1175-Texto Artigo-4585-1-10-20170628 PDF
1175-Texto Artigo-4585-1-10-20170628 PDF
1175-Texto Artigo-4585-1-10-20170628 PDF
Jucelia Appio¹, Nelson Natalino Frizon², Liliane Canopf³, Déborah Marcon¹, Bruna Madruga¹
¹ Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco
Beltrão-PR, Brasil. [email protected]; [email protected]; [email protected];
² União de Ensino do Sudoeste do Paraná (UNISEP), Brasil. [email protected];
³ Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus de Pato Branco-
PR, Brasil. [email protected]
Resumo. A pesquisa histórica tem se mostrado nos últimos anos como uma nova forma de se olhar e
abordar os estudos organizacionais. A ideia é que a pesquisa histórica contribua para fundamentar
pesquisadores que buscam novos olhares e estejam comprometidos com outras epistemologias,
expandindo as possibilidades de análise e teorização sobre os fenômenos contemporâneos, justamente por
permitir um melhor entendimento sobre temas, abordagens e problemas de pesquisa nos estudos
organizacionais. O produto principal da pesquisa histórica é o entendimento sobre a estrutura
organizacional, individual, social, político e situacional em que os fenômenos ocorreram.
Palavras-chave: Estudos organizacionais; Abordagem Qualitativa; Pesquisa Histórica.
1 Introdução
342
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
A abordagem histórica também possibilita uma interligação com diversas áreas do conhecimento e
múltiplas perspectivas. Ou seja, é possível que esta seja realizada concomitantemente com outros
métodos de pesquisa, tais como, análise de conteúdo, análise de discurso, estatística, dentre outros;
e com correntes epistemológicas em Administração, o que enriquece ainda mais a pesquisa, pois a
compreensão das estruturas é essencial para o entendimento da sociedade, assim como a relação
destas em diferentes campos de análise, como político, econômico, social e cultural.
De forma geral, a reflexão sobre a produção científica em Administração sugere que, apesar do
aumento do número de publicações, o campo ainda carece de um delineamento epistemológico
mais claro. Apesar do consenso por um percurso metodológico mais robusto, observa-se a existência
de pontos de vista antagônicos quanto às abordagens de análise predominantes no campo da
Administração, o que se evidencia, inclusive, na recorrente divisão dos meta estudos por áreas
temáticas da Administração (Gomes & Santana, 2010).
A perspectiva histórica tem despertado o interesse de vários pesquisadores, em nível nacional e
internacional (Kieser, 1994; Curado, 2001; Clark & Rowlinson, 2004; Jacques, 2006; Vizeu, 2007;
2010; Maielli & Booth, 2008; Mascarenhas & Vasconcelos, 2009; Costa, Barros & Martins, 2010).
Esforços de certos pesquisadores estão evidentes, especialmente nos Estados Unidos, que já conta
com uma divisão de Management History em sua academia há muitos anos – e na Europa, onde a
temática é explorada em novos periódicos, tais como o Management and Organizational History,
editado pela Sage a partir de 2006 (Vizeu, 2010).
No Brasil, dentre os interesses da aplicação da perspectiva histórica, os aspectos mais significativos
são, a busca de maior relevância e contribuição teórica das pesquisas por meio da ampliação do uso
do método histórico e o resgate dos aspectos históricos e interculturais em oposição à reprodução
ideológica dominante que tende a excluir o passado ou o contexto das teorias e práticas
organizacionais (Vizeu, 2007).
Visto que a pesquisa busca contribuir para uma melhor compreensão do pensamento administrativo
por meio da análise da utilização da perspectiva histórica em administração (Costa, Barros & Martins,
2010), este trabalho pretende demostrar, em linhas gerais, a Pesquisa Histórica como uma
alternativa de desenvolvimento de análises nos estudos organizacionais.
O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta breve introdução aborda-se a
pesquisa qualitativa; em seguida, a pesquisa histórica com ênfase para a pesquisa história nos
estudos organizacionais, por fim, as conclusões.
343
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
344
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
A pesquisa histórica tradicional iniciou o seu processo de declínio a partir dos anos 1930 com a
História Social e nos anos 1970 com a Nova História (em francês, La Nouvelle Histoire). Apesar de ter
se mantido por muitos anos com suas convicções, princípios e métodos, mesmo após sucessivas
tentativas de contestação a este modelo de narrativa, foi com o lançamento da revista francesa
Annales d’Histoire Économique et Sociale pelos professores Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929 que
o paradigma tradicional passou a ser fortemente contestado, o que ocasionou o fortalecimento da
chamada Nova História (Burke, 1992; Martins, Costa & Barros, 2009).
Essa nova forma de pensar a pesquisa histórica, cunhada de Nova História, como um novo paradigma
pretendia, dentre outras propostas, ampliar o domínio do campo por meio de uma análise da história
como estudo do homem no tempo, a partir da redefinição de conceitos básicos, tais como,
documento, fato histórico e tempo. Ademais, a Nova História, preocupou-se, em especial, com a
análise das estruturas em si, como, por exemplo, grandes mudanças econômicas, sociais e geo-
históricas (Burke, 1992).
No que se refere ao tempo, à história tradicional definia o passado como algo inalterável, fechado e
rígido. Ao contrário, os novos historiadores defendiam o conceito de que toda história é história
contemporânea e dominada pelo presente (Martins, Costa & Barros, 2009).
Podem-se destacar como principais características da Nova História a narrativa com digressões e
remissões; a eventual análise de longos períodos temporais ou períodos históricos mais alargados e
estruturas que se modificavam de maneira mais lenta (Schwarcz, 2001); maior flexibilização da
investigação, voltando-se aos campos social, econômico e cultural; e maior relevância à
interpretação de estruturas duradouras (Curado, 2001; Martins, 2001).
Segundo Burke (1992), podem-se resumir em seis pontos as principais diferenças entre o modelo
tradicional e a Nova História. No paradigma tradicional, a história diz respeito à política; na Nova
História toda atividade humana pode ser objeto da história. Os historiadores tradicionais pensam na
história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos; a Nova História está mais
preocupada com a análise das estruturas.
345
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos
grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou eclesiásticos; os novos historiadores
estão preocupados com a história vista de baixo, com as opiniões das pessoas comuns e sua
experiência de mudança social. O paradigma tradicional, a história deveria ser baseada em
documentos oficiais escritos; a Nova História expõe as limitações desse tipo de documento,
examinando maior variedade de evidências, atribuindo menor ênfase às fontes escritas e maior
relevância ao uso da história oral, iconografia e vestígios arqueológicos (Cardoso, 1997).
O estudo da história permite ao homem compreender e incorporar, em um sistema coerente, tudo o
que ele cria, faz e transforma, na produção e na explicação de sua existência. A história permite ao
homem interrogar e refletir sobre sua existência (Curado, 2001). As principais características da
pesquisa histórica são apresentadas no quadro a seguir.
Características Descrição
Recapturar sistematicamente as nuances, pessoas, significados, eventos e ideias sobre o
Foco passado, as quais exerceram influência e moldaram o presente. O foco está no desenvolvimento
histórico do fenômeno.
Precursor Leopold Von Ranke.
Objetivo e Tipo de Busca entender o processo de ação e criação em um contexto histórico específico; pesquisa
problema mais diversos elementos relacionados ao passado nos quais o interesse recai em alguns poucos
adequado eventos ou objetos de pesquisa compreendidos como únicos ou singulares.
Disciplina de
História, Ciências Sociais, Ciências Econômicas.
conhecimento
Principais fontes de Relatórios confidenciais; registros públicos; documentos do governo; editoriais de jornais e
dados histórias; crônicas; músicas; poesia; folclore; filmes de entrevistas; fotos; artefatos.
Coleta de artefatos, documentos e oralidades por meio de pesquisa arquivística, pesquisa
Forma de coleta de
documental, história oral, história biográfica, arqueologia industrial, entre outras técnicas
dados
específicas que objetivam a reconstituição de um evento ou curso de ação.
Descrição, análise e interpretação do desenvolvimento histórico do fenômeno. Método
Estratégia de análise de
comparativo, cliometria, análise de conteúdo, análise de discurso, análise contrafactual,
dados
métodos de datação, reconstituições, entre outros.
Elaboração de descrição, de narrativa compreensiva sobre o passado, ao mesmo tempo lógica,
Relatório escrito
fluída, reveladora e "viva"; descrição da evolução do fenômeno.
Em países como França e Inglaterra, a história se voltou, a partir da década de 50, mais para a
história dos negócios na qual a história empresarial era colocada em uma perspectiva mais social. O
empresário era visto como dependente dos fatores estruturais e conjunturais. Na França, a história
da Administração teve maior influência do marxismo, influenciada pela Écolle des Annales que
tratava a história empresarial como parte de uma visão de síntese global social (Lobo, 1997).
Identificar as visões provenientes do debate entre as perspectivas da história tradicional e da Nova
História, nova no campo da Administração, podendo contribuir para melhor compreensão dos
346
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
347
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
3 Conclusões
Ontologicamente, a historiografia pode contribuir com o campo dos Estudos Organizacionais por
abrir possibilidade para novas percepções e novas abordagens de pesquisa com relação aos seus
objetos de estudo. Assumindo que a história é dominada pelo presente, conhecer a essência das
diferentes realidades que coexistem no tempo e no espaço talvez permita aos pesquisadores da área
de Administração uma percepção mais reflexiva acerca do seu pensar e agir no mundo (Costa, Barros
& Martins, 2010).
Na pesquisa histórica, epistemologicamente, prioriza-se o enfoque narrativo alinhado ao interesse
mais amplo de orientações interpretativas e discursivas em oposição ao quadro científico tradicional.
Uma maior preocupação com a busca da historicidade do espaço organizacional reflete-se na procura
pela existência de um contexto específico para todos os acontecimentos e todos os fenômenos. E
isso tanto em relação aos objetos de estudo quanto em relação aos pesquisadores (Costa, Barros &
Martins, 2010).
A partir dos aspectos ontológicos e epistemológicos apresentados, metodologicamente os problemas
de pesquisa podem ser estudados por meio de novas e diferentes fontes históricas, ampliando tanto
a noção de objeto de pesquisa quanto a noção de documento.
Como grande parte da vida das pessoas acontece dentro das organizações, uma questão importante
é captar essas experiências sociais para construir conhecimento e reconstituir a identidade e a
história perante processos sociais no interior das organizações.
Assim, conclui-se com base em Berg (2001) que a pesquisa histórica se estende para além de um
mero conjunto de incidentes, fatos, datas ou números. É o estudo das relações entre as questões que
têm influenciado o passado, e continuam a influenciar o presente, e irão certamente afetar o futuro.
Referências
Berg, B. L. (2001). Qualitative research methods for the social sciences. Needham Heights: Pearson.
Burke, P. (1992). Abertura: A Nova História, seu passado e seu futuro. In: BURKE, P. A Escrita da
história: Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP.
Cardoso, C. F. (1997). História e Paradigmas Rivais. IN: Cardoso, C. F.; Vainfas, R. Domínios da história:
Ensaios sobre Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier.
348
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
Clark, P. & Rowlinson, M. (2004). The treatment of history in organization studies: towards an
“historic turn”? Business History, 46 (3), 331-352.
Curado, I. (2001). Pesquisa historiográfica em administração: uma proposta metodológica. In. Anais
do II Encontro de Marketing da ANPAD – EMA: Rio de Janeiro: Campus.
Fontoura, Y., Alfaia, L., & Fernandes, A. (2013). A pesquisa histórica em estudos organizacionais no
Brasil: uma análise paradigmática e novas perspectivas. GESTÃO.Org - Revista Eletrônica de
Gestão Organizacional, 11(1), 83-103.
Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. RAE. 35 (2), 57-63.
Gomes, A. F., & Santana, W. G. P. (2010). A história oral na análise organizacional: a possível e
promissora conversa entre a História e a Administração. Cadernos EBAPE.BR, 8 (1), 1-18.
Grix, J. (2002). Introducing students to the generic terminology of social research. Politics, 22 (3),
175-186.
Jacques, R. S. (2006). History, historiography and organizational studies: the challenge and the
potential. Management & Organizational History, 1 (1), 31-49.
Kieser, A. (1994). Why organization theory needs historical analyses? Organization Science, 5 (4),
608-620.
Lobo, E. (1997). História Empresarial. In: Cardoso, C. F; Vainfas, R. Domínios da história: ensaios sobre
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier.
Maielli, G. & Booth, C. (2008). Counterfactual history, management and organizations: reflections
and new directions. Management & Organizational History, 3 (1), 49-61.
Mascarenhas, A. O. & Vasconcelos, F. C. (2009). What does Captain Cook have to tell us about
culture? Contributions for a structural and historical approach to culture and organizations.
349
>>Atas CIAIQ2017 >>Investigação Qualitativa em Ciências Sociais//Investigación Cualitativa en Ciencias Sociales//Volume 3
Schwarcz, L. M. (2001). Prefácio. In: Bloch, M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar.
Rocha, R. A. & Ceretta, P. S. (1998). Pesquisa qualitativa: um desafio à ciência social. In: Encontro
nacional da associação dos programas de pós-graduação em administração, 22, Foz do Iguaçu.
Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD, 1 CD.
Üsdiken, B. & Kieser, A. (2004). Introduction: history in organization studies. Business History, 46 (3),
321-330.
Vizeu, F. (2007). Em algum lugar do passado: contribuições da pesquisa histórica para os estudos
organizacionais brasileiros. In: Encontro Nacional da associação nacional dos Programas de Pós
Graduação em Administração, 31, 2007, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: ANPAD.
Vizeu, F. (2010) Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. RAE-
revista de administração de empresas, 50 (1), 37- 47.
350