrna, porque 0 homem e pane da natu­
reza"_ 0 Esta unidade do homem com a natureza sempre uma e
mais: 0 homem unidade -mediatizada SOCial e histoncamente sociaL
a terra que ocupa_ As cercas o apaIeClmento dos suieitos conscientes. ism e. ativos. transfor­
a posse UIlpm;a a exclusao dos nao pOSSUI­
dares; os menos Mbeis ou menos V101entos serao e tor­ da natureza exterior e interior, movimento que supnme a
nar-se-ao pobres. E Rousseau diz: "Lastimo que a afrouxe exteriorid.1de bruta e 0 caniter de estranheza do real. E ainda nos
os elos da que sao formados pela estima e bene­ Marx diz que 0 trabalho nao e wna atividade
valencia miltuas, e lastimO que as ciencias, as aries e todos as au troS economica, urn melD de da mas um'a
de estreitem as elos da sociedade interesse atividade livre. E 0 homem e livre se "a natureza for seu uabaillo
E que, com efeito, nao se pode estreitar urn destes elos e sua de tal mane ira ele se a sl mesmo
sem que 0 outro nao se afrauxe par isso. Nao hi uois. rusto, con· num mundo que ele mesmo criou". I
29 ha urn trabalho (e neste momenta reencontra·
entre os ho· que e uma ati.idade ao homem divi­
A estima e a h""P'lJnlpnCUJ constituem
nada se coloca isto quer dizer que 10da divisao do trabaillo
que nao considera as e necessidades de cada individuo
passa mealOfao i.Ul~ (.U',)U.l.. W~4 r-- -- re­ aconenta a ativldade a economicas que lhe sao exteriores:
conclusao: a perversao das entre os ho­ ntemente 0 trabalhor s6 tern a de estar con·
mens tanto do fato que as coisas se colocam entre as cons­ mesmo esta fora do e esta ern seu
trabalho sente-se fora de SI ( ...). Seu trabalho nao e, volun­
ciencias, do fato que as hornens nao mais seus
interesses com sua pessoal, mas corn e 9am a

tanG mas e trabaiho nao e, p0rtanlO, a satis-


de uma necessidade mas urn meio de satisfazer algumas ne­
car-se aoS que oen:>am ser a sua

cessld.li.des a margem do trabalho" 3 2 Esta da aliena­

30. MaIx, Manuscriros Economico-fi!os6ficos de 1844, p. 252.

•. Cf. cap. m, parte S, nota sabre Rousseau e Nietzsche, p- SI12/3_


31 id., ibid., p. 252.

In T. et O.
32. Mm;, id., ibid •• p. 104.
Discours SW" les Sciences et les ies Arts.

86
87
yao (alienare-alienus-alheio) significa que, com reJa<;ao as coisas
que 0 homem produz e com relayao a si mesmo, encontra-se na o que Rousseau nao perce be e que a apropriayJo dos obje­
mesma relay[o que frente a wn objeto esu::nho; 0 objeto produ­ tos revela-se como aliennriio nao somente sob seu aspecto moral
zido pelo trabalho enfrenta 0 homem como um ser estranho, co­ mas tambem sob 0 dominio economico: quanto malS 0 trabalha­
dor produz, menos ele possui, caindo sob a dOminac;ao de seu
mo urn bern independente do produtor: "Poi 0 ferro e 0 trigo
produ1O, 0 capital: "0 carater exterior do trabalho", diz Marx,
que civilizaram 0 homem e arruinararn 0 genero human 0 ", diz
"aparece no fa10 que eJe nao e urn bern que the e proprio (ao tra­
Rousseau; 0 homem caiu no universo do trabalho e no estado
de reflexao que descobre as vantagens da divisao social do traba­ balliador) mas antes 0 de urn outro, que nao pertence ao trabalhor;
que no trabalho 0 trabalhador nao pertence a si mesmo mas a
!ho. Cada qual cL .• 1:' ver que, par serem as la<;os da servidao for­
urn outro,,35 Por outro lado, Rousseau prefigura Marx quando
mados unicamente pela dependencia mutua dos homens e pelas
mostra de que maneira a cultura esrabelecida nega a Natureza
necessidades reciprocas que os unem, e impossivel subjugar urn
homem sem antes te-lo colocado na situa<;ao de nao poder viver (Discurso, EmIlio) e que desta nega~ao deriva a alienac;:ao, "as
falsas luzes" - as que nao iJuminarn 0 mundo humano e veJam
sem 0 outro, situayao essa que, por nao existir no estado de natu­
a transparencia natural, separando os homens uns dos outros, par­
reza, deixa cada um livre do jugo e toma inutil a lei do mais for­
te".33 ticularizanct'o seus interesses e SLbsrituindo a cotnunicaj:iio essen­
cial urn "comercio facticio" - a sociedade se constitui ta onde
o estado de depen£iencia e desigualdade esta ligado passa­ a cada qual Se isola em seu arnor-proprio e se protege por tras do
gem de uma economia de subsistencia a uma economia de produ­
parecer: 0 mundo da alienac;:ao e urn mundo "de opacidade e de
faO_ * Na econornia de subsistencia 0 produto do trabalho e 0 traba­
mentira·'.36 Rousseau consldera a alienaC;ao COmo desapropria.
!ho materializado nwn objeto, 0 que e a objetivarrio do trabalho;
c;ao, alienac;:ao das reJaC;oes dos trabalhadores com 0 produto de
no estado de dependencia e desigualdade, 0 trabalho vai se apre­
sentar ao trabalhador prirneiro como perda de sua realiciade e em seu trabalho - 0 que resta mosuar e que a alienac;:ao nao aparece
somente no resultado mas no proprio ato de produc;ao, no inte­
seguida como perda do objeto QU servidiio com relaiYao ao objeto
rior da atividade produtiva em que 0 homem Ja se encontra es­
- isto significa que a apropria<;ao torna-se aliena<;ao, desapropria­
tranho a si mesmo. Conseqiienremenre, se 0 produto do trabalho
rao. Mas Rousseau nao chega a destaCaI 0 nucelo da questao; mostra
apenas que "a sociedade civilizada, desenvolvendo cada vez mais sua
e alienac;:ao, a produc;ao e, tambem, alienac;:ao em ato ou "a alie­
naiYao da atividade e a propria arividade da alien~ao".
oposi<;ao a natureza, obscurece a reJayao imediata das conscit!ncias:
a perda cia tran~1JaIencia original caminha ao lade da aliena<;ao Nos Manuscn'tos, Marx mostra a contradic;ao fundamental
que existe entre 0 trabalho social (as for<;as produtivas) e a apro­
do homem nas coisas materiais ( ... ). Com eido, 0 Discurso sobre
priac;:ao individual (reJayoes de propriedade): as condic;:oes e 0 pro­
a Desigualdade e wna hist6ria cia civiliz~ : o como progresso da
duto do trabalho apresentam-se COmo estranhos e independentes,
negaiYao do dado natural, progresso ao quai corresponde uma de­
as coisas perdem seu carater de supone das forc;as produtivas e das
gradaiYao cia inocencia original. A hist6ria das tecnicas e ex-posta
relac;:Oes de produc;:ao; as coisas apresentam-se como estranhas
em estreita lig~ao com a hist6ria moral da humanidade C... ). Mas
porque efetivamente sao consideradas independentemente do ho­
e como moralista que descreve a hist6ria da moral".3 4
mem, ao tomarem·se independentes de to do sistema produtivo
que lhes deu origem_ 0 trabalho separado de seu objeto e "a alie­

33. D.OJ., idem, p_ 65.

*. A expressao e de Starobinski. in T. e:t 0., up. dr.• p. 349.

35. ManuscriIOS.... idem, p. 104.


34. Starobinski. T. el 0 .. idem, p. 104.
36. Starobinski. op. Cil.. p. 37.

,i
,118 89

na~ao do homem pelo homem" ; os individuos se i50lam uns dos por intermedio das relar;:6es estabelecidas pelo ato da troca, dire·
outros, e Jogam-se uns contra os outros e fLnalmente encontram-se tamente entre os produtos e indiretamente, por seu intermedlo,
Ligados mais pelas mercadorias que trocam do que par suas pes­ entre os produtores. A este Ultimos, conseqilentemente, as relar;:6es
, soas: "0 trabaillo nao produz :=.p en as mercadorias. produz a si que ligam 0 trabalho de urn individuo ao traba11.o dos outros nao
mesmo e ao trabalhador como mercadoria, ao produzir merca­ aparecern como relacr5es sociais entre os individuos que trabalharn,
dorias em geral"? 7 E mais: "a produc;:ao capitalista de mercadorias mas como sao na realidade, isto e, relacr6es rnateriais entre as pes­
tern 0 result ado mistificador de trans1~ormar as reJa~6es sociais. 50as" 4 0
dos individuos em qualidades das proprias coisas (mercadorias) Nos tennos de Rousseau, a sociedade - negadora da natu·
e ainda mais especificamente, de tran50frmar em uma coisa (di­ reza nao a suprirne mas mantem com ela urn conllito permanen­
nheiro) as pr6prias correla~6es de p rodu s:ao",3 8 ti de onde nasa:m os males e vicios de que os homens sofrem,
Rousseau nao diz outra eoisa. completando nossO percursa: desenvolvendo tecnicas. a divisao social do trabalho e a proprie·
"alem do mais. 0 dinheiro e 0 suplemento dos homens e 0 supJe­ dade privada: "A llvenyao das artes C.. ..) fOi, pois, necessaria para
mento nunca valera a pr6pria coisa ( ...), Os sistemas de fmanr;:as for~ar 0 genero a se dedicar a arte agricola. Desde que se precisou
fazem almas venais; e quamio 56 se quer ganhar, ganha-se sempre de homens para fundir e fOrjar 0 ferro, precisou·se de Qutros para
mais sendo velhaco que ·homem ho nesto, 0 emprego do dinheiro alimentar a estes. Quanto mais se multiplicava 0 nlimero de tra­
desvia e esconde; destina·se a uma coisa e emprega-se em outra. balhadores, houve menos maos para atender a subsistencia comum
Os que 0 manejam-logo aprenciem a desvia-Io ( ... ); se sO houvesse sem que com isto houvesse menos bocas para consumi-Ia e como
riquezas publicas' e manifestas. se 0 c:uninho do ouro deixasse uns precisavam de vjveres em troca de ferro, outros por f1m encon­
uma marca ostensiva e nao pudesse se esconder, nao haveria ex· traram 0 segredo de empregar 0 ferro para a multiplicacrao dos
pediente maJS comodo para comprar os servis:os da coragem, da viveres. N asceram, assirn, de urn lado, a lavoura e a agricultura
fidelidade, das virtudes; mas, tendo em vista sua circulas:ao secreta e, de outro, a arte de trabalhar os metais e multiplicar-lhes 0 usa".
( ...) 0 dinheiro extorquido se esconde facilmente".3 9 Da cultura das terras resultou sua partilha e a propriedade
o encontro de Rousseau e Marx se faz. pois, pela "gene­ foi reconhecida, fazendo aparecer as primeiras regIas de justi~:
ralidade absuata"'- que e 0 di.nheiro. A abstrar;:ao toma 0 lugar "pois, para dar a cada urn 0 que e seu, e preciso que cada Lim passua
do particular e do universal - e d31 seu resultado mistificador; alguma coisa ( ... ). Esta origem e tanto mais natural quanta e im­
sua origem esta na maneira especlfica da produs:ao de mercadorias possivel conceber-se a ideia da propriedade nascente de algo que
com individuos isalados que nao s6 trabalham independentemente nao a mao-de-obra, pais nao se compreende como, para se apro­
uns dos outros mas satisfazem suas necessidades exclusivarnente priar de coisas que nao produziu, 0 hornem conseguiu pOr nisso
pelas necessjdades do mercado: "posto que os produtores nao mais do que 0 seu trab<iIho. Somente 0 trabalho, dando ao cw­
entram em contato uns com os outroS ate 0 instante em que trocam tivador urn direito sobre 0 produto cia terra que ele trabalhou,
seus produtos, 0 carater social especifico do trabalho de cada pro­ da·lhe consequentemente dire ito sobre as terras pelo menos ate
dutor 56 se mostra no ato da troca. Em outras palavras, 0 trabalho a collieita, assim sendo cada ano; fato que determinando urna
do individuo 56 se aflIffia como urna parte do trabalho da sociedade posse continua se transfonna facilmente em propriedade" 4 1

37. Marx, Manuscriros... , idem, p. 101


38. El Capital. vol. I, p. 962. 40. Marx. El Capital, idem, voL I, p. 94.
39. Considerations so.., Ie Gou,'emement de Polo[fTIe, p. 385/6. 41. Rousseau,D.OJ., idem, p. 74/5.

T~~
90 91

Com a divisao social do trabalho, 0 trabalho e seu desfru­ ~ neste sentido que Marx <liz: "A propriedade privada nos
tar, a produ~ao e 0 consumo se dao a indiv{duos diferentes. A . tomou tao estupidos e limitados que s6 consideramos urn objeto
divisao social do trabalho esta na origem da reparti~ao desigual nos so quando 0 possulmos, quando existe para n6s como capital
do trabalho e de seus produtos, qualitativa e quantitativamente . ou quando imediatamente consumido , comido , bebido , veSlido ,
Alem disso , "div1SaO do trabalho e propriedad e privada sao C···) habitado por n6s etc., em suma, quando nos servimos dele, em­
expressOes identicas - dado que numa se exprime com rela~ao bora 0 proprietario privado s6 considere tais realiza~oes imediatas
a atividade 0 que na outra se aplica com r e !a~ao ao produto da di posse como meios de subsistencia : a vida para a qual servem
atividade".42 A partir dal compreende-se 0 sistema de desenvo l­ de meio e a vida cia propriedade privada , 0 trabalho e a conversao
vimento das artes, das ciencias, do comercio, da indUstria, das dos objetos em capital.
fUlan~as, da circula~ao do dinheiro - 0 que vern simultaneamente Em lugar de todos os sentidos f{sicos e intelectuais apareceu ,
(como, mostra Rousseau em seu Discurso so bre as Ciencias e as pois, 0 sentido do rer, que nao e senao a aliena~ao de todos esses
Anes) ao luxo material e ao do esp[rito - de onde decorre a' forma­ sentidos. 0 ser humano deveria ser reduzido a esta pobreza abso­
9 ao de urn povo avido, ambicioso, servil , sempre no extremo da luta, a fun- de engendrar sua riqueza interior partindo de si mes­
miseria e da opulencia: " A ambi~ao devoradora, 0 ardor de aumen­ mo ,, 4S
tar sua fo rtuna relativa, 'menos por uma verdadeira necessidade Assim que a propriedade privada cometyou a exi stir, nasceu
do que para se colocar acima dos outros, inspira a todos os ho­ urn conflito perpetuo entre os homens, entre 0 "direito" do mais
mens urna negra tendencia a prejudicarem-se mutuamente, uma fo rte e 0 do primeiro ocupante, 0 que culminou em "combates
inveja secreta tanto mais perigo sa quanto , para dar seu golp e com e crimes" : "A sociedade nascente deu lugar ao mais horrlvel esta­
seguran~a , freqtientemente coloca a mascara da benevolencia ( ... ). do de guerra : 0 genero humano, aviltado e desolado, nao podend c
Quando as h eran~as cresceram em nllinero e em ex te nsao a ponto mais voltar sobre seus passos , nem renunciar as aquisi~oes infeli­
de cobrir todo 0 solo e tocarem-se umas as outras, uns s6 puderam zes que realizara, chegou as portas de sua fUina por nao trabalhar
prosperar as expensas dos outros, e os supranumerarios, que a senao para sua vergonha, pelo abuso das faculdades que 0 dignifi­
fraquez2 ou a indolencia tinham irnpedido de as adquirir por sua carn ( ..). Os ricos C...), alias, qualquer que fosse a cor que pudessem
vez, tendo se tornado pobres sem nada terem perdido, porque dar a suas usurpa~5 e s, sabiam muito bern que s6 se apoiavam
rudo mudando a sua volta somente eles nao mudararn, virarn-se num direito precirio e abusivo e que, tendo sido adqumdas apenas
obrigados a receber ou arrebatar sua su bsiSlencia cia mao dos ricos . pela for~ , a mesma fory<! poderia arrebaUl.-las".4 6
Daf come~aram a nascer, segundo os varios caracteres de uns e de o estado de guerra reveste-se, portanto , de significa~ao - a
outros , a domina~ao e a servidao ou a violencia e as rap in as" .43 de Jegitimar as usurpatyoes, de transformar urna si t~ao de fato
E mais: para formar wna na~ao livre que nao tema a ninguem e que atual em direito. Os homens se encontram num est ado de guerra
seja feliz, " e preciso utilizar urn metodo bern diferente - manter, que sua pr6pria atividade produz, se bern que tornados, nurn ceno
restabelecer ( ...) costumes simples, gostos saos; ( ... ) fonnar almas sentido, de surpresa - tornam-se os homens de rela~6es alienadas,
corajosas e desinteressadas; aplicar os povos a agricultura e as aries dominados pe10~ interesses particulares e expostos a cada instante
necessarias a vida: tamar 0 dinheiro desprez{vel e, se posslvel, a uma contradi~ao: "Contradi~ao no sentido proprio do termo ,
inutil" .44 posto que 0 estado de guerra e a liberdade e a atividade humana
voltadas contra si mesmas, sob as aparencias de seus proprios efeitos.

42. Marx, L 'Ide%r;ie Allemande. p. 28/9 .


43 . D.OJ. . idem, p. 76. 45 . Marx, Manusmtos ... . idem, p. 14l.
44. Rousseau, Considerations ...• op. cit.. p. S4 /5 . 46 . Rousseau, D.O.I.. idem, p. 77.
93
92
Contradiyao nao apenas entre indivlduos e suas foryas pOI um
lado, e os obsuiculos hWl1anos da conco[(!neia universal, mas tam­
b6n (em funyao da natureza deste eSlado de alienayao universal)
entre cada individuo e ele pr6prio, entre 0 amor de si e 0 interesse
particular, entre a Uberdade e a morte" .41 A alienayao, tanto no
sentido material (Ugado a prcxiuyao e ao trabalho) como no sentido
moral (amor -pr6prio, ambi'rao, inveja, separ~ao entre. 0 ser e 0
parecer) e social acentua-se no estado de guerra reeonduzindo-nos
CONCLUSAO
sempre a sua origem -a luta entre os que possuem e os que nao
possuem, entre 0$ ricos e os pobres.

BALAN<;OS E PERSPECTIV AS

"Os homens da idade de OUIO sao feliz.es porque


ignoram todos os males de que sofrem as sociedades
civifuadas; tern por fun<;ao, entre a his,Dria e a utopia,
povoar 0 espa90 politico em que se aventura 0 homem
europeu do Renascimento ao Seculo das Luzes..
A uma sociedade qL~ duvida de seus valores e de
seus podetes, apresenra-se a ocasiao de se coiocar
a si mesrna em questao , de se pensar dUerente do
que e, de inventar sua propria nega~ao para medir
melhor sua aliena<;ao." (Michele Duchet)

A - Restaurar a Visibilidade: 0 Contrato

Como pode 0 homem sair do est ado de guerra? Rousseau


ja mostrou que 0 genero hWl1ano desapareeeria se nao mudasse
seu "modo de ser"; 56 resta aD homem assegurar sua conserv~ao
,,,., atraves de urn eonjunto de foni:as agregadas que, agindo concor­
dantemente, pudessem sobrepujar a resistencia dos obsi3culos.
Trata-se de eriar Wl1a forya capaz de ultrapassar os obsticuios
sobre os quais se desencadeiam as for'ras de cada individuo; esta
nova for<;a a ser eriada decorre das novas relay<3es entre as foryas
jei existentes, colocando-as em "uniao ao inves de oPOSiyaO."i
:~

1. Althusser, Cahiers. . " p. 13.


47. AlthUS5er, CahieTS.. ., idem, p. 12113.
95
94
natural e no hAbito) * e a do corpo social. que nao poderia ser fi­
Deste ponto de vista, mudar a "maneira de ser" dos homens sig­
nifica colo car 0 problema do Contrato em funlf ao da natureza
I sica pois nao existe inslinro socia/. Dai decone a ausencia de con­
tinuidade entre os dois: "A mais antiga das sociedades, e a Unlca

i'
Jos individuos e destas forlfas : "Sendo, porem, a forlf a e a liberdade
de cada indivlduo os instrumentO S primordiais de sua conservalf ,
ao I natural, e a familia: as crianlfas s6 permanecem ligadas ao pai du­
rante 0 tempo em que necessitam dele para se C()nservarem. Lo­
en
como poderia ele empenha-los sem prejudicar-se e sem neglig ­ go que cessa esta necessidade, 0 elo natural se desfaz. As crianlfas,
ciar os cuidados que deve a si mesmo?" ? Assim, procura-se uma isentas da obediencia que devem ao pai; 0 pai isento dos cuidados
"forma de associalf ao " que assegure a uniao das for~as dos indi­ que devia aos mhos, recuperam todos igualmente a independencia.
iiD
,-iduos sem prejudicar os insrrumen[QS de sua conservar - suas Se continuam a permanecer unldos, nao e naturalrnente, e volun­
for~as (no interior do estado de guerra as for~as significam, alem tariamente ; e a propria familla sO se mantem por convenyao".6
das for~as f\sicas, os bens) e sua liberdade. Novas forlfas que se o corpo politico nao pode, portanto , formar-se nem por
chamam: interesse particular - "Esfor<;:ll·me-ei, sempre, nessa exten~o da fam ilia nem a partir de uma sociedade natural ou
e
\ pesquisa em atiar 0 que 0 direito pennite aO que 0 L'1teress pres­
creve, a flITI de que a justilfa e a utilidade nao fiquem separadas".3
geral, constltui-se em descontinuidade com a natureza fisica, 0 que
o faz 1rredutivelmente ourro: 0 advemo do corpo politico cons­
Isto pode ser feito atraves do Contrato. Nele, a liberdade titui uma "ruptura" - cabe a Lei reconstituir 0 campo social,
subsiste enquanto qualidade humana, como direito e como dever, irr::Jrimindo-lhe uma dirnensao simbolica que 0 estado de natureza,
em suma, como [undamento da mora/wade. A sociedade civil em sua i.. . nediatez, nao possui: "Se chamamos ( ...) politica, a 'for­
ente
sera 0 espalfo em que a liberdade pode se exercer plenam - e ma' na qual se descobre a dirnensao politica do social, nao e para
a passagem a sociedade civil produz uma mudanlfa notavel no ho­ privilegiar as rela~6es de poder, entre outras, mas para fazer com­
mem; 0 insrinto e substituido pela iustir;a e as alfoes humanas ga­ preender que 0 poder nao e 'alguma coisa', empiricameme deter­
nham a moratidade que llies faltava. df s6 entao que, sucedendo minada, mas indissociavcl de sua rep resentalfao , e que a prova
a voz do dever ao irnpulso [(siC() e 0 direito ao apetite, 0 homem, que se faz dele, simultaneamente prova do saber e modo de ar·
que ate entao s6 olhava a si mesmo, ve-se for~ado a agir sobre ticula<;:ao do discurso social, e constitutiva da identidade social".7
outros principios e a C()nsultar a razao antes de ouvir suas incli­ A caracteristica do como politic() em sua identidade, e que e a
nalf :; 4 Apenas em sociedade suas "faculdades virtuais" tern marca da alteridade, se enC()ntra na "moralidade"; mas isto nao
oes
cidadania e podero se desenvolver : "Embora se prive, nesse est ado , basta para constituir 0 C()rpo politiC(), na medida em que se pode
de muitas vantagens que the vem da natureza, ganha outras de conceber uma sociedade sem Contrato, fundada apenas na lei moral,
vem
igual monta: suas faculdades se exerce:n e se desenvol , suas presente em todos e em cada um. Assim, 0 corpo politico e uma
ideias se estendem, sua alma toda se eleva".5 pessoa moral que resulta da uniao dos seres fisicos que 0 cons­
E preciso deterrninar a natureza do corpo social, ja que ele tituem, e urn ser espec/fIco que nao pode ser reduzido a seus com­
nao existe no estado de natureza. E mesmo quando se sustenta, ponentes fundadores " mais ou menos como os componentes qui­
contrariamente ao "Segundo Discurso", que a farmua e uma so­
ciedade natural, havera sempre uma heterogeneidade entre a estru­
tura da [amz1ia (estrutura fisica fundada no instinto, na inclin~ao
' . Cf. E.O .L .. cap . IX: "A inclina~ao natural bastava para os unir
(os homens do estado de natureza), 0 instinto ocupava 0 lugar da pauao,
o h.lbito ocupava 0 lugar da prefen!ncia." (p.220).
2. Rousseau, C.S., iaem, I, VI, p. 243. 6. C.S.. idem, I, II, p. 236.
3. C.S .. idem, p. 233. 7. Claude Lefort, "Esquisse d 'une Genese de I'Ide6Jogie", in Rel'1.Jt?
4. C.S .• idem, I, VIII , p. 246-7. Textwes. p . 10,74/8-9.
5. C.S .. idem, p. 247.
96

u-
micos tern propriedades que nao retiram de nenhuma das misturas
que os compoem".8 A descriyao do estado de pura natureza surge, assim, dd
o corpo politico e urn ser moral, fundado; quando se co­ necessidade de conservar a independencia e a irredutibilidade do
loca a questao de sua natureza, coloca-se, ao mesmo tempo, a de componente fundador e a do componente fundado*, cada qual
sua origem, ja que a questao sobre a ongem s6 tern sentido para com uma natureza propria, independenternente do outro. Ou seja,
seres morais, isto e, a origem s6 constitui um problema em virtude alem da pessoa publica, e preciso considerar as pessoas privadas
da desigualdade moral e nao pela desigualdade fisica: "Concebo, que a compoem , e cuja vida e liberdade independem delas. Po­
na especie humana, dois tipos de desiguaJdade: uma, que chama de-se passar da independencia inscrita na estrutura da pessoa moral
natural ou fisica, por ser estabelecida pela natureza e que con­ a sua ex.istencia historicamente anterior ao componente fundador;
siste na diferenqa de idade , de saude, das foryas do corpo e das mas isto nao representa urna dUiculdade para Rousseau que nao
qualidades do espirito e da alma; a outra, que se po de chamar se interessa pela produyao hist6rica do corpo polItico, mas SUa
desigualdade moral ou politica, porque depende de uma especie explicita~ao enquanto ser moral - 0 que legitima esta apresentayao
de convenyao e que eestabelecida au, pelo menos, autorizada a margem da hist6ria . E enoontramos no "Segundo Discurso"
peloconsentimemo dos homens ( ... ). urn modo de colo car rigorosamente a questao dos fundamentos:
Nao se pode perguntar qual a fonte da desigualdade natural , "pois, "COmo conhecer a fonte da desigualdade entre os homens,
porque a resposta estaria enunciada na simples defini~ao da pa­ se nao se CDmeyar por conhecer a eles mesmos? e como 0 homem
lavra. Pode-se, ainda menos, procurar a existencia de qualquer chegani ao ponto de ver-se tal como 0 formou a natureza?"! I A
ligayao essencial entre essas duas desigualdades, pois, em outras pa­ partir dai, a analise se orienta para 0 exame da forma pela qual
lavras , seria perguniar se aqueles que mandam valem necessaria­ os elos puramente fisicos do estado de natureza (instinto, par
exerrplo) podem perrnitir a uniao dos hornens nurn corpo polI'tico,
mente mais do que os que obedecem , e se a forya do corpo ou
do espirito, a sabedoria ou a virtude sempre se encontram nes­ que apresenta uma individualidade propria; tambem aqui, Rous­
tes mesmos individuos, na proporyao do poder ou da riqueza" 9 seau nao se interessa peJa produyao real da sociedade politica mas
Mais ainda, a busca das origens constitui a unica forma de desven­ pela necessidade de constituir urna verdadeira uniao, visto que
dar a desigualdade moral e a natureza do corpo politico: "Esse "h<i mil maneiras de reunir os homens mas apenas uma de u.n.i-Ios" .
mesmo estudo do homem original, de suas verdadeiras necessi­ o Contraro Social fomece 0 metodo para realizar as sociedades

dades e dos principios fundamentais de seus deveres, representa poLiticas, pois Rousseau procura "0 direito e a razao e nao discu­
ainda 0 unico meio born que se pode empregar para descartar essa te fatos" 12. 0 y,ue se tenta apreender e a razao da passagem de

multidao de dificuldades que se apresentam sobre a origem da urn estado a outro, a causa da instituiyao do corpo politico: "0

desigual~de moral, sobre os verdade iros fundamen tos do corpo


que e que faz que 0 Estado seja uno? e a uniao de seus membros.

polftico, sobre os direitos reciprocos de seus membros e sobre E onde nasce a uniao de seus rnembros? Oa obrigayao que os li­

ga " !3 , diz Rousseau na Lettre Escrite de fa Montagne_

inu.meras questoes semelhantes, tao import antes quanta mal escla­


recidas".10 A obriga~30 e urn elo moral que permite a constituiyao do
corpo politico como ser moral; aqui tern in{cio a idade da razao
que distingue 0 Bern e 0 Mal. Se no estado de natureza 0 hornem

hiers.
• A Expressao e de P. Hochan, "Droit Naturel et Simul.acre", Ca­
8. Rousseau, Manuscrit de Geneve, I, 2, p. 284, D.C., PJeiade, 1964.
11. D.O./.. idem, p. 34 .

9. Rousseau.,D.Ol.. idem, p. 39.


12_ ManUSCTit de Geneve, idem , p. 297.

10. Rousseau, D.O'!'. idem, p. 37-8.


13. O.c., I, p. 806, Pleiade.

".
99
98
Neste sentido , 0 Emmo e
uma prirneira hist6ria da conscien­
se !irrUta a satisfazer suas caH!ncias flsicas, 0 estado civil sera a
cia natural que, atraves de suas experiencias, ultrapassa a si mesma
fonte das "necessidades morais"; e no mesmo sentido em que a
e a todos os obslacuios ate a liberdade* As leis entram tivrememe
piedade permanecia inativa sem a presenya da imagina~ao, a cons­
no Contrato e a Vontade Ceral e a expressao de sua liberdade
ciencia 56 fala no instante em que 0 homem se toma urn ser social.
racional, "razao" compreendid a como expreSSlio do universal,
£, a consciencia que permitira 0 abandono do estado de guerra,
a que s6 ocorre gor ocasiao do Contrato. Para Rousseau, a "li­
dando nascimento a urn "projeto refletido" que 0 neutraliza e

berdade objetiva" (Sittlichkeit) , a existencia de comunidades que


fIxa a "lei de propriedade ". A sociedade regulada por tal prole­
nao atingiram a reflexao fLlosofica, sao 0 espa<;:o real da liberdade;
to nao se !irrUta apenas a reunir os homens, mas a uni-Ios. pois
a partir disto, a liberdade comeya a se confrontar ao poder e encon­
tern por base 0 direito natural e a rauio (0 que faz do homem
tra seus lirnites; e 0 "caIl)inho natural" da liberdade que enfrema
pessoa moral); este projeto e inalienavel, e 0 fundamento da "U·
a necessidade: para garantir as posses estas deverao transfonnar-se
berdade raci0nal" ou da "razao em a<;:ao" - mas isto sO existira
em propriedade privada, com 0 aparecimento do Estado e da Lei
se a comunidade for "comunidade do direito natural". Civil. 0 imperio do "direito privado" e 0 espetaculo ilus6no da
o ato de associayao e urn engaj amento reciproco entre 0 liberdade (0 momenta da subjerividade em termos hegelianos)
publico e 0 particular; 0 que 0 homem perde pelo Contrato, e a na medida em que deve ser a si mesmo seu pr6prio fundamerno.
liberdade natural, urn direito iiimitado a tudo quanto possa pre­ B preciso buscar fora dele 0 princlpio de sua legitimidade. E 0
tender conquistar ; 0 que ganha e a "liberdade civil", a propriedade que Rousseau diz: "Encontrar uma forma de associayao que ce­
de tudo 0 que possui: a sociedade e entendida como urn "sistema
fenda e proteja, com toda for y3 comum, a pessoa e os be ns de
positivo de empreendimentos artificiais" e nao urn con) unto de cada associado, e pela qual, cada urn. unindo-se a lOCOS, s6 obe­
limita~6es, urna luta mortal para a satisfa<;:ao egoista dos desejos de~a contudo a si mesmo e penna.11e ya tao livre quanta antes. Tal
e paix6es, pois 0 estado de natureza toma-se, no estado de guerra,
e 0 problema fundamental ao qual 0 Contrato Social da a solu­
o reino do arbitranO, da carencia , onde 0 homem e urn ser em yao".15
necessidade: 0 estabelecimento de urna sociedade toma indispen­ o
Contrato Soci:z! pode entao ser entendido como urn pro­
savel a de todas as outras e para enfrenta-l as unidas ioi preciso
longamento do Discurso, na medida em que sua fmalJdade consiste
a uniao de cada urna individualmente - as sociedades se multipU­
em reguiamentar 0 estado de sociedade em que 0 homem se ;:ncon­
carn e se espalharn rapidarnente "cobrindo toda a superflcie da trou. A ordem social, "direito sagrado", serve de base a todos
Terra" e nao e mais pOSSlvei "encontrar urn unico recanto no t::li­ os direitos e se funda sobre convenyoes que irnplic:un a unanimi­
versO ern que conseguisse escapar aU jugo . ( ... ) Tomando-se, deste dade: 0 Contrato dara a soluyao se e somenre se Rousseau fizer
modo, 0 direito civil a regra comum dos cidadaos, a lei natural
dele 0 universal concreto hege/iano, isto e, 0 lugar em que a razao
. 56 encontrou lugar entre as diversas sociedades onde, sob 0 nome e a liberdade se identificarn efetivamente_
de direito das gentes, foi temperada par algumas conven~6es feitas
Como Rousseau pode consegui-lo, cados os temas da bondade
para tomar 0 comercio posslvel e suplementar acomisera~ao natural original do homem e da origem social dos males? "A sociedade
que, perdendo entre as sociedade quase toda a forya que tinha
deprava e pervene os homens; quanto mais se reunem, mais se
entre as homens, W reside ainda em algumas grandes almas cosmopo­
\it as ( ... ) y'ue acoihem todo genera humano na sua benevolen cia.
Os corpos polfticos permanecendo deste modo, entre si,
no estado de natureza, logo se ressentirarn dos inconvenientes
e
". Esta a visaa hegeliana que aparece na Fenomenoiogia do Esp{rjro
que haviam for~ado os particulares a sair dele".14 e na Filosofw do Direiro.
15. C.S., idem, p. 243.
14. DOl.. idem, p. 7Q
100
JOI
corrompem·'.16 0 interesse corrompe as relayoes naturais do ho·
mem na sociedade natural (a da primeira revoluyao) - 0 reino nidade como pessoa moral nao precede a do corpo polItico mas
do amor de si, da pie dade e da simpatia. A sociedade civil, ao inves deriva dele; da mesma maneira, 0 "du-eito natural" e apenas uma
de restabelecer 0 equilibrio e de proteger 0 mais fraco contra 0 ex tensiio do direito civil a sociedade geral de que "0 ESlado nos
mais forte, faz a lei se exercer em proveito do segundo, aumentan­ da a ideia".l 8 Por esta razao Rousseau diz em seguida: "§ apenas
do a desigualdade. A passagem do estado de natureza ao estado da ordem social estabelecida entre n6s que retiramos as ideias
civil e descrito no Discurso como "deteriorayao da especie"; no daqueJa que imaginamos. Concebemos a sociedade geral conforme
Conrrato, ao contririo, e vista como promo¢o: passagem cia ani­ nossas SOciedades particulares, 0 estabelecimento de pequenas
malidade a humanidade: a sociedade do Contrato se encontra longe republicas nos faz pensar nas gran des e s6 comer;:amos a nos tornar
das relayoes de forya que existem entre os objetos. Para curar os propriamente homens depOis de 5ermos cidadaos" 19; ou enta~,
"a lei e anterior a justir;:a e nao a justiya a lei". 2 0
males sociais e
preciso substituir 0 homem pela lei e armar a von­
tade geral de uma forr;:a superior a toda vontade particular, pois o direito natural nao e, pois, 0 direito do estado de natureza
entre 0 fraco e 0 forte e a liberdade que oprime e a lei que libera. mas deriva do direito civil de ins rituirtlo. P. Hochart" 1 mOSUa
A sociedade do Contrato e 0 produto da realizayao do homem, que ha nisto uma especie de c(rcuio onde se encontra encerrado
ja que nao retira as regras da vida social de nenhuma autoriciade todo Pe-Jlsamento sabre a origem. Deve sempre existir uma "co­
que 0 ultrapassa, de nerfuum direito natural pre-existente: 0 na­ originalidade" ou Ulna "complementaridade de origem" do direito
tural e 0 que deterrnina 0 indivfduo, 0 social e deterrniruldo por natural e da lei civil; 0 drculo da origem abrange 9 desejo de indi­
ele . Se 0 homem entra na sociedade contrarual e justamente por­ visao, encarregado de se realizar pela Natureza (Discwso) e pe!a
que nao ha direiros pni-existentes. "Desde que e a forya que faz Lei (Contrato). Nos termos de Rousseau: "Seria necess.3rio que
o direito", arlima Rousseau, "0 efeito muda com a causa: toda o et'eito pudesse tornar-se causa, que 0 espiri{Q social _ que deve
a forya que supera a primeira sucede a seu direito. Desde que se ser obra da institui'Yao, presidisse a propria instituiyao e que os
pode desobedecer impunemente, pode-se-o legitimamente, e ja homens fossem antes das leis 0 que devem tornar-se atraves de­
que 0 mais forte tem sempre razao, a unica coisa a fazer e agir las".22 Mas Rousseau tern necessidade de fUndar 0 direito poll­
de tal modo a ser 0 mais forte. Ora, que direito e esse que perece tico sabre 0 direito natural, unica maneira de fazer derivar deter­
quando cessa a forya? Se e necessaria obedecer pela forya, nao minayoes que escapem ao arbitrario, que tenharn forya nao 50­
se precisa obedecer pOI dever, e se nao se for mais foryado a obe­ mente de reunir mas de unir*. P. Hochart explica: "eis por que
decer, nao se e mais obrigado a isso. Ve-se, pois, que esta palavra e passivel descrever uma estranha reviravolta em que 0 direito
dire ito nada acrescenta a forya; aqui nao significa absolutarnente
1 B. Manuscrir de Geneve, II, idem, p. 327.
nacia " . 17 19. Idem. ibidem, p. 287.
Todo direito e por natureza politico e s6 adquire sentido 20. Idem, ibidem, p. 329.
na sociedade que ele constitui; 0 "direito natural" ou a "justir;:a 21. Cahiers. . .
,universal" nao podem ser compreendidos, colocados do ponto de 22. C.s., idem, II, VII, p. 262 .

vista da sociedade, como a obrigartlo que estabelece a humanidade *. Devemos considerar que a sociedade civil pressupoe sua o~em
a Partir cia Sociedade geral e engendrani a sociedade poulica. Por isso, 0
enquanto pessoa moral. Se nao existe sociedade geral da humanidade lugar da sociedade geral se enconua enUe 0 eSlado de pUIa natureza Conde
nem obrigar;:oes no estado de natureza, a constituiyao da huma­ a sociedade nao existe) e 0 estado civil (onde 0 eSlado de natureza nao exisle
mais e nao mais poderia existir). Deste ponlO de vista, a sociedade geral e
o perfodo da Sociedade e do direilO natUIais que se identifica com a "socie­
16. Rousseau, Emile. II , p. 207, Ed. Hachette. dade nascente", ou "sociedade come9ada", no momento da danya e do canto
17 . C.S., idem, III, p. 238. (capitulo IX do £nsaioj enquanlo nao existe a "idade patriarcal" em que
a sociedade jii est! fortemente estruturada.
102 103

natural e a sociedade geral, longe de serem quirneras unaginadas nom as e \ivres , sem sofrer "solidao ou servidao"; sua existencia
no modelo da sociedade e do direito civis, aparecem como 0 que pessoal justifica-se e garante-se pelo reconhecimento do ou tro,
torn a posslvel a constitu iy ao de um dire ito e de uma sociedade fundada na benevolencia uruinime: "Esta~ cJausulas (as do Conrrato)
civil, que s6 tem realidade moral ( ... ) na. medida em que se con­ reduzem-se todas a uma s6: a saber, a alienayao total de cada asso­
fonnem as exigencias do dircito natural e da sociedade geral".23 Os ciado, com todos os seus direitos, a comunidade toda: pois, em
bens sociais >6 podem consolidar-se a partir do "sentirnen to de primeiro lugar, cada urn dando-se inteiramente, a condiyao e igual
humanidade": "Parece que 0 senrimento de. hurnanidade evapora para todos. ( ... )
e se enfraquece ao estender-se por toda a terra ( ... ). ~ preciso, de Adernais, fazendo-se a alienayao sem reservas, a uniao e tao
certa maneira, lirnitar e comprimir 0 interesse e a comiserayao perfeita quanto pode ser e nenhum associado tera algo mais a re­
para do1<1-10 de atividade". ' 4 damar C... ).
Toma-se uma necessidade fundar 0 ciireito civil sobre 0 di­ En fun , cada urn dando-se a todos nao se d.3. a ninguem. ( ... )
reito natural, tinica altern:ltiva para que 0 Contrato Social nao Cada urn de nos poe em comum sua pessoa e toda sua potencia
infrinja a lei IUJwral; 0 Conuato devera respeitar os "direitos de sob a dheyao suprema da vonrade geral; e recebemos ainda cada
humanidade" , que de cena fonna sao anteriores ao direito civil membro como parte indivislvel do todO".28
e 0 ultrapassam: e "tod a Yirtude que se funda sobre uma violayao o que Rousseau apresenta no Conrraro Social e a diferenya
deste direito (natural) e uma falsa virtude que encobre infalivel­ entre 0 hom em natural que vive no estado de natureza e 0 homem
mente alguma iniquidacie·'.: s 0 verdadeiro Contrato eo que forma natural que vive em sociedade; a bondade natural subsiste e 0 EmI­
o povo , em seu sentido poiltico , como urn conjunto de associados, lio e 0 selvagem feito para viver em sociedade, "para morar na
como corpo moral ao qual 0 pacta confere unidade. Ainda por cidade". Par i5S0, toda a educaltao do EmUio devera desp.::rtar
isto, 0 Conrraw Socicl lOma "os homens tais come sao e as leis as paixoes doces e afetuosa5 e ilnpedir (\ nascirnento das paixoes
tais como podem ser" . 2 6 0 Contrato deve fundar-se numa "ra­ degradantes e crueis, opondo "a forya expansiva do corayao" as
zao cultivada" pois 0 homem sensivel e passional descobre atraves "pulsoes egois!as". *
do amor a seu semelhante e da comunica<;ao, que foi feito para Entretanto, a reflexao sobre a natureza do Contrato leva
a sociedade - resta-lhe constituir uma que seja feita para 0 homem; Rousseau a acusar a cumplicidade emre seu nascimento e a con·
o Contrato pennitinl a construyao de urna sociedade em que sejam solidayao da propriedade privada; disto derivou a concorrencia, a
garantidas a liberdade e a igualdade pelo abandono voluntario das rivalidade, a oposi~ao dos interesses e "0 desejo escondido de lucrar
pessoas e dos bens a comunidade. 0 homem se aliena no Contrato as custas do outro". Fixando-se a lei de propriedade, fIXa-se a
_ "ilienar", diz Rousseau, "e dar ou vender,,27 - mas esta alie­ desigualdade, e as leis que "de uma habil USUrpay30 flZeram urn
nayiio nao poderia ser compreendida no mesmo sentido que a dire ito inexorcl.vel e, para 0 lucro de alguns ambiciosos, sujeitaram
do Discurso e a do pensamento de Marx. Trata-se, no Conrrato, a partir de entaQ todo 0 genero humano ao trabalho, a servidao
da alienayao total pel a qual os ser~;--se-- "entre-oferecern", toman­ e a miseria"! 9 Mais ainda. 0 dire ito de propriedade e 0 delito
do-se mutuamente visz'veis, isto e, trata-se de urna certa fonna da re­
cuperayao da preseTlfa com 0 direito de existir como pessoas auto­

23. Calliers ... , p. 75 . 28. Rousseau , C.S .. 1, VI, p. 243,4.


24. Rousse'au, DiscoUTs sur l'Economie Po/itique. • Relembremos que 0 es-rado de gue.ua provern da identidade imediata
25. Rousseau, Troisieme Dialogue, IX, Ed. Hachette. do interesse particular com 0 in.:1ividuo proyrietirio singular. 0 Emma repre­
26. C.S. , I, IV, iMm, p. 235 . senta a " pessoa " que e a "media0;3o~, 0 " natural do social".
27. Rousseau, C.S., idem . 1, IV, p . 239. 29. Rousseau, D.OJ.. idem, p. 'i6.
104
105
caminham lade a lado: nao existe propriedade sem dire ito de punir
os primeiIos corpos polfticos e vicioso por sua pr6pria natureza, e
- de onde a necessidade de wn outro Contrato. Mas, posto que
longe de ser urn "ato de razao", pelo qual todos renunciariam a
Rousseau fala no Discurso da subsistencia das sociedades naturais
violencia pelo respeito as leis, ele cria novos entraves aos pobres
nao-contratuais, as que nao dividem as terras e nao estabelecem
e novas forc;:as aos ricos, destruindo para sempre a libe rdade na­
a propriedade , 0 Contrato parece sempre acrescentar os efeitos
lural. '" E no pr6prio Contrato Social, Rousseau diz que 0 forte
da desigualdade economica aos da desigualdade natural, conduzindo
nunca 0 e suficientemente para permanecer sempre "Senhor", a
a
necessariamen te desigualdade de institui<;ao. *
mio ser que transforme sua [orcra em direito e a obediencia em
Rousseau faz do estado das leis 0 resultado de urn pacto entre
dever 3 0 A Lei marca e perpetua 0 estado de guerra, fazendo de uma
individuos desiguais. Longe de representar urn progresso na hlst6­ " habjJ" usurpac;:ao, urn direito " inexonivel" .
ria do homem, 0 Contra to nao e outra coisa senao violencia e mi­
seria, corru~ao e vfcio. 0 Contrato poderia garantir a continui­
o significado cia lei em Rousseau e analisado por Derrida,
na Cramato IOgia, a partiI da nor;:ao de suplemenlO: "Tudo aqui
dade do estado de natureza se a lei fosse urn pacto entre indiv(­
esta reunido: a progresso COmo possibilidade de perversao, a re­
duos iguais, 0 que ocorreria se Rousseau pudesse afastar a rwrureza
gressao em diref.10 a urn mal que nao e natural e que se prende
historica do ContratQ e fazer dele urn pnncipio logico. Mas no ao poder- de suplencia, que nos permite ausentarrno.nos e agirmos
Segundo Discurso esta sempre p!"esente a questao da moralidade por procura~ao, por representagao, pelas maos de ou trem. Por
que as 3crOeS humanas poderiam conservar num corpo politico escrito . Esta suplencia tern sempre a forma do signo".31 0 que
que a cada instante se volta na direc;:ao da dissoluc;:ao e da morte. ** Rousseau denuncia e a forma peJa qual 0 Szgno, a imagem ou 0
A socledade civil poderia ligar os homens e fazer do arnor ao outro representante tornam-se [orras; suplemento e 0 que vern se co­
o principio da ocdem moral, se a homem se to rna sse mau ou a locar no fugar da natureza, no semido del que e sua i.rnagem ou
sociedade virtuosa.
sua representar;:ao - e portanto cria Urn registro historico novo;
o suplemento que "engana a natureza " age como a escrita, e como
~
ela representa uma "amear;:a" a
vida : assim como a escrita "abre
uma crise" - a da palavra viva, presente a partir de SUa imagem,
B - Um Balanfo ProvisOrio de sua pintura ou representac;:ao, a lei instaura a crise no que con­
cerne a presenc;:a do ser. A lei comec;:a por representar, ao mesmo
o estado de guerra marca 0 instante em que 0 homem se
tempo, 0 interesse geral e a particular, pOis eSie continua exis­
encontra martifestamente desnaturado; 0 primeiIo pacto social
tindo ; no fundo, 0 interesse particular e a verdadeira essencia da
- 0 Contrato - e insuficiente para diSsolver as vlcios que af se lei e do proprio inreresse geral. Por toda parte trata .se do mesmo
desenvolvem. Rousseau destr6i a essencia do hobbesianismo, que
"interesse particular", s6 que, no primeiro caso, trata-se do inte­
faz nascer a justi~a do pacta que funda a sociedade civil e pOe fun
a aflgtistia do estado de natureza: para Rousseau, 0 pacto que funda

*. Nos Fragments Politiques Rousseau diz: "Se me perguntasem qual


•. Naa se deve esquecer que "0 que a hamem perde peJo Cantrata
Social e a liberdade natural e urn direito ilimitada a tudo 0 que tenta e pode
e0 pova mais conompido, eu respanderia sem hesitar que Ii 0 que tern a
malOr quantidade de leis ( ...) pais quem Sfbe escutar a vaz de sua propria
alcan~ar; a que ganha e a liberdade civil e a propriedade de tuda que passui"
cansciencia naa necessita de outras leis." (O.c., Pleiade, Ill, p. 493). E 0 texto
(Rousseau, C.S., idem, I, VIII, p. 247).
conclui indicanda que se urn pava possui muitas leis, Ii que naa sao boas
**. No DisCUTsO a genealagia do ' mal tern como origem a econ6mico: nem elicazes.
no Contrato a Genealagia do corpo politico como equilibria passive I tern 30. CS.. idem, I, Ill, p. 238.
oomc origem a Lei e a Pe,;O'l e panama a questiia do Poder. 31. Derrida, op. Cit., p. 210.
107
106
nar-se poder transmitido. vonlade particular, preferencia. Desi­
resse particular de cada individuo isoladaroente e, no segundo, do

gualciade. A Vontade Ceral to rn a-se muda. * Embo ra 0 Connato


interesse particular de gru pos sociais. Assim, a "von tade ge raJ"

Social seja fundado num momenta anterior a representa ~ao. ele


nao poden! exercer-se : "S6 a vontade geral pode dirigir as for~as

do Estado de acordo com a fmalidade de sua institui~ao, que e

e obrigado a recorrer a ela; pm esta razao " 0 corp o politico como


o corpo do homem come~a a moner desde 0 nascimento e traz
o bern comum porque , se a oposi~ao dos interesses particulares

em si mesmo as causas de sua desuui~ao". 3 5


tomou necessario 0 estabelecimento das socieciades, e 0 acordo

Todo 0 Mal procede da ausencia, cia nao-presenya. Isto e


destes mesmo s interesses que 0 tomou possive!. 0 que ha de co­

sentido por Rousseau que tenta restaurar a presen~a , propondo


mum neSles diferep 'es interesses e 0 que forma 0 liaroe social ( ... ).
nas Considerations sur Ie Gouvernement de P%glle, a rapida re­
Ora , e unicamente sobre este ir.teresse comum que a sociedade
nova~ao dos representantes para dificultar a " se duc;ao do poder ".
deve ser govemada" .32 Mas a representa~ao vai se tornando cada vez m:m represenrativa,
Ese Roussau 0 diz, e justamente porque nao e isto que ocone:
agravando a au~ncia do representado. Rousseau diz : " Seja como
no Estado existem sempre "grupos humarlOs" , ''lnteresses de gru po"
e "c:asses". A1 thusser diz: "esta famosa liberdade em particular for, no inscante em que um povo se da representantes, nao e mais
livre, nao e mais". 36 Os deputado s do povo nao sao e flaO poderiam:
(a do Contrato), solenemente atribuida ao homem do prlffieiro
estacio de natureza , reserva 0 deposito sagrado para 0 nao-se-sabe­ ser seus representantes , sao apenas seus comissarios, e nao podem
quando, isto e, para 0 porvir da 1-.10ral e cia Religiao (e para a Vo n­ conduir nada defmitivamente; toda lei que nao ~ retilicada pelo
tade Geral, isto e, para 0 interesse Gera!) - perce be-se que 0 ho­ povo em pessoa, e nula, nao e uma lei: "0 povo ingle s pensa que e li­
mem natural nao tern necessidade dela e nem a utiliza; que todo vre; esta muito enganado pois 56 0 e durante a elei~ao dos membros
o 'Segundo Discurso' vive perfeitamente sem ela. Ver-se-ia tambem do parlamento: desde que sio eieltos. ele e escrav o. nao e nada".37
o que ela e para os grupos sociais; nao e 0 corpo dos ricos qu e o direiTO civil e a lei que 0 cristaliza nao sao outra coisa
toma a iniciativa do Contraw Social, cujos argumentos agora sao senao simulacro do dire/TO narural. 0 simulacro e 0 inimigo do
dados: 0 empreendimento muito rej7etido da maior impostura modelo na medida em que e es~enciaJmente ourro, e na medida
da hist6ria do genero humano? 0 verdadeiro Contrato Social, em que se constitui a partir do modelo em sua ausencia. 0 Simula­
legitimo este, encontra assim, ao termino do deslocaroento de cro e 0 Modelo sao incompativeis em sua presen ~ a, como a sociedade
seus conceitos, as mesmas realidades de que 0 'Segundo Discurso' civil e a socieciade geral: alem do que, 0 simulacro desfigura e de­
descrevera a existencia, e sua logica implacavel". 3 3 Rousseau eSl3, sonra 0 modelo: "Choremos a nossa (patria), ela pereceu e 0 simu­
bern longe do que pretenclia exprimir quando escrevia que a vontade lacra que ainda resta s6 serve para a desonrar',.38 A lei faz a desi­
geral e aquela que deveria partir de todos e aplicar-se a todos : "a gualdade progredir - sua prirneira forma e a lei e 0 direito de pro­
vontade geral para 0 ser verdadeiramente, deve se-lo tanto em priedade, a segunda e a institui~ao da magistratura e a terceira e
seu objeto quanto em sua essencia: deve partir de lOdos para se ultima e a transformayao do poder "Iegltimo" em poder arbitra­
rio: assim a prime ira revolu ~ ao acaba por autorizar 0 estado de
aplicar a lOdOS·'. 34
Onde situar, entao, os males da representa~ao ? 0 mal in­
tervem no momento em que se delega a vomade soberana e, conse­
quentemente, a lei e escrita ; a VOlllade geml corre 0 risco de tor­ * . Mais uma veze uma queda na dimensao empmca e imediata que
di a genealogia do Mal.
35 . C.S. idem, p. 297 .
36. C.S, id. ibid., p. 297.
32. C.S., ida:l, II. I, p. 249 /250. 37. C.S . . idem~ p. 302.
33. Cahiers . ... p. 37/8. 38. Carta ao Coronel Picket, de marr;:o de 1764 .
34. C.S .. idem, p. 254 .
109
J08
berdade. Eis porque, para impedir a degenerescencia do sistema,
rico e 0 de pobre; a segunda, 0 de forte e fraco, e a terceira, 0
o'verdadeiro" contrato se coloca fora do cicJo' das revoluyoes
de seOOor e escravo, ultimo passo da desigualdade. Neste momen·
- 0 que permite a Rousseau estabelecer urna concepyao nao ju­
ta _ ja que a desumanidade do senhor determina a fuga ou 0 sui­
ridica do Estado: a Revoluyao nao e a passagem de uma forma
cidio do escravo - a lei vem socorrer 0 escravo, naa para \he de·
de govemo a outra, mas 0 ato pelo qual pode·se interrornper 0
volver a liberdade, mas 1 iiusiio da liberdade, nao a propriedade
de 5i, mas a "consciencia de sua di~idade", que 0 gratifica da
circulo fatal das revoluyoes, para instituir wna sociedade justa.
No entanto, isto permanece apenas esboyado ern Rousseau. A
servidao. 0 bom senhor e aquele que faz 0 escravo esquecer sua
oposicy;Io entre a Natureza e a Cultura e irremediavelrnente 0 ins­
condic;:ao, tratando·o nao como "seu igual" mas como seu seme­
tante em que se passa de wn estado, ern que nada falta ao hornern,
liumte. * a urn outro, ern que tudo e carencia e necessidades jamais salis­
A ordem polftlca se Uga necessariarnente ao reunir e nao
feitas. A sociedade do Contrato nao escapa a isso, pois e obrigada
ao "unir", ao "rassembler" e nao ao "assembler ", ao "rattacher"
a recorrer a representayao, tomando·se "poder transmitido", "von­
e nao ao "lier ", e este vocabulario polftico explica que a ausen­
tade particular"7 "desigualdade", e no "sistema de representayao"
cia do prefixo faz prevaleeer a liberdade sobre a necessidade. No
a igualdade 56 e aparente e iJusOria: "Ela 56 serve para manter
Emma, Rousseau diz que as ~oas instituiyoes sociais sao as que
o pobre em sua rniseria, e 0 rico ern sua usurpayao. Na realidade,
consegliem desnaturar 0 hornern da melhor maneira, 0 que de·
as leis silo sernpre uteis aos que possuern e prejudiciais aos que
pende da natureza do Con nata inicial. E ja sabemos que se recai
nilo tern nada".40
na forj:a do rIco. Por mais que se esfon;assem em dizer "isto e rneu,
Por 1550, Rousseau terrnina 0 primeiro livro do Contrato.
fui eu que construf este muro" os despossu{dos poderiam res·
por uma observayao que deve servir de base a todo sistema social:
ponder: "Ignorals que uma rnultidao de vossos' irmaos perece e
ao inves de restaurar a igualdade natural, 0 pacta sacUl' substitui
sofre a necessidade do que tendes a mais e que vas seria necessa­
a desigualdade f{sica (natural) pela "igualdade moral e legitirna";
rio urn consentimento expresso e unanime do genero hurnano
ao descartar a desigualdade de "forya ou de genio", todos se tor·
para que, da subsistencia comum, vos apropriasseis de quanta
nam iguais por canvenj:ao e de dire/to: a igualdade juridica camu­
ultrapasse a vossa? Destitufdo de raz5es legitimas para justili·
car-se e de for9 as sufiClentes para defender-se ( ... ), 0 rico, for~ado
fla a desigualdade social e econ6rnica das condiyoes reais de exis­
rencia. Edisto que Marx fala na Cr(tica ao Programa de Gotha
pela necessidade, acabou concebendo 0 projeto mais refletido
que ate enta~ passou pelo espirito humano" , 0 Contrato. 9
3 - 0 dire ito igual tern sempre urn limite: 0 direlto do produtor

As revolu!;f()es que culrninaram no despotismo, na dissolu­


e proporcional ao trabalho que fornece e, neste sentido, a igual­
dade consiste na apliau;ao do rrabalho como unidade de medi­
~ao e na rnorie sao, pois, 0 efeito da corruPCY30 politica que de­
veria ter sido rornpida com a criayao das condi~5eS pr6prias ~ \i­
da COmum. Entretanto, urn individuo que ultrapsse "fisicamen­
te au moralmente" urn outro, e capaz de fomeeer "rnais traba·
lho", pode trabalhar mais tempo; e para que 0 trabalho possa semr
de medida, e preciso determinar sua durac;:ao e intensidade, de
*. "Se seguumos 0 progresso dOl. desigualdade nessas diferentes reyc' outra maneira ele nao seria rnais a unidade. Marx diz: "0 direi­
lu«oes, verificaremos tel constitllido seu pruneiro tenno 0 estabelecun
ento to igual e wn direito desigual. N ao reconhece nenhurna distinyao
dOl. lei e do direito; a instinll<;30 dOl. magistratula, 0 segundo, sendo 0 terceiro de classe, porque cada hornern sO e urn trabalhador como outro
e ultimo a trans.forma~ao do poder legltimo em poder arbitririo; de tal forma qualquer; mas reconhece tacitamente a desigualdade dos dons
que 0 estado de rico e de pobre foi autorizado pela primeira epoca; 0 de
poderos e de [taCO pela segunda, e, pela terceira, 0 de senhor e escr<lvo."
o

(Rousseau, D.OJ.. idem, p. 77/8).


40. C.S., I, p. 249, noa.
39. DOl., idem, p. 77/8.
110
ilJ
individuais e, consequentemente. da capacidade de re ndimento ra, mas 0 que acorrenta*: "0 espirito raciocinador e fllos6fico
como principios naturals: e, pois, em seu teor, urn direiro lunda­ prende a vida, afernina, avilta as almas, concentra todas as pal.
do sob,e a desigualdade , como [Odo direiIO. 0 direito, por sua I xOes na baixeza do interesse particuJar, na abjeyao do eu hurna.
natureza s6 pode conslstir no emprego de uma mesma unidade no e mina assim, secretamente, os verdadeiros fundamentos de
de medida; mas os individuos desiguais (e nao seriam individuos toda sociedade". 44
distintos se nao fossern desiguais) s6 sao mensuniveis segundo
uma unidade comum se os considerannos de urn rnesmo pomo
,
~
Rousseau ja havia mostrado que a razao substitui a paixao
natural pela paixao pervertida ; as paixOes naturais sao os princi­
de vista, se os apreendermos sob urn aspecto d eterminad o; por pais elementos da conservayao da vida e deterrninaram 0 apare­
exemplo, no presente casa, se sao considerados ccimo trabalha­ cimento das linguas (no Ensaio, nos paises frios as linguas derivam
dares e n:lda mals, abstraindo-se todo 0 resto. Por outro lado: da necessidade, nos paises quentes, das paixOes); mas A medida
urn operario e casado , outro nao; urn tern rnals mhos que 0 outro que aumentam e se ampliam as necessidade, a ramo se desenvol­
etc.; com igualdade de trabalho e conseqiientemente com igualdade ve, a linguagem muda de figura - toma-se mals precisa e menos
~e participa~ao no fundo social de co nsurn 0 , urn recebe pais efeti­ apaixonada, substituindo sentimentos por ideias, nao se dirigin­
vamente mais que 0 outro , ,urn e rnals rico que 0 outro etc . Para do !j1als ao cor~ao mas A razao: "0 estudo da mosofia e 0 pro­
evitar todos este inconvenientes , 0 direito deveria ser, nao igual gresso do raciocinio , aperfeic;:oando a grarmHica, privaram a un­
mas desigual".4 I gua desse tom vivo e apaixonado que a tomava de inicio tao can­
A lei generali:adora nao poue prestar aten y30 a "diferen­ tante (. ..) . Desde que a Gnkia ficou repleta de sofistas e de mo­
ya" - s6 a presenr;a permanente podera faze-Io . Por iSlO , Rousseau sofos, nao se viram mals nem poetas nem musicos celebres. Ao
cliz no Conrrato que a Vontade Geral nao pode ser representada: cultivar a arte de convencer perdeu-se a de cornover" 4 5 Isto sig­
ou ela e ela mesma ou toma·se outra coisa, nao existe meio ter· niiica que 0 homem em separado do mundo pelo aclimuJo de
mo. Toda sociedade deve possuir regras juridicas, religiosas, po­ argumen tos, 0 que abre as vias aos preconceitos tomando 0 homem
liticas, econ6micas "enquanto que sua conquista da natureza, insensivel A ordem da natureza que 56 se oferece aos " olhos des­
sem a qual ela nao seria mals urna sociedade, faz-se progressiva· prevenidos". No fundo, 0 que Rousseau diz e, que nao se cura a
mente, de fonte em fonte de energia, de objeto ern objeto. Eis desigualdade com argumentos que a agraYaJn **. Resta-lhe procurar
porque a lei pesa com todo seu peso, antes mesmo de se saber "urn Jugar selvagem na floresta': onde nada denuncie a servidao
qual e seu objeto, e sem que nunca se salba exatamente".4 2 Vma e a dOrninayao, "onde eu possa acreditar ter sido 0 primeiro a
legisl~ao perfeita seria a que transformasse os homens a ponto entrar e onde nenhum terceiro importuno viesse se colocar entre
de se tomar inutil - diz Rousseau nos Fragments Politiques. E
no U:Jntrato , afUma que aquele que ousa ernpreender a instituifQO
de urn pam tern que se sentir capaz de rnudar a "natureza huma·
*. Cf. Man, El Capital. vol. I: "0 escravo romano esra ~ado a seu
na"; e rnals - "urn povo que govemasse sernpre bern nao neces­ proprietirio por meio de correntes, 0 assalariado esta ~ado ao seu por la~os
sitaria ser govemado" 4 3 invisiveis. A apan!ncia de autonomia mantem~ pela COn5tante varia~o
A partir de agora, podemos retornar a questao da liberdade do patrao individual e pelajictio juris do Connato ." (p. 186) .
44. Rousseau, Narcisre. p. 104/5, Ed. Hachelte.
e da raztIo no Contrato. A "razao contratual" nao e 0 que Ube· 45. E.OL, idem, cap. XIX, p. 262.

**. Cf. tambem Nietz~he, Crepuscuie des /doles, p. 49 (trad. Albert,

Ed. Gallirnard, 1968) onde diz que nao se cura 0 ascetisrno , as condi~6es
41. Critique du Programme de Gotha. de existencia nao podem ser refutadas com argumentos: "Nao se refula 0
42. Gilles Deleuze, Logitzue du Sens , p. 69. cristianismo, nao se refuta uma doen~ dos ollios. Ter-se cor.lbatido 0 pes­
43. CS.. III , idem, p. 280. simismo como uma ftIosofta, [oi 0 cumuJo da idiotia sabia."
112 113

a natureza e eu. Seria a1 que ela (a Natureza) pareceria oferecer blema pollrieo: ela sO e :nodelo para urn pequeno grupo de pes­
a meus olhos uma magnifi~ncia sempre nova".4 6 Rousseau e soas virtuosas capazes ::.t! d2.r a ~ mesmas suas pr6prias regras;
conduzido a "busca da solidao" pela mes:ma razao que 0 fez ima· ~ urna sociedade jUSla. :nde 0 homem faz a experiencla da feli­
ginar 0 estado de natureza. Lebrun observa, entretanto, que a cidade de viver entre se:.s semeih:mtes. onde seu ser moral e seu
solidao nao significa uma fuga a sociedade, mas a condi~ao de ser social confundem·se JU.i11 a mesma voc~ao: "Teria desejado
poss~bilidade da sociabilidade cuj a ideia esta encoberta pela vida nascer num pais no qua 0 soberano e 0 pavo nao pudessem ali­
social: "Posto que 0 espeUculo do reino vegetal nos ocasiona o· mentar senao urn unico e ::J.esrnO in leresse ".49
prazer que experimentariamos em todos os momentos no reino Em Clarens nao hi 1 '1ecnic3. de representa~ao" das associa­
dos flns. urn pacto· secreto liga a floresta a
cidade etica ( ... ). 0 ~5es palfticas; estas sao SlDS1itu[d3.s peJa participa~ao ativa de cada
retjro longe dos homens ensina-nos a amar 0 genera humano " .47 wn na vida d.a comunien:e , nas assembleias, nos pequenos centros
em que todos se confun:an e se compreendem facilm~nte: vivem
uns sob 0 olhar dos OL::US. Ju lie, nJ Nouvelle Heloise, percebe
C - Um Balanj:o sem Perspectivas a proximidade dos amig:.s como uma parte de seu ser: "estou cer­
cada .por tudo que me ::.:~ressa , lOdo 0 universo se encontra aqui
Mas 0 que ~ este pacta secreta se nao for 0 Contrato? para mim; desfruto ao ::lesmo tempo do apego que tenho por
meus arnigos e do que = ,JTestam : GO que tem urn pelo outro; sua
A sociedade justa e uma possibilidade extra-hist6rica, a pa­ benevolencia mutua ou 1!!ill de mim ou se me refere; nada vejo
tir da qual (deste pacto ideal) e posslvel reconhecer 0 que hi de que nao amplie meu se; ~ que o · jjvida ; ele esta em tudo que me
rnistificador no pacta h ist6 rico. A no~ao de Natureza perrnitiu cerca, nenhurna por~ao t.~':~le longe de mim: minha imagin~ao nao
urn "distanciarnento hist6rico" e a nos;ao de "direito" (no sen­ ,tern mais nada a fazer. :;10 tenho r.3da a de5eJar; sentir e desfrutar
tido de oposi9ao ao fato) maIDfesta a dirnensao das infra¢es: ­ sjo para mim a mesma :.:::sa; vi.o 30 mesmo tempo em tudo que
ela ~ a possibilidade de urn saber cntico e de uma a~ao nova. arno, eu me satisfa~o de :''!licidade e de vida". so A!t!m disso, nos
Deste ponto de vista, Rousseau vai estabelecer urna norma momentos de festa, en.:::nua-se J unidade primitiva, pois ~ urn
cuja oportunidade de sucesso se liga a constitui~ao dos "peque­ espetaculo onde se restlli.-:l a preSenra originaL A festa exprime
nos grupos" - Clarens. E isto porque, ao opor a imagem do homem no plalUJ e.xistencial de Jfeti~'idade 0 que 0 Contrato formulou
Sfibio a do homem corrompido, 0 Discurso evidenciou urn impasse: no plano da Teoria do ':'lJ'eito . E, como eJe , esta condenada. Em
a condi~ao do selvagem nao pode mais ser reconquistada e a do meio a alegria publica, C1Ji.J qual e 110 mesmo tempo ator e espec·
civilizado e inaceitavel. A sociedade de Clarens, delineada na Nou­ tador - 0 que 0 Contra: prop6e no p);mo da Vontade e do Ter,
velle Heloise nao podera reencontrar a existencia no "imediato" a festa realiza no plano :.0 Ollmr e do SeT: cada qual se aliena no
(como faz 0 homem primitivo) , no instantaneo; tratar-se-a de urn olhar do outro mas YO::! a si mesmo por este "reconhecimento
imediato recuperado num Dutro plano, que ja se enconta media­ universal" - a festa re.:::nquista 0 rl'IIlO Ja sensibilidade, num
tizado ; nao ~ mais a felicidade espontanea mas ~ "a repara~ao universo de musica e i! dal1~a. ~o EIISQZO Rousseau explica: a
refletida da infelicidade".4 & A pequena sociedarie de Clarens, musica nlio co move a ~ mas remove 0 corpo; 0 canto perten­
em que paderia viver 0 Emilio, ~ uma solu¢o moral a urn pro­ ce ao homem e assim ~ se ouve "ClIlto ou sin'fonia" e por que
"urn outro ser sensivel =::ti aqui" . Na festa. 0 homem canta, dan­

46. Rousseau, Terceira carta1l Malherbes.


47 . Leurun , Kant et /a Fin IH fa Metaphysique, p. 350. 49. D.OJ., idem, p . 26 .
48. Starobinski, T. et 0., idem, p. 335. 50 . VIeme partie, op. ::r.. VIII. D.C.. Ed_ Pleiade, VII, p. 689.
117
116
Neste sentido CJarens e urn lardim e 0 Eliseu e urn jardim
contra escondido, existe perpetuamente entre 0 pobre e 0 rico.
Para L aunay 57 a Nouvelle He[ol'se seria uma tentativa reformis­ dentro de outro jardim. Clarens e urna comunidade moral e nao
sociaL Para suprimir a existencia das "classes sociais", Rousseau
ta de denunciar e suplantar 0 mal cuja anilise das causas e feita
utiliza uma especie de "regressao eco~pmica" - 0 pequen~o_ pro·
pelo Discurso. A feliciciade da festa "dura quanta duram os es­
dutor independente (0 artesanato do "Segundo Discurso", a que
petaculos',s 8 A festa e a ocasiao para que as "classes" se apro­
Rousseau chamou "come rcio independen te") - se substitui a
ximem e se confundam nas sociedades de classe. f ilusao da Be­
urna soluyao politica possfve1; esta "soluyao te6rica" tenta reo
nevolencia concluir que as barreiras e conflitos socials se quebram,
cuperar a transparencia contra 0 obstaculo. A "situa~ao revolu·
e uma ilusao acreditar que urna economia de subsisrencia - que cioniria" que penr.anece ao flIfl do "Segundo Dlscurso" nao pro­
exclui 0 consumo, causa da degradayao moral, e que prop5e uma
voca nenhuma mudan\a decisiva - 0 que necessitaria uma Teo·
vida sem excessos, sem luxo - poderia reconquistar a igualdade
ria da Hist6ria. Em Rousseau , a Hist6ria e sempre aquilo que dis­
recorrendo a uma economia agricola de gesta-o comunitaria. Rous­
tancia 0 homem da origem. da natureza, aquilo que come~a com
seau faz desaparecer simbolicamenre a desigualdade com 0 tema
esta distancra. A hist6ria aparece apenas como exemplo (os cos­
do cidadao no campo, posto que nao vislumbrou urn caminho
para a suprirnir realmente. Robert Mauzi s 9 <liz que, ja que e im­ tumes dos gregos, dos romanos etc.); a Hist6ria como ampla do­
curnentaqao economica, politica e moral aparece nas Considera­
posslvel conceder ao campones urna promo<;ao burguesa, 0 burgu~s
se transforrna em campones e por urn passe de migica a desigual­ tions sur Ie GOUl'ernement de Pologne e no Projet de Constitution
pour La Corse mas nao aparece em suas relayoes de entre-signifi·
dade e esconj ur ada, sem que tal sociedade estej a, por isso, em
cayao e entre-engendramento. Alem disso, no Conrrato Social
perigo. f este ;"lugar que tambem ocupa 0 tema do "Jardim" na
a "democracia eletiva" era 0 melhor de todos os govemos. Nem
1'(ouvelle Heloi"se:' 0 "Eliseu" e 0 modelo do jardim ideal, que res­
a C6rsega, nem a Poloma, poderao aproveitar as vantagens do reo
titui a inocencia e a felicidade das origens. 0 J ardim e 0 espayo
8ime aristocnitico: a C6rsega devera transformar-se em uma demo­
privilegiado em que 0 sonho se realiza, a meio caminho entre 0
cracia e a Poloma dever.:i. continuar urna monarquia. Esta ruptura
isolamento e a comunicayao. 0 "Eliseu" e urn recanto natural
entre a teoria e a pratica esclarece 0 significado cia Hist6ria em
no estado absoluto. Dele, M. Wolrnar tern a impressao que os cam·
pos habit ados por seus camponeses sao "naturais"; Saint-Preux Rousseau como aquilo que se liga inelutavelmente a decadencia.
pensa estar "au bout du monde ". 0 "Eliseu" e urn lugar enigma­ Este sentido umco da Hist6ria e marcado pelos "sitat que ", "des
I'instant que", "des que", de seu discurso; na Hist6ria, a proprie·
tico de que poucos tern a chave, onde nenhum estranho e admi·
dade privada emerge como a rnaterializaj:ao da desigualdade - mas
tido. " tal concep~ao de Hist6ria nao poderia prevenir seu aparecimento
- de onde a insistencia nos "abusos" das apropri3fOes e sua conde·
nayao moral: "de quantos crimes, guerras, assassinatos, de quantas
57. Launay, op. cit., p. 306.
58. Starobinski, op. cit., p. 123. A Pensilvania e 0 Jardim (do Candido de Voltaire) almejam recome~ar
59. Robert Mauzi, L 'Idee du Borzheur au XVIII erne Siec!e. p. 367/8 .
a vida social sem os vicios da sociedade existente. E pant tal precisam ficar
e
*. Marilena de S. Chaui mostra que 0 Jardim a resposta que se encon­
de fora, Ii, no mundo silvestre, ainda nao corrompido pel0 mercado. 0 comer­
ua para urna sociedade que desflgurou a natureza: "0 universo mercantil
cio aparece nao apenas como aliena~o das mercadorias, mas como alienayio
perverte as rela<;6es entre os homens porque instaura a uoca fraudulenta
dos objetos. A COnVenyaO monetana e contr.iria a sociabilidade natural dos
e
do individuo. ISIO quer dizer que 0 indivlduo alienado aquele que precisa
das coisas produzidas por urn outro e, portanto, 0 fim d4 alJena~ao estarla
proprietarios, fazendo dos homens meios para outros homens. Ao elirninar condicionado pela recusa da circula~ode bens: isto e, pela supressao do
o dinheiro e a troea, 0 Jardim pretende recuperar, no domlnio da pnitica,
consumo, sobre a base da compra e da venda." (In "Tres em Uma", p. Ill,
a me sma rela<;ao imediata com as coisas e com as pessoas tal como existe
Revista Discurso. Ano 3)~
no domfnio da visibilidade ( ... J.
114
115
~a, enfeita-se: sao signos que se bastam e indicam a presen~a cer­ A igualdade reencontrada reaparece nos dias de festa mas
ta do outro, po is "um homem abandonado numa ilha deserta nao desaparece assirn que estas terminam; em seu quotidiamo , Clarens
arrumaria sua cJbana unicarnente parJ si; nao procuraria flores nao vive na igualdade natural dos "primeiros tempos", mas na
para se enfeitar e as plantaria ainda menos. 0 prazer do enfeite igualdade civil sonhada peio Conrrato. Senhores e servidores con­
s6 tern sentido pel a admirayao dos outros, supoe que levo ern con­ tinuarn a ser desiguais, embora os "senhores" 0 sejam pel a "con­
sidera~ao seu oiliar" . 5 1
fianc;:a" (IV parte, carta X). M. Wolmar busca a confian~a de seus
Para Rousseau, sao mentirosos os espetaculos que excluem servidores para fazer deles "bons servidores" - trata-se de uma
e reunem urn pequeno numero de pessoas "num pequeno cantO sociedade patriarcal, tal como se ve nesta especie de organizayao
escuro" e que "s6 ofere cern aos oihos cercas. lan~as, soidados. domestica. 5[0 os senhores que conservam 0 priVllegio de senti­
imagens allitivas da servid~o e da desigualdade".s 2 E ao ar livre rem-se iguais com reIa9aO a seus servidores e nao 0 inverso. 0 sen­
que os "suaves sentirnentos" podem unir-se: '·Plante·se ao meio timento de igualdade dos senhores peunite-ihes desfrutar de suas
de uma praya uma estaca coroada de flores, reuna-se 0 povo e se propriedades sem consci~ncia culpada: "eu me admirava como,
tera uma festa. Fayd-se ainda melhor: que se de os espectadores COm tanta afabilidade, pudesse reinar tanta subordinac;:aQ e como
como espetaculo; que eles pr6prios se tomem atores: fat;:a-se que ela e seu marido (Julie e Wolrnar) podiam descer e igualar-se com
cada urn veja e se arne 110S outros, para que todos se unam me­ tanta frequencia a seus empregados sem que estes fossem tentados
ihor" S 3 Mas as belas almas sabem que a festa e uma ilusOo. Os a toma·los literalrnente e por sua vez igualarem·se a eIes . Nao acre­
efeitos dessa ilusao, entretanto. sao os de reaproximar 0 homem dito que haja na Asia soberanos servidos em seus palacios com
da imagem da inocel\cia pri111itiva , a ponto de 0 persuadir que 0 mais respeito que estes bons senhores 0 sao em suas casas. Nao
Hm e 0 come~o se reunem; a realizayao do desenvoivimento moral con.he~o nada de menos irnperioso que suas ordens e nada de t.iro
pode se fazer na espontaneidade irrefletida de que a Hist6ria arran­ prontamente executado: e s6 pedirem e sao satisfeitos". 5 5
cou 0 homem *. A festa nao deve conter nada de ritual: na pequena
Rousseau compensa peIa festa a desigualdade da ordem quo­
sociedade de Clarens ela e irnprovisada - e durante a coiheita do tidiana. embora os servidores nao constituam uma "classe anta­
vinho que todos, assirn reunidos, configurarn a festa: ela nio repre· g6nica" que comprometeria a existencia comum. Na festa, 0 vinho
senta nada de "memorativo ou comemorativo" - ela nao e uma ajuda a estabelecer uma "igualdade sentimental" que promove
representa~ao: "nasce de irnpro'viso ( ... ) no concurso de urn grupo
relac;:Oes novas entre os individuos; e 0 momento em que se rea­
humano no qual ninguem tern mais nada a esconder do que pensa liza, passageiramente, uma alegria sem "dia seguinte", urna sc­
e sente. Os homens nao estao alegres porque foram convidados
ciedade livre - a da presen"a - sem corpos intermedianos. Mas
a uma festa; esta e tao somen te a manifestac;:ao visivel da alegria a ordem e a economia habitual se mantem sobre a mesma base, a
que os homens experimentarn de estaremjuntos" .54
da dominac;:ao do senhore da obediencia do servidor: "como con­
trola; empregados, mercemirios, de outra forma senao peIo cons­
trangimento e peIa imposiyao? Toda arte do senhor consiste em
51. Lebrum, op. cit. esconder esta obrigac;:ao sob 0 veu do prazer ou do interesse, de
52. Lettre Ii d'Alembert , p. 224 , Ed. Gamier, 1962.
tal forma que pensem querer tudo 0 que se os obriga a fazer" :5 6
53 . Lettre Ii d'Alemben , idem. p. 225.
*. A festa, em Rousseau, significa 0 recUISO a uma "astucia" segundo Este estado de guerra entre os servidores e as senhores nao se en­
a qual a necessidade natural pode ser reintroduzida no reino da cultura; e
o que se passa na pedagogia do EmIlio e no pequeno grupo de Ciarcns: se­
gundo Grosrichard essa " esuategia" tern. portanlO, a mesma fun~ao da lei
natural. 55. N.H.. idem , IV partie, leltre X, p. 458/9.
54. Starobinski, T. et 0., idem, p. 116. 56. Idem, p. 453.

-.
118
lH
mise ri as e horrores nao pouparia 0 genero humane aquele que
deduzir-se da natureza do homem un;camente peJas luzes da r~­
arrancando os credulos ou enchendo 0 fossO ...".60
zao e independentemente dos dogmas que dao a Juto!idade sobe­
Por que lhe falta uma Teoria da Hist6ria como 0 espa~o
rana a sanc;:ao do direito diVlIlO. Segue-se desta exposiy30 que , sendo
em que os homens fazem e refazem sua existencia em suas rela­
a desigualdade quase nul a no estado de natureza , de ve sua [o ry a
yoes com a natureza e com os outIos homens, como totalidade
e seu incremento ao desenvolvimento de nossas faculdade s e aos
econ6mica, politica e moral - nao surge ninguem para "encher
progressos do espirito humano, tomando-se, afmal, eWlvel e legl'­
o fesso " dos terrenos cercados, engradados, A propriedade de­
tirna grac;:as ao estabelecimento da propriedade e das leis. Segue-se,
sequilibrou 0 mundo destruindo a igualdade primitiva. 0 que Rous­
ainda, que a desiguaJdade moral, autorizada unicamente pelo di­
seau nao chega a mostrar e que deste proprio desequilibric (0 do
reito positiv~, 'e contraria ao direito natural sempre que nao coin­
confuto ininterrupto entre a origem e os desenvolvimentos da
cide , na mesrna propor~ao, com a desigualdade fisica - distinqao
perfectibilidade, as novas aquisiqoes tecnicas e a corrup~ao dos
que deterrnina suficientemente 0 que se deve pen sar, a esse res­
costumes) poderia emergir a solu~ao para reencontrar 0 "centro
peito, da especie de desigualdade que reina entre todos os povos
de gravidade": He este desequilibrio que toma as revolu~5es pos­
policiados, pois e manifestamente contra a lei da narureza, seja
siveis; nilo que as revolu~Oes sejam deterrninadas pela progressao
qual for maneira por que a defmimos, uma crian~a mandar nwn
a
tecnica, mas tomam-se possiveis' por esta distancia entre as duas
vellio, um irnbecil guiar urn sabio, e urn punhado de pessoas re­
series (no caso de Rousseau, as da origem e da desigualdade*)
gurgitar superfluidades enquanto a multidao faminta falta 0 ne­
o que exige remanejamentos da totalidade econ6mica e politica cessario" 6 2
em fun~ao das etapas do progresso tecnico. Ha paiS dois erros,
o mesmo na verdade: 0 do reformista ou da tecnocracia, que pre­
tende promover ou impor remanejamentos parciais das relayoes
sociais no ritmo etas aquisiq5es tecnicas; e 0 do totalitarismo, que
pretende construir uma totaliza~ao do significavel e do conheci­
do no ritmo da totalidade social existente num momento dado.
Eis por que 0 tecnocrata e 0 amigo natural do (litador, ordena­
dor e da ditadura, mas 0 revoluciomirio vive na distincia que se­
para a progressao tecnica e a totalidade social, ai inscrevendo seu
sonho de revoluqao perrnanente. Ora, este SOMO e por ~i sO ac;:ao,
realidade, ameaya efetiva sabre toda a ordem estabelecida e tor­
na possivel aquilo de que e sonho". 6 I
o sonho de Rousseau no DisCUlSO nao se realizaria pela re­
beliiia, e por isso le-se em seu paragrafo [mal: "Esforcei-me por
expor a origem e 0 progresso da desigualdade, 0 estabelecimento
e 0 abuso das sociedades politicas, quanto possam essas coisas

60 . DOJ.. idem, p. 66.


*. A obserYac:ao e nossa.
61. Deleuze, op. ciC., p. 69 .
62. D.OJ.. idem, p. 92.
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