Ipsilon 20190510 PDF
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pt/culturaipsilon
ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 10.609 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
“Eu queria
ser grandiosa!”
Com novo
livro, antes
de um novo
disco
e depois de
um concerto,
Patti Smith
senta-se
com o Ípsilon
num café
de Nova
Iorque
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Acção Paralela Crónica
António Guerreiro Daniel Ribas*
Da geringonça ao dispositivo De Macau com
D O
urante os dias quentes da “crise”, eu, que a oposição parlamentares são, como se viu, ou uma recente cinema português tem
muito li, vi e escutei sobre o assunto, que fui duplicação mimética ou um contra-dispositivo que lidado de forma mais complexa com
um cidadão atento e aplicado, não percebi prossegue as mesmas premissas) que só aspira a uma os discursos culturais,
nada: nem o que tinha sido exactamente coisa: a sua própria reprodução, para a qual avança reconhecendo uma diversidade
votado, nem as consequências imediatas cobrindo-se com uma máscara hipócrita que é já só surpreendente de identidades em
desse voto, nem as cambalhotas e inflexões uma representação espectral da política. transição, sobretudo propostas
que alguns partidos fizeram ao votar, nem a irrupção 4. Esse significado tecnológico do “dispositivo” pelos intensos fluxos migratórios. Esta
viril do governo jogando a carta da demissão quando, governamental já tinha encontrado, talvez por feliz consciência da porosidade entre identidades
pelos vistos, ainda havia muito por decidir, nem que coincidência, uma designação popular no termo — sejam elas nacionais, de género, étnicas,
quantidade de dinheiro seria necessário despender “geringonça”, que também faz pensar nas peças de etc. — torna estes filmes mais conscientes do
anualmente — na roleta tanto saíam mais 800 milhões uma máquina, combinadas de uma maneira que nosso mundo e da dificuldade em lidar com
como menos de metade disso — para satisfazer as parece pouco funcional. Mas enquanto que a as suas ambivalências. A figura do estranho
reivindicações dos professores, nem os argumentos a geringonça é obra de habilidade política, pressupondo deixou de ser clara, abrindo-se uma
justificar os vistosos recuos subsequentes. sujeitos e identidades reais, o dispositivo significa o imensidão de possibilidades de vida. É essa
Senti-me deficiente, destreinado na literacia da declínio da política. A geringonça foi, de certo modo, o uma das forças que contribui para a
vida política da nação. Mas quando, ao quarto dia, instrumento para uma campanha; o dispositivo serve modernidade do cinema português, a sua
prometido que estava já o curso normal das coisas, as operações de “governamentalidade”. Ocorre citar transnacionalidade, e para a sua boa
começaram a aparecer nos jornais artigos didácticos, uma frase dita por um antigo governador de Nova aceitação em grandes festivais de cinema.
tais como “Um guia para perceber as votações da Iorque, Mario Cuomo: “Faz-se campanha em modo Nesta lógica prolongada de
polémica” (PÚBLICO) e “A crise explicada a quem poético, mas governa-se em modo prosaico”. questionamento sobre identidade e a
não percebeu nada” (Expresso), senti um alívio, 5. O discurso hiperbólico e eufórico, à maneira memória necessária que ela produz, nas
percebi que, afinal, a coisa era mesmo complicada e dos relatos desportivos, a que se entregaram últimas duas décadas, alguns cineastas
eu não era o único a precisar de explicador. Mas comentadores e analistas da vida política, “regressaram” a territórios afectivos de
nesse momento já tinha desistido de aceitar anunciando vitórias monumentais e derrotas imaginários perdidos. Sendo Macau, tal
explicações e só queria perceber porque é que não estrondosas, acentuou o efeito do dispositivo que como Hong Kong, um território com um
tinha percebido. Eis as razões que consegui avançar: foi posto em funcionamento para provocar um estatuto diferente no contexto da República
1. A palavra “crise” para descrever o que estava a clash, uma irrupção que provoca um abalo no bom Popular da China (“Região Administrativa
acontecer, muito utilizada pelos meios de cidadão democrático. Esse discurso suscita muita Especial”), a cidade enfrentou, desde a
comunicação social, era completamente paixão, mas não traz entendimento. transferência de soberania, alterações
inapropriada, a não ser que se entenda por “crise” 6. Por uma vez, não foi artificial nem desacertado o profundas na sua estrutura económica e
um puro instrumento de governação. discurso que faz da política um jogo de tácticas e social. Por isso mesmo, a identidade
2. Excluindo a hipótese de se tratar de uma crise, o estratégias, só que agora esse discurso foi escrito, “macaense” tornou-se ainda mais difusa,
que emergiu foi algo que tinha uma função palavra por palavra, por quem geralmente apenas numa mescla de etnias de diferentes
eminentemente estratégica e implicava uma fornece o material para outros o escreverem. Assim, proveniências. Para além disso, Macau
intervenção concertada nas relações de forças, em até um comentador do qual nunca se ouviu uma passou a ser um destino único para o jogo (e
que uns as queriam orientar numa determinada palavra que não fosse inócua, pôde pela primeira vez outras actividades associadas), sobretudo
direcção e outros queriam bloqueá-las. A avaliar pelas proferir uma sentença de enorme alcance: “António por ser um dos poucos locais na China onde
reacções, ganhou o governo esta batalha porque Costa é um profissionalão, sabe mais de política a a actividade é legalmente permitida. Isso
soube fazer um uso mais eficaz do seu dispositivo. dormir do que os outros acordados”. Sabendo nós o provocou um curto-circuito no crescimento
3. A palavra “dispositivo” (só não digo a quem a que significa para Marques Mendes “saber de da cidade e no seu imaginário. De um lado,
devo, enquanto conceito específico, porque não política”, as suas palavras gritam de razão. Elas são a as tradicionais habitações de arquitectura
quero perturbar com citações e referências comemoração mortífera do que resta no lugar da chinesa; do outro, os enormes casinos,
bibliográficas este simples testemunho) tem um vida política. construídos para um luxo ocidentalizado
significado tecnológico, remete para o 7. Depois de ter percebido a razão do pouco ostentatório e exotizado (e que são, na
funcionamento da máquina governamental, para perceber, percebi que perante o excesso de verdade, a cópia da cópia: copiam Las Vegas,
uma pura actividade de governo (do qual a maioria e transparência tendemos a ver tudo opaco. que já havia copiado ícones turísticos
ocidentais).
4 16 22 24
Patti Smith Fat White Manuel Zimbro Nadav Lapid preservar — como o olhar encantatório para
Em Nova Iorque, Family A maior Conversa sobre o Mercado Vermelho ou a Fábrica de
no café onde Voltam com exposição que se um filme Panchões — como o de lançar um certo
escreve, ela fala mais um grande consagrou à sua que desperta mistério, por vezes algo exótico, da vida
ao mundo álbum obra do artista paixões e ódios nocturna de Macau.
2 | ípsilon | Sexta-feira 10 Maio 2019
O que me passa pela cabeça
Confesso: nunca vi um episódio inteiro de A Guerra
dos Tronos. Não sou muito dada às séries de ficção
televisiva nem ao binge-watching. Contudo,
recentemente, fiquei ancorada e imersa no ecrã do
meu computador durante horas. Devorei os 70
episódios daquela a que já alguns chamam A Guerra
dos Tronos chinesa: The Story of Yanxi Palace.
Patti Smith
Num palco de Nova Iorque, Patti Smith falou ao mundo em nome do planeta.
Mais comprometida com a causa ambiental do que nunca, a artista deu um
concerto que há-de constar da história da sua vida. No momento em que
chega a Portugal Devoção, o seu livro mais recente, falou do acto de criação, da
razão pela qual escreve e de como quebrou regras cedo demais numa cidade
que não estava preparada para que elas fossem quebradas. Não se arrepende.
“Sempre Äz o que quis”, diz aos 72 anos, numa entrevista ao lado de casa.
DIMITRIOS KAMBOURIS/WIREIMAGE
numa tarde de sexta-feira, em Nova Miúdos (Quetzal), a memória sobre a cando uma espécie de revolução ao
Iorque. Ali, todos a reconhecem, mas relação de juventude com o fotógrafo som de People Have The Power.
ninguém a faz sentir-se diferente. Um Robert Mapplethorpe. Publicado em Saiu do palco e voltou para a es-
estranho a assistir diria apenas que 2010, vai ser adaptado à televisão crita, onde está todos os dias. Porque
acabou de entrar uma mulher cheia pela Showtime. escreve? Pensou muito na pergunta,
de magnetismo. Sentou-se, conver- Está feliz? “Estou, têm sido tempos inspirada pelo ensaio de George
sou usando muitos gestos para subli- cheios”, diz, lembrando uma decisão Orwell, Why I Write, e escreveu um
nhar as palavras, sorriu, deu algumas da véspera, no palco. Cantar The De- pequeno livro, Devoção, que acaba
gargalhadas, e houve momentos em troit song. Escreveu essa canção em de ser publicado em Portugal pela
que parecia quase chorar na transpa- 1978 para o marido, o músico Fred Quetzal. Nele, está o processo de es-
rência dos olhos verdes. Isso en- Smith, que morreu em 1994 vítima de crita, as motivações, o resultado. É
quanto bebia um chá, segurando, por ataque cardíaco. “Nunca a tocámos, um acto de amor a um ofício, o mais
vezes, a caneca entre as mãos. A voz costuma deixar-me muito triste. On- natural nela, confessa. Foi à volta do
era límpida e só o modo como de vez tem senti-me acompanhada para o acto de criação que andou quase
em quando esfregava os olhos fazia fazer”, afirma. E logo depois: “Gostei sempre esta conversa. É sobre a es-
denotar algum cansaço. de estar ali. Estava com os meus fi- crita e por isso acabou por ser sobre
Na noite anterior, no recém-rea- lhos, a minha banda, uma casa conhe- quase tudo. Incluindo sobre aquele
berto Webster Hall, sala velhinha de cida”, refere acerca do segundo con- cantinho do café ao lado de casa,
mais de cem anos da cena boémia de certo em Nova Iorque, um espectá- onde escreve intimamente sobre si
Nova Iorque, deu o último de uma culo íntimo para umas centenas de mesma e sobre o mundo. Patti Smith com o seu amigo Michael Stipe
Patti Smith
fotografada
em 1976
ALEX SEGRE
dora, continuo a perder-me noutros apontava para o rosto dela e ela esta- Sim, a primeira começa por ser aci-
mundos, continuo a sentir um entu- va a tentar confortar uma mãe no dental. Como escrevo ou onde escre-
siasmo infantil pelas coisas. meio de uma multidão. Essa mulher vo. Ando por aí com o meu bloco, há
Como ontem, no concerto? era muito magra e estava a segurar o uma coisa que me vem à cabeça ou
Estava feliz, sim. Eu tenho muita tris- seu bebé, e ela estava tão fraca que uma ideia que começa a crescer a
teza, perdi muitas pessoas que ama- deu o bebé para que Audrey o segu- partir de uma leitura. Mas porque
va; preocupo-me com os meus filhos, rasse. E naquele momento o bebé escrevemos é diferente. Escrevo por-
com todas as coisas normais, mas morreu. Vi. O rosto da Audrey que não consigo não escrever; tenho
estou muito contente por estar viva. Hepburn mudou. Somos humanos, de escrever, sou compelida. Seria
Fui muito doente em criança, tive senti uma enorme empatia. Eu tinha bom que por vezes pudesse apenas
muitas febres e tive tuberculose e ven- o meu filho ao colo, estava a alimentá- viver. Penso que seria bom deixar
ci isso tudo. Sim, gosto de estar viva. lo e vi aquele bebé, da mesma idade, apenas as coisas decorrerem sem que
Apareceu muito activa na defesa morrer de fome. Senti ali que cada eu sentisse necessidade de pegar na
do ambiente. É a sua criança é um plural, cada criança são caneta, na máquina fotográfica, e dei-
preocupação actual? todas as crianças. As coisas que me xar-me ir no momento. Tenho de me
É uma preocupação que tenho desde passaram pela cabeça... Acho que disciplinar para conseguir não pegar
criança, e aumenta. Cresci nos anos nunca mais fui a mesma. Aquilo na caneta. Vou muito à ópera e sem- O Hotel Chelsea onde viveu com Robert
1950 e nesses anos houve mudanças mudou-me. Naquele momento não pre que há qualquer coisa que me Mapplethorpe
Quem mergulhe em Devoção, de Patti Smith, Smith escreveu “de um fôlego, sem qualquer
que a Quetzal acaba de publicar, a pensar na espécie de remorso, numa viagem de
sinopse da contracapa, poderá sentir-se comboio em França”. A frase seguinte a esta,
enganado. A nota informa que o livro é sobre é assim: “Silêncio. Carros que passam. O
“o processo criativo”, “a escrita” e “a razão rumor do metro. Pássaros anunciando o
pela qual escrevemos”. amanhecer. Quero voltar a casa,
Se está à espera de pistas palpáveis sobre choraminguei. Mas em casa já eu estava.”
escrita, listas de técnicas e de truques, é Devoção é tudo isto e é também sobre escrita.
possível que fique frustrado. Devoção A medida do insólito de Devoção pode
encaixa-se na longa tradição de livros “sobre tirar-se pela dificuldade que há em dizer
a escrita”, mas de forma singular. quantas partes o livro tem. Há a introdução, o
Devoção/ Da Antiguidade Clássica aos modernos, há texto Como funciona a mente, o poema
/Devotion séculos que quem sabe escrever partilha Ashford, o conto Devoção, o poema Flores
Patti Smith regras de escrita com os leitores. Temos essa siberianas, o texto Um sonho não é um sonho e
(Trad. Helder sorte. Vamos a Aristóteles e a Cícero e o ensaio fotográfico Escrito num comboio.
Moura Pereira) aprendemos que os argumentos são factos, Estas são as sete partes que se vêem a olho
Quetzal sejam os que encontramos na pesquisa nu. Será que Patti Smith vê a organização do
(como documentos, testemunhos e provas seu livro da mesma forma? Isoladas, cada
extraídas por tortura) ou os factos que uma é poderosa. Juntas, integram o
mmmmm dependem do nosso raciocínio (“invenção”, “estranho novo complexo literário” de que
diziam). Vamos a Anton Tchékhov e Mark O’Connell falava há uns anos na New
aprendemos a “lei da pistola” (1904): “Se no Yorker para descrever a obra de W.G. Sebald.
primeiro acto há uma pistola pendurada na Smith e Sebald têm vozes diferentes (como
parede, no último acto ela tem de ser se Smith caminhasse com leveza e Sebald
disparada. Caso contrário, não a com passos largos e pesados), mas os dois
penduramos.” Avançamos para George tocam-se na forma como nos levam por
Orwell e descobrimos a generosidade de longas caminhadas à procura das histórias
Politics and the English Language (1946), o que conhecem mas também do que vão
ensaio onde lamenta o mau uso da língua descobrir — connosco, porque estão a
inglesa e expõe as suas angústias (o inglês escrever para serem lidos.
escrito “está cheio de maus hábitos”, “Por que razão nos sentimos impelidos a
sobretudo a “falta de imaginação” e a “falta escrever?”, pergunta Smith, já no fim. “O
de clareza”). Generoso porque nos facilita a meu dedo, como um estilete, desenha no ar
vida e faz listas de regras a seguir, como esta: um ponto de interrogação.” A resposta
i. nunca use metáforas ou figuras de estilo adivinha-se com a leitura das sete partes de
que veja publicadas com frequência. Devoção. Está lá a obsessão pelas palavras, o
ii. nunca use uma palavra comprida se silêncio, a “solidão alheia às necessidades dos
pode usar uma curta. outros”, a dificuldade de começar. E estão lá
iii. se é possível cortar uma palavra, corte-a Proust a escrever de janelas fechadas e Dylan
sempre. Thomas “na sua cabana modesta”. Mas
iv. nunca use o passivo se pode usar o ficamos sem resposta, tal como em Atwood
activo. ficamos sem conhecer o seu método de
v. nunca use uma expressão estrangeira, trabalho. Aos seus alunos, William Zinsser —
uma palavra científica ou jargão se há um que foi jornalista do New York Herald Tribune,
equivalente em inglês do dia-a-dia. deu aulas de escrita nas melhores
vi. quebre qualquer destas regras mais universidades americanas e, como Orwell,
depressa do que diz uma coisa barbaramente lutou contra a escrita de má qualidade — fazia
chocante. um aviso: “Muito poucas frases surgem bem à
Nos contemporâneos, também há primeira, ou mesmo à segunda ou à terceira.
abordagens diferentes. Temos Sobre a Escrita Lembrem-se disto em momentos de
— A Arte em Memórias (2015), de Stephen desespero. Se acham que escrever é difícil é
King, no qual o escritor diz que “o caminho porque é difícil.” Atwood conta como fica
para o inferno é feito de advérbios”. E, talvez incrédula quando lhe dizem “quando me
no extremo oposto, On Writers and Writing reformar, vou escrever um livro”, sugerindo
(2003), de Margaret Atwood, um livro sem que depois da vida dura de trabalho, vão
listas nem máximas, que nos transporta para finalmente poder relaxar.
o universo de escritores, mas sobretudo para É aqui que Patti Smith deixa a sua marca na
a cabeça dos leitores. longa literatura sobre escrita. Em Devoção,
Se imaginarmos King e Atwood como ela é testemunha — mais uma — da dificuldade
mestres de clubes de “escrita sobre a escrita”, que é escrever. Há o “esforço persistente e
Patti Smith pertence ao da escritora um certo sacrifício”, há os “esforços
canadiana. Mas mesmo aí, Devoção é difícil de falhados”, as “euforias ocas”, “um caminhar
classificar. É previsível. Há anos que é assim feito incessantemente de avanços e recuos”.
com a sua música. Devoção é um remix de “É imperioso escrever — diz Smith — mas é
diário de viagem, contemplação, memória e também impossível não ficar envolto numa
romagem ao século dos intelectuais franceses infinidade de batalhas, como se estivéssemos
— e é também um conto negro, que Patti a domar um potro teimoso.”
ípsilon | Sexta-feira 10 Maio 2019 | 11
O Há quatro anos,
carro em que Benke Fer- Unidos, que só terá fim em Setembro. zadas e manipuladas para extrair da mento actual aparece na música de
razviaja embrenha-se no O arranque oficial é na sua cidade, música novos sentidos. É aliás por algum jeito e acende faúlhas na ca-
interior do estado de Minas
Gerais. O guitarrista viaja
Goiânia, a capital do estado de Goiás
em que tocam esta noite. Digressão
isso, por essa imprevisibilidade e sen-
tido de descoberta, que os Boogarins já os Boogarins eram beça de alguém”.
Há em Sombrou Dúvida uma can-
para mais um concerto dos
Boogarins. É isso que mais
avançando para o fim, passarão por
Portugal, onde têm concerto marcado
são uma banda tão entusiasmante –
sabemos que seremos transportados vistos no seu país ção chamada Tradição, em que falam
da sensação “de que toda a verdade
faz a banda de Goiânia. Viajar para
concertos, viajar muito, viajar sem-
para 14 de Agosto, no primeiro dia do
Vodafone Paredes de Coura. Não se
para um lugar misterioso, um lugar
melhor, só não sabemos como ou em como figuras de não vai se sustentar” – “jogue as ideias
no ar”, é a resposta. Há uma canção
pre. É isso que faz também a sua mú-
sica. Viajar, viajar muito, procurar
espantem aqueles que, chegada essa
data com o disco bem rodado e com
que direcção.
Sombrou Dúvida, o álbum que destaque do rock em Sombrou Dúvida, a primeira de
todas, Chances, em que Dinho, o vo-
novos territórios, novas sensações,
novos espaços para se expandir.
as canções devidamente decoradas,
acabem por ser surpreendidos. O
agora editam, é o momento em que
transportam para estúdio, de forma independente, calista, canta assim: “As chances de de
eu fugir daqui são nulas / Eu já sou
Existem discos e os discos são os
pontos de paragem que nos mostram
mais provável é que, nessa altura, as
canções de Sombrou Dúvida tenham
declarada, esse constante sentido de
descoberta, fazendo das canções e da e já a sua música quase um encosto, e o fundo do poço
em mim”. Há neste disco Sombra ou
onde pára a viagem em cada mo-
mento – o felicíssimo primeiro en-
já sofrido a inevitável metamorfose
“boogariniana”. “Realmente, a gente
composição das canções, palco de
exploração sónica, ainda de fuga e de tinha garantido dúvida, a canção onde se resume uma
atitude geral, a ética e estética Booga-
contro deu-se em 2013, com As Plan-
tas Que Curam, chegou depois Ma-
não chega nunca no ponto de falar
que a canção está terminada mesmo”,
descoberta psicadélica, mas incorpo-
rando em si os sons que nos rodeiam espaço e apreço rins: “Eu desconfio dos hábitos, eu boto
fé no viver ávido”. Ávidos têm vivido.
nual, em 2015, dois anos depois Lá
Vem a Morte. Agora, é tempo de aco-
confessa Benke. Nesse processo, dirá
pouco depois, “os palcos são os me-
hoje - corpos electrónicos bombeando
vida em redor, tradução em matéria mundo fora. São hoje Viver virou sonhar,
parte 2
lher o impecavelmente intitulado
Sombrou Dúvida, que sai para o
lhores laboratórios”. Não por acaso,
acabará a entrevista a referir-se à car-
sonora do sabor dos tempos. “A gente
compõe, escreve, circula, faz shows. nome reconhecido, As Plantas que Curam foi toda uma
mundo esta sexta-feira. “Pequenas
impressões do mundo”, define-o da
rinha, aos clubes, à vida na estrada,
como a sua “outra casa”.
Temos essa coisa de ser uma esponja,
mas não é pensado”, começa por ex- seguido com revelação. Composto e gravado pelo
guitarrista Benke Ferraz e pelo gui-
forma mais lata possível o guitarrista.
É o destilar, em som e palavra, dos
A canção como criação sempre ina-
cabada. É isso que temos testemu-
plicar Benke. “Não falamos coisas
factuais, não conseguimos fazer uma atenção por público tarrista e vocalista Dinho Almeida,
era obra caseira criada sem outro
últimos dois anos da interminável
viagem dos Boogarins.
nhado desde que os vimos pela pri-
meira vez em palco, pouco depois de
música bradando contra a pessoa, o
político ou o partido x porque isso e imprensa objectivo que descobrir o que sairia
do encontro entre os dois. Saiu de-
“Não sei como, mas conseguimos
marcar quatro shows para a semana
termos sido agraciados pela luz ben-
fazeja de As Plantas que Curam. Foi
não faz parte de como a gente absorve
as coisas do mundo e as coloca no especializada sejo bastante ambicioso (“Eu quero
o infinito”, cantavam em Infinu) e
anterior [ao lançamento] ao disco
novo”, ri Benke no carro que avança
isso que confirmámos sempre que os
vimos depois disso: uma banda que
mundo”. Tudo é mais subtil, de uma
outra energia poética, digamos. e com agenda uma mão-cheia de pérolas que, tro-
picalismo rock em subtexto, se en-
na estrada, lá do outro lado do Atlân-
tico. Depois do lançamento, a banda
vê as canções como ponto de partida
para novas explorações em tempo
“Nunca é uma coisa que vai pegar
todo o mundo à primeira ou que re- de concertos corpavam de bucolismo Kinks, diva-
gação Syd Barrett, visões cósmicas
segue para uma sequência de concer-
tos, entre Brasil, Europa e Estados
real, ou que as usa como peças que
podem ser constantemente reorgani-
sulte numa hashtag. Não temos apti-
dão para tal. Mas tudo o que é o mo- preenchidíssima dos primeiros Tame Impala. Lucifer-
nandis foi a canção farol da banda,
Pequenas
impressões
do grande
mundo
Boogarins
Sombrou Dúvida é o som de uma
banda a absorver os últimos dois
anos da sua interminável viagem
e a transformá-los em canção.
Jogaram ideias no ar e,
utilizando o estúdio como
instrumento, descobriram novos
mundos no seu universo.
Iluminismo
Gurewitz e os outros membros dos tugal, no Festival Paredes de Coura.
Bad Religion não imaginavam o que “Cada vez que fazemos um álbum
estava para vir. Queriam apenas fazer penso que pode ser o último. No pró-
parte do frenesim hardcore de Los ximo ano será o nosso 40.º aniversá-
Angeles. Ensaiavam na garagem de rio. Quarenta anos como banda é
punk
contra Trump
Greg Graffin
(o quarto a
contar da
esquerda)
apaixonou-se
pelo punk ao
mesmo tempo
que descobria
o amor pelos
fósseis. Nele,
a ciência e a
consciência
punk
ALICE BAXLEY
coexistem
Family
os ingleses
voltam com mais
um grande
álbum. O
na luta contra
chocante, em
Serfs Up!, já não é
Hitler nem o
bombardeamento
a auto-censura
de um parque
temático — é
terem feito um
disco pop.
Gonçalo
Frota
SARAH PIANTADOSI
10
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não implodisse. Eduardo L
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A primeira foi Encontro com escritores
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A
SARAH PIANTADOSI
I
nsiste-se, muitas vezes, na asso-
ciação da música dos australia- sem saber o que país com pouco atrás de si, remoto
para a maior parte do mundo, com
No final dessa estada londrina, Swan-
ton cruzou-se com um livro do mú-
drões de lenta transformação, tor-
nou-se tão singular e diferenciadora
nos The Necks com a paisagem
do seu país: árida, selvagem, sem
vai acontecer. uma população concentrada nas
grandes cidades mas rodeada dessa
sico e ensaísta neo-zelandês Chris-
topher Small, intitulado Music, So-
que não é especialmente difícil per-
cebermos quando estamos diante
delimitações claras, a perder de Apenas com a paisagem maioritária que — entre ciety, Education, que havia de de uma peça dos Necks— habitual-
vista, tranquila, tensa, ampla, desertos e regiões de vegetação seca produzir estragos na sua vida. Small mente, temas únicos que se prolon-
guardadora de segredos, tensa, cheia certeza de que — é quase desabitada. “Estamos a dissertava acerca do poder de trans- gam por 40 a 60 minutos (e isto vale
de contrastes. Tornou-se um cliché
— tão carregado de razão quanto de
avançará falar de um país que é muito re-
cente”, defende Swanton. “A Austrá-
formação social operado pela música,
mas também do paradigma da música
tanto para os álbuns quanto para os
concertos) e começam por um pe-
preguiça. Mas a verdade, admite o
contrabaixista Lloyd Swanton ao Íp-
lentamente. lia não tem uma grande História
como nação moderna e não temos
clássica ocidental — demasiado con-
vencida de que estava sozinha no
queno motivo que vai ganhando
novos contornos até desaguar em
silon, é que seria incapaz de imagi- A 15 e 16 de Maio, movimentos artísticos profundos. mundo. “Essa leitura virou-me a ca- ideias totalmente diferentes, numa
nar uma banda como esta nascida
numa cidade como, atiremos ao actuam no Há muita inspiração e flashes de
ideias brilhantes, mas não temos
beça do avesso”, lembra o músico.
“Foi o livro certo para o momento em
circularidade intensa e deslum-
brante. Ou, na sua proposta de de-
acaso, Nova Iorque. “Adoro Nova
Iorque, adoro o frenesim constante
GNRation e na movimentos.” O que isso ofereceu
ao trio, desde a primeira hora, foi a
que me encontrava. Acabei por me
corresponder com o Christopher
finição, música “não inteiramente
avant-garde, nem minimalista, nem
da cidade, mas se estivesse lá tenho Culturgest. mais absoluta liberdade, a dispensa Small e acho até que retirei coisas do ambiental, nem jazz”, sendo tudo
a certeza de que começaria a tocar de qualquer pressão para seguir tra- livro que ele não tinha querido dizer. isto e qualquer coisa mais em simul-
música que reflectisse mais esses dições anteriores. “Essa falta de tra- Mas fui muito tocado pela noção de tâneo.
ambientes”, adivinha. Não significa
isto que os The Necks não tenham a
sua legião de fãs nova-iorquinos, tão
Gonçalo dição”, acrescenta o músico, “deu-
nos uma enorme abertura e uma
total disponibilidade para tentarmos
tocar música sem um objectivo em
mente, de estar completamente
imerso no momento e importar muito
“Só que não era isso que estávamos
a tentar fazer”, sublinha o músico. E
não era porque, de início, os Necks
dispostos como quaisquer outros a
abandonar-se nas mãos de três mú-
sicos que avançam pelas suas peças
Frota aquilo que nos apetecia fazer.”
E aquilo que queriam tentar criar
era uma música sem quaisquer re-
mais o processo do que o produto.”
Ao organizar essas ideias, contac-
tou o pianista Chris Abrahams e o
nem se pensavam como algo mais do
que uma experimentação vivida a
três. Nos primeiros tempos, havia
musicais improvisadas com o vagar gras. Ou melhor, com uma única re- baterista Tony Buck e perceberam mesmo uma firmeza em recusar as
de quem não tem qualquer pressa gra, que se mantém até hoje: um co- que os três estavam sintonizados actuações em público. “Não quería-
em chegar. Os Necks, aliás, não sa- meça a tocar, os outros vão atrás. Na numa reflexão semelhante sobre a mos gerar quaisquer expectativas,
bem sequer onde querem chegar. E altura que esta imagem de improvi- música. “O irónico”, ri-se Lloyd, “é juntávamo-nos apenas para tocar e
é assim desde que começaram a fa- sação despreparada começou a ins- termos formado uma banda tão fo- nem sequer falávamos sobre o que
zer música juntos, em 1987. talar-se na cabeça de Lloyd Swanton, cada no processo e termos acabado queríamos fazer. Nessa altura, era
Há na música distendida dos o músico encontrava-se em Londres, por criar um produto tão identificá- muito exigente física e mentalmente.
Necks, portanto, uma marca geográ- a estudar contrabaixo clássico e a ou- vel.” E isto porque a forma de cons- Agora estamos mais relaxados porque
fica, mas sobretudo histórica. De um vir música de uma forma omnívora. trução livre, sempre seguindo pa- aprendemos muito pelo caminho.
Essa confiança cristalizou a um tal às vezes com as linguagem dos The Necks é incom-
patível com qualquer sobrecarga de
abertamente política. Claro que
quando começámos há 30 anos não
fôssemos os Abba”, ri-se o contrabai-
xista. Na verdade, a grande transfor-
ponto que, mais de 30 anos passa-
dos, os Necks continuam a fazer mú- luzes desligadas, na informação musical. Os temas evo-
luem lentamente, vão-se transfor-
era assim tão comum tocar música
que levasse tanto tempo a desenvol-
mação de fundo, difícil já de localizar
no tempo — Lloyd calcula que tenha
sica a partir das mesmas premissas.
E Lloyd Swanton ainda dá por si a penumbra absoluta, mando noutra coisa a partir dessa
“meia ideia” inicial e criando um
ver. Num certo sentido, até acho que
é mais aceite hoje, mesmo que o
acontecido por volta de Aether (2001)
— foi o crescente recurso a texturas
subir ao palco — como acontecerá a
15 de Maio no GNRation, Braga, e a a conversar sobre inadvertido transe — se bem que,
reconhece Swanton, exista na sua
mundo esteja mais acelerado e con-
sumamos informação a um ritmo
paralelas que correm em simultâneo,
sem serem necessariamente concor-
16 na Culturgest, Lisboa — a pensar
que “é bom que algum dos outros a peça que tínhamos contribuição para a música do trio
uma influência assumida de músicas
ridículo.” Talvez porque os Necks
acabaram por funcionar como abrigo
dantes em termos de tempo ou har-
monia. Como três vozes que cantam
dois tenha alguma coisa pensada”
porque ele muitas vezes avança “sem acabado de tocar tradicionais como o gnawa. T alvez
tal inferência pudesse ser excessiva
dessa urgência desenfreada que en-
contramos a cada esquina, sugeri-
cada uma a sua música, sem se sobre-
por ou boicotar as outras duas. Ape-
qualquer ideia na cabeça”. Só que
em vez de ceder ao drama ou algum e os caminhos no final dos anos 1980, mas hoje é
quase impossível não ler nas carac-
mos. “É verdade que as pessoas po-
dem ouvir-nos e desligar da loucura
nas à espera de uma pequena varia-
ção que conduza a outra e, sem da-
ataque de pânico, o contrabaixista
contenta-se em pensar “Não é mara- que tinha tomado” terísticas da música dos australianos
uma recusa (de ordem política) em
do mundo durante uma hora, sa-
bendo que é isso que vai durar um
rem por isso, já tenham esquecido
por completo o que os levou até ali.
Judeu
realizador ao Ípsilon:
é um Älme
“N
ão sou capaz de ser
assim muito objec-
imprevisível sobre o tivo, e nunca achei
que estivesse a fazer
caos do mundo, uma coisa muito ra-
história de um judeu dical... mas consigo
perceber, racionalmente, que o filme
errante que possa parecer insuportável.” Nadav
Lapid sorri enquanto fala da reacção
sobrevive contando polarizada, extrema, à sua terceira
histórias. longa-metragem, Sinónimos. Apesar
de ocupado com os deveres a que a
errante
sua estreia na competição do festival
de Berlim o obriga, o realizador is-
raelita confessa que leu algumas das
primeiras, e mais devastadoras, crí-
ticas feitas a um filme que, desde a
primeira exibição à imprensa, divi-
diu as águas do certame alemão (e
da crítica internacional) como pou-
cos. “Gosto que não seja [um filme]
previsível”, explica Lapid, em frente
de um café, ao Ípsilon e a um jorna-
lista italiano. “Gosto da ideia de pes-
soas que nada têm que ver com os
meus valores e com as minhas ideias
encontrarem coisas maravilhosas no
em território instável
filme, e de pessoas que apreciam o
meu cinema ficarem completamente
indiferentes ou mesmo hostis.”
Quando falámos com o cineasta,
ainda o júri presidido por Juliette Bi-
noche não tinha atribuído a Sinóni-
mos o prémio máximo de Berlim — e
24 | ípsilon | Sexta-feira 10 Maio 2019
que acontecem nas nossas vidas. e torna-se normal, porque toda a diferente: uma violência surda, ba-
Isso, por vezes, implica criar contra- gente faz o mesmo, mas quando o seada em códigos, comportamentos,
dições entre a forma e o conteúdo anormal se torna normal há um coisas muito subtis e ao mesmo
para chegar à verdade — e a verdade monstro que começa a crescer.” tempo muito cruéis. No fundo, França
pode, como sabemos por experiên- E foi esse “monstro” que às tantas e Israel são uma espécie de antípodas
cia própria, ser estranha, caótica, se manifestou. “Volto a casa, começo que também são sinónimos”, diz o
misteriosa.” a trabalhar, estudo filosofia, começo realizador, com um sorriso que ex-
E que verdade é essa? Para come- a escrever romances, tenho uma boa plica, também, o título do filme —
çar, Sinónimos, que faz neste fim-de- vida... e ao fim de ano e meio tenho para lá do modo como Yoav, interpre-
semana o encerramento oficial do uma iluminação. Não lhe quero cha- tado com garra pelo bailarino franco-
IndieLisboa (Culturgest, domingo, dia mar um ataque de ansiedade, porque israelita Tom Mercier, vai aprendendo
12 de Maio, às 18h) antes de entrar, dia isso dá uma ideia de histeria, mas na francês, através da leitura de um di-
16 de Maio, no circuito comercial, é verdade senti-me como se eu fosse a cionário de sinónimos. “Repare-se
um choque para quem conhece as única pessoa lúcida no meio de cegos. como, em ambos os hinos nacionais,
suas longas anteriores, O Polícia (2011) Poucos dias depois aterrei no Aero- israelita e francês, se fala de derramar
e The Kindergarten Teacher (2014, que porto Charles de Gaulle.” sangue. E quando olhamos para o
não se estreou em Portugal mas cuja Uma fuga para a frente, então, que dicionário de sinónimos, repare que
remake americana com Maggie Gylle- pode ser interpretada como fuga à os primeiros a serem listados são O bailarino franco-israelita
nhaal, A Educadora de Infância, esteve mentalidade de cerco, “nós” versus muito próximos do original. E quanto Tom Mercier (ao lado
há pouco em exibição por cá). “eles”, que se sente em Israel. Mas mais sinónimos uma palavra tem, esquerdo)interpreta com garra
No seu centro está Yoav, um israe- que não é uma fuga “política”, antes mais eles se tornam distantes do ori- Yoav no filme Sinónimos
lita que se muda para Paris, em fuga existencial: “não acho que seja um ginal. Talvez seja isso que França e do realizador israelita Nadav
não se sabe (inicialmente) bem do filme político no sentido mais estrito Israel são: sinónimos distantes...” Lapid (em baixo)
quê, com o intuito de se “tornar” da palavra”, defende Lapid. “O Yoav
francês e abandonar a sua identi- não está a fugir a uma lei específica
dade israelita — como uma pele que passada pelo Governo, nem a um
se muda. “Há uma certa percenta- primeiro-ministro que ganhou uma
gem de gente que vê a sua identi- eleição... Está a fugir é do que ele
dade como uma prisão”, diz Lapid, entende ser a alma colectiva israelita
explicando que essa questão nem — que, para ele, está amaldiçoada, é
sequer é um “exclusivo” israelita. uma doença, um demónio.” Uma
“Podia ser a história de um italiano, alma colectiva que abre a porta para
ou de um suíço, ou de um português o cineasta explicar a progressiva po-
que foge da sua identidade, que quer larização da opinião pública no seu
ser arrancado à sua identidade... Já país natal. “Israel é um país que edu-
não me recordo do seu nome, mas cou os seus habitantes para um amor
li uma vez um intelectual italiano total, absoluto, incondicional, ilimi-
que dizia: ‘A pátria é um local que tado, do seu país. Devoção total,
me envergonha.’” com uma visão perfeitamente dico-
A referência não é casual: a pátria tómica do universo — se não se faz
tem sido um tema recorrente do ci- parte do ‘nós que amamos Israel’
nema de Lapid — já em O Polícia ele sem reservas, automaticamente é-se
confrontava duas visões opostas de parte dos ‘eles que são inimigos’. Em
Israel — e ganha uma dimensão quase resultado disso, se não aceitamos
de vida e de morte num país que vive esse amor total, damos por nós
em permanente “estado de guerra”, numa situação de alienação. Tenho
até mesmo consigo próprio. Não será
surpreendente que Sinónimos seja
sempre vontade de dizer aos israe-
litas, de modo que eles ouçam, que “Tenho sempre
o Urso de Ouro focou ainda mais os
holofotes num filme divisivo, literato,
inspirado em acontecimentos da pró-
pria vida do realizador, que, à imagem
se pode ser israelita e criticar as coi-
sas negativas do país. Mas é difícil, vontade de dizer aos
absurdista, doloroso, desvairado,
comédia trágica ou tragédia cómica
do seu protagonista, partiu de facto
para França nos anos 1990 para se
temos de gritar muito alto...”
Paradoxo: Yoav (interpretado com israelitas, de modo
sobre um israelita que literalmente
foge de Israel para se recriar, e à sua
reinventar, sem conhecer a língua.
Mas Lapid recusa definir o filme como
garra pelo bailarino franco-israelita
Tom Mercier) é alguém que, aparen- que eles ouçam,
identidade, em França. Um filme que,
nas palavras de Lapid, “põe o espec-
autobiográfico. “A autoficção é uma
coisa que não me interessa”, afirma.
temente, se quer desfazer do que o
faz israelita, mas nunca o consegue que se pode ser
tador a percorrer território instável”,
que o quer forçar a sair da mera pas-
“Este é um filme que refere eventos
que aconteceram com maior ou me-
realmente. Sobrevive através das his-
tórias que vai contando, das narrati- israelita e criticar Sinónimos
Synonymes
sividade de estar sentado numa sala
para o tornar um observador activo:
nor precisão, só que transformados
pelas palavras, pelas observações.”
vas que vai criando para si próprio e
para os outros que o rodeiam — é, as coisas negativas De Nadav Lapid
Com Tom
“A partir do momento em que cate-
gorizamos ou classificamos uma Um lúcido no meio
de cegos
como Lapid disse anteriormente em
entrevistas, uma das características do país. Mas é difícil, Mercier,
Quentin
coisa... esse é o momento em que já
não observamos, em que já não esta- Tal como Yoav, também Lapid partiu
mais marcantes da identidade ju-
daica: a sua capacidade de criar e temos de gritar Dolmaire,
Louise
mos a olhar para o filme em si.”
Para Lapid, mesmo compreen-
dendo que este estará longe de ser
para França em resultado de uma
“iluminação” súbita sobre o seu lugar
em Israel. “Eu vinha de uma família
contar histórias como modo de sobre-
viver e de fazer sentido do mundo.
“Exactamente: quanto ele mais re-
muito alto...” Chevillotte
um filme unânime (coisa que, de burguesa, intelectual, mas quando cusa a sua identidade, mais a reforça”, mmmmm
qualquer modo, o seu cinema nunca comecei o meu serviço militar obri- anui. “No fundo, ele é o verdadeiro
foi), Sinónimos era “o único filme gatório, aos 18 anos, a minha única judeu errante, que conta histórias
possível” neste momento. “Não é aspiração era ser um herói e, se fosse para sobreviver.”
uma questão de opções estilísticas necessário, morrer pelo meu país”, Ironia: fala-se da violência inerente
ou decisões criativas...”, explica. “É recorda. “Aos 18 anos não se com- a um Israel que vive permanente-
possível que algumas das decisões preende o que é a morte, mas adorava mente em convulsão, dir-se-ia mesmo
que tomo não pareçam evidentes, imaginar o meu funeral militar. Fiz em “estado de guerra” (até mesmo
mas para mim são as únicas possíveis três anos e meio de tropa, fui um bom consigo próprio), mas Lapid não se
porque estou a tentar chegar ao soldado, recebi até louvores. E a certa coíbe de mostrar como essa violência,
fundo da verdade daquele momento altura tudo isso acaba. O que é de lou- afinal, não é um exclusivo israelita.
[específico]. A vida é por natureza cos em Israel é que toda a gente faz a “Quando o Yoav chega a França, des-
extrema, impossível, absurda — mas tropa, e depois volta à vida normal cobre que há todos os tipos de violên-
é essa a realidade. E o meu filme pro- como se nada tivesse acontecido. cia”, aponta. “Em França existe igual-
cura revelar a natureza dos eventos Pega-se numa coisa que não é normal mente algo de muito violento, mas é
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Cinema
notoriedade, mas nunca mais
Estreiam escreveu nada e vive às custas da AS ESTRELAS Jorge
Mourinha
Luís M.
Oliveira
Vasco
Câmara
O spleen
mulher, que é rica. Mas a mulher
(Isla Fisher) morre num acidente DO PÚBLICO
de automóvel (que é a sequência
de Miami mais dramática do filme, e em que
Korine melhor usa aquele seu tipo Agradar, Amar e Correr Depressa – mmmmm mmmmm
Korine filma um monstro do de montagem alternada Anoitecer mmmmm mmmmm mmmmm
“retrospectiva”, a fazer dialogar
inconformismo e de Até Que o Porno nos Separe – mmmmm mmmmm
planos de flash-back e de
umacontracultura, nada flash-forward) e deixa em The Beach Bum: A Vida numa Boa – mmmmm –
predominante: Moondog. testamento que Moondog só Diamantino mmmmm mmmmm mmmmm
Luís Miguel Oliveira herdará a fortuna e a propriedade
Greta mmmmm mmmmm mmmmm
dela quando voltar a publicar.
Expulso de casa, sem outro Hotel Império mmmmm – mmmmm
The Beach Bum: a Vida Numa
Boa remédio, tem mesmo que A Land Imagined mmmmm – mmmmm
escrever.
The Beach Bum Quero-te Tanto mmmmm – mmmmm
E é só isto, a história, mesmo
De Harmony Korine Ruben Brandt, Coleccionador mmmmm – –
Com Matthew McConaughey, Snoop que “isto” pudesse ser uma
Dogg, Isla Fisher, Zac Efron declinação de tragédia grega (o O Silêncio dos Outros – mmmmm mmmmm
herói banido que tem que cumprir
Sinónimos mmmmm – –
mmmmm certa tarefa para poder voltar a
a Mau mmmmm Medíocre mmmmm Razoável mmmmm Bom mmmmm Muito Bom mmmmm Excelente
casa). Para mais, não há nenhuma
Com as suas paisagens da Florida, angústia na personagem, feita de
entre Miami e as Keys, The Beach pura “joie de vivre”, espécie de
Bum é como um lado B para Spring super-herói hedonista em
Breakers, o anterior filme de constante estado de euforia (algo
Harmony Korine. Um lado B que McConaughey aguenta muito
“conceptual”, que vai pelo bem, sempre de sorriso pedrado, a
caminho contrário do lado A: se, deter-se um milímetro antes do
fiel à sua predilecção por figuras puro cartoon). Não se trata,
monstruosas, Korine filmara em definitivamente, de um filme
Spring Breakers os monstros do sobre as agruras da criação poética
conformismo (as adolescentes — Moondog escreve na praia, nos
fotocopiadas umas das outras, por bares, e raramente se ouve ou lê
sua vez fotocopiadas dos uma linha do que ele escreva (fica
estereotipos da predominante tudo em elipse, o que também é
cultura teen americana), em The bastante lado B de Paterson). É
Beach Bum filma um monstro do quase apenas um pretexto para
inconformismo e de uma espécie Korine seguir a odisseia de um
de contracultura, nada poeta vadio, por episódios
predominante. É ele Moondog, progressivamente delirantes que Ivo Ferreira: a atmosfera, mais do que a narrativa
personagem interpretada por envolvem fugas de centros de
Matthew McConaughey (que rehab (porque ele obviamente diz
nunca ninguém viu nestes “não, não, não”) e, na mais pensar em Jia Zhang-ke. Jia vem
preparos: cabeleira loura, robes divertida sequência de todas, um A última vez também ao de cima no modo como
coloridos, tangas...), poeta barco turístico para observação de Ferreira filma a sua personagem
selvagem e caótico que tira toda a golfinhos que afinal eram que ela viu feminina central: Margarida
sua inspiração do excesso e da
desordem (por aí, The Beach Bum
tubarões. Ou pretexto para filmar
um longo bailado de McConaughey
Macau Vila-Nova, “sobrevivente”
resignada de um outro tempo, que
também podia ser um lado B para (a maneira como ele se mexe mantém vivo o hotel familiar com o
o Paterson de Jim Jarmusch), e vive talvez seja o principal foco de Uma actriz excelente e um dinheiro que ganha como call girl
em permanente estado de atenção da câmara de Korine), olhar fascinado por Macau em clubes nocturnos.
embriaguez, literal e figurada. temperado por luzes e néons, são sedutores, mas não Surge então um esboço de noir:
Moondog publicou uns poemas há música dos Cure e de Van um homem misterioso que parece
uns anos, que lhe deram certa Morrison, e uns versos de
redimem o novo filme de Ivo ter um qualquer interesse
Baudelaire ditos ao sol da Florida Ferreira de ser um falhanço particular no hotel e na sua
(o melhor efeito de honroso. Jorge Mourinha herdeira; um potencial comprador
“deslocamento” em todo o filme). que quer deitar abaixo o hotel para
Quando começamos a pensar que Hotel Império aproveitar o boom da construção;
isto, não sendo desagradável, não um amigo/chulo/mafioso que tem
De Ivo M. Ferreira
parece ir a lado nenhum, ou que se Com Margarida Vila-Nova, Rhydian desígnios mais ou menos ocultos. E
arrasta, ou que se torna cansativo, Vaughan, Kam Kwok-Leung uma ideia: um lamento por uma
vem a sequência final, bastante comunidade de bairro, com uma
conseguida, a dar ao filme uma mmmmm mulher que quer manter vivo um
coerência de que ele parecera pouco do seu passado num
fugir até então: é um final Macau tem sido ponto regular de momento em que o futuro está
“anti-tudo” (anti-social, inspiração para Ivo Ferreira, que apostado em destruí-lo. É
anti-capitalista, anti-artístico), viveu vários anos na antiga colónia simpático, esse lado levemente
uma grande “instalação” de portuguesa e aí dirigiu algumas nostálgico por um mundo que está
Moondog que é a sua derradeira (e curtas e um documentário de boa a desaparecer, enterrado pelo
maior) obra poética antes de o memória (Vai com o Vento). Mas o dinheiro e pela ambição; mas é
filme o abandonar, como um herói território parece não ter inspirado insuficiente para levar a bom porto
grego, sozinho no mar. do mesmo modo a quarta ficção uma narrativa que nunca ganha
Concilia-nos com os aspectos mais longa do cineasta, após Em Volta consistência, que se dispersa por
discutíveis do estilo de Korine, (2002), Águas Mil (2009) e Cartas episódios e personagens que
reconcilia-nos com os altos e da Guerra (2016). Ou antes: acabam por sugerir uma trama que
baixos do carrossel que o filme inspirou-o seguramente em termos nunca se explica nem se resolve.
todo é, e, digamos assim, faz-nos de cenário e ambiente, a meio O que é pior é que Margarida
sair de coração cheio. Sabe bem caminho entre a urgência urbana Vila-Nova é tão excelente no papel
ver The Beach Bum, coisa que não das personagens deslocadas de um de Maria que acaba por fazer notar
se diz de todo os filmes, mesmo Wong Kar-wai e uma atmosfera de como quase todo o elenco
Matthew McConaughey: cabeleira loura, robes coloridos, tangas... de alguns muito melhores falso thriller pelo meio de um local masculino está longe de estar à
do que este. em mudança constante que faz altura; e que o desenho atento e
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da comunidade que vive no Hotel Regista-se também como primeiro lugar, um exemplo
Império é mil vezes mais declaração de intenções, ou discretamente feliz de cinema
conseguido e mais interessante do auto-justificação para uma entrada “activista”: pode cumprir a função,
que o arremedo de noir que parece na “norma”: Agradar, Amar e com eficácia pelo menos ao nível
bafiento e gasto. Como se Correr Depressa é Honoré em busca da sensibilização de consciências,
(confirmando o que já sentíamos do “grande romanesco francês”, de manifesto pela revogação da Lei
em filmes anteriores) Ferreira fosse entidade tão mítica como, na da Amnistia que, em 1977, pôs uma
um cineasta mais interessado em literatura do outro lado do “tampa” no passado franquista e
filmar o que acontece frente à Atlântico, a great american novel. elegeu o esquecimento como
câmara do que em seguir uma Honoré vai atrás disso duma forma melhor forma de lidar com o
história pré-definida, que está mais que já nada tem a ver com as passado. A lei foi também uma
interessado na atmosfera e na brincadeiras cinéfilas em torno de forma, eventualmente a mais fácil,
observação do que propriamente “tropos” da nouvelle vague dos seus de exonerar todos os presos por
na narrativa. Hotel Império é um primeiros filmes, exercícios felizes “delitos” de carácter político, mas
passo atrás em relação a Cartas da mesmo que quase adolescentes (ou todo o filme gira em torno do
Guerra e um filme que parece precisamente por isso). Aqui desequilíbrio fundamental que ela
ter-se perdido algures no labirinto reclama-se outro fôlego, o fôlego criou: “esquecer” o passado
das velhas ruelas de Macau; um do romanesco e do melodrama, e significa deixar os crimes sem
falhanço honroso, mas ainda assim uma relevância e significância que investigação, e portanto os
um falhanço. são, inclusivamente históricas: os criminosos sem castigo e as vítimas
meios intelectuais gay parisienses sem reparação, e
do princípio dos anos 90 (há um consequentemente significa
O amor e a Sida romancista, há um velho jornalista esquecer a justiça.
na Paris dos que dá uns toques como crítico de
cinema), ainda carregados pela
O filme fala disso, seguindo os
passos de umas quantas vítimas de
anos 90 ravage operada pela Sida na década
anterior (o romancista é
tortura e outras patifarias do
franquismo (como o roubo de
seropositivo), com personagens que bebés) ao longo dos anos em que
Não é “mau”, e os actores são
transportarão alguns pozinhos de tentaram contornar a Lei da
bons. Mas é pesado, quando figuras reais do período, e dentro Amnistia através de um processo
quereria ser apenas grave. deste quadro uma história interposto num tribunal argentino,
Luís Miguel Oliveira movimentada de amores escudando-se no facto de os
homossexuais caóticos, com centro crimes contra a humanidade
Agradar, Amar e Correr na relação entre o romancista (mais poderem ser da jurisdição de
Depressa atormentado, mais “negro”, mais qualquer tribunal do mundo.
doente) e o jovem cinéfilo (mais Entre essa narrativa (ainda em
Plaire, Aimer et Courir Vite
livre, mais luminoso, mais aberto à data em que o filme
De Christophe Honoré
Com Vincent Lacoste, Pierre saudável), provavelmente estreou, 2018), acompanhada nos
Deladonchamps, Denis Podalydès simbolizando uma clivagem entre seus momentos mais significativos,
duas gerações, a dos anos 70/80 e a e os depoimentos e histórias dos
mmmmm dos 90. Material altamente vários intervenientes, o filme
combustível, por certo, mas Honoré encontra a sua estrutura,
é mais bombeiro do que pirómano temperada ainda por algumas
e o fogo apaga-se mais do que o que imagens de arquivo da Guerra Civil
arde (Fassbinder é que ele de e de manifestações anti-franquistas
certeza não é, apesar do grande (algumas extraídas a um
poster de Querelle que inestimável filme de Pere
ostensivamente se mostra no Portabella sobre a época da
apartamento duma das transição, Informe General). Cidade
Se imaginássemos uma
personagens). Temos a sensação de
estar sempre em ambiente
Sobressaem duas figuras dum
dramatismo supremo e quase
Aberta
competição, que teria vários controlado e perante um filme que trágico, duas velhotas que
participantes possíveis mas alguns prefere a segurança de uma factura passaram a vida com uma
candidatos de topo (Assayas, Ozon, desenvolta (e nessa desenvoltura, obsessão: recuperar os corpos da
Christophe Honoré...), para decidir quase exibicionista), o desbobinar mãe, num caso, e do pai, noutro,
quem é o François Truffaut dos de um argumento palavroso e cheio ambos sumariamente executados
tempos modernos, conciliando de tiradas “epigramáticas”, a um durante a Guerra Civil e sepultados
respeitabilidade artística e real investimento na mise en scène em valas comuns. Querem
intelectual, gosto por formas e na invenção estilística (as raras sepultá-los numa sepultura com
narrativas populares, e aceitação vezes em que Honoré se permite nome, mas isso signficaria
pelo “grande público”, Honoré isso até funcionam: a cena entre o reconhecer algo que o
ficaria, depois deste filme, um romancista e o jovem à porta do “esquecimento” impede: a
pouco mais próximo da meta: foi o hotel, depois do primeiro encontro, existência de valas comuns. “Não
primeiro a lembrar-se de filmar, in tem uma graça quase Demy). Não é remexer no passado”, como se
loco no cemitério de Montmartre, forçosamente “mau”, e os actores ouve dizer durante o filme da boca
um plano do autêntico túmulo de são bons, e sobretudo convictos. de políticos do PP (Aznar ou
Truffaut, visitado pela personagem Mas é pesado, quando quereria ser Rajoy), torna-se um eufemismo
que mais tem em comum com apenas grave, vergado a um sentido para “não exumar cadáveres”. E,
Honoré (vinte e poucos anos no de seriedade auto-atribuido com por isso, a sequência, quase
princípio da década de 1990, época que não tem a melhor maneira de derradeira, do reencontro de uma
da acção, como ele então tinha, e lidar, e que lhe tolhe os das velhas senhoras com o cadáver
aspirações a ser crítico de cinema e movimentos. descarnado do seu pai, finalmente
realizador, como Truffaut foi e exumado, ainda com a bala que o
Honoré veio a ser). O gesto de matou alojada entre duas costelas
auto-filiação, como uma
Continuam (aparentemente o metal resiste
homenagem que pretende dizer O Silêncio dos Outros mais à decomposição do que a
mais sobre quem homenageia do carne humana), tem uma força tão
The Silence of Others
que sobre quem é homenageado, comovente e tão politicamente
De Almudena Carracedo e Robert
parece bastante expresso, e na poderosa: dá uma imagem para os
Bahar
verdade não tem mal nenhum, é só Documentário milhares de esqueletos, mortos da
uma coisa que se regista (como se mesma maneira e enterrados da
regista, já agora, que outro túmulo mmmmm mesma maneira, sobre os quais os
filmado na mesma sequência é o de espanhois caminham, em beatífico
Koltès). O Silêncio dos Outros é, em “esquecimento”. L.M.O.
ípsilon | Sexta-feira 10 Maio 2019 | 27
Livros
que George Orwell tem “muito mais que Jacinta Matos dirige os maiores vindo a ser colocadas a propósito
Ensaio valor” como jornalista, ensaísta e e mais rasgados elogios, de certos gestos ou episódios, como
escritor de documentários do que escrevendo, por exemplo, que Mil a lista de nomes de apoiantes ou
Estranho numa como romancista. Neste sentido, a
autora não poupa críticas a novelas
Novecentos e Oitenta e Quatro é um
“grande clássico da literatura
simpatizantes do comunismo
soviético que Orwell forneceu ou
terra estranha como A Filha do Pároco, de 1935, política do século XX” e que A ingenuamente permitiu que fosse
dizendo partilhar por inteiro a Quinta dos Animais é “uma obra ao transmitida ao Foreign Office.
Um ensaio informado (e opinião do próprio Orwell, que em mesmo tempo controversa e Ponto também abordado pela
carta a Henry Miller classificou permanentemente actual”, que autora, mas não devidamente
muito informativo) sobre o aquela incursão modernista como “nos diverte a cada leitura que explorado na avaliação de alguém
percurso solitário de um “uma merda”, do mesmo passo que fazemos”, um livro marcado pelo sempre louvado pela sua lucidez
homem livre. António Araújo é muito mais favorável na “traço forte da sátira”, pela “lucidez profética e pela sua perspicácia
apreciação de obras de não-ficção brutal da escrita polémica” e pelo política, é o facto de George Orwell
George Orwell. Biografia como Na Penúria em Paris e em humor, onde se fundem, “num se ter equivocado rotundamente ao
intelectual de um guerrilheiro Londres (1933), O Caminho para equilíbrio ideal, o objectivo artístico pensar que à guerra contra Hitler se
indesejado Wigan Pier (1937) ou Homenagem à e político” de Orwell. Para mais, se a associaria uma revolução em larga
Catalunha (1938). autora pretendeu sublinhar a escala, capaz de abalar os alicerces
Jacinta Maria Matos
Edições 70 Numa opção que se afigura vertente ensaística do seu do capitalismo ocidental e do
correcta e confere clareza biografado, estranha-se que não modelo democrático liberal.
mmmmm expositiva ao texto, Jacinta Maria analise mais detidamente a vasta e Poucos antes do deflagrar da
Matos acompanha muito heterogénea produção de Segunda Guerra, George Orwell
Talvez do cronologicamente a trajectória Orwell nesse domínio, a que este chegou a antevê-la num sonho
domínio da intelectual de Orwell, sem excesso livro dedica um capítulo quase premonitório e, retomando a sua
lenda, conta-se de informações biográficas e escolar e didáctico, em que o anterior experiência de voluntário
que quando a pessoais, que surgem apenas ensaísmo orwelliano é arrumado e na Catalunha, tentou alistar-se logo
futura rainha quando é necessário para o sumariamente listado por temáticas seis dias depois do início do
Isabel II quis ler A enquadramento da sua obra: por (“ensaios político-ideológicos”, conflito, o que talvez ponha em
Quinta dos exemplo, os “cinco anos de tédio ao “ensaios sobre questões causa a ideia, sustentada por Jacinta
Animais, o livro som das cornetas”, como polícia na identitárias”, “ensaios de base ou Matos, de que abraçou a causa
de que todos Índia, essenciais para a formação temática autobiográfica”, “ensaios bélica sem grande entusiasmo ou
falavam, um criado do palácio de da sua consciência anti-imperialista sobre o campo e a natureza”). Ainda convicção. O facto de, por razões
Buckingham correu as livrarias de (recorde-se o famoso texto Matar assim, deve reconhecer-se que é de saúde, ter sido rejeitado pelo
Londres à sua procura, sem um Elefante, de 1936), ou a morte concedida a devida e merecida Exército causou-lhe uma desilusão
sucesso, e, por suprema ironia, prematura da mulher em 1945 e o atenção a um dos “textos políticos” profunda e, além de combater
acabou por ser um livreiro refúgio da ilha de Jura, nos confins mais importantes de George Orwell, através da escrita, Orwell não
anarquista quem cedeu à princesa da Escócia, sem dúvida relevantes O Leão e o Unicórnio, de 1941. deixou de colaborar activamente
o seu próprio exemplar da obra. A para a tonalidade sombria e Apesar de redigida num estilo no serviço de protecção civil da
Quinta dos Animais, de 1945, e Mil distópica de Mil Novecentos e claro e simples, o “eu” da autora Home Guard. Assim, o cepticismo
Novecentos e Oitenta e Quatro, saído Oitenta e Quatro, o derradeiro livro. intromete-se por vezes de forma inicial quanto ao desfecho do
em 1949, são os dois livros mais Pese embora a assumida excessiva na narrativa, com conflito, sentimento de prudência
célebres de Eric Arthur Blair preferência pela obra não-ficcional frequentes apreciações e mais do que natural na altura, e
(1903-1950), conhecido por um do seu biografado, a autora não considerações pessoais, até aliás bastante comum, não parece
pseudónimo literário — George deixa de dar a devida atenção a autobiográficas, que perturbam o ter abalado a sua firme convicção
Orwell — que, curiosamente, foi novelas e romances, como Dias que deve ser o ideal de uma de que deveria lutar — e de que lado
escolhido pelo seu editor Victor Birmaneses, de 1934, sobre o qual biografia, mesmo de uma biografia deveria lutar.
Gollancz a partir de uma lista que o avança observações algo “intelectual”, ou seja, o acesso Um traço de carácter justamente
autor lhe fornecera. ambivalentes, já que tanto afirma directo do leitor ao biografado, sem sublinhado neste livro é a liberdade
Nesta extensa e extremamente que o livro é uma “crítica acérrima a presença mediadora de uma de espírito de George Orwell, o seu
informada “biografia intelectual de ao imperialismo britânico” (p. 112) biógrafa que, pelo texto adentro, desalinhamento face a côteries
um guerrilheiro indesejado”, como, logo a seguir, que, de um nos chega a informar em que altura literárias e artísticas, a sua total
Jacinta Maria Matos, professora da ponto de vista contemporâneo, ele da sua vida leu um determinado distância perante partidos e
Faculdade de Letras da “enferma ainda do tom paternalista, livro de Orwell e que impressão facções, grupos ideológicos ou
Universidade de Coimbra, não se não mesmo racista, do discurso este então lhe causou ou que, num rebanhos intelectuais, atitude
esconde a admiração imensa, mas colonial típico” e que, sobre o momento decisivo da obra, a exemplarmente expressa quando,
não acrítica, pelo seu biografado e Império britânico, “o que a obra nos conclusão, transcreve todas as convidado a colaborar com a BBC,
procura resgatá-lo do peso propõe para reflexão é pouco” (p. mensagens que, num dado dia de fez questão de vincar que só
esmagador que aqueles dois livros 119). Por outro lado, e apesar de Agosto de 2017, o “Google Alert” lhe aceitaria tal compromisso se este
têm na avaliação da sua obra. pretender valorizar a faceta deu sobre o autor de Mil Novecentos não lhe toldasse a independência e
Considera, por um lado, que eles não-ficcional de Orwell e de não o e Oitenta e Quatro. Tal opção faz, a autonomia, que Orwell assumiu
não constituem o melhor da reduzir aos dois romances que o por outro lado, com que Jacinta por vezes com laivos radicais, quase
produção orwelliana e, por outro, celebrizaram, é em relação a estes Matos resvale aqui e ali no uso de libertários. É sintomático que,
ULLSTEIN BILD/ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES
expressões coloquiais ou vulgares, mesmo após a consagração e a fama
em diálogo com o “meu público”, de A Quinta dos Animais, o
afirmando, por exemplo, que ao ir manuscrito de Mil Novecentos e
para a Escócia, Orwell “não fugiu Oitenta e Quatro tenha sido alvo de
para o cu de judas” (p. 338). sucessivas recusas por parte de
Compreende-se a familiaridade de vários editores, prova de que Orwell
Jacinta Matos com um autor cuja jamais buscou o apadrinhamento
obra conhece e domina de notáveis (T. S. Eliot rejeitou-o por
profundamente, mas tal mais de uma vez) ou compactuou
intimidade, próxima e de várias com um “sistema” que o repugnava
décadas, faz com que a autora, visceralmente, mesmo quando nele
como se disse, acabe por conceder reconhecia traços merecedores de
um espaço excessivo às suas preservação: é ilustrativo que o seu
próprias opiniões e impressões projecto de um “socialismo inglês”
pessoais e, mais ainda, adopte um não ponha em causa elementos
tom complacente em relação à como a monarquia e a tradição, o
personalidade de George Orwell, sentido patriótico ou o papel da
com alguns “problemas” a serem Igreja (aliás, o tema da religião em
desculpados, por exemplo, pelas Orwell, um ateu singular, deveria
origens sociais do seu biografado. ter sido abordado mais
Um traço de carácter justamente sublinhado neste livro é a Ainda assim, Jacinta Matos mantém profundamente neste livro). George
liberdade de espírito de George Orwell a objectividade e não ilude algumas Orwell, para mais, nunca fez alarde
das questões melindrosas que têm da sua independência e, ao e
28 | ípsilon | Sexta-feira 10 Maio 2019
PAULO PIMENTA
contrário de muitos outros, que passou, mais dois livros de fluidificam e disseminam numa
sobretudo do lado de cá da Mancha, poesia, além deste A Vau, surgido espécie de substancia gelatinosa
não se arvorou em “maldito” nem já no fim de 2018: Jocasta (Viúva que, a ser mais do que uma
propagandeou a sua condição de Frenesi, 2018) e Dizimar (Viúva metáfora aqui tentada, teria muito
franco-atirador. O seu Frenesi, 2018). Mais recentemente, a dizer do nosso tempo. Daí que
inconformismo foi já em 2019, PCD reuniu, em Carmes uns versos deste livro nos falem da
primordialmente interior — e, por (Companhia das Ilhas, 2019), “os “pata anónima/ do novo género de
isso, profundamente autêntico. versos que o autor dá por salvos da poder” (p. 30). Trata-se de uma
Alvo de tentativas de apropriação erosão no processo criativo”, assim força que nem sequer ganha a
de vária ordem na Guerra Fria e nos reavaliando e reequacionando a consistência suficiente para ter
anos vindouros, capturada quer à sua poesia compreendida entre os nome, para ser adjectivado. Mais
esquerda, quer à direita (uma das anos de 1971 e 2018. Se Jocasta nos para lá do anonimato da “pata”
primeiras adaptações de A Quinta falava de um “inferno urbano”, que calca, animalesca, está ainda
dos Animais foi financiada pela CIA), Dizimar, como se quisesse esse “novo género de poder” que
a sua obra permanece como despertar-nos de um qualquer nem chega a definir-se. Talvez não
admirável testemunho de um torpor, situa-nos num lugar, que é o por acaso se lance mão da fórmula
homem livre, que produziu das nosso, “onde ser livre/ se tornou “autocracia do Demo” (p. 35). É ao
reflexões mais originais e ser gestor/ dos utensílios da dos mil nomes e nenhum, ao nunca
acutilantes sobre as misérias do tortura,/ banqueiro-amador da Esta poesia, de Paulo da Costa Domingos, é de exortação em tempo nomeado e por demais dito, ao
século XX, algumas das quais, como usura”. São dois exemplos breves, de mortos. É das que duvidam mais do que erguem sistemas Diabo, que o poema vai buscar
é frequente dizer-se, mantêm retirados de dois livros igualmente designação para o que não pode,
flagrante actualidade. Até por isso, e breves, mas que demonstram até ou não deve, tê-la. Um estado de
pela honestidade intelectual da que ponto a poesia de PCD tem se equivale e se anula toda a um estado de quase indefinível caminho para a ruína.
autora e pela seriedade do seu feito questão de se abeirar do que diferença. É um diagnóstico e a irreversibildade, de insânia e Se quiséssemos procurar, por
esforço, uma biografia que merece rodeia o sujeito da escrita. Ao equação de um confronto possível, decomposição. Pelo que o edificar entre vestígios possíveis, a “caixa
ser lida. fazê-lo, contudo (e esse é um ponto isso que estes versos tornam destes textos poéticos, se surge negra do poema” (p. 11), talvez essa
prévio que não será de mais plausível e deixam no plano de animoso e resistente, oposto à cápsula reveladora não nos
repetir), não abre caminho a uma possibilidade actuante e apatia, alicerça-se sobre um fundo fornecesse quaisquer respostas
Poesia qualquer tipo de menosprezo da potencialmente agitadora. de inegável cepticismo. definitivas. Porque esta poesia é
expressão (e mesmo da Contudo, em face desta poesia, não Esta poesia dirige-se para o que das que duvidam, mais do que
Desfazer o nó expressividade). Muito pelo
contrário, a linguagem recobra
deve pensar-se em teores salvíficos,
crenças, sistemas ou propostas
pode ser, ou vir a consumar-se,
prospectivamente, como “uma
erguem sistemas, ou propõem
molduras ordenadas. Mas as
do garrote permanentemente forças, acera-se,
repleta das munições adequadas
organizadoras. Há, pelo contrário,
no próprio seio da meditação que
etnia de pensadores” (p. 18).
Porque PCD está especialmente
indicações que ela pudesse dar
talvez não se afastassem muito —
para enfrentar o descampado do os versos de PCD a cada passo atento aos sinais contrários à no espírito, senão na letra — de
A poesia de Paulo da Costa mundo, o terreiro de dias lançam, um vestígio incurável de independência e à liberdade, mas certos versos de A Vau — “Se
Domingos enfrenta o mundo enfrentados sem ilusões nem desconfiança, senão mesmo de também rejeita vigorosamente ninguém vier/ desfazer o nó do
de igual para igual. Nem lenitivos — “A fundição Universo é certa descrença — “Não cures de toda e qualquer emissão que labore oculto/ garrote que só tolhe e
reverência, nem temor, há um sucesso,/ um cáustico, e emendar a Natureza,/ que siga sua no logro, na dissimulação, que desmoraliza/ sonhos, aventura:/
escande versos/ de angústia nunca desordenada ordem,/ nada há promova a falsidade de oásis de ¿deve o cego rumo do dia/ vos
por aqui. Antes o resolvidos.” (p. 9) senão nascer e morrer” (p. 15). São fancaria onde só soçobrem os satisfazer?” (p. 12) À afirmação do
desassombro de dizer de Esta é uma poesia de exortação princípios basilares da linguagem e infernos torpes das piores das estrangulamento, acrescenta-se,
forma clara mas repensada o em tempo de mortos, ou, na dos seus referentes; e os poemas a melhores intenções — “Têm desde logo, a impossibilidade de o
que é viver aqui e agora. melhor das hipóteses, de eles tornarão, em enérgicas cabeças de televisão, / estão explicitar, visto que é “oculto” o
demasiados mortos-vivos, retomas que revigoram essa noção emancipados; mas/ há cabrinhas, “garrote” opressor. Segue-se a
Hugo Pinto dos Santos atingidos por uma alienação forte — “São os amores/ à imagem hortalicinhas// e a merda dos interrogação, que, muito mais do
A Vau emudecida, que se congratula com que criaram/ a desordem/ natural grandes/ cabrões da Casa do Povo,/ que persuadir, visa incitar o
a insipiência do seu hedonismo do// caos...” (p. 26) Tratar-se-á, por que é preciso esfregar.” (p. 19) A pensamento e o amadurecer da
Paulo da Costa Domingos
Companhia das Ilhas fosco — “Frente ao televisor fim, implicitamente (a “imagem”), expletiva, o impropério, ou a reflexão acerca das situações que
confessai a vossa ignorância de da visão desapiedada de um invectiva — “¿De que lado te dói?/ provocam a opressão, ou seja, a
mmmmm tudo,/ cegos em terra de cegos, mundo sem Deus? Esse em que, ¿do consentimento/ ou da recusa?” morte durante a vida. A Vau — cujo
doidos/ no domínio iluminado da replicando Dostoievski, tudo é (p. 32) —, não carregam como a título remete para a possibilidade
Mesmo alguns loucura,/ trôpegos de joelhos e permitido? É do desabrigo de um polícia de choque: chamam os mais de ir de uma a outra margem sem
leitores menos alma,/ não era preciso entornar o mundo sem divindades que aqui se nefastos bois pelos piores nomes. auxílio mais do que o próprio pé —
desatentos café/ só por causa de um golo.” trata, ao que tudo indica; um Algo que é particularmente não enjeita os perigos da corrente,
poderão ficar (p.13) Já não é exactamente mundo que arremessa o humano problemático, sobretudo quando nem o acidente geográfico e a
surpreendidos de distópico conceber na superfície para o terreno das suas mais se está imerso, como esta poesia demarcação que o rio constitui;
saber (ou de um ecrã uma entidade perigosas e solitárias descobertas. está, na torrente concreta do mas prevê a capacidade de
recordar) que confessora, uma planura onde se Por seu turno, os alertas que estes mundo que existe em redor. transpor esse obstáculo a um
Paulo da Costa fazem rasas e se abolem todos os poemas promovem, situam-se Estamos perante o caso de um tempo concreto e figurativo,
Domingos (PCD) relevos e rugosidades, e tudo se mais na ordem da constatação, que mundo sem inimigo discernível, circunscrito e aberto à globalidade
publicou, no ano converte numa chata lisura em que ora é dolorosa, ora exasperada, de mas com forças adversas que se da experiência humana.
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