Ògún
Ògún
Ògún
Ele é o Òrìṣà que abre os caminhos na vida, é o desbravador por excelência e, por isso, é
importante saudá-lo logo após a Èṣù.
Ògún é filho primogênito do fenício Odùdúwà, mas não biológico. O fundador
do Império Yorubá acolheu-lhe em sua caravana sagrada com destino a Ilé Ifẹ̀. Junto a eles,
grandes heróis faziam parte da expedição. Eram os Àwọn Agbàgbà(os muito
antigos): Ọ̀rúnmìlà, Oluorogbo, Ọbamèri, Ọbasin, Ọbàgèdè, Ògún Alágada, Ọbamakin, O
ba Winni Ajé, Ẹ̀ rìnsilẹ̀, Ẹ̀ lẹ́sijẹ, Ọlọ́ṣẹ, Alajọ, Ẹsidálẹ̀, Olókun, Oriṣateko e Sẹtilu, além de
seguidores comuns.
Ele é irmão e pai de Ọ̀ranmiyàn (fundador da cidade de Ọ́yọ́ que a torna capital política
do reino Yorubá), ao mesmo tempo, pois tanto ele quanto Odùdúwà, segundo um ìtàn, tiveram
relações com a mãe de Ọ̀ranmiyàn, uma escravizada, espólio de guerra. Conta o ìtàn que quando
Ọ̀ranmiyàn nasceu metade de seu corpo era clara devido à herança genética de Odùdúwà e a
outra metade, preta, devido à herança de Ògún. Portanto, Ògún é tio e avô de Ṣàngó, uma vez
que este é filho de Ọ̀ranmiyàn.
Trazemos aqui, então, um importante relato do próprio Onìré, recolhido por Pierre
Verger em Ìré na década de 1950 que confirma o ìtàn:
Ni aye atijọ. Omà n’jagun kakiri, ọn ni akọbi Odùdúwà.
Nigbati o jagun lọ si ọ̀na Ọ́yọ́, o mu ìyá Ọ̀ranmiyàn logun; obìnrin na wu Ògún.
Nigbati o ri, o basun. Nigbati Ògún de odo bàbá rẹ Odùdúwà, obìnrin na tún wu
Odùdúwà bàbá Ògún.
Odùdúwà bere lọwọ Ògún pé:
Ṣe ko ba obìnrin na ṣepọ lójú ọ̀na? Ògún ẹrú, o si sopé ọn kọba ṣe nkanpó. Odùdúwà wá
um ìyá Ọ̀ranmiyàn ofi ṣe ìyawó.
Odùdúwà jẹ ènìà pupa, Ògún jẹ ènìà dúdú. Nigbati odi oṣu mẹ́sàn ìyawó bimọ apakan
dúdú apakan pupa.
Odùdúwà bàbá Ògún pe Ògún. O sopé: “Nigbati ọn berè pe o bà obìnrin yi ṣẹpọ
lójú ọ̀na ni ijọsì ọn jiyan”.
Ògún kó lé sọrọ mọ.
Tradução:
Outrora Ògùn era muito batalhador. Foi o primogênito de Odùdúwà.
Ao lutar na religião de Ọ́yọ́, trouxe da batalha a mãe de Ọ̀ranmiyàn.
A mulher era atraente e quando ele a viu teve relações com ela.
Quando Ògún chegou à presença de seu pai Odùdúwà, este também achou a mulher
atraente.
Odùdúwà disse a Ògún que esperava que ele não tivesse tido nenhuma relação com ela.
Odùdúwà tomou a mãe de Ọ̀ranmiyàn como esposa.
Odùdúwà tinha a pele avermelhada e Ògún, a pele muito preta.
Decorridos nove meses, a mulher deu à luz a uma criança, metade negra, metade branca.
Odùdúwà, pai de Ògún, chamou-o e disse:
“Quando perguntei se você havia tido relações com essa mulher, na vinda para cá, você
disse que não”.
Ògún não soube o que responder.
Segundo os poemas de Ifá, Ògún foi trazido do Ọ̀run para o Àiyé pelo Odù Ogùndá-
Méjì, com atribuições à caça, à agricultura e à guerra. No entanto, no Brasil, ele é cultuado
apenas como o Òrìṣà guerreiro. E por quê?
Não é muito difundido no Brasil o fato de Ògún ser o grande caçador (ọdẹ nlá) e também
padroeiro da agricultura. Isso se deu pelo direcionamento das atribuições das divindades nesta
parte da diáspora. Aqui, com o advento da escravidão, os Yorubá necessitavam de Ògún no seu
aspecto de guerreiro implacável e não no de caçador provedor de alimento ou no de agricultor.
O atributo padroeiro da agricultura certamente foi o primeiro a ser descartado, tendo em vista
que em solo Yorubá, este atributo seria de grande valia aos africanos, mas em terras brasileiras,
um padroeiro da agricultura seria benéfico para o inimigo, para o senhor da Casa Grande e não
para os das senzalas.
Assim, como havia dois grandes Òrìṣà caçadores, Ògún e Ọ̀ṣọ́ọ̀sí, este último tornou-se
no Brasil o grande caçador, enquanto Ògún seria o protetor das rebeliões, das tentativas de fuga,
o padroeiro dos quilombos, dos abolicionistas.
Ferramenta com a qual se faz o igbá de Ògún com destaque para o grande ofá
Alágbẹ̀dẹ Ọ̀run – O Ferreiro do Céu
Senhor da Justiça?
Sim, Senhor da justiça. Se observarmos, não é necessário muito esforço para inferirmos
que Ògún está diretamente ligado à justiça, mas não de forma política e sim como o executor
das leis. Ògún, sendo ancestral de Ṣàngó, varria a Terra com sua sede de justiça e guerra muito
antes de Ṣàngó ser o quarto Aláàfin de Ọ̀yọ, não permitindo, assim, que os mais fracos fossem
oprimidos por poderosos.
Então, enquanto Ṣàngó é o Òrìṣà da governabilidade, da viabilidade política e estratégica
através da criação de leis, regras e do Conselho dos Ọba, seus ministros, Ògún atua como um
poder executivo, fazendo com que as leis, não necessariamente as institucionais, sejam
cumpridas.
Vale destacar que Ògún é um Òrìṣà absolutamente desprovido de vaidade estética, de
necessidade de riquezas e apegos a bens pessoais. Lançou mão do reinado em Ìré, entregando o
trono a seu filho primogênito. Veste-se com o mọ̀riwò, desprezando para si ornamentos
suntuosos e de luxo:
Tradução:
Ògún que viaja vestido com o mọ̀riwò (folhas novas do dendezeiro, desfiadas)
O Senhor do Àkóró viaja vestido com o mọ̀riwò
Ògún limpa os caminhos
Ògún que viaja vestido com o mọ̀riwò
Faz o sacrifício com o pássaro
Dendezeiro de onde se extrai o mọ̀riwò, a roupa de Ògún
O Culto
É através de cânticos sagrados que as orientações ancestrais de Ògún chegam aos seus
seguidores, principalmente os caçadores. Segundo Àjùwọ̀n, estes cânticos se dividem de duas
formas conceituais, a saber: Ìjálá e Irèmọ́jẹ̀.
O ìjálá consiste em cânticos de louvor e de agradecimento à divindade, mas também é
executado em cerimônias festivas importantes dos ọdẹ como casamentos ou ainda em atividades
culturais como o Festival Anual de Ògún. Por outro lado, o irèmọ́jẹ̀ corresponde ao conjunto de
cânticos dos ọdẹ para situações tristes como a perda de um membro da sociedade. São cânticos
de lamento entoados apenas pelos ọdẹ e em cerimônias fúnebres, ìṣípa (Àjùwọ̀n, 1981).
Mais afundo, vale observar que o irèmọ́jẹ̀ tem a função de encaminhar o ọdẹ morto para o
Ọ̀run, a fim de que ele esteja o mais rápido possível ao lado de Ògún e, assim, apresente os
pedidos de proteção e ajuda da comunidade, os quais serão prontamente atendidos. Esta prática
evidencia a crença na presença de ancestrais em constante comunicação com os vivos. Um
provérbio do irèmọ́jẹ̀ deixa claro o seu tom solene e austero:
Ifá níí mọ ibi t’aye ti wa, irèmọ́jẹ̀ ló mọ ibi ìwà gbé ṣe.
Tradução:
Ifá é o único que conhece a origem o Universo, irèmọ́jẹ̀ é o único que conhece a origem do
caráter.
Mitologia
Há uma infinidade de ìtàn (mitos) acerca desta divindade, alguns muito conhecidos e
populares, outros bastante deturpados pela tradição oral no Brasil.
Um mito conta que foi Ògún quem abriu o caminho do Ọ̀run para o Àiyé. Este caminho
encontra-se em Ilé Ifẹ. Assim, suadam-lhe Ògún Olọ́ọ̀na Ọ̀la (Ògún que abre o caminho para a
riqueza).
Outro mito relata a fúria de Ògún que ao ser invocado numa cidade e não ter encontrado
quem lhe desse uma palavra (em razão da proibição de se conversar, pelo bàbáláwo local),
matou todos os habitantes dela. Porém, ao descobrir que os habitantes desta cidade eram sua
família, ele teria se enterrado no chão e desaparecido.
No entanto, entendemos que é importante dissertar sobre a polêmica em torno de Ògúnjá,
forma reduzida da expressão “Ògún jẹ ajá”, que quer dizer “Ògún come cachorro”.
Alguns sacerdotes, baseados em livros e publicações de pesquisas de campo feitas em
terras africanas, nas quais se registrou o sacrifício de cães para Ògún, passou a efetivar esta
prática em solo brasileiro e a difundi-la, baseando-se no ritual Yorubá. É importante, porém, que
tenhamos o discernimento de conhecer e compreender as adaptações históricas que permitiram
aos yorubá e brasileiros no Século XIX, formarem, construírem e praticarem o culto aos Òrìṣà
como religião. Uma destas adaptações mais importantes foi a substituição de animais, outrora
sacrificados em solo africano, por outros mais acessíveis e cuja prática não infringisse
legislações.
Pois bem, tanto à época da formação do candomblé, quando a própria religião era
proibida e, portanto, suas práticas; passando pelo Século XX, no qual o candomblé deixa de ser
proibido, mas passa a ser contravenção e fica sob a égide da Polícia Civil, responsável por
autorizar suas festividades; quanto aos dias de hoje, Século XXI, o sacrifício de cães não é
permitido.
Saibamos, então, que nossa sociedade está submetida à Lei Federal nº. 9.605 de 12 de
fevereiro de 1998, a qual, em seu Art. 32 reza:
Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Quem é Gu?
Gu ou Gou é um voodoo (pronuncia-se vodun), dos Fon. Os Fon fazem parte do conjunto
de etnias chamadas gbe-falantes. O termo “gbe” significa língua para um conjunto de povos no
norte do atual Togo, República do Benim e sudoeste da Nigéria, que chama de voodoo as
divindades que cultuam. No Brasil, em geral, os gbe-falantes são chamados Jèjè (jêjê).
Os Fon têm uma regra gramatical que incide sobre os nomes das divindades quando estas
são incorporadas ao seu panteão. A regra é simples: Quando o nome da divindade se inicia em
vogal, ela é suprimida, como ocorreu com os nomes de Ògún e Ifá, os quais, ao serem
absorvidos pelos Fon passam a se chamar Gun e Fa. Na mesma regra, quando a consoante
seguinte, após a supressão da vogal, for a letra R, esta será substituída por L. Assim temos mais
três divindades cujos nomes sofreram mutação ao serem incorporadas ao culto Fon, são elas:
Ẹlẹgbara que se tornou Lẹgba
Assentamento de Gu no Benin
Os títulos de Ògún
Os inúmeros títulos que Ògún possui definem a magnitude deste Òrìṣà:
Aládáméjì – Aquele que tem duas espadas. Título que expõe seu conhecimento sobre a
forja de todos os tipos de ferramenta, como bem demonstra os símbolos de seu assentamento.
Como diz a expressão Yorubá: Ògún aládáméjì o nfi ọkàn ṣá’ko, o nfi ọkàn yè ọ̀nà, que quer
dizer: Ògún, o dono das duas espadas, com uma ele prepara a fazenda e com a outra desimpede
a estrada.
Aláméjì – É uma referência ao poder que ele possui de estar ao mesmo tempo em dois
lugares. Na verdade, é Èṣù, seu companheiro inseparável que vai em seu lugar quando Ògún
está distante de onde foi solicitada sua presença;
Ògúnjá – Como já dito, é a forma reduzida de “Ògún jẹ ajá”, que quer dizer “Ògún come
cachorro”;
Wari – Companheiro de Ọ̀ṣun que criou Lógun Ẹ̀ de. Um guerreiro velho, sábio e
feiticeiro;
Ominí – Também tem ligação com Ọ̀ṣun e é cultuado em Ìjẹ̀sà.
Oríkì
Ògún pẹ̀lẹ o!
Ògún lákáyé
Ọ̀ṣìnmálẹ́
Ògún aládá méjì
O fi ọkàn sán oko, o fi ọkàn yè ọ̀na
Ọjọ́ Ògún ntòkè bò
Aṣọ inọ́n lọ mu bora
Ewu ẹ̀jẹ̀ lówò
Ògún edun olú irin
Òrìṣà tií burà ré sán wònyìnwònyìn
Ògún Oníré alágbarà
A mu wodò
Ògún si la omi Logboogba
Ògún lọ ni aja òun ni a pa aja fun
Onílí ikú
Ọlọ́dẹ ilé mọ̀riwò
Ògún olónà ọlà
Ògún a gbeni jù oko riro lo
Ògún gbemi o
Bi o se gbé Akinoro
Tradução:
Ògún, eu te saúdo!
Ògún, senhor do universo
Líder dos orixás
Ògún, dono de dois facões
Usou um deles para preparar a fazenda e o outro para abrir caminho
No dia em que Ògún vinha da montanha
Ao invés de roupa usou fogo para se cobrir
Vestiu roupa de sangue
Ògún, a divindade do ferro
Òrìṣà poderoso, que se morde inúmeras vezes
Ògún Oníré, o poderoso
Levamos-lhe para dentro do rio e ele, com seu facão, partiu as águas em duas partes
iguais
Ògún é o dono dos cães e para ele sacrificamos
Ògún, senhor da morada da morte
Senhor dos Caçadores, o interior de sua casa é enfeitado com mọ̀riwò
Ògún, senhor do caminho da prosperidade
Ògún é mais proveitoso ao homem cultuá-lo do que sair para plantar
Ògún! Apoie-me do mesmo modo que apoiou Akinoro