A Alian A Dos Contr Rios A Gin Stica Protagonizada No Circo Brasil 18401880
A Alian A Dos Contr Rios A Gin Stica Protagonizada No Circo Brasil 18401880
A Alian A Dos Contr Rios A Gin Stica Protagonizada No Circo Brasil 18401880
Faculdade de Educação
Belo Horizonte
2016
Pedro Luiz da Costa Cabral
Belo Horizonte
2016
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação
Dissertação intitulada “A aliança dos contrários: A ginástica protagonizada no circo (Brasil, 1840-
1880)”, de autoria do mestrando Pedro Luiz da Costa Cabral, aprovada pela banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:
BANCA EXAMINADORA
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_____________________________________________
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Allez-oop!
Resumo
Este estudo tem como foco de pesquisa a presença da ginástica nos circos em solo brasileiro
durante o século XIX, principalmente com companhias que visitaram a corte do Rio de Janeiro,
mas também rastreando trupes em outras localidades. Durante o período pesquisado, foi possível
visualizar no circo uma instituição que contribuiu com a divulgação e vulgarização dos
conhecimentos referentes à ginástica e à equitação. A presença de artistas e empresários circenses
no Brasil contribuiu em certa medida com as discussões referentes às práticas corporais que
incidiam na educação, apresentando novos elementos gestuais para a construção de uma raça
forte. Esses mesmos conhecimentos também foram rejeitados nas páginas dos jornais, sendo eles
vinculados à desordem e à falta de intencionalidade formadora do circo. Nesse espaço ambíguo
habitado por circenses no cotidiano das cidades, outros espaços de formação foram
proporcionados dentro dos picadeiros, disponibilizando lições de ginástica e equitação. Os artistas
também circularam em outros locais, como clubes, teatros e escolas, onde seus conhecimentos
sobre a ginástica foram mobilizados. Para que esta pesquisa se tornasse possível, foi necessária a
coleta de fontes em diversos jornais, no período de 1840 a 1880, auxiliada em grande medida pelo
acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (BNRJ), e ampliada com outros acervos on-
line e físicos. Foi necessária também a construção de um banco de dados que possibilitasse
rastrear trupes, artistas e principalmente as características que a ginástica apresentada pelo circo
representou. Auxiliado por esse banco de dados, diversos elementos foram identificados
permitindo, assim, visualizar a circulação da ginástica e sua hibridização com outras práticas
corporais – tais como a equitação, a acrobacia, os equilíbrios – expressando uma ginástica
circense. Por fim, este estudo aponta o caminho percorrido pela família circense Casali, e de
Vicente Casali, ginasta circense, que deu aulas no colégio Pedro II no ano de 1881, um dos trajetos
de trânsito de conhecimento do picadeiro para as salas de aula.
PREPARANDO O TERRENO.........................................................................08
SOBRE AS FONTES.........................................................................................19
FINCANDO OS PAUS PARA SUBIR A LONA........................................... 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................149
JORNAIS CONSULTADOS..........................................................................153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................158
Preparando o terreno
O circo é uma cidade sem código postal, um agregado humano de diversos países,
transportando animais e estruturas. Ele transforma terrenos baldios em um lugar onde o
corpo humano desafia as leis da gravidade em cima de cavalos, trapézios, da corda bamba.
O circo é o local em que os malabaristas testam novos usos para os objetos, e adestradores,
com suas feras, surpreendem o público. Dentro do picadeiro – exibindo-se em teatros,
praças e outros espaços – o circo coloca o corpo humano no diálogo com a arte. Por meio
do repertório gestual e das técnicas corporais, ele é também um dos lugares de construção
de saberes sobre o corpo, para além das instituições médicas, escolares, científicas e
militares.
Segundo Ermínia Silva (1996), o circo é um objeto nômade e está em constante
mudança de lugares e de público, seja indo de cidade a cidade, ou mudando de bairros
dentro da cidade. O artista circense não permanece fixo. Pensar o aspecto nômade do
circo significa dizer que, ao mesmo tempo em que o público está em constante mudança,
o espetáculo apresentado também necessita de constantes adaptações. Diferentemente do
teatro, as apresentações circenses se repetem e se refazem a cada dia. Mobilidade,
adaptabilidade, rapidez e invencionice são palavras que o circo trouxe mesmo antes de
carregá-las de significado.
O circo é uma instituição, com códigos e organização próprios, lidando em grande
parte do tempo com a transmissão oral do conhecimento pela experiência corporal. É uma
experiência complexa de compartilhamento de conhecimento e exercício prático
vivenciado cotidianamente por seus integrantes. A convergência dessa oralidade e
conhecimento deixará rastros e vestígios de sua presença nos textos de jornais, peças
teatrais, compêndios de diversos conhecimentos, leis e na literatura, por meio dos
diálogos e tensões que ele estabelece com outras instituições.
Os conhecimentos que o circo produziu sobre si mesmo são mediados pela
memória e, em grande parte, pela transmissão oral (SILVA, 1996, 2007; DUARTE, 1996;
TEIXEIRA, 2008). Esse conhecimento vai desde as técnicas de construção de estruturas
e lonas, até a forma de elaboração dos números, passando por métodos de treinamento do
corpo humano – o caso da acrobacia, ginástica, malabarismo e equilibrismo – e incluindo
técnicas de doma e montaria de animais.
O circo produziu e divulgou seus conhecimentos por meio das relações que
construía ao longo das turnês, ensinando os recém-chegados à lona, trocando
9
1
Para informações sobre esse tipo de estruturas circenses, consultar o trabalho “O circo: sua arte e seus
saberes – O circo no Brasil do final século XIX a meados do XX”, de Erminia Silva. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 1996. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000102707.
10
2
No seu trabalho de mestrado, Erminia Silva entrevistou alguns artistas circenses. Destaco aqui o relato de
um deles sobre a rotina do circo-família: “Não possuíamos o nosso circo neste tempo. Fazíamos temporadas
contratados, mas sempre tínhamos trabalho. A nossa troupe era muito grande com muitos números e entre
eles um conjunto musical... Fomos ensaidos por meu pai. Ele era nosso instrutor em acrobacias e era
também professor de música. Ensinava também as crianças onde estávamos” (SILVA, 1996, p.78).
11
3
Em 14/10/1818, por exemplo, a Gazeta do Rio de Janeiro anuncia que "Na rua do Ouvidor, Nº 49, e na
Detraz do Hospicio Nº 9, se acha hum bello sortimento de oculos para theatro e para o circo".
12
olhar para diferentes culturas e diferentes linguagens. A diferença não era uma metáfora,
o circo trazia no estrangeiro sua concretude.
Destacamos, entre essas manifestações, a dança espanhola chamada cachucha,
com seus sapateados e castanholas, a apresentação de cenas do cotidiano estrangeiro
como a peça “O passeio de mr. E m. Denis ao Boulevard du Temple”4; com seus
apetrechos, utensílios, vestimentas, às técnicas de doma de animais, a Alta Escola de
equitação, a releitura de linguagens teatrais.
Devido a sua extensa presença no cotidiano de cidades como Rio de Janeiro,
Sabará, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo, nem sempre as opiniões sobre o
espetáculo serão favoráveis no século XIX. Cidades tão diferentes receberam um híbrido
cultural, interpretaram signos, reinterpretaram linguagens e dialogaram com uma nova
estética apresentada pelo circo de acordo com o seu acervo. Em locais que buscaram a
construção de uma identidade moderna, o circo trouxe elementos de divulgação dos
avanços humanos. No entanto, em locais que possuíam um viés mais conservador e
tradicional, esse agregado humano foi visto como fonte de desordem e vadiagem.
Ele será um dos lugares de expressão de uma cultura dita popular, dialogando com
mitos e representações vigentes no ideário social, com a fantasia e o risco e, também, com
a cultura erudita, mesclando em seus espetáculos elementos teatrais, a equitação e a
apresentação de músicas clássicas nos intervalos. Ocorrerá fusão e trânsito de múltiplas
linguagens, como as do teatro, da doma, da acrobacia e da mímica. É nessa mistura de
elementos culturais tidos como opostos, de gêneros tão distintos, que o circo extrai sua
vitalidade, concebe sua identidade, exercita sua singularidade.
Durante o século XIX, essa instituição será alvo de críticas do teatro, pela
competição direta por público em dias de espetáculo. Muitas vezes, o circo estará
associado à confusão e desordem, aparecendo nas páginas policiais dos jornais. A questão
dos acidentes e fatalidades nas apresentações motivam cronistas a questionarem a
utilidade pública do circo.
Também existiram opiniões positivas, principalmente no início do século, por
apresentar em seus espetáculos um corpo humano forte associado à ideia de ginástica.
Esse apoio declarado nos jornais, como veremos ao longo desta pesquisa, terá uma
transformação após a implementação dos métodos ginásticos em território brasileiro.
4
Correio Mercantil, 13/11/1849. O Boulevard du Temple foi o lugar de estabelecimento de vários teatros e
circos em Paris, como o Théatre Lyrique, o Théatre Impérial du Cirque, o Theátre des Folles-Dramatiques.
Em 1827 o Cirque Olympique se estabeleceu nesse local, posteriormente ocupado pelo Cirque Napoléon
em 1852.
13
Nesse momento, compreender o circo como mais um lugar para a ginástica, para
além das instituições médicas, escolares e militares (GÓIS, 2013 e 2014; TESCHE, 2001;
MELO e PERES, 2014; RODRIGUEZ e FINOCCHIO, 2013; DIAS, 2014), visa perceber
5
Teatro gestual que faz pouca utilização de palavras, a arte de narrar com o corpo.
6
Diccionário da maior parte dos termos homónymos, e equívocos da lingua portugueza: augmentado com
huma grande cópia de vocábulos téchnicos, e sua etymología, e enriqueçido com muitos adágios da lingua,
e trechos de história, critica, e antiguidades. Antônio Maria do Couto, 1842, p.190.
14
que essa prática esteve presente na sociedade não apenas como prescrição de atividades
e comportamentos, mas também como uma forma de lidar com o corpo voltado para a
estética e para a sua fruição. Como prática, o circo aglutina dentro de si diversas
manifestações que demandam uma especialização do corpo humano e o conhecimento de
certos aparatos técnicos. Aos circenses é demandada uma grande carga horária de
treinamento para que os exercícios exibidos durante os números beirem a perfeição.
O circo produziu uma lógica do trabalho na qual os sujeitos envolvidos trocam
conhecimentos na medida em que vivem cotidianamente o mesmo espaço, o picadeiro,
em diversas cidades e culturas diferentes. O circo mistura trabalho e entretenimento, e o
que motiva os circenses a fazerem acrobacias arriscadas pode não ser a troca da sua mão
de obra por um ganho monetário, mesmo que isso seja importante.
Como espetáculo, o circo buscará de forma subentendida apresentar o corpo
humano que encontra o equilíbrio e a leveza em exercícios acrobáticos, de força, e de
mágica. O espetáculo circense demanda constantes mudanças e inclusões/exclusões de
números, mas, sempre, o corpo se apresentará no circo como parte importante do seu
“congresso de variedades”.
No Brasil, a ginástica e os métodos sobre ela não estiveram imunes à efervescência
de saberes, práticas e sujeitos em circulação. É interessante ver que a ginástica foi
praticada em clubs, em sociedades ginásticas, em praças e escolas, e que esses locais são
reveladores da mistura de formas e de intenções (MELO e PERES, 2014, TESCHE, 1996
e 2001, MORENO, 2001). Por exemplo, no Rio de Janeiro, o Clube Atlético7 possuía,
segundo os jornais, cerca de 1200 sócios, com espaços aparelhados para a prática de
ginástica, esgrima e corridas.
Mesmo sendo considerado um espaço para exibição de práticas atléticas, em 1886
ocorreram exibições circenses, como a ascensão de balões e apresentação de animais.
Presente nas escolas, a ginástica será exibida nas festas escolares, associada aos símbolos
nacionais. Também ocupa praças, apresentada por artistas e trupes. Muitas vezes, os
discursos presentes sobre o que se entendia por ginástica se contrastavam, ou eram
questionados, nas crônicas dos jornais.
Um exemplo da heterogeneidade e da circulação da ginástica será Vicente Casali,
filho de espanhóis que chegaram ao Brasil por volta de 18758. Os Casali estabelecem um
7
O Paiz, 08/06/1885.
8
Melo (2014) aponta que a primeira aparição da família Casali se dá nesse ano, embora a primeira fonte
que rastreei mostra a chegada dos Casali no Brasil em 1870. Posteriormente, é possível encontrar anúncios
no jornal Gazeta de Notícias (04/04/1872) do circo Casali em São Paulo.
15
circo de renome e, entre os seus herdeiros, está Vicente, reconhecido ginasta pelos jornais
da época. Vicente trabalhou, além dos circos, como professor no Colégio Pedro II, a partir
da reforma de 1881, ano em que ocorreu a ampliação do número de lições de gymnastica
nesse colégio. Também atuou junto de Paulo Vidal e Arthur Higgins, importantes nomes
para o ensino da gymanstica no período, no internato desse colégio, ficando lá até o fim
do Império. Foi também professor no Collegio Universitario Fluminense, no Collegio
Abílio, no Collegio Brandão e na Escola Imperial Quinta da Boa Vista9.
Durante sua atuação como professor, Vicente Casali10 deu aulas e escreveu
programas de ensino de ginástica para o internato e externato do Colégio Pedro II. Em
1888, Casali parece discordar do programa de Higgins e pede “(...) por bem da educação
physica da mocidade brasileira, seja aceito o programa que formulei dentro dos
verdadeiros princípios pedagógicos e hygienicos”11.
Isso demonstra que nem a ginástica presente nas instituições educacionais possuía
um discurso uniforme e, mesmo com formações distintas, professores buscam no diálogo
com os métodos e com outras práticas, o equilíbrio entre ideais pedagógicos e práticas
higiênicas voltadas para a realidade brasileira.
Analisar as relações como as que Vicente Casali realizou, transitando por
diferentes espaços e utilizando a ginástica de diferentes formas, se refere a alguns
questionamentos que estarão presentes nos compêndios e discursos de políticos no
período.
Nos pareceres que Rui Barbosa (1883, p.132) escreve sobre a reforma do ensino
primário, é possível perceber sua defesa na aplicação de exercícios físicos para a nação
brasileira, na forma da ginástica. Seu discurso, entretanto, revela o rompimento que a
ginástica deveria ter em relação aos vestígios que pudessem portar dos movimentos
acrobáticos:
Não pretendemos formar acrobatas, nem Hércules, mas desenvolver na
criança o quantum de vigor physico essencial ao equilíbrio da vida
humana, a felicidade da alma, a preservação da pátria e a dignidade da
espécie.
Essa gymnastica da qual se refere Rui Barbosa será praticada nas escolas e
divulgada como uma forma de fortalecer os indivíduos por meio da economia sensata de
energia e do controle das vontades. Um pouco mais tarde, o Professor Arthur Higgins,
9
Solicitação de Vicente de Casali destinada ao Barão de Cotegipe. Arquivo Nacional, código IE4-94.
10
Vicente Casali, além dos exercícios gymnasticos, ofereceu aulas de esgrima aos alunos do 6º e do 7º ano
do Internato do Colégio Pedro II.
11
Solicitação de Vicente de Casali destinada ao Barão de Cotegipe. Arquivo Nacional, código IE4-94.
16
Este estudo busca assim compreender a ginástica que o circo apresenta e faz
circular no Brasil, no período de 1840 a 1880, identificando, analisando e relacionando
quais são as expressões da ginástica que tomam lugar nos espetáculos e as possíveis
relações de artistas ginásticos com outros espaços institucionais.
Esse recorte temporal permite analisar a ascensão do circo no Brasil e
respectivamente das apresentações de grupos formados por estrangeiros e brasileiros em
território nacional, dialogando com questões do período, tais como: o embate do circo
com o teatro, a ginastica que é apresentada pelo circo, o trânsito de sujeitos, ideias sobre
o corpo no circo, os discursos sobre o circo e as mudanças nas formas das apresentações
- que vão dos cavalos à ginástica, até sua perda de espaço para as pantomimas e os
palhaços.
Nos espetáculos estiveram presentes também elementos brasileiros, como a
bandeira e o hino, a representação de batalhas e a formação de artistas nacionais. Os circos
estrangeiros buscaram nos símbolos nacionais elementos de sua integração com o meio
social.
12
A primeira edição é de 1896, mas a edição consultada é a de 1934. Higgins publicará ao longo de sua
vida várias reescritas do texto, incorporando e removendo trechos. É possivel que o trecho citado também
esteja presente na primeira edição, devido às rixas entre Casalli e Higgins no Colégio Pedro II.
17
O circo buscará, como instituição que se mistura com os contextos que habita, e
como uma das formas de alcançar sucesso no Brasil Império, dialogar com questões
regionais, apresentando-se em festas temáticas religiosas, como a festa do divino no Rio
de Janeiro, e em datas comemorativas nacionais. O circo e suas famílias formaram artistas
brasileiros que procuraram nas décadas seguintes fomentar uma identidade nacional para
ele e que viu nos palhaços um dos elementos importantes de sucesso no Brasil
(MARQUES DA SILVA, 2010; SILVA 2007).
Durante a década de 1880, os espetáculos começam a ter outro viés, dialogando
cada vez mais com o teatro e dando sequência ao movimento que será conhecido circo-
teatro (ILKIU, 2011; DUARTE, 1995). As apresentações terão nos elementos cênicos o
seu maior destaque, incluindo dramas ligeiros e releituras teatrais, aumentando o conflito
entre circo e casas de espetáculos, como pode ser percebido nas críticas de Arthur
Azevedo (SILVA, 2003). Os palhaços cantores ganharam continuamente destaque em
detrimento das apresentações ginásticas, como é o caso do artista Benjamim de Oliveira
(SILVA, 2003).
Após essas considerações, o tema central do primeiro capítulo será a chegada do
circo no Brasil, destacando os percursos que fizeram com que circos chegassem e se
estabelecessem no período colonial e a rede de relações que essa instituição inicialmente
construiu para se estabelecer. Nesse capítulo, será realizado um resgate das primeiras
companhias circenses no século XIX, mostrando possíveis trajetos de sua chegada e
13
Diario do Rio de Janeiro, 18/10/1845, p. 3.
14
Publicador Maranhense, 26/08/1863, p. 4.
15
O Mercantil, 04/01/1845, p. 3.
18
Sobre as fontes
19
Para que esta pesquisa se tornasse possível, foi necessário o acesso a um grande
número de jornais e revistas impressos que englobam o período proposto. Essas fontes
somam mais de noventa veículos de comunicação, alguns com publicações diárias, outros
semanais, quinzenais e mensais. Também foram consultados alguns anuários, relatórios
de presidentes de província, manuais de doma de animais e compêndios de ginástica.
A utilização dessa tipologia de fontes permite o alargamento da compreensão do
objeto estudado, sendo possível a captura de ideias acerca da ginástica que o circo
expressa, das redes de sociabilidade que ele estabelece e do conjunto de discursos que
perpassam o picadeiro.
A imprensa serve como um dos meios de entendimento da constituição social,
pois ela periodiza, ordena, seleciona e narra aquilo que escolheu como importante para
chegar até o público. Ela existe em meio às tensões sociais, apontando e questionando,
segundo a intenção de seus redatores, jornalistas e toda uma mentalidade do período em
que está. Sua presença na pesquisa não possui a função de anunciar meramente os fatos.
Os jornais publicam um conjunto de possibilidades do cotidiano que serão materializadas
na forma de texto e imagem, carregando assim a subjetividade do escritor e do leitor, ela
serve como “avaliação da ressonância” dos espetáculos (DUARTE, 1996, p. 16).
Para Heloisa de Cruz, o papel do historiador, então:
16
Informação retirada do site 17/09/2015. Os periódicos digitalizados pela Hemeroteca constituem-se,
segundo dados da própria Fundação Biblioteca Nacional, em aproximadamente 1.047.641 documentos de
livre acesso. Entre seu corpus documental estão disponíveis periódicos raros e que seriam de difícil acesso
para o pesquisador em arquivos físicos devido ao estado de conservação e ao acesso a obras raras.
17
Disponível em: http://www.ufl.edu/.
18
Disponível em: http://www.starkcenter.org/history/.
19
Disponível em: http://books.google.com.br/intl/pt-BR/googlebooks/about.html.
20
Disponível em: http://www.circushistory.org/Clipper/
21
Disponível em: http://badigit.comune.bologna.it/
22
Disponível em: http://sites.scran.ac.uk/lamb/entertain.htm
20
23
Disponível em: http://paperspast.natlib.govt.nz/cgi-bin/paperspast
24
Disponível em: http://trove.nla.gov.au/
25
Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/
26
Disponível em: http://www.cultura.gob.mx/
27
Disponível em: http://www.leodis.net/playbills
28
Disponível em: http://www.vam.ac.uk/users/node/8379
21
1810 e 1880 – limite da pesquisa, em que se pode observar uma mudança gradativa na
organização dos circos no Brasil. O núcleo dessas fontes está concentrado no Rio de
Janeiro, capital do Império, que possuía também um grande número de empresas de
comunicação no período. Existem também um número menor de fontes vindas de São
Paulo, e de outras regiões do Brasil Império.
Destaco que as fontes utilizadas no corpo deste texto foram transcritas de acordo
com a forma textual em que se apresentavam nos jornais, com seus respectivos erros
gramaticais quando estavam presentes, com o intuito de preservar a forma textual
apresentada para o leitor dos jornais.
Nos jornais brasileiros do século XIX, a palavra circo está mencionada com
diferentes significados, por isso o grande número de fontes consultadas. É possível
encontrar a palavra circo como sinônimo de círculo, em relatos de batalhas. Essa palavra
também está presente em informes das câmaras municipais, relacionada principalmente à
ideia de confusão em disputas políticas. Identificamos o circo em veículos de
comunicação religiosos, relembrando o sofrimento dos cristãos no período romano.
Finalmente, a palavra circo que define o espetáculo circense, ocupando diversas partes
dos jornais.
Procurar primeiro pela palavra circo em uma pesquisa que visa entender a
ginástica que o circo expressa tem o intuito de filtrar as fontes para esse grupo específico,
permitindo a averiguação da relação entre ginástica e circo. A pluralidade de ideias
presentes na imprensa acerca da ginástica mobiliza pesquisas com diversos enfoques.
Pensar o circo como um dos espaços de divulgação da ginástica visa aqui complementar
a produção de um imaginário social dessa prática. Essa relação pode ser confirmada nos
anúncios em que companhias se autoproclamavam “ginásticas e equestres” e em seus
números apresentavam exercícios ginásticos. A ginástica esteve presente também em
outros espaços dos jornais, com outros discursos e imagens específicas, mas o que move
a pesquisa é justamente buscar entender os discursos sobre a ginástica e sobre o corpo
que o circo faz circular.
Fazem parte dessas fontes: anúncios de apresentações circenses, ilustrações sobre
o circo, críticas, crônicas, pedidos de espetáculos, informes sobre mudanças de
apresentações devido ao clima, notícias sobre chegadas e partidas de circos, algumas
notícias internacionais sobre apresentações de artistas brasileiros em circos estrangeiros,
notícias policiais, chamadas curtas sobre quais os divertimentos seriam realizados na
semana, classificados.
22
Pensar o circo pelo olhar das culturas híbridas tem como objetivo entender como
se deu a apropriação de elementos culturais, nesse caso a ginástica, e o discurso sobre o
corpo no circo, tendo como base os discursos sobre eles nos jornais brasileiros do século
XIX. O circo, como entretenimento, vendeu a imagem de um corpo humano que busca
superar os limites socialmente estabelecidos, que desafia a ciência até então constituída e
que atrai multidões para dentro de suas lonas, deixando o realismo do teatro em segundo
plano.
O circo também serviu de espaço de divulgação de conhecimentos. Dentro da
lógica do entretenimento, o circo usou dos cavalos e dos ginastas para atrair o público
para os espetáculos, mas também para se afirmar socialmente. Circenses apresentaram e
divulgaram métodos de doma e equitação em picadeiros, hipódromos e clubes, foram, em
alguns casos professores dessas modalidades para a família real. Os circenses também
contribuíram com a divulgação de métodos ginásticos, que, em grande parte, dialogaram
com as formas acrobáticas de movimentar-se.
Pensar o circo como objeto cultural é pensá-lo como um objeto no qual diferentes
manifestações, que podem ser compreendidas socialmente como opostas, se manifestam
de forma a permitir uma identidade própria, nesse caso o ser circense (SILVA, 2007). O
circo teve como uma de suas principais estratégias de afirmação a mistura de elementos
ditos cultos e populares – o caso da equitação, do teatro, da música clássica – e de
elementos modernos, como foi o caso da ginástica que ele exibiu.
26
Antes mesmo dos reconhecidos grandes circos realizarem turnês pelo Brasil,
construindo anfiteatros e subindo lonas, artistas já se apresentavam individualmente em
teatros e praças, ciganos circulavam pelo interior vendendo animais e exibindo destrezas.
Ermínia Silva (2003, p.53) informa que algumas famílias circenses chegaram à América
Latina, no fim do século XVIII, se estabelecendo principalmente na Argentina. Esse
movimento migratório é atribuído a perseguições desses grupos na Europa e à criação de
leis que proibiram suas apresentações em praças e feiras.
Os circenses que vieram para América Latina no século XVIII possuíam um
caráter nômade e se apresentavam em praças e ruas sem nenhum tipo de contrato de
trabalho ou local definido. Eles circularam por vários países e se agrupavam para a
realização de turnês, que representaram uma incrementação na arrecadação de dinheiro
como forma de subsistência. Elas também possibilitavam o compartilhamento de
conhecimentos e a sua circulação entre os grupos e famílias envolvidos. Cidades
29
Alguns jornais, como o Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, A Pátria, entre outros, adotaram
chamadas curtas normalmente na primeira página, em que divulgam os divertimentos das cidades. Essas
chamadas são um dos indícios do aumento do número de apresentações circenses, chegando, após a década
de 1840, a anunciar circos quase diariamente.
29
importantes na América Latina eram visitadas, tais como: Rio de Janeiro, Buenos Aires,
Porto Alegre, São Paulo, Ouro Preto, Recife, Lima, Montevideo e Assunção.
Não constitui objeto deste estudo a questão cigana no Brasil Império, mas
ressaltamos aqui que esse grupo social já exibia atividades ditas circenses, no século
XVIII (SILVA, 1996; TEIXEIRA, 2008, DUARTE, 1995, CASTRO, 1997).
Os ciganos, grupo nômade, promoveram uma economia pautada na troca de
materiais, atravessando o interior do Brasil e passando por vilas pequenas. Devido à sua
marginalização social no período, pouca são as referências sobre eles nos jornais, mas
podemos inferir, segundo estudos anteriores (SILVA, 2009; LOPES e SILVA, 2015;
ABASTO DE SOUSA, 2013), que eles exibiam acrobacias, malabarismo, equilibrismos,
ilusionismos e outras atividades nas feiras e festas religiosas, possuindo considerável
circulação no território brasileiro. Algumas famílias ciganas foram inclusive proprietárias
de circos30 no Brasil, como é o caso dos Stevanowich (Húngaros) e Robatini (Romenos).
É possível rastrear a presença desses artistas na segunda metade do século XVIII, de
acordo com a pesquisa de Rodrigo Corrêa Teixeira (2008).
Apresentavam-se também nesse momento artistas individuais. Alice Viveiros de
Castro (2005, p.98) relata o percurso do artista Antônio Verdun, em um trajeto que pode
ser considerado espetacular no início do século XIX. Verdun saiu do Peru, realizou
espetáculos na Argentina e se apresentou no Brasil por três anos. Encontramos algumas
referências sobre a exibição de apresentações semelhantes a de Antônio Verdun pelo
artista Manoel Antonio da Silva31, executando dificultosas passagens sobre o cavalo, em
Porto Alegre, no final da década de 1820.
Mesmo com a dificuldade dessas viagens, os longos e demorados trajetos não
impediram que artistas se fixassem em determinadas localidades por demasiado tempo.
O fazer circense é nômade (SILVA, 2003, 2007; CASTRO, 2007), e ele precisa do
contato com o novo para constantemente se recriar.
Destaco que para esta pesquisa interessaram os circos organizados, ou grandes
companhias circenses conhecidas pelo empreendimento do circo moderno, e que estão
vinculadas à comercialização da cultura, que teve início no século XVIII32. Essas
companhias lidam com a formação de um público pagante, que investe tempo e dinheiro
30
Oliveira, J. Amaral, “Uma história do circo”, IN: Ferreira, C. M. (org.), Circo-tradição e arte, Rio de
Janeiro, Museu do Folclore Edison Carneiro/ FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1987, p. 14.
31
Segundo Athos Damasceno no livro “Palco, salão e picadeiro em Porto Alegre no século XIX” (1956,
p.11), mas não foi possível rastrear a presença desses artistas nas fontes coletadas.
32
Indicada por Peter Burke, 1989.
30
1.1 Percursos
De acordo com a revisão bibliográfica realizada, alguns circos “levaram a fama”
de serem os primeiros a chegarem ao Brasil. Encontramos referências ao Circo Bragassi,
vindo da Itália em 1830 em diversos artigos, derivando de estudos mais antigos
(TORRES, 1998; CAMAROTTI, 2004; BROCHADO, 2005; GRUMAN e BEZERRA,
2010). No entanto, pesquisadores, como José Carlos Santos Andrade (2010), Vitor Melo
(2014) e Manuel de Oliveira Lima (2006), apontam que, em 1818, ocorreram
apresentações no Rio de Janeiro e em São Luiz do Maranhão, da Companhia Inglesa de
Cavalinhos, dirigida pelo britânico Guilherme Southby33. Os artistas que compunham
essa trupe eram dançarinos de corda e equilibristas de cavalinhos.
Aparentemente, essa companhia ficou no Rio de Janeiro e em Sabará no ano de
1821 (TORRES, 1998). Segundo Vitor Melo (2013), Southby utilizou também a estrutura
de uma praça em que eram realizadas corridas de touros - divertimento popular no Rio de
Janeiro. Suas apresentações parecem ter tido boa recepção de público, segundo relato
extraído de Oliveira Lima (2008, p. 570), pois a população era convidada “(...) a rir
estrepitosamente com os trejeitos dos palhaços, aplaudir os maravilhosos exercícios
equestres de Mr. Southby e extasiar-se diante da corda bamba e dos equilíbrios de Mrs.
Southby”. Nenhuma outra referência nas fontes consultadas ou em outros estudos ao circo
de Southby no Brasil ou a Companhia Inglesa de Cavalinhos pôde ser rastreada após
1821.
33
Segundo o historiador Teodoro Klein (1994, p.46), Guilherme Southby teria trabalhado com Astely. No
Dictionary of Actors, Actresses, Musicians, Dancers, Managers and Other Stage Personnel in London,
1660-1800, é possível encontrar uma referência a G. Southby, no verbete sobre William Southby. Esse
artista se apresentou na Feira de Bartholomeu e dirigiu uma trupe inglesa em Madrid em 1816 e 1817.
Existe uma troca de nomes na atual bibliografia sobre qual Southby teria sido artista de Astely, mas a
hipótese é que William e Guilherme sejam a mesma pessoa.
31
34
Para outras informações sobre o circo Argentino, consultar o trabalho El Costumbrismo en el Teatro
Argentino de Laura Mogliani (2007).
32
a construção de um circo fixo no Jardin del Retiro. Esse circo se chamou Circo
Olímpico35 e seu espaço contava com palcos e galerias que proporcionariam diversas
comodidades para o público pagante36.
As apresentações continham números simultâneos de picadeiro e pantomimas,
adaptando-se a diferentes necessidades. Nem sempre elas ocorriam apenas dentro do
prédio do Circo Olímpico. Alguns artistas se apresentavam nas ruas, como a Compañia
de Volantines37, que exibiam frequentemente cenas curtas nos arredores de Buenos
Aires38 como forma de divulgação de espetáculos maiores que aconteciam no Circo
Olímpico.
Essas companhias que obtiveram grandes rendas e aceitação do público na
Argentina e Uruguai, até onde foi possível localizar39, importaram o modelo iniciado por
Astley e outros na Europa, ou seja, construíam prédios provisórios de madeira aos moldes
de um anfiteatro, com uma pista circular no centro, que servia como picadeiro para que
os exercícios acrobáticos, equestres e de doma fossem demonstrados.
Outros números foram introduzidos ao espetáculo, como os exercícios de
equilíbrio, na corda bamba, e malabarismos ou “pelotequeiros”. Os Volantineiros
também eram apresentados ao lado de palhaços nesses espetáculos, indicando a
incorporação de tradições locais ao espetáculo.
Após Southby, poucas são as fontes no período que indicam a presença de circos
em terras brasileiras, sendo possível rastrear alguns artistas e grupos menores. Entre eles,
está Mr. Rhigas o “Hercules Francez”40, que se apresentou em 1827 na corte do Rio de
Janeiro, no Theatro Imperial de São Pedro D’Alcantara41.
Outros artistas se apresentariam individualmente, ocupando principalmente as
salas dos teatros. Mr. Righas, por exemplo, demonstrou “diversos exercícios de
equilíbrio, de destreza e força” 42
. Depois uma boa primeira apresentação, o interesse
nesse artista parece ter diminuído e o "Benefício de Mr. Rhigas, (...) não nos há causado
35
Existem vários circos com o nome de “Circo Olímpico” no século XIX. Esse nome é inspirado no circo
de Charles Hughes. Interessante destacar que esse nome deriva das atividades gregas, e não das olimpíadas
modernas iniciadas em 1896 por Pierre de Fredy, o barão de Coubertin.
36
Diario de la Tarde, 19/04/1840.
37
Como são denominados em castelhano os saltimbancos e funâmbulos.
38
Diario de la Tarde, 14/10/1838.
39
Pouco foi encontrado sobre artistas e circos em outros países da América do Sul no período, muito pelo
fato de que os artistas que visitaram o Brasil fizeram percursos similares. Não descarto que em outros locais
uma série de sujeitos diferentes também mobilizou os saberes circenses em seus percursos.
40
Diário do Rio de Janeiro, 28/08/1827, p. 3.
41
Diário de Pernambuco, 25/04/1827, p. 2.
42
Jornal do Commercio, 01/10/1827, p. 4.
33
“THEATRO PUBLICO
No ano de 1832, antes de Mr. Valli, chega a terras brasileiras pelo porto de
Santos47 José Chiarini com sua mulher, dois filhos e dois criados, no que virá a se
constituir no circo da família Chiarini. Existem algumas confusões na historiografia
brasileira acerca de qual integrante dessa família chegou. Essa confusão ocorre devido a
dois fatores: o grande número de artistas pertencentes à família Chiarini48 e a circulação
dessa família, tanto na Europa, como nas Américas. Mário Verdone, historiador do circo,
afirma que:
43
Gazeta do Brasil, 15/09/1827, p. 4.
44
Diario do Rio de Janeiro, 15/02/1838, p. 2.
45
Essa ginástica será discutida no segundo capítulo. Cabe destacar aqui que diferentes circos já
apresentavam a ginástica em seus espetáculos antes mesmo da mobilização de discussões sobre a utilização
da ginástica no campo educacional como forma de intervenção e educação do corpo.
46
Jornal Maranhense, 12/11/1841, p. 4.
47
Jornal do Commercio, 08/11/1832, p.4.
48
Outras questões sobre a história da família Chiarini foram abordadas em texto anexo.
34
dirige uma casa de trinta pessoas oriundas dos seus seis filhos ainda vivos,
sem contar os trinta sobrinhos (VERDONE, 1960, p. 246).
Existe também um conflito no que diz respeito ao diretor e artista José Chiarini e
seu filho Giuseppe Chiarini, devido à existência de homônimos transitando no início do
século XIX, e ao fato de a imprensa brasileira por vezes traduzir nomes estrangeiros para
o português49 como forma de aproximar o público dos artistas, ou pelo desconhecimento
da pronúncia de tais nomes.
Essa dificuldade com os nomes, não apenas de Chiarini, que vem em partes dos
próprios meios de comunicação, também se deve ao fato de os artistas ocultarem seus
nomes e origens como forma de proteção de perseguições políticas, ou de uma eventual
recepção negativa do público. É possível constatar que essa confusão deixava público e
imprensa irritados, como é o caso da resposta à publicação do “amigo da justiça” por parte
do jornal Diario do Commercio de 1840, referindo-se aos nomes e títulos dos circenses:
Esse processo de tradução dos nomes, apresentado nos jornais brasileiros dos
nomes estrangeiros, é reflexo de uma mudança mais profunda que ocorrerá ao longo do
século XIX (NAHAVANDI; MALEKZADEH, 1993). Esse “abrasileiramento” 51
de
nomes foi realizado voluntariamente por diversos grupos de imigrantes, incluindo
portugueses52, com vistas a construir uma nova história no Brasil que permitisse uma
49
Não podemos afirmar se a fonte se refere a Giuseppe, ou até mesmo a um certo Joseph, mas, no contato
com as fontes, pode-se perceber que é comum, no caso dos artistas circenses no século XIX, o
aportuguesamento dos nomes. O artista Baptiste Fouraux, por exemplo, será chamado em alguns momentos
de Baptista, Batiste, Batista.
50
Diario do Commercio, 27/04/1840, p. 2.
51
Segundo Seyferth (1999), esse ideal de abrasileirar nomes e práticas foi frequente entre alguns setores da
sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX, e buscava realizar a assimilação cultural ou
racial dos imigrantes em prol da unificação nacional.
52
Os portugueses residentes no Brasil pós-independência foram considerados brasileiros originários. Esse
dispositivo constou da constituição do Império do Brasil de 1824.
35
melhor recepção por parte do público brasileiro (SEYFERTH, 1999), ou com a intenção
de fugir de perseguições políticas, como foi o caso dos ciganos. Algumas famílias
circenses, ao se estabelecerem no Brasil, mudam ou traduzem seus nomes e sobrenomes
voluntariamente, como é o caso da família Wassilnovitch53, que substituíram seu
sobrenome por Silva.
É possível rastrear membros da família Chiarini no Brasil entre 1832 e 1844,
principalmente no Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo e Minas Gerais. Como vemos em
algumas reportagens, a chegada de Chiarini primeiro se constituiu em uma companhia
ginástica sem espaço próprio para apresentação, utilizando teatros para exibição:
Antônio Torres (1998, p. 21) assinala que em 1834, na vila de São João del-Rei,
um espetáculo é apresentado por “José Chiarini, mestre da gymnastica e equilibrista e
dançarino de corda, com sua família na mesma profissão”. Em 1835 e 1836, José se
apresenta no Teatro Constitucional Fluminense55 e Teatro Nictheroense56
respectivamente, e apenas em 1837 será construído “hum theatro na cidade de Nictheroy”
para servir de abrigo para o circo de José Chiarini.
A construção desse teatro implicará, entre outras mudanças, a alteração do horário
das últimas barcas partidas de Niterói em dias de espetáculo, devido à grande demanda
do público. Outro teatro ainda será construído por José Chiarini em Niterói no ano de
1839 "no largo de S.joão, com um huma varanda para as senhoras, com assentos
numerados, e huma platéa vastissima que conterá, ao menos, 3,000 pessoas"57, mas não é
possível saber se se trata do mesmo teatro de 1837 ou de um novo espaço.
53
Mais informações sobre essa família, consultar o trabalho de Teixeira (2008, p. 55): História dos ciganos
no Brasil.
54
Correio Mercantil, 13/07/1832, p. 4.
55
Jornal do Commercio, 04/08/1835, p. 3.
56
Jornal do Commercio, 01/01/1836, p. 4.
57
Jornal do Commercio, 05/03/1839, p. 4.
36
NB, os bilhetes de platea estão à venda no mesmo dia das 8 horas da manhã
em diante, no lugar do costume.”59
58
Diario do Rio de Janeiro, 29/10/1835.
59
Diario do Rio de Janeiro, 08/08/1835.
60
Pós 1830, sob a ditadura de Rosas (1836 - 1852), o circo argentino misturou vários elementos no
espetáculo; os dramas italianos, as performances acrobáticas, os Saionetes espanhóis e o Clown inglês.
61
Segundo Lopez, 1939 e Llanes, 1968.
62
Seibel (1993, p. 21) não indica quais tipos de danças foram apresentadas pelos Chiarini na Argentina.
63
Louis Soullier (1813-1888), diretor de circo em Viena, se estabeleceu na Turquia e depois na China em
1854. Quando voltou para Europa em 1866, trouxe com sua companhia acrobatas chineses.
64
Jacques Tourniaire (1772-1829) estabeleceu seu primeiro circo na Rússia, e seus filhos Benoit e Fraçois
excursionaram intensivamente pela Índia, China e América.
37
novos elementos nas apresentações e excursionando pela América Latina, China, sul da
África e Rússia (KABIR, 2013), suas turnês chegaram ao Brasil em 1869.
Reconhecer a presença da família Chiarini, apresentando a ginástica como uma de
suas profissões no Brasil, é um dos indícios do aumento da circulação do circo na América
Latina devido à importância e visibilidade que essa família obteve no meio circense no
período.
Circos estruturados como o de Chiarini e Southby são atraídos primeiro pela
abertura dos portos às nações amigas de Portugal por parte de D. João VI (SANTOS
ANDRADE, 2010), pelos investimentos realizados em estradas e portos pós-
independência em 1822 e pelos ciclos econômicos, como o café, a borracha e cana-de-
açúcar. Para a mobilidade desses circos, foi necessária uma infraestrutura robusta. Os
circos vinham de navio pelo litoral brasileiro e depois rumavam até o Rio da Prata a
Buenos Aires. Pode-se ver essa movimentação nas notícias dos portos brasileiros de
Santos, Bahia, Rio de Janeiro. Essas companhias faziam grandes percursos em um
período no qual a vontade, algumas vezes, ultrapassava a infraestrutura.
Os espetáculos que cada circo trazia eram assistidos pelos Imperadores e pela
corte, chegando ao ponto de vínculos de amizade serem estabelecidos entre os
imperadores e artistas, como foi o caso de Franco Olimecha (Franck Olimecha), que
recebeu vários convites de Dom Pedro II para ir ao Paço65, ou de Giuseppe Chiarini,
professor de equitação da família real66.
O imperador e a família real assistiram ao menos uma apresentação de cada circo
aqui pesquisado, e a sua presença servia para impulsionar os espetáculos. Não foi
possível, no entanto, desvelar qual o processo de organização para que a família imperial
fosse a esses espetáculos, mas podemos especular que ocorria um agendamento prévio,
tendo em vista que normalmente os anúncios em jornais saíam com dias de antecedência
do espetáculo. Nesse caso específico, o próprio molde do anúncio era alterado, colocando
a presença da família imperial como um dos destaques da apresentação, uma espécie de
apresentação de gala ou noite de benefício.
1.2 Relações
Os circos se articularam com a dinâmica da cidade, segundo Vitor Melo (2014,
p.14), dialogando com um mercado de entretenimento que nascia e com as atrações
65
Segundo Nepomuceno, 2013, p. 292.
66
Revista da Sociedade Jockey-Club, 1871, p. 70.
38
67
Dramas equestres, ou pantomimas que utilizavam os cavalos como personagem.
68
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 08/08/1852, p. 4.
39
69
Thomas B. Nathans, artista circense norte-americano, relata em narrativa autobiografica de 1828 extraída
do livro American Circus Anthology, Essays of the Early Years, de William L. Slout, 2005: "We joined a
comp(any) going south, I think the man’s name was Mead”. Nesse caso, Abraham Mead, que se associou
a Price & Simpson troupe.
70
Nesse caso, as pantominas parecem ter pouca relação com temas brasileiros.
71
Jornal do Commercio, 20/02/1838, p. 4.
72
Jornal do Commercio, 22/05/1838, p. 4.
40
73
Old Bet foi o primeiro elefante a ser apresentado nos Estados Unidos em 1804, no estado de Boston como
parte de uma menagerie - coleção de animais exóticos exibidos para o público, uma espécie de primórdio
dos zoológicos modernos. Old Bet foi morta em 1816 por um fazendeiro que acreditava ser pecado pessoas
pagarem para verem o animal. Em 1821, o Barnum's American Museum comprou os ossos de Old Bet para
expô-los. (HERSHENSON, 2002).
41
denominada de menagerie, será adotada com maior frequência por circos no Brasil na
segunda metade do século XIX. O segundo Circo Chiarini (1869 – 1872), comandado por
Giuseppe, teve uma circulação e variedade ainda maiores do que o circo de José Chiarini,
exibindo zebras, touros, tigres, alguns deles para exercícios de doma, outros para simples
exposição, como pode ser visto na notícia abaixo:
Virá muito augmentado com artistas de ambos os sexos, e terá além d'isso
tigres de Bengala, girafas e zebras.
O Sr. Chiarini pretende com a sua companhia fazer uma viagem á roda do
mundo, sahindo de New-York e começando pelo Brazil.”74
“Não nos enganamos quando hontem dissemos que o domador dos tigres
do circo Chiarini estivera duas noites antes, meio torto, a trabalhar com
aqueles bichos dentro da jaula, de que restou até atirar se lhe um d'elles á
perna.
74
Gazeta de Notícias, 21/09/1875, p. 2.
75
Ver o jornal O Movimento, 05/05/1892, p. 1.
76
Gazeta de Notícias, 20/01/1876, p. 1.
77
Gazeta de Notícias, 21/01/1876, p. 1.
42
estabelecer relações, sejam elas de troca ou de apropriação. Nas turnês, os circos adotaram
tradições e costumes locais como estratégia de aproximação e identificação com o
público, incorporando ao espetáculo linguagem, vestimentas, utensílios e artistas
regionais. O circo também apresentou pantomimas e pequenas cenas teatrais que
diálogassem com o contexto em que elas estavam inseridas, algumas vezes servindo como
crítica social, como é o caso dos benefícios em liberdade de escravos, outras vezes
reforçando aspectos locais, como foi o caso da utilização de bandas militares, de cenas de
batalhas e de palhaços nacionais.
Em uma época de aceleração das novidades, em que a ciência e os meios de
comunicação de massas davam os primeiros passos, o circo oferecia a possibilidade de
apresentar à sociedade outros mundos, outros corpos e outros olhares (WALL, 2013). A
constatação dessa pluralidade está expressa na transformação das apresentações circenses
de diversas formas. O circo podia nesse momento ser conhecido como uma vitrine exótica
do mundo. Nos Estados Unidos, o caso emblemático do circo de Phineas T. Barnum, que,
além do picadeiro, possuía em anexo um museu no qual, antes das apresentações, o
público era convidado a frequentar uma exposição com fins educativos, apresentando
animais e objetos de diferentes partes do mundo é exemplo dessa pluralidade de sentidos.
O trânsito desses circos nos faz perceber que o encontro de artistas europeus e
norte-americanos, com elementos e experiências locais, não se deu de forma rígida ou
impositiva. O circo produziu uma rede de relações com artistas locais, incorporando aos
seus espetáculos não apenas um estilo de apresentação, mas também elementos da cultura,
da fala, dos gestos. Esse encontro no Brasil possibilitou a formação de uma ampla gama
de artistas nacionais e serviu de gérmen para o nascimento do circo brasileiro.
No ano de 1839, Chiarini contrata a companhia italiana de João (Giovani) Bernabó
para se apresentar no circo de Niterói. Esse, aliás, é o primeiro registro de Bernabó
encontrado nas fontes, antes mesmo de ele anunciar o seu próprio circo, o que pode
indicar que Chiarini tenha contratado temporariamente Bernabó, que permaneceu no
Brasil. Bernabó obteve, como veremos mais à frente, sua própria companhia, onde a
ginástica e a equitação serão destaques e se autoproclamará professor de ginástica em
seus anúncios.
43
José Chiarini após diversos espetáculos deixa a Corte do Rio de Janeiro em 184078,
rumo a Santa Catarina. Após excursionar pelo interior do Brasil, ele sofre um acidente
realizando acrobacias em Pernambuco, o que gera críticas direcionadas aos artistas
circenses e aos exercícios acrobáticos. Não é possível afirmar se José sobreviveu a esse
acidente, mas fato é que não foram localizadas mais notícias referentes a esse circense
nos arquivos ou em outras pesquisas:
78
De acordo com Jornal do Commercio, 22/10/1840: “Sahidas no dia 21. Rio grande por Santa Catharina,
barca de vapor S. Salvador (...) passags (...) o italiano José Chiarini, o hespanho Luiz Valli, os ingleses
thomaz Price, e Hichings Henrique Kirg.”
79
Diario do Rio de Janeiro, 02/09/1844, p. 1.
44
Talvez motivados pelo duplo risco – simbólico e real – a que estão expostos,
artistas e circos buscam sempre inovar os números, treinando a exaustão os grandes
truques – o non plus ultra como anunciaram – e também diminuindo as margens de
segurança. Essas margens possuem limites, o movimento do mortal sempre será uma
pirueta em torno do eixo do quadril, o que se alterará será onde ele será realizado – em
cima de um trampolim, sobre um cavalo, pulando uma dúzia de pessoas – e isso é
explorado e repetido no circo.
Essa noção de risco a que os artistas se submetem, era constantemente enfatizada
nos anúncios. O risco, nesse caso, não vem apenas da execução de exercícios em grande
altitude ou velocidade. A noção de risco é construída durante o próprio espetáculo, no
que, segundo Goudard (2009, p.26), pode ser pensado como uma “estética do risco”
pautada nas referências as situações de instabilidade apresentadas. Nem sempre esse risco
é percebido no diálogo dos espectadores com a apresentação, como podemos ver na
crítica abaixo:
Pedro Miller, e-gypcio ao que se diz, tem adquirido grande aura e o seu
nome vai sendo conhecido até por aquelles que não teem frequentado o
circo. É difficil de dizer-se que difficuldades executa sobre um cavallo em
pello, correndo a trote, a galope, e a desfilada, pulando com incrivel
80
A Actualidade, 13/07/1863, p. 3.
81
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 27/03/1857, p. 2.
45
Além das companhias já citadas até aqui, temos também o circo de João Bernabó
circulando pela corte do Rio de Janeiro. É possível encontrar seu circo na festa da
coroação do imperador em 1841. Mais tarde, em Pernambuco, Bernabó anunciava a
apresentação de exercícios equestres, jogos chineses, pantomimas e os trabalhos
gymnasticos. Pouco se sabe sobre quem era, ou de onde veio João Bernabó, mas é
possível que ele seja integrante da família circense Bernabò83 (ZUCCHI, 1998), cujos
expoentes principais são: Paolo Bernabò, que se apresentava em Atenas no ano de 1843,
na celebração da independência grega e Antônio Bernabò que se estabeleceu na
Alemanha, e que tiveram grande circulação pela Europa nesse período.
Os anúncios de Bernabó são menos frequentes, e foram em grande parte coletados
nos jornais de Pernambuco. Apesar de ele ter se apresentado mais de uma vez na Corte
do Rio de Janeiro, pouco foi encontrado sobre sua presença. Diferentemente de Chiarini
e outros circos, é com Bernabó que o leitor dos jornais tem uma noção mais específica do
que será apresentado nos espetáculos por meio de anúncios mais detalhados. Como
podemos ver neste anúncio referente a um benefício, além da adjetivação, a descrição do
que será feito no espetáculo valoriza a performance mobilizando referências clássicas e
cria no leitor a noção do risco ao qual o artista se submete:
“Circo Olympico
1º parte
2º parte
82
Correio Mercantil, 21/10/1849, p. 4.
83
No caso da família Bernabò, acredito que se trata apenas de uma diferença na acentuação, pois ambos
são italianos. Essa família se especializou na doma de animais selvagens, segundo a pesquisadora Ilaria
Serra, 2003.
46
3º parte
4º parte
(...)
(Principará as 7 e meia)
84
Diario de Pernambuco, 08/03/1843, p. 4.
85
Diario do Rio de Janeiro, 04/08/1842, p. 4.
86
Correio Paulistano, 18/07/1859, p. 4.
47
1.3 Chegadas
87
Conhecida e anunciada também como Companhia Americana, contou com 24 artistas.
88
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 15/05/1856, p. 4.
89
Também encontrado nas fontes como Guilhaume, a trupe italiana contou com 42 artistas.
90
Diario de Minas Geraes, 11/08/1867, p. 4.
91
Um dos exemplos dessa organização para a chegada do circo se encontra no texto de Whiting Allen,
chamado “The organization of a modern circus”, publicado no jornal The Cosmopolitan em 1902.
48
p.112), foi dado o nome de “fazer a praça”. Segundo Gilmar Rocha (2012, p. 71) e Regina
Duarte (1995, p. 35), ao “fazer a praça”, o circo excursionava pelas ruas de vilas e cidades
com cavalos e palhaços, alterando a rotina delas, exibindo os artistas e animais e
colocando cartazes em locais públicos.
Para conseguir tais autorizações, os empresários do circo se utilizavam da
experiência dos espetáculos anteriores, do trajeto já percorrido e das imagens dos
anúncios como forma de divulgação de seus feitos. Podemos ver alguns exemplos dos
gastos de uma companhia circense por leis estipuladas pelas câmaras municipais.
No ano de 1834, José Chiarini apresenta à comarca de São João Del Rey um
pedido para apresentação de espetáculos, detalhando cada ato92. Em 1846, o município
de Diamantina93 não permitia que espetáculos fossem realizados sem licença da Câmara.
A Câmara de Valença94 cobrava, em 1871, a quantia de 20$000 por cada espetáculo de
circo ou cavalhadas, e 10$000 por cada apresentação de teatro. Em 1874, a Câmara
Municipal de Vassouras95 cobra por espetáculo de cavalinhos, companhias dramáticas e
outros espetáculos públicos a soma de 10$000, para expedir alvará de licença.
Em 1843, é possível ver um pouco de como era feita a divulgação inicial das
companhias com o primeiro anúncio do Circo de New-York, informando a chegada da
trupe no Brasil via Pernambuco, exibindo números equestres e ginásticos, e a expectativa
de bom recebimento por parte do público:
"CIRCO DE NEW-YORK.
92
Duarte, 2001, p.6.
93
Leis Mineiras. Resolução 295, 26/03/1846.
94
Almanak administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1871, p. 1031.
95
Almanak administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1874, p. 1064.
96
Diario de Pernambuco, 18/12/1843, p. 3.
97
Diario de Pernambuco, 19/12/1843, p. 3: “O director d'este estabelecimento, solicito em annuir a todas
as vonade do publico, tem resolvido mudar as horas dos espectaculos. Abrir-se-ha a porta as 7, e começarão
as representações todas as noutes as 8 horas em ponto. Elle respeitosamente confia, que a alteração, que
49
como voltar para suas residências. No ano de 1857, podemos ver a recepção de outra trupe
e a expectativa que ela gera, por meio dos jornais, na população local, ao exibir cartazes
portando imagens que, em alguma medida, representam o que o circo exibe:
acaba de fazer na divisão dos camarotes, satisfará completamente as conveniencias das familias, para quem
serão d'ora em diante expressamente destinados”.
98
Novo e completo indice chronologico da historia do Brasil, 1857, ed. 0001, p. 256.
99
A família Pereira, cujo patriarca é o cavaleiro português Albano Pereira, chega ao país em 1871 com o
Circo italiano Irmãos Carlo. Rapidamente, Albano adere ao Circo Chiarini e, em 1875, levanta em Porto
Alegre um luxuoso pavilhão próprio, o Circo Zoológico Universal. Costa e Sousa Junior, 2012.
100
Rocho, 2011, p.10.
101
Correio Mercantil, 02/02/1860, p. 2.
50
102
É possível ver anúncios descrevendo a localização das lojas como sendo utilizando a referência
geográfica do circo como referêcencia para o leitor.
103
Athos Damasceno, Palco, salão e picadeiro em Porto Alegre no século XIX, 1956, p. 184.
104
Correio Mercantil, 20/12/1849.
105
Gazeta de Noticias, 19/11/1878, p. 2.
51
Para reduzir os gastos com estruturas, os circos realizavam leilões no final de suas
passagens por algumas cidades, anunciados nos classificados dos jornais, e que também
estão presentes nos anúncios de espetáculos, normalmente na última semana de
apresentação do circo. Nesses leilões, ele se desfazia de muitos bens, desde a madeira
utilizada, do mobiliário, até animais. Dessa forma, o circo se mantinha novo também na
estrutura, diminuindo o prejuízo do desgaste de materiais e tentando pagar os custos da
turnê:
106
Diario do Rio de Janeiro, 08/08/1840, p. 3.
107
Para mais informações, consultar o livro “Circos e palhaços no Rio de Janeiro: Império de Daniel de
Carvalho Lopes e Erminia Silva”, Grupo Off-Sina, 2015.
108
O Diario do Maranhão, 25/08/1856, p. 3.
52
o qual promete, e jura pela maromba, não só dansar a corda com uma
perfeição igual, senão superior, aos mais abalisados artistas que até hoje
tem apparecido no velho e novo mundo, como tambem sobre a mesma
corda fazer as estupendas sortes, e equilibrios, que jamais podem ser feitas
senão por aquelles, que conhece a nigromancia, professam como elle no
mais elevado grau a arte sabalistica
“CIRCO DA GUARDA-VELHA
Sr. redactor.- Pela primeira vez que lançamos mão da penna para
escrevermos para o publico, sentimos um enlevado e doce prazer em
estrearmos o de elogiar pessoas que bem o merecem.
Esta companhia que se acha n'um bello local, e que está construida solida
e elegantissimamente com gaz, etc., torna-se ainda mais recommendavel
pelo gosto e riqueza com que está decorada a tribuna destinada a SS. MM.
II.
109
Também anunciado como Luand.
110
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 30/08/1856, p. 4.
111
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 08/09/1856, p. 3.
112
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 23/01/1862, p. 4.
113
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 29/05/1856, p. 4.
53
“Circo olympico
114
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 06/09/1856, p. 4.
115
Correio Paulistano, 28/09/1862, p. 3.
116
Correio Paulistano, 06/09/1862, p. 3.
54
1.4 Anúncios
Os anúncios em jornais foram uma das estratégias de divulgação da chegada do
circo e de suas temporadas nas cidades e vilas, noticiando os espetáculos para uma elite
culta e alfabetizada. Peter Burke (1989, p.207) afirma que as novas formas de
entretenimentos populares no século XIX utilizaram cada vez mais os jornais para
informar o público o que seria apresentado.
Como vimos até aqui, Southby, Chiarini, Bernabó e outros circenses são
expoentes de uma primeira corrente de circulação de circos estruturados no Brasil. É
possível identificar em seus anúncios que os exercícios ginásticos estavam presentes junto
das pantomimas e dos exercícios equestres, sendo apresentada uma gama exuberante de
números com essas características. O circo ainda estava se estabelecendo em terras
brasileiras e no imaginário de seus habitantes, a constante descrição dos números e
adjetivação das práticas realizadas parecem ser uma das ferramentas de divulgação do
espetáculo, despertando a curiosidade dos habitantes (SILVA, 2007).
Algumas dessas adjetivações permanecerão por todo o século XIX. O espetáculo
comumente será anunciado como “grandioso”, “majestoso”, “incrível” e
“extraordinário”. No início do século XX, dadas as proporções alcançadas principalmente
pelos circos norte-americanos, apoiados em grandes empresários, será frequente a
utilização da expressão “O maior espetáculo da Terra”, devido ao tamanho das lonas e ao
número de espectadores por espetáculo.
Ao que tudo indica, antes mesmo da chegada da companhia circense, no processo
de “fazer a praça”, empresários e secretários circenses faziam contato com jornais,
disponibilizando textos prontos que contavam os possíveis trajetos percorridos pelos
circos e seus momentos de glória e algumas litografias e xilogravuras com represetanções
do que seria exibido (COSTA FERREIRA, 1994; LOPES e SILVA, 2015). A intenção
desses anúncios era atrair o público para o novo empreendimento, que é o circo,
fomentando a imaginação dos moradores das localidades visitadas. Talvez, por isso, os
anúncios da década de 1840 sejam mais longos do que os de 1880.
Os anúncios, além da função principal de divulgação, criam também uma espécie
de problema para os circos, pois, ao mesmo tempo em que eles informam de que se trata
cada companhia, apresentando informações sobre trajetos percorridos, sobre artistas e
animais, eles também mobilizam na população e na imprensa todo um conjunto de signos
que geram expectativas.
58
Podemos ver, por exemplo, em texto extraído do jornal Pedro II, uma das diversas
formas de divulgação do circo e essa consequente expectativa gerada no público:
Varios quadros dos diversos trabalhos que fazem hão sido expostos em
alguns lugares e de feito se o que está desenhado é realmente executado,
causa admiração, e o publico ancioso aguarda o dia da prova que será breve
para formar seu juizo sobre o merecimento ou não merecimento da
companhia.”117
117
Pedro II, 1862, p. 3.
118
Mais informações em: Mariza Vieira da Silva. Historia da alfabetização no Brasil: a constitutição de
sentidos e do sujeito da escolarização, 1998.
59
Com o passar dos anos e com a evolução das máquinas e dos métodos de
impressão, são acrescentadas novas caligrafias e imagens, segundo o pesquisador Orlando
da Costa Ferreira (1994, p.147). Para esse autor, os xilógrafos do período teriam que:
119
Costa Ferreira. Imagem e letra: Introdução à bibliologia brasileira: A imagem gravada. EdUSP, 1994, p.
147.
120
Nesse caso, os setores se constituem de: camarote, cadeiras e geral, podendo ser adquiridos camarotes
com até oito cadeiras que deveriam ser levadas pelo comprador.
60
“CIRCO AMERICANO
121
Diario de Pernambuco, 31/10/1843, p. 2.
122
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 04/06/1863, p. 4.
123
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 26/07/1848, p. 4.
124
Exemplo disso pode visto nos anúncios do Circo Olimpico no jornal Diario do Rio de Janeiro no ano de
1841.
125
Correio Mercantil, 05/09/1843, p. 3
126
Correio Mercantil, 27/09/1843, p. 3.
127
O Diario Novo, 07/03/1843, p. 3.
61
A Arena está aberta para o publico pelas duas primeiras noites do dia 31
do corrente e 1º de Novembro”.128
“O Circo é hoje, entre nós, uma bella distracção popular. Ahi se reunem,
não só a alta como a media sociedade, alli se representão, não só as scenas
idoneas como as historicas; os fastos guerrieros, como as scenas mimicas,
quer soe a mosquetaria do militar em campanha, quer embalsame o ar o
ramalhete odirifero do jardineiro amoroso”129
128
Diario de Pernambuco, 31/10/1843, p. 2.
129
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 14/08/1856, p. 2.
62
Também nessa década, podemos rastrear uma espécie de diálogo entre o público
e o circo de forma mais consistente nos jornais, fazendo pedidos de números, reclamando
dos preços e assumindo posicionamentos contra e a favor dos posiocionamentos políticos
expressos nos espetáculos:
(...)
O Saltimbanco independente”130
Foi com os anúncios dessa década que o circo fez circular com maior frequência
algumas imagens que o marcaram durante o século XIX. O corpo humano e o cavalo
foram dois signos identitários representados pelas companhias circenses. Apresentados
em conjuntos na forma da ilustração denominada para esta pesquisa de “O cavaleiro de
pé sobre o cavalo”, estiveram presentes nos anúncios por quase todo o século.
No corpo da folha dos impressos com diferentes tipografias, a repetição dessa
ilustração pode ser percebida como uma estratégia de identificação rápida dos anúncios
circenses por parte dos leitores. Outros anúncios de diferentes produtos e formas de
entretenimento também utilizavam dessa mesma estratégia de divulgação, o que, às vezes,
ocasionava uma poluição visual nas folhas dos jornais.
130
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 14/03/1856, p. 2.
63
Podemos ver a seguir anúncios extraídos do jornal Correio Mercantil131 com essa
ilustração e que correspondem a mais da metade das ocorrências referentes a anúncios
circenses identificados no banco de dados. Existem algumas variações desse desenho no
Brasil, primeiro quanto à técnica de impressão; segundo quanto aos personagens. O
cavaleiro, por vezes, foi substituído por uma amazona, tendo em vista a grande
participação feminina nos espetáculos e também por crianças, outro filão nas
apresentações circenses. Esses personagens assumiam papel de destaque também na parte
escrita dos anúncios, com nomes dos artistas em negrito, letras com fontes maiores e até
escritas mais rebuscadas:
131
À direita Correio Mercantil, 17/12/1857 e a esquerda Correio Mercantil 11/11/1861.
64
Outro fato importante é que são encontradas figuras similares a do circo de Astley
em cartazes do circo de Charles Hughes132 e em locais como Estados Unidos133, criando
uma espécie de padronização. Os desenhos representando Andrew Ducrow na década de
1840134 também parecem ter inspirado diversas companhias circenses em seus anúncios.
Nessas ilustrações, o ponto de vista dos espectadores está representado também.
O circo, com seu picadeiro circular, permite que os números sejam visualizados por
diversos ângulos, dando destaque para o plano lateral, no qual o movimento ganha ainda
mais atenção. Talvez, por isso, grande parte das ilustrações dos anúncios se utilizem desse
plano de desenho, pois, assim, cavalo e corpo humano ganham destaque nos movimentos
representados, chamando os olhos do leitor para detalhes do movimento, tais como o
equilíbrio, o salto e a força.
132
Ver em: http://www.vam.ac.uk/users/node/8379
133
Para ver outras imagens parecidas ver o caso de John Bill Rickets, artista equestre de sucesso nos Estados
Unidos.
134
Ver o desenho de W. Cocking, publicado pela M & M Skelt, chamado "The vicissitude of a Tar, Plate 6
- Mr Ducrow". Museu A. Hippisley Coxe. Coleção 1-5.
65
FIGURA 6: Mr Ducrow
Fonte: M & M Skelt, The vicissitude of a Tar, Plate 6 - Mr Ducrow". Museu A.
Hippisley Coxe. Coleção 1-5
Nas décadas seguintes, os anúncios utilizam cada vez imagens mais trabalhadas,
e caligrafias maiores para destacar o nome do circo e de artistas específicos que são
contratados por temporadas. Encontramos, por exemplo, Azi-Cherriff135, do Barnum
American Museum, se apresentando no Circo Olímpico do Rio de Janeiro; Clemencia136
Williams, artista inglesa, que é contratada pela família Fouraux; Rosinha137 e Isabelinha,
artistas com sete anos de idade, que recebem vários benefícios durante a década de 1850;
além de Carlos Fluminense, artista brasileiro já referido neste capítulo.
Os anúncios pós-1840/1850 ocupam mais espaço nas folhas dos jornais, mas
trazem uma quantidade menor de informação textual. Se por um lado a “identidade
visual” dos anúncios circenses muda, algumas características permanecem, como a
utilização das imagens de cavalos e do corpo humano e a classificação das companhias
como “gymnasticas e equestres”, práticas ainda muito presentes nos circos.
135
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 06/02/1858, p. 4.
136
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 24/06/1852, p. 4.
137
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 25/07/1856, p. 4.
67
É possível encontrar um anúncio por dia nos jornais de maior circulação do final
de 1850, e quase dois anúncios de circos diferentes por dia no final de 1860. Nem sempre
os anúncios traziam todo o programa das companhias, e isso, como podemos ver na
descrição do cronista “um fazendeiro na corte”, no texto “A companhia Chiarini”, era
uma omissão intencional. Realizando um duplo jogo entre escolher o que divulgar para
atrair o público e ao mesmo tempo não criar expectativas exageradas, o circo utilizava
diversas estratégias:
O circo não utilizou apenas a sessão de anúncios para divulgação de seus números.
Podemos encontrar notícias e críticas com um tom exagerademente promotório de certas
companhias e espaços circenses. Essas outras formas textuais foram escritas por grupos
e artistas ligados às companhias. Tinham como intenção a construção de uma imagem
que afastasse a ideia de bagunça e desordem noticiadas por vezes nas primeiras páginas
dos impressos. Assim, o circo esteve presente em diversas sessões de um mesmo jornal,
por vezes até de forma contraditória, em que notícias de tragédias em apresentações
dividiam espaços com críticas positivas sobre esses mesmos números.
As estratégias de divulgação eram tão diversas que o próprio espetáculo circense
servia como divulgação para a companhia, não apenas pela boa execução dos números e
capacidade técnica dos artistas. Empresários e artistas, além da diversidade de números
apresentados, deixavam também algumas “deixas” para o próximo dia de apresentação.
Ao trabalhar com os anúncios, o pesquisador pode ser levado ao erro de que neles consta
a descrição ou pelo menos a informação do que será exibido nas noites de funções.
Como foi visto até aqui, a construção de um anúncio possuía diversas intenções,
e não seria diferente com a construção do espetáculo em si. As habilidades de diferentes
artistas foram o carro-chefe das companhias. Eles escolhiam o que mostrar e ocultar do
espectador nas noites de funções, despertando a curiosidade do público:
“Não ha povo que mais uso faça dos annuncios e melhores resultados tire
d'ells, do que o norte-americano. Alli tudo serve para annunciar e tudo é
annunciado. Ainda ha pouco deu-se em um cidade da America o seguinte
facto:
Este facto foi objecto de todas as conversações durante tres dias; mas ao
fim d'este, a empreza do circo annuncio que o artista ja havia aparecido e
que n'essa mesma noite um clown descreveria a viagem que elle fizera,
como se havia se safado, etc.,etc.
138
Jornal do Commercio, 03/08/1871, p. 1.
69
Foi isto o bastante para o publico, n'essa e nas noites subsequentes encher
literalmente o vasto circo e applaudir o engraçado clown na sua descripção
phantastica.”139
139
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 01/07/1866, p. 2.
70
o circo na Corte brasileira não foi apenas um entretenimento pago em que o corpo, os
desafios e suas possibilidades foram matéria-prima para o espetáculo - e que competiu
com outras formas de entretenimento: teatro, feiras, festivais. O circo foi local de
disseminação de conhecimentos, possibilitando que diversos sujeitos e classes sociais
estabelecessem relações com os circenses, extrapolando a mera assistência.
Pensar as atividades circenses como uma rica produção cultural significou,
durante algum tempo, refletir sobre os espetáculos apresentados no diálogo com teatro e
no processo de formação de artistas nacionais. Os circos e respectivamente os circenses
tiveram seus saberes em grande maioria pesquisados pela ótica da cultura oral (SILVA
1996, BORTOLETO, 2008), em que no fazer cotidiano o conhecimento era passado dos
integrantes mais velhos, ou experientes, para os recém-chegados ao picadeiro.
No entanto, esse tipo de análise reduz a lógica do conhecimento apenas à ideia da
oralidade e da tradição familiar, dispensando, ou relevando, outras formas de trato com o
saber elaborado pelos circenses. Como veremos aqui, não elimino a importância desse
tipo de análise, mas, para além dela mesma, o circo trabalhou com distintas formas de
lidar com o conhecimento (MELO e PERES, 2014), inclusive dialogando de alguma
forma com o discurso escrito.
Se o circo é entendido como um objeto nômade, é preciso chamar a atenção para
o fato de que, internamente a sua organização, ele também passou por transformações à
medida que os trajetos eram percorridos. Por meio das relações que o circo propiciou nos
locais em que se estabeleceu por mais tempo nas turnês, é possível perceber a mobilização
de sujeitos de diferentes classes sociais e a consequente elaboração e apropriação dos
conhecimentos disponíveis no picadeiro, atendendo assim a uma variedade de interesses.
Nos circos do século XIX, cenas e atores brasileiros e estrangeiros conviveram
entre si constantemente, associando números e práticas diversas - empresários ofereciam
o espaço do picadeiro para outras ações, reafirmando o caráter internacionalista, múltiplo
e inclusivo que o circo possuiu nesse século. Ele ocupou o imaginário social servindo por
vezes de representação para diferentes fatos do cotidiano, ora sendo ele mesmo um
elemento cotidiano, ora sendo uma metáfora para questões sociais.
O circo soube se integrar à cultura brasileira, manifestando uma cultura híbrida,
no sentido de mesclar elementos tidos como modernos, cultos e populares nos picadeiros,
demonstrando não uma oposição, mas um convívio em tensão permanente dentro dos
picadeiros (CANCLINI, 1997).
72
“Terceiro
Essa bricolagem que o circo apresenta não esteve livre de tensionamentos sociais.
Após os espetáculos, pode ser localizada nas primeiras páginas dos jornais uma série de
questionamentos sobre o espaço de algumas práticas dentro dos picadeiros. Diferentes
indivíduos escreveram questionando a finalidade da utilização de símbolos sociais ou o
que consideraram uma má utilização associada ao circo:
140
Diario de Pernambuco, 13/11/1843, p. 3.
74
quanto moleque póde entrar no circo, passando por baixo das taboas, é
incompreensivel.”141
Para entender o que foi a ginástica que o circo exibiu no Brasil, é imprescindível
mencionar cavalos, doma e a Alta Escola de equitação. Essas duas práticas estiveram nos
picadeiros exibindo a ideia de um corpo humano que tem domínio do seu ambiente, seja
no controle dos animais, seja no controle preciso dos movimentos em saltos arriscados,
equilíbrios em grande altura e exibições de força.
Existiu uma profusão de discursos que percebiam no controle da vontade do
domador os meios para adestrar cavalos e feras, um discurso em certa medida similar ao
proferido por educadores ao se referirem ao controle das vontades visando ao controle
dos vícios e à utilização racional da vitalidade humana.
Os discursos sobre a ginástica estiveram presentes também no circo, como
veremos mais à frente neste capítulo. Ao longo do século XIX, a ginástica foi
compreendida como uma síntese do pensamento científico voltado para o corpo
(SOARES, 2001), fazendo parte dos códigos de civilidade pretendidos pelo Ocidente
Europeu. Por meio da ginástica, o corpo foi visto como máquina a ser manipulada
segundo as leis da anatomia, termodinâmica e fisiologia, e se tornou um dos meios de
promoção de uma educação moral (SANT’ANNA, 2001).
A educação pelo gesto, proporcionada pela ginástica nas instituições médicas e
escolares, visava ao combate à degenerescência física e moral. Os exercícios ginásticos
objetivavam dentro dessas instituições a ideia de educação do corpo. A ginástica científica
se apresentou também, no século XIX, como contraponto à utilização do corpo como
objeto de entretenimento, que o associava à festa e ao descontrole (SOARES, 1998).
Coube ao circo apresentar uma ginástica que carregava conhecimentos elaborados
sobre o corpo pela ótica da cultura tradicional e que mobilizaram em alguma medida a
discussão intelectual no campo da educação no Brasil. Dentro dos picadeiros, toda uma
gestualidade que não visava à eficiência do gesto e à correção dos desvios do corpo fora
apresentada, estabelecendo diálogos e tensões sobre a finalidade do gesto. Se para os
métodos ginásticos a eficiência estava ligada à precisão de cada movimento executado,
no circo essa eficiência esteve associada ao sucesso da exibição perante o risco que um
erro poderia ocasionar e a possibilidade de criação de novos e cada vez mais difíceis
exercícios.
141
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 15/08/1852, p. 1.
75
O circo não foi o único protagonista das discussões sobre a ginástica e equitação,
nem foi a instituição mais privilegiada. Devido à circulação que ele possui no período e
ao trânsito de sujeitos, é possível pensar que o circo, ao se estabelecer em diferentes
contextos sociais, se afirmou não apenas como entretenimento, mas também como uma
instituição detentora de conhecimentos próprios. Diferentes organizações sociais
reconheceram inicialmente a validade dos conhecimentos circenses em terras brasileiras,
sendo inclusive solicitados para participar e atuar em alguma medida no campo
educacional.
peças com temáticas inspiradas nas batalhas do Período Napoleônico, como a Batalha de
Alma, ou Waterloo (BOLOGNESI, 2009).
A sintonia entre cavaleiro e cavalo, demonstrada no apuro e sobriedade dos
exercícios, era exemplo de harmonia e controle do corpo humano (AUGET, 1974). O
contraste entre a irracionalidade dos animais selvagens e a doma bem-sucedida era
constantemente enfatizada. Na forma da montaria, do salto de obstáculos, nos volteios e
nos passos ritmados do cavalo eram demonstradas provas de que o objetivo da educação
corporal que incidia sobre o controle das vontades humanas ajudara o homem a dominar
a natureza de forma racional. Cavalos ariscos eram domados e tornados produtivos, feras,
as mais diversas, estavam sob o domínio da racionalidade de seus domadores, a razão
parecia conquistar a natureza selvagem e fora de controle presente em animais e seres
humanos.
Em um período em que a burguesia europeia substituía gradativamente a
aristocracia, o cavalo assumiu o papel de símbolo e objeto de apreciação, sendo a ele
atribuídas qualidades que o individualizassem perante a raça e a outros animais.
Associadas a essa valorização afetiva dos animais por parte de alguns grupos sociais,
demonstrada pelo historiador Keith Thomas (1998), estarão questões humanistas
relacionadas à retomada e valorização de textos do Antigo Testamento, que reforçam o
conceito de que toda criatura reflete a glória divina, demandando assim melhores
tratamentos.
Foi ao longo do século XIX que os primeiros textos legais relacionados ao
tratamento adequado de animais ditos “de estimação” foram elaborados. Muitas
metodologias de adestramento associadas a algum estilo de equitação foram
desenvolvidas e aperfeiçoadas, por meio das escolas de equitação europeias, e que
tornaram os processos de doma menos penosos e mais rápidos.
Dessa forma, o domínio do animal e do corpo humano ganham cada vez mais
visibilidade e devotos. A recusa da desordem e a apropriação dos símbolos aristocráticos
por parte de uma burguesia em ascenção deu origem a uma nova escola metodológica de
equitação: a Alta Escola. Ela foi um dos elementos – entre vários – de incorporação de
símbolos elitizados nos circos. Nesse caso, a burguesia disseminou os valores da
equitação transformando essa ação em espetáculo dirigido a um público pagante. Segundo
Auguet (1974), a Alta Escola foi também a expressão da cumplicidade entre a aristocracia
e a burguesia, representando uma espécie de síntese da Restauração na consolidação do
Estado Nacional europeu, que ainda dependia do Imperador.
77
“Cavallos ensinados
Ali, cavallo arabe de alta escola; Sultão, cavallo arabe que apanha e conduz
objectos; Jeny, cavallo inglez ensinado n'alta escola mutua; Ponk, cavalo
pulador e valsador; alem d'estes, 14 cavallos de manejo.”142
142
O Correio da Tarde, 10/11/1849, p. 4.
143
Outras informações sobre a utilização de cavalos na sociedade brasileira, consultar Caio Prado Jr.
(1981, p. 138).
78
Um cavallo que sobe e desce uma escada; que ensina como se sobe ao
poleiro, e que desce do poleiro muito honradamente e sem jámais perder o
equilibrio.”144
Nem sempre, porém, os artistas circenses e animais foram bem recebidos pelos
jornalistas e intelectuais do período. No Brasil, por diversas vezes, ocorreu um conflito
entre esses sujeitos devido ao choque constante de culturas. Circenses recebiam críticas
referentes ao adestramento e porte dos animais apresentados e ao corpo que diferia do
ideal estético da sociedade brasileira. Mesmo com críticas negativas em alguns jornais,
os cavalinhos parecem ter sido constantatemente sucesso de público, o que de certa forma
144
Revista Popular, 1862, p.128. Ed. 015.
79
Talvez, devido aos diferentes valores atribuídos tanto ao corpo humano, quanto
ao uso dos animais, o circo precisou se adaptar ao público brasileiro se apropriando de
elementos simbólicos locais. Como podemos perceber a seguir, a companhia de José
Chiarini, mesmo após ter obtido sucesso em seus espetáculos, não foi poupada de críticas
e comparações. O circo viveu nos jornais o dilema da identidade que seu corpo expressa:
algumas vezes considerado ágil, forte e preparado para as intempéries das turnês, ele
também foi tido como fraco, desequilibrado e, portanto, um exemplo a ser rechaçado.
145
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 13/01/1868, p. 2.
146
Jornal do Commercio, 14/05/1839, p. 2.
80
Eu, que não sou parente delle, tive impetos de entrar e dizer aos musicos:
-Ó filhos de Apollo, tocai antes o Orpheo: côr local! côr local! Weber só
compoz para os deuses!
147
Semana Ilustrada, 26/05/1867, p. 2.
81
O methodo foi experimentado em uma egua russa de oito para nove annos
de idade, que se conseguira introduzir no circo amadrinhada, e que era tão
completamente bravia que não tolerava sem espantar-se e fugir a presença
de um homem a dez passo de distancia, achando-se mesmo encurralada no
circo, e que por tres vezes, desesperada, levou diante de si a trincheira de
taboas que lhe impedia a sahida.
148
Revista Popular, 1862, ed016, p.130.
82
Essa doma, associada a uma forma de equitação, que visava também à elegância
do cavalo e à montaria, demonstrada pelo circo, inspirou em terras brasileiras a aplicação
de métodos diferenciados de trato do animal. Como é possível ver, o triunfo da vontade
do homem, manifestado pela racionalidade, foi um dos discursos não apenas da educação
formal, ele esteve presente em outros processos de aprendizagem.
A doma, a apresentação de cavalos “em pello”, ou em sua forma acrobática, as
feras selvagens, que o circo apresenta para o público, expressam atributos humanos
referentes a uma nova mentalidade que está se formando no século XIX:
“setimo
149
Semana Ilustrada, 19/01/1862, p. 2.
150
O Auxiliador da Industria Nacional, 1856, ed. 0005, p. 276.
151
Diario do Rio de Janeiro, 22/03/1845, p. 5.
83
fará um passeio comico com uma peça d'artilheira carregada, que dará fogo
em cima dos hombros d'elle”152
Essa mentalidade dizia em grande medida que o homem, ao refutar seus vestígios
selvagens ou animalescos, assumiria cada vez mais o controle de seu destino. Não se trata
aqui de apagar os impulsos naturais, tidos como irracionais, mas dominá-los por meio de
um acervo gestual e controle comportamental consciente. O circense expressa e simboliza
em seus números equestres uma espécie de domínio sobre o mundo natural, colocando a
seus pés e ao seu comando cavalos por vezes sem nenhum equipamento de controle, e
fazendo-os executar complicadas e refinadas ações. No circo de cavalinhos, o controle da
vontade humana, apregoada pela ginástica metodizada, parece encontrar fortes
argumentos para sua inserção nos meios escolares.
A doma de outros animais, como ursos, tigres e leões, também foi exibida nos
circos. Vistos com frequência em circos na Europa, pouco foram apresentados no Brasil
no século XIX, um dos maiores exemplos se encontra no capítulo 1, com a utilização de
um elefante pela trupe de José Chiarini associado a E. G. Mead. Esse tipo de apresentação
exigiu um alto investimento: o transporte dessas feras inspirava ainda mais cuidados do
que os cavalos. Em alguns casos, a apresentação de animais desse tipo, que não foram
completamente domados, gerava riscos e tragédias, no caso brasileiro, esse tipo de
número circense não obteve grande sucesso.
Os exercícios com e sobre os cavalos, misturados às acrobacias, atraíam a atenção
do público. O cavalo era ao mesmo tempo personagem e palco nos picadeiros, lugar onde
eram contadas histórias como a “mui interessante mimica scena do marinheiro em
naufrágio apresentada por Bernabó a cavalo”153, “A fuga dos dous mandarins - Sobre um
cavallo a galope, (...), onde mereceu inumeros applausos pelos Srs. B Fouraux e
Varin.”154, a "Grã Posta Real de S. Petersburgo execução do beneficiado, que pela
primeira vez correrá em sete cavallos em pello, cousa nova nesta capital.”155, a “Visita do
rei Congo, e de sua preta consorte, para alugarem cavallos no circo pelo Srs. Stwart,
Alexandre, e beneficiado.”156 .
Associados aos exercícios da Alta Escola estavam também os cavaleiros
acrobatas. A equitação, que priorizava os saltos do cavalo e a apresentação de evoluções
152
Diario de Pernambuco, 18/11/1843, p. 2.
153
Diario de Pernambuco, 23/02/1843, p. 3.
154
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 18/03/1852, p. 4.
155
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 03/01/1850, p. 4.
156
O Mercantil, 19/11/1845, p. 3.
84
das marchas, agregou o corpo do acrobata em exibições, tais como “volteios aerios sobre
um cavallo em pello, pulando barreiras junto ao cavalo”157, “o difficultoso pulo dos
pannos”158, “Differentes exercicios em liberdade pelo cavallo arabe Acbart”159, “A joven
theresinha, (...), sobre o seu cavallo Lafaiete, fará um lindo e variado trabalho, terminando
pelo pulo dos dous arcos forrados de papel”160.
A destreza corporal e a perícia na condução eram fatores importantes nesses
exercícios que eram considerados por vezes atléticos ou alcidicos161, chegando inclusive
a serem denominados de ginástico-equestres.
“No Circo Olympico, Pedro Miller e Natale Guillaume, ambos sobre dous
cavallos em pello, executarão os exercicios alcidicos por baixo de uma
chuva impertinente - Miller, com um pé sobre cada cavallo, governando-
os com uma das mãos, e deixando-os correr a trote, faz com o jovem
Guillaume algumas posições academicas, este com a graça que tem,
aquelle com a firmeza e perfeição com que sempre trabalha”162
157
Diario de Pernambuco, 23/02/1843, p. 3.
158
Diario de Pernambuco, 23/02/1843, p. 3.
159
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 18/03/1852, p. 4.
160
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 30/08/1856, p. 4.
161
Termo referente ao nome original de Hercules, Alcides.
162
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 11/11/1849 , p. 3.
85
A forma de execução dos exercícios, a atitude dos artistas, com sua aparente
facilidade serviram como forma de exemplificar um conjunto de situações que discorriam
o cotidiano brasileiro. Assim, o circo dialogava com as sensibilidades estabelecidas no
cenário brasileiro do século XIX, apropriando-se das questões sociais ou por elas sendo
apropriado, estabelecendo sentidos diversos e imprevistos para as práticas realizadas no
picadeiro. Associados à ginástica, como veremos a seguir, os cavalos ofereceram aos
circos um vasto acervo de números que mantiveram o sucesso das turnês no Brasil.
163
Almanak administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1882, p. 314.
86
164
Mais informações, ver o caso do método sueco, Moreno, 2015.
87
(...) quando o corpo sobe à cena para dizer, contraditoriamente, que ele está
costumeiramente esquecido. O corpo deixa de lado a roupa cotidiana que
o esconde para apresentar sua grandeza, no caso do acrobata, e sua
deformidade, no caso do palhaço. Espetacurlamente, o corpo se desnuda
para revelar, a partir de pólos opostos, toda sua potencialidade
(BOLOGNESI, 2003, p.159).
Fundado em 1837, no Rio de Janeiro, essa escola tinha como objetivo oferecer aos
filhos da sociedade imperial um ensino secundário qualificado, introduzindo a prática da
ginástica165 dentro de seu currículo. O primeiro professor de ginástica do colégio Pedro
II foi Guilherme Luiz de Taube, sueco, que tinha experiência com o ensino da ginástica
em ambientes escolares nos Estados Unidos, contratado em 1841 pelo então reitor
Joaquim Caetano da Silva.
A ginástica nesse colégio foi justificada por Taube como parte importante da
educação nos liceus europeus, que deveria ser acompanhada também pelos liceus
brasileiros, e pelo seu aspecto higiênico, enquanto para Joaquim Caetano ela representaria
um conforto para os alunos (CUNHA JUNIOR, 2004).
Taube também tentou fundar um instituto de ginástica financiado pelo Estado
Brasileiro aos moldes europeus. Podemos encontrar um pouco de sua visão acerca da
importância da ginástica no relatório da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, de
1832, escrito pelo Dr. Luiz Vicent De-Simoni:
165
Mais informações sobre a ginástica no colégio Pedro Segundo ver Cunha Junior: Os exercicios
gymnasticos no Imperial Collegio de Pedro Segundo (1841-1870), 2003.
166
Relatorio sobre huma memoria do Sr. Guilherme Luiz Taube acerca dos effeitos physicos e moraes dos
exercicios gymnasticos lido na sociedade de medicina do Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 1832, pelo Dr.
Luiz Vicent De-Simoui, Membro Titular e Secretario Perpetuo da dita Sociedade, etc. Rio De Janeiro, 1832,
p. 4-5.
167
Ex-militar do exército espanhol.
168
Solicitação de Frederico Hoppe, 11/9/1846. Biblioteca Nacional, seção manuscritos, pasta “C 272-6:
ICP – ginástica: aulas de”.
90
Isto, é claro, não quer dizer que o nosso propósito seja inaugurar um
forçado sistema de proceder para com os alunos, como se nos
propuséssemos a convertê-los em ginastas de profissão ou desenvolver
neles especialmente a vocação militar. Convém, até, evitar o abuso dos
aparelhos, muitos dos quais, estão absolutamente condenados pela higiene.
Não pretendemos formar acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na
169
Relatório do Instituto dos Surdos-Mudos. Correio Official, Goyaz, 19/07/1878, p. 2-4.
170
A Patria, 20/11/1856, p. 2.
91
171
Jornal do Commercio, 05/03/1839, p. 4.
92
ingleses (LAMESA, 2006; GOODMAN, 1990) e suecos (KRAFT, 1961), que, durante a
primeira metade do século XIX, na Europa, existiu uma profusão de saberes que tinham
o corpo como objeto central de disputa. Essa polissemia de atividades também esteve
presente no Brasil na primeira metade do século XIX, e o circo pode ser considerado um
dos lugares em que a ginástica demonstrou sua exuberância.
Se, no caso dos métodos, o corpo deveria alcançar a simetria com a realização de
movimentos esquadrinhados pela lógica da ciência e racionalidade, associando ideias de
higiene corporal, moral e identidade nacional, a ginástica que o circo expressou visava
não ao oposto, mas a uma espécie de complementariedade, ou ao diálogo.
172
Revista Commerical, 19/09/1872, p. 2.
173
Gazeta de Noticias, 24/08/1875, p. 2.
93
FIGURA 11 – O equilibrista
Fonte: A Semana Illustrada 28/12/1862, p. 5.
Se nos estudos que têm como objeto os métodos ginásticos na Europa, fica em
alguma medida evidente que os circenses e uma suposta cultura popular, mesmo que
indiretamente, exerceram influência sobre a elaboração dos exercícios ginásticos. No
Brasil, pouco ainda tem sido feito para entender em que grau outros discursos sobre o
corpo e a ginástica estiveram presentes.
Edvaldo Góis Junior (2014) afirma que essa negação ou apagamento das práticas
circenses podem estar associadas à necessidade de atrelar os discursos da ciência, da
medicina, a uma ginástica caracterizada de forma mais racional. Essa negação incluiu
outras práticas que se vinculavam às artes e que mobilizavam outras questões que não
estavam nos planos da construção de um ser-humano equilibrado e racional, capaz de
superar os vícios e prolongar a vida.
A presença dos circos na sociedade brasileira do século XIX foi, segundo Cleber
Dias (2014), um dos mecanismos para a difusão de novos saberes corporais. Mesmo que
94
para a ginástica racional o circo se apresentasse como o seu oposto, ele contribuiu para
criar no coletivo social uma imagem do corpo humano capaz de realizar as mais diversas
façanhas. Essas duas ginásticas – do circo e dos métodos – não podem ser entendidas
como uma simples oposição binária. Mesmo que suas intenções para o corpo fossem
diferentes, elas se complementavam.
Os circos se apresentavam para um público diversificado. A ginástica contou com
a assistência da família imperial, principalmente com a presença do Imperador Dom
Pedro II nos espetáculos realizados na Corte. Em 1849, por exemplo, Louis Guillaume
realizou espetáculo circense como beneficio para a “celebração do augusto nome de
S.M.I.”174, também “em solemnidade ao anniversário natalicio de S. M. o Imperador o
Sr. D. Pedro II”175; João Bernabó em seus anúncios diz ter “a honra de trabalhar perante
S. M o I. D. Pedro Segundo e as Augustas princesas”176, Dom Pedro I, seu antecessor,
fora também diversas vezes representado nos circos com a peça “O imortal D. Pedro no
cerco do Porto”177, que exaltava seus feitos nas linhas de frente, tendo destaque para os
exercícios militares, e que apresentou a ginástica na parte intitulada “Os trabalhos nas
linhas do Porto”.
Entre seus espectadores estavam também os alunos dos liceus. Nesse caso, pouco
ainda se sabe sobre as impressões causadas nesse grupo, que realizava exercícios
ginásticos com o viés médico-militar e que ao mesmo tempo assistia aos espetáculos que
apresentavam uma ginástica lúdica e festiva (DIAS, 2014).
Existem exemplos norte-americanos que demonstram que os circos em alguns
momentos se abriam como uma espécie de museu natural vivo, apresentando animais
silvestres e outros elementos coletados ao longo das turnês178, adquirindo assim um
aspecto educacional que facilitava sua aceitação social. O que foi encontrado nas fontes
aqui identificadas é que a presença desses alunos nos circos nem sempre foi vista com
bons olhos:
174
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 20/10/1849, p. 4.
175
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 02/12/1849, p. 4.
176
Diario de Pernambuco, 03/02/1843, p. 4.
177
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 25/06/1852, p. 4.
178
Sobre esse tipo de ação por parte de empresários circenses, consultar texto em anexo.
95
179
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 29/03/1855, p. 1.
180
Diário de São Paulo, 15/07/1866, p. 4.
181
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 07/08/1859, p. 4.
182
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 31/07/1859, p. 4.
183
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 07/07/1859, p. 4.
96
“SEGUNDA PARTE
setimo
Não sei. Foi talvez um palpite, e palpite bom, por quanto os que o tiveram
não perderem seu tempo.
Ver e crêr.”191
184
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 04/03/1852, p. 4.
185
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 11/03/1852, p. 4.
186
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 23/05/1852, p. 4.
187
Diario de Pernambuco, 14/02/1843, p. 4.
188
Diario de Pernambuco, 15/03/1843, p. 4.
189
Diario de Pernambuco, 11/11/1843, p. 4.
190
Diario de Pernambuco, 31/10/1843, p. 2.
191
Semana Ilustrada, 12/01/1862, p. 2
97
Devido à altura dos trapézios, as distâncias dos saltos nos trampolins e as formas
de apoio do artista, os números aéreos possuem inúmeros riscos. Pode-se encontrar nos
jornais notícias de acidentes graves relacionados a esse aparelho no século XIX. Cabe
destacar que, no caso do trapézio a associação com o termo gymnastica, gerava um
conjunto de sensações nos jornais que ora apresentavam espanto e maravilhamento, ora
ressaltavam os perigos dessa prática.
Se, no caso da equitação, o termo Alta Escola era constantemente utilizado para
se referir a uma forma estilística de adestramento e manejo do cavalo, no caso da ginástica
que o circo exibiu, outro termo será conclamado, a Alta Ginástica, talvez vinculado ao
termo francês haute gymnastique.
192
Correio Paulistano, 22/10/1863, p. 2.
99
Essa ginástica era vista nos trapézios com o “Duplo americano, trabalho de alta
gymnastica executado pelo joven André e a menina Linda Flôr”193, “Triplo Trapezio,
trabalhos de alta gymnastica, forças e cambios perigosos”194. Ela possuía um viés
acrobático. Os artistas realizavam diferentes saltos sendo arremessados ou pegos em uma
espécie de portagem, muitas vezes, sem redes de proteção ou qualquer outro equipamento
de segurança. A questão da segurança teve inclusive intervenção das autoridades,
obrigando os “empresários de circos gymnasticos a usar redes e outros aparelhos de
salvação”195, para que acidentes graves não ocorressem.
Uma definição para essa Alta Ginástica no campo educacional pode ser
encontrada nos “Estudos hygienicos sobre a educação physica, intellectual e moral do
soldado: escolha do pessoal para a boa organização do nosso Exército” de Eduardo
Augusto Pereira de Abreu publicado em 1867:
O joven brasileiro José, pela primeira vez neste circo, executará a difficil
scena grotesca de alta gymnastica que tem por titulo O trapez aéreo,
finalizando com o turbilhão infernão. Este trabalho é de muito effeito por
demandar muita força, por isso que muito deve sorpreender ao respeitavel
publico, por ser executado por tão tenro artista, que tem 9 annos de
idade.”196
193
A Patria, 14/02/1875, p. 3.
194
A Patria, 21/02/1875, p. 4.
195
O Globo, 01/09/1877, p. 2.
196
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 22/03/1860, p. 4.
100
197
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 02/05/1852, p. 4.
198
A Patria, 29/04/1858, p. 4.
199
Diario de Pernambuco, 31/10/184, p. 2.
200
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 17/03/1861, p. 4.
201
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 19/11/1849, p. 4.
202
A Patria, 21/02/1875, p. 4.
203
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 01/11/1856, p. 4.
101
setimo
Mr. Scott executará os seus incriveis feitos de força. Dous dos maiores
cavallos do circo serão arrciados para preciptarem-se d'enconro a elle, aos
quaes opporá a barreira M. Scott só pela sua força, resistindo a todos os
seus esforços empregados para movêl-o. Os dous cavallos serão atados a
uma corda para o fim de faêl-a quebrar, mas de balde; depois do que Mr.
Scott quebrará a mesma corda que os cavallos não poderão fazer render.
Pede-se aquela pessoas que julgarem que haja alguma ficção nos cavallos
pertencentes a companhia, que se dignem de trazer quaesquer cavallos que
lhes parecer. Mr Scott pegará n'uma grande peça de artilharia carregada,
andará com ella á roda do circo, e lhe tocará fogo, tendo a ainda nos
omboros.”204
Podemos ver que o exagero nos anúncios e nas revistas ilustradas por vezes
correspondia muito mais à impressão deixada pelo espetáculo do que efetivamente ao que
fora realizado nos números. As críticas nos jornais se referiam à ginástica como “aquillo
é que era pular, deslocar-se, e fazer estrepollias mesmo do diabo”205 e seus saltos os “mais
audaciosos que conhecemos em gymnastica, embora não seja dos mais perigosos.”206, os
equilíbrios da artista Spelterini eram classificados em terras brasileiras enquanto
“corajosa gymnastica”207 dotada de plasticidade em seus movimentos realizados em
grande altura.
Esses exercícios foram utilizados, a exemplo do que foi visto com os cavalos, para
ilustrar situações do cotidiano:
204
Diario de Pernambuco, 13/11/1843, p. 3.
205
Correio Paulistano, 31/07/1866, p. 1.
206
Gazeta de Noticias, 12/03/1876, p. 2.
207
Gazeta de Noticias, 06/09/1877, p. 1.
102
Sob o leque dos exercícios ginásticos, é comum encontrar anúncios circenses que
classificavam a luta – ora luta romana/grega, ora o boxe – como parte integrante da
ginástica. As lutas estiveram presentes também nos métodos ginásticos europeus,
associadas às atividades como correr, nadar, saltar e outras tantas. Elas eram constituintes
da parte voltada às práticas militares da ginástica. No caso dos circos, essas lutas ocorriam
normalmente após a partida das companhias que deixavam para trás toda a estrutura do
anfiteatro montando.
Hoje terá logar no circo da Guarda-Velha uma grande luta entre a rapaziada
amante da arte gymnastica. Vimos o ensaio de alguns trinta lutadores
hontem, e os seis melhores são os que lutão amanhã. Vamos, rapaziada! O
circo nos espera, e é esta a ultima luta que dão os discipulos de Mr.
Duflaud. Quem quizer aprender o methodo particular da luta vá ver hoje,
por que é lindo ver-se uma luta de doze contendores amadores, dos quaes
será um o vencedor e não é a especulation de Mr. Charles.
208
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 21/12/1856, p. 2.
103
elegância, força e equilíbrio com que são executados os mais variados exercícios. Não é
de se estranhar que apareçam nos jornais ensaios e críticas nas primeiras páginas,
solicitando a permanência dos circos, não apenas devido aos seus espetáculos, mas
principalmente pelo campo de possibilidades que o circo abriu no século XIX para o
treinamento e produção de um corpo forte.
“o Sr. A. Luande.
É tão notorio o merito do Sr. Alexandre Luand, tanto entre nós como nas
principaes cidades européas e americanas, que dispensaria qualquer elogio;
porém sou obrigado, não só pela admiração que me causárão os seus bellos
exercicios gymnasticos, esses difficeis trabalhos em que o homem a cada
salto arrisca a vida, por esses prodigios de agilidade que a todos tem
encantado, como tambem pelo aceio, elegancia, bom gosto e ordem em que
tem sabido conservar o seu circo, a servir-me deste meio para mostrar-lhe
o quanto apreciamos o seu talento. Gloria pois ao Sr. Alexandre Luand que,
abandonado as plagas europeias, veiu com uma companhia de excellentes
artistas pedir hospitalidade e mostrar o seu talento, fiado na protecção que
o entendido publico fluminense sempre concede ao verdadeiro merito. Seu
amigo.”209
As atitudes ginásticas, ou a ginástica como forma gestual, ao lado dos cavalos, foi
vista nos espetáculos como um conjunto de movimentos fortemente ligados ao que o circo
representou no século XIX no Brasil. Andrea Moreno (2003, p.58) pondera que, no caso
do Rio de Janeiro, a ginástica “prática que de tão racional, tão científica, tornara-se
monótona” não conseguiu se estabelecer no cotidiano da Corte. O que pode ser percebido
até aqui é que ela teve uma ampla concorrência com diversas práticas que também
carregavam o nome de ginástica, e de outras que estariam no conjunto de práticas
identificadas com o esporte moderno.
E a estes a gente assiste sem receio de que tenha de assitir a alguma queda.
X."210
209
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 20/06/1856, p. 2.
210
Revista Ilustrada, 29/01/1876, p. 2.
104
211
Recopilador Mineiro, 1834 s/d.
212
Diario de Pernambuco, 10/03/1840, p. 4.
213
O Diario Novo, 12/09/1843, p. 3.
214
Programma Giornaliero, n. 102, 11/02/1838, p. 2
215
O Correio da Tarde, 22/11/1849, p. 3.
106
216
O Correio da Tarde, 22/09/1849, p. 4.
217
Diario de Pernambuco, 31/08/1870, p, 4.
218
Os anúncios italianos da trupe de Guillaume consultados – ano de 1831 e 1838 – são basicamente
constituídos de apresentações equestres e pantomimas, vez ou outra eles fazem referências às atitudes
alcidicas e elementos de força, algo já trabalhado neste capítulo.
107
219
A Imprensa, 13/08/1859, p. 3.
220
Outras referências sobre a travessia do Niagara encontra-se no Anexo I.
221
Diario de Pernambuco, 24/10/1843, p. 2.
108
“Annuncio
Diversas pessoas procuraram os circos e com eles percorreram parte das turnês,
seja a trabalho, seja para aperfeiçoar alguma técnica gestual. No congresso de variedades,
em que o circo cada vez mais se tornaria ao longo do século XIX, as tradicionais famílias
circenses contratavam e permitiam a incorporação de sujeitos externos às companhias,
possibilitando assim a inserção de novas práticas e técnicas.
Essas pessoas se envolveram tanto com a dinâmica do picadeiro que, em algumas
situações, se transformaram em discípulos de artistas experientes, caso do “pequeno
Augusto, discípulo de Bernabó, que se apresentará pela primeira vez sobre a corda,
222
Diario de Pernambuco, 24/05/1848, p. 3.
223
Diario de Pernambuco, 23/11/1843, p. 3.
109
Desde o romper do dia até ao ensaio, estuda: depois do ensaio vai para a
escola, e volta a estudar até as horas da representação e assim que dá os
seus saltos mortaes volta para os seus livros.
224
A. 12, 08/03/1843, p. 4.
225
Diario de Pernambuco, 18/12/1843, p. 3
226
Correio Paulistano, 27/08/1859, p. 4.
227
O Conservador, 27/09/1878, p. 3.
228
Cabe ressaltar aqui que os artistas não eram apenas artistas, mas trabalhadores, ajudando em diversas
funções do fazer circense, que vão desde montar e desmontar a lona até questões práticas da convivência.
110
ganha no circo outras formas de expressão. Como nos revela Fábio Peres e Vitor de
Andrade Melo, essa diversidade da ginástica permitia que a prática ocupasse lugares
distintos com objetivos inclusive opostos:
A rotina e a disciplina dos treinos, no caso dos discípulos e artistas, eram fatigantes
e demandava certa metodização para o domínio da técnica circense – as paradas de mão,
a percha, o trapézio, a acrobacia, a equitação. A questão em si não é apenas a busca da
perfeição, mas o controle do erro que pode causar o risco físico para o artista. Os
discípulos podem, nesses casos, não carregar os sobrenomes circenses, mas dentro dos
picadeiros, e em outros espaços circenses, eles eram tratados de forma igual.
Os exercícios ginásticos dos metódos tinham o objetivo de desenvolver as
qualidades físicas, preparando os soldados para o combate e trazendo benefícios para a
saúde debilitada do cidadão brasileiro. Não é estranho, no entanto, que surjam textos nos
jornais com a presença de argumentos que pontuam nas práticas circenses uma
possibilidade de formação do corpo, haja vista que a constituição de um exército eficiente
para a manutenção do território foi preocupação em diferentes nações:
Esses foram apenas um dos discursos sobre o circo presente nos jornais, e mesmo
não sendo os mais veiculados, destacamos a importância dos posicionamentos
apresentados até aqui. O circo soube se apropriar do campo de discussões sobre o corpo,
lembrando, obviamente, que, como empreendimento, ele utilizará de múltiplas estratégias
para divulgar os espetáculos. No entanto, a questão se refere aos elementos que o circo
mobiliza. Apresentando outras possibilidades para o corpo, ele acaba, de forma
intencional ou não, trazendo novos elementos para discussão.
Enfatizo, também, que, com a chegada dos circenses, em sua bagagem cultural, se
encontram os mais diferentes argumentos para a defesa da ginástica utilizados em outras
nações. Giusepe Chiarini dirá, por exemplo, que uma das vantagens do circo é que “os
magros ganham carne, e os gordos diminuem do corporal”231.
229
O Correio da Tarde, 15/10/1849, p. 2.
230
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, 15/06/1856, p. 2.
231
Gazeta de Notícias, 19/03/1876, p. 3.
112
232
Gazeta de Noticias, 13/03/1876.
113
visitavam. Esse caminho híbrido presente nos jornais demonstra também que o circo, ao
dialogar com as realidades sociais nas quais se inseria, realizava, mesmo que de forma
involuntária, uma série de reflexões.
Por meio de sua grande mobilidade social e expressiva divulgação, o circo se torna
cada vez mais um local para novas pesquisas que encontrem nessa “ginástica-espétaculo”,
ou “ginástica-circense”, outros argumentos e práticas que foram importantes para o
campo da Educação e da Educação Física.
Para o circo, a questão da hibridação desses elementos, da bricolagem que gera o
novo a partir da reformulação e conexão de diversos signos, era uma questão vital. Para
manter o espetáculo constantemente atual, o circo nos mostra o que é considerado
contemporâneo por onde passa, e, no caso brasileiro, a ginástica esteve presente em maior
ou menor escala por todo o século XIX.
114
233
Diario do Rio de Janeiro, 02/11/1869, p. 3.
234
Diario do Rio de Janeiro, 01/10/1869, p. 4.
115
contratados235 de acordo com suas capacidades técnicas e com suas evoluções artísticas
apresentadas.
Pensar essa reestruturação por que passam as grandes companhias, priorizando o
apuro técnico em detrimento de parte da tradição familiar, ajuda a entender a vinda e o
estabelecimento dos Casali no Brasil. As famílias circenses detinham o conhecimento
específico das práticas apresentadas nos picadeiros, mas não possuíam os meios para
continuarem se exibindo nas lonas. Com a constante evolução dos números circenses,
cada vez mais era demandado dos artistas uma especialização em certos números, fazendo
assim com que as famílias circenses tivessem maior domínio em determinadas práticas
em detrimento de outras.
Como afirma Peter Burke (1989, p. 270), referindo-se ao entretenimento do século
XVIII, “as empresas de grande escala vinham expulsando as pequenas”. Esse tipo de
organização, tardia no Brasil, ofereceu ao público diversar formas de apresentações
circenses durante o século XIX. As grandes companhias vistas nesta pesquisa dividiram
espaço com trupes menores que se exibiam em praças, ruas e terrenos vazios (SILVA,
1996; 2009). Essas grandes companhias também contratavam temporariamente, ou por
longos periódos, artistas de trupes menores, estabelecendo uma concorrência desleal nas
cidades maiores.
Os Casali são exemplo da transformação por que passam os circos no Brasil.
Chegados em 1870 no paquete francês Uruguay236, essa família de origem italiana237
trouxe Marcos Casali, ex-artista ginástico do Circo Price, Luiz Casali238, e outros dezoito
artistas para a America do Sul, subdividindo-se, posteriormente, parte na Argentina
(SEIBEL, 1993; CASTRO, 2005) e parte no Brasil. Devido às relações que os Casali
estabeleceram na Argentina, eles são considerados por alguns pesquisadores desse país
uma família de circo criollo (SILVA, 2007), e por vezes apontados nos jornais e em
algumas pesquisas como família argentina. Antes mesmo de 1870, é possível rastrear a
presença dessa família nos jornais brasileiros. No ano de 1859, o jornal A Patria relatava
os feitos de Mile. Casali "italiana de grande renome"239, que estreava números acrobáticos
na cidade de Hamburgo.
235
A Reforma, 30/09/1869, p. 4.
236
Jornal de Recife, 10/02/1870, p. 2.
237
Algumas fontes, no entanto, qualificam essa família como espanhóis ou argentinos.
238
Luiz Casali, além de se apresentar nos circos e ser diretor da companhia a partir de 1872, também era
afinador de pianos, segundo consta anúncio no jornal Diario de São Paulo de 27/11/1877, p. 3.
239
A Patria, 30/12/1859, p. 1.
116
240
Mais informações, consultar Silva 2007.
241
Gazeta de Campinhas, 20/05/1875, p. 3.
242
Diario de São Paulo, 05/01/1878, p. 4.
243
Gazeta de Noticias, 30/05/1877, p. 4.
117
forma, não só a companhia contava com uma diversidade de artistas, como servia de
ambiente para trocas de diversos saberes, possibilitando, assim, a criação de uma
identidade própria para os Casali no Brasil.
A ginástica esteve presente na manifestação dessa identidade construída em solo
brasileiro. Os ginastas Luiz, Cesar e Vicente Casali recebiam destaque nos anúncios e nas
críticas de jornais, reforçando a visibilidade dessa prática nos circos brasileiros.
Cabe destacar que a produção do espetáculo dessa família segue a lógica já
apontada por Silva (2007) da preservação de um modelo do fazer circense aliado à
mudança na organização e apresentação de diversos genêros artísticos. Nesse caso, a
família chegou realizando o mesmo tipo de parceria que realizara em Portugal,
associando-se a teatros e apresentando, além dos espetáculos, bailes de máscaras e outras
ações. As apresentações consistiam em números acrobáticos intercalados com dançados
e pantomimas. A barra fixa e o trapézio duplo também se tornaram exercícios de sucesso
nos espetáculos, estando presentes por quase toda a história da trupe.
A primeira parceria realizada às vésperas da chegada da companhia em
Pernambuco foi com o diretor De-Giovanni, no Theatro Gymnasio Dramatico de Recife,
apresentando os "admiraveis acrobatas italianos Cesar e Vicente"244, com os exercícios
do "Doble Trapezio". Os teatros foram utilizados por diversas trupes ao longo do século
XIX. As trocas de experiências entre diretores teatrais e circenses eram frequentes e
artistas de um e de outro, por vezes, se apresentavam ou excursionavam nos circos.
Destaco aqui que termos como “acrobacia” e “equilíbrio” serão logo substituídos por
“gymnastica” ao longo do tempo nos anúncios, indicando que, para o leitor brasileiro, a
gestualidade desse tipo de número já está identificada como forma de expressão
específica.
Para a crítica dos jornais, porém, o constante esvaziamento dos teatros, devido à
chegada dos circos – e o circo Casali estava incluso – muito mais do que mera questão
financeira indicava a baixa moral e falta de uma cultura tida como refinada por parte da
população. Como podemos ler na seção “prosa domingueira” do Diário de São Paulo,
para alguns, o circo era um dos responsáveis diretos pela precarização ainda maior de
certas camadas sociais, que investiam o pouco que tinham em espetáculos circenses, fato
esse que deveria ser aceito, embora não de bom grado:
244
Jornal de Recife, 16/02/1870, p. 3.
118
Tudo no mundo é contrariedade; os dedos das mãos não são iguaes. Parece
que raia uma outra éra (não a de ferro, nem muito menos a de ouro) em que
tudo é anormal; e nós, que estamos presos á superficie terreal por uma força
a que os physicos chamão de attracção, não temos remedio senão
acompanhar o gyro do mundo, agarrados á mesma superficie com uma
ostra á casca, atravessando a furia, a contrariedade dos elementos, sujeitos
a todas a oscilações temporaes; mas sempre representando o papel da ostra.
Assim, no meio de tal clima, como não varia também?”245
245
Diario de São Paulo, 28/04/1872, p. 2.
246
Jornal de Recife, 11/03/1870, p. 3
119
impede que o público tenha uma visão geral do que será exibido nas noites de
divertimentos. No caso dos Casali em Recife, diferentemente de outras companhias,
tiveram seus espetáculos apresentados em três atos, com duas pausas, ou em dois atos
com uma pausa. Enquanto os primeiros atos consistiam em uma exibição de variedades,
nos quais a ginástica estava presente, o último ato era dedicado às pantomimas (circo-
criollo). A ginástica também estaria presente como um recurso cênico.
A época de sua chegada, os Casali, além da associação com teatros, propuseram
melhorias no pavilhão de Santa Isabel, como pode ser visto no final dos anúncios. Esse
pavilhão, sob a direção de Marcos Casali, atendeu a diversas finalidades, serviu também
como ponto de encontro para o Corpo Patriotico de Lanceiros247, parte do Batalhão da
Guarda Nacional, como local de alistamento, indicando um posicionamento político por
parte do circo.
O presidente da província de Recife também esteve diversas vezes presente nos
espetáculos circenses. Toda essa profusão de atores sociais indicam elementos de
inspiração na produção das artes circenses por parte dessa família que ora invocavam a
tradição e o clássico referentes a seu passado, e ora buscam no presente e nas questões
que ele apresenta elementos para o espetáculo.
Para Erminia Silva (2005), os circenses buscaram sintonia com a sociedade que
os cerca, desenvolvendo estratégias para agradar o público e serem aceitos. Não era
apenas “arte de agradar como estratégia”, como hipotetizado por essa pesquisadora, mas
também uma forma de buscar aceitação em diferentes níveis sociais, favorencendo o
estabelecimento da família. Exemplo disso é o anúncio de Marcos Casali em Recife, que
oferece espetáculo em homenagem ao batalhão de Voluntários Pernambucanos, parte do
regimento de Voluntários da Patria248 que serviram na Guerra do Paraguai. O episódio do
corpo de Voluntários da Patria, constituído pelos Voluntários de Pernambuco e de outras
províncias, é emblemático no cenário social pós-guerra do Paraguai.
Ocorreram diversos debates entre a imprensa, câmaras e o senado sobre a recepção
às tropas (SANTOS, 2009; ARAÚJO, 2012). Travava-se uma discussão entre comemorar
a vitória, mesmo que onerosa para o estado, ou esquecer os efeitos econômicos e sociais
que a guerra gerou no Brasil. Algumas províncias optaram pelo silenciamento, ou não
recepção das tropas, exemplo de Santa Catarina. No caso de Pernambuco, com o circo
247
Jornal de Recife, 14/ 04/ 1870, p. 3.
248
Dos 139 mil brasileiros que foram ao Paraguai, em torno de 50 ou 60 mil faleceram em combate ou
acabaram derrotados por pestes e cóleras. Para mais informações, ver em:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/voluntarios-sem-patria
120
Casali, a opção foi clara: as tropas seriam recebidas no momento de sua chegada, mesmo
que não se soubesse a data, com um “grande e variado espectaculo gymnastico e
acrobatico dedicado a officialidade”249 do batalhão, incluindo a apresentação de música
do “1º batalhão de infantaria”.
À medida que a família Casali excursionou pelo Brasil, outras parcerias foram
estabelecidas. Em 1871, eles se apresentam com o Circo Americano – que já realizava
turnês no Brasil desde 1840. No ano de 1875, eles são contratados por Giuseppe Chiarini
para apresentações no Rio de Janeiro, e, em 1877, se apresentaram na festa do Divino.
Podemos também encontrar toda uma rede de parcerias entre diversas e cada vez mais
populares formas de entrenimento e instituições educacionais, como apontadas pelo
Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino de Governo da Bahia:
“Divertimentos Publicos
A família Casali circulou com habilidade e com seu acervo de práticas, dentro e
fora das lonas, com diversos objetivos. No campo das artes, como pôde ser visto, ela
realizou diversas parcerias ao longo de suas turnês, contratando artistas, cedendo o
picadeiro para outras famílias circenses, apresentando-se em teatros e sendo ela mesma a
trupe a visitar outros picadeiros.
Outro ponto de destaque no início da turnê dos Casali em Recife é o fato de que,
para além dos espetáculos, outras atividades foram realizadas. Encontra-se em alguns
249
Jornal de Recife, 11/03/1870, p. 3.
250
Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino de Governo, 1871, p. 62.
121
anúncios o aviso de que “Se dão lições de equitação e se amestram cavalos”251 pelo
método de Baucher252, já citado no capítulo anterior. Ao utilizarem do espaço do circo
para as lições de equitação e doma, como outras famílias circenses fizeram, eles atuaram
como mediadores de um conhecimento que estava além da mera exibição de destrezas
corporais.
O circo, com suas famílias e artistas, circulou ideias diversas sobre o corpo.
Possivelmente, nas lições que as famílias circenses davam para amadores, toda uma rede
de relações foi mobilizada, permitindo assim a inserção social dessa família. O fato de o
circo ser um espaço de elaboração e divulgação do conhecimento já foi abordado nesta
pesquisa. Cabe destacar, no entanto, que pouco ainda se sabe sobre quais foram os
métodos de ensino, ou como se davam essam lições. Acompanhar a trajetória dos Casali
é, nesse caso, acompanhar o caminho dos sujeitos e dos conhecimentos que o circo
mobiliza, para além das noites de divertimento.
251
Jornal de Recife, 30/ 04/ 1870, p. 3.
252
Diario de Pernambuco, 31/08/1870, p. 4.
253
Correio Paulistano, 30/05/1872, p. 3.
254
Mudança que se deu ainda no Brasil no ano de 1872. Diário de São Paulo, 04/04/1872, p. 4.
255
Chegados em 10/03/1875, segundo o jornal Correio Paulistano.
122
“No mesmo lugar em que, não há muitos annos, o Sr. Chiarini chamara a
concorrencia publica para admirar os seus cavallos amestrados e as
agilidades e forças dos seus artistas, acaba o Sr. Marcos Casali de levantar
um interessante circo e todas as noites offerece ao nosso publico escolhidos
espectaculos de alta gymnastica, acrobacia e mimica. (...)”262
256
Correio Paulistano, 13/04/1875, p. 3.
257
Gazeta de Campinhas, 16/06/1875, p. 2.
258
O Globo, 29/07/1879, p. 4.
259
Gazeta de Noticias, 12/08/1875, p. 4.
260
A Patria, 30/09/1875, p. 3.
261
Gazeta de Notícias, 24/11/1875, p. 4.
262
O Mequetrefe. 714. 22/07/1875, p. 2.
123
263
Mais sobre Albano Pereira, consultar Damasceno, 1956, p. 160.
124
264
O Globo, 13/08/1875, p. 4.
265
Gazeta de Noticias, 22/08/1877, p. 3.
266
Correio Paulistano, 27/12/1877, p. 3.
125
Alguns desses artistas foram escolhidos pelos circos, de acordo com sua
experiência e técnicas apresentadas, sendo indicados nos anúncios com referências que
os destacavam perante o público, tais como nacionalidade e destrezas já exibidas. Foram
franceses, ingleses, italianos, norte-americanos que optaram por circular entre diversas
trupes em vez de acompanhar uma companhia específica, tendo em seus acervos gestuais
práticas que no Brasil estariam identificadas com a ginástica. Nesses casos, os números
exibidos podem ou não apresentar elementos de identificação com os locais que o circo
visita.
Existem também artistas e amadores que escolhem outra via para entrar nas
companhias, por exemplo, exibir um conjunto de destrezas que os diferenciavam de
126
267
Jornal de Recife, 21/07/1879, p. 1. Cabe destacar que números em tanques de água já estavam
presentes na companhia Casali, caso do Homem-peixe, Sr. Walso, anunciado na temporada de 1879.
127
trupes, que elegiam causas e pessoas que pareciam merecer alguma forma de ação
filantrópica, enquanto o circo se beneficiava dessa ação, ganhando aceitação social:
268
A Reforma, 24/07/1875, p. 2.
128
Fora dos picadeiros, cidades, como o Rio de Janeiro e Salvador, possuíam outros
divertimentos com a utilização de cavalos, como as “Grandes corridas no Prado
Fluminense”270 e o “Hipodromo S. Salvador”271, que realizavam corridas. No primeiro
caso, é possível ver a participação de artistas da família Casali nos páreos das
competições. Zilda Casali, que apresentava no circo exercícios equestres e ginásticos, e
diversas vezes mencionada nos jornais como “a rainha do ar”, esteve nessas corridas.
Nas noites de espetáculo, Zilda executava principalmente “O admiravel vôo de
Niagara (...) depois de varios exercicios gymnasticos em um dos trapezios, finalisando
com a grande cahida de vida ou morte no ultimo trapezio ao grande balanço finalisando
com a descida de Mercurio”272. Fora do picadeiro, ela participou das corridas do prado273,
ao lado de Juanito Casali e Luiza de Casali nos páreos destinados às Amazonas274.
Esses espaços proveram uma inserção e mobilidade social ainda maior para os
circenses no século XIX, que assim se desvinculavam da imagem negativa de certas
companhias. Zilda chamava a atenção dos amadores, tanto do circo quanto dos páreos,
talvez como forma de encontrar novos alunos para as lições de equitação dadas no circo,
ou como forma de fomentar a imagem construída de uma artista ágil e imponente:
“JOCKEY CLUB
Puff”275
269
Mercantil, 12/02/1876, p. 1.
270
Gazeta de Noticias, 17/10/1875, p. 3.
271
A Locomotiva, 22/01/1889, p. 51.
272
Mercantil, 18/03/1876, p. 3.
273
Gazeta de Noticias, 17/10/1875, p. 3.
274
Mulheres com elevado nível técnico de equitação.
275
Gazeta de Noticias, 18/11/1875, p. 2.
276
Não foi possível localizar a data de sua saída do Brasil.
129
retorno, eles trouxeram consigo a família circense Nelson277, entre eles, estão “as crianças
Nelson, prodígios da arte de acrobacia e gymanstica”278, que davam, segundo os anúncios,
verdadeiras lições de ginástica no picadeiro.
Os Casali, por meio de suas sucessivas parcerias, apresentaram a ginástica de
diversas formas: o “intermedio comico e gymnastico”279, “os três filhos do ar”280, as
“piruetas e saltos mortaes”281 sobre o cavalo, a “barra torniquete”282, “o assombroso
passeio aerio”283, “o vôo de Niagara”284, as “Proezas de d'Artagnan”285, “a barra fixa”286.
Participaram dessa profusão da ginástica, artistas de diferentes faixas etárias, envolvidos
com o fazer circenses, e demonstrando a importância que ela representava para a
companhia:
277
Diario de São Paulo, 12/12/1877, p. 2.
278
Diario de São Paulo, 18/12/1877, p. 3.
279
Diario de São Paulo, 05/01/1878, p. 4.
280
Gazeta de Noticias, 04/02/1880, p. 8.
281
O Mercantil, 01/02/1876, p. 4.
282
O Mercantil, 02/02/1876, p. 3.
283
O Mercantil, 05/02/1876, p. 3.
284
O Mercantil, 18/03/1876, p. 3.
285
Jornal da Tarde, 07/12/1878, p. 3.
286
A Patria, 28/09/1875, p. 4.
287
O Mercantil, 16/04/1879, p. 1.
288
Gazeta de Noticias, 04/02/1880, p. 8.
289
Gazeta de Noticias, 30/03/1880, p. 1
130
Associados com a família Borel290, eles criam uma companhia mista e conseguem
relativo sucesso. Entre os integrantes dessa família estavam artistas ginásticos, como o
patriarca sr. Hypolito Borel e Marieta Borel, demonstrando que a ginástica continuava
sendo uma das formas de aproximação e dialógo entre diversas companhias. A parceria
entre essas famílias deu origem ao Circo Universal, com apresentações ginásticas e
pantomimas, outra especialidade das duas famílias (SILVA, 2007).
O final do século XIX apresenta um novo contexto para os circos. Com o advento
dos rádios, os palhaços cantores, sucesso nos picadeiros, migram para esse veículo de
comunicação. O próprio circo precisa se reinventar, apresentando uma nova estética mais
apropriada às transformações pelas quais passam a sociedade brasileira. Enquanto a
companhia Casali diminui suas atividades no picadeiro, os membros dessa família
ocupam novos espaços.
É possível encontrar Zilda Casali na Real Sociedade Club Gymnastico
Portuguez291, apresentando dramas e comédias, local onde Vicente Casali ofereceu lições
de ginástica, enquanto Marcos Casali ministrava aulas de ginástica na Société Française
de Gymnastique (MELO, 2014). Nesses locais, os circenses deixam de ser apenas artistas,
e as destrezas apresentadas por anos nos picadeiros dão autoria aos conhecimentos que
são validados e reelaborados nessas instituições. Apresentados como professores, eles
exibiam nesses espaços um conjunto gestual que se aproximava dos circos, porém os
discípulos formados, agora amadores de diversas idades, buscavam na ginástica um corpo
reto:
290
Gazeta de Noticias, 07/02/1882, p. 2.
291
Gazeta de Noticias, 27/03/1882, p. 2.
131
(...)”292
292
Jornal do Commercio, 20/08/1883, p. 1.
293
Jornal de Recife, 06/09/1883, p. 3.
294
Jornal de Recife, 03/11/1883, p. 3.
295
Jornal de Recife, 11/09/1883, p. 3.
132
296
Jornal de Recife, 27/04/1870, p 3.
297
Gazeta de Noticias, 17/06/1877, p. 4.
133
Cesar e Luis Casali, são eles os três principais ginastas298 da Companhia Casali, ganhando
inclusive pedidos de reapresentação de números específicos:
Destaco que os números de trapézio foram uma das formas de o circo modificar o
espetáculo. Eles trouxeram a questão do risco iminente à morte para o centro do picadeiro.
O circo não exibia mais um espetáculo desafiador em seus números até 1860, ostentando
e repetindo um conjunto de destrezas vinculado à força e agilidade presentes desde o
século XVIII. Se com outros exercícios ginásticos, como as piruetas e saltos no
trampolim, a ginástica já apresentava uma série de números arriscados, porém
controlados, foi com os saltos e as pendulações nos trapézios que os artistas foram capazes
de manter o foco da atenção do público para o corpo em movimento.
No trapézio, a questão do risco ultrapassava a resoluções de situações de
desequilíbrio pelo controle da vontade, principalmente nos saltos “da morte”, “de
mércurio”, “do niagara”, como foram chamados. Os artistas deveriam exibir coragem e
determinação na execução.
Desde a chegada ao Brasil, o trapézio, os equlíbiros e a barra fixa se tornaram a
especialidade de Vicente. Ele apresentou individualmente exercícios, como o “pau
voador”300, o “tambor aéreo”301 e os “difficeis equilibrios com uma escada e uma
cadeira”302. Fazia parte também de números coletivos, como o “Cancan Caricato”303, as
“pyramides sobre duas escadas”304, a “Trança Americana”305, os “grandes Saltos
Arabes”306, além de diversos papéis nas pantomimas realizadas no último ato da noite.
Vicente Casali também exibiu números equestres cômicos e burlescos, como o “Túnel
298
Compuseram também a trupe em número de trapézio os artistas Jerre Bell, Limido Giuseppe e
Antonico.
299
O Mercantil, 25/03/1876, p. 1.
300
Jornal de Recife, 11/03/1870, p. 3.
301
Jornal de Recife, 08/06/1870, p. 3.
302
Correio Paulistano, 11/04/1872, p. 3.
303
Jornal de Recife, 11/03/1870.
304
Correio Paulistano, 11/04/1872.
305
Jornal de Recife, 16/02/1870, p. 3.
306
Correio Paulistano, 30/05/1872, p. 4.
134
“(...)
O aerio volante pelo Sr. Vicente Casali, trabalho este muito difficultoso e
arriscado, esteve admiravel, porém não deixamos de notar que o Sr.
Vicente Casali é um pouco temerario no seu aerio volante, temeridade essa
que mais realça o artista, mas que torna-se de grande perigo para elle.”313
À medida que a trupe avança em sua turnê de 1875, Vicente protagonizará mais
números ginásticos e equestres, porém sua fama compete com a de Zilda Casali, que
futuramente assumirá os negócios da companhia. Relembro aqui que Zilda já era
307
Gazeta de Campinas, 04/08/1872, p. 3.
308
Correio Paulistano, 30/05/1872, p 3.
309
Correio Paulistano, 18/05/1872, p. 3
310
Correio Paulistano, 11/05/1872, p. 4.
311
Correio Paulistano, 18/05/1872, p. 4.
312
The Bendigo Advertiser, 15/02/1877, p. 2.
313
O Mercantil, 22/01/1876, p. 1.
135
conhecida em outros espaços sociais, nos turfes do prado, por sua técnica na equitação e
nos teatros. Embora nesse momento Zilda apresentasse certa imponência sobre Vicente,
a técnica desse artista parece evoluir aos olhos da crítica e dos leitores dos jornais. A
ginástica é vista como uma prática que demanda estudo e método:
O Sr. Vicente Casali não é um acrobata commum, não: para fazer o que
elle faz é necessario ser agilissimo, e estudar muito.”314
314
O Globo, 27/07/1875, p. 1.
315
O Globo, 28/12/1876, p. 2.
316
Gazeta de Noticias, 10/05/1876, p. 1.
317
Gazeta de Noticias, 18/07/1876, p. 1.
318
Gazeta de Noticias, 12/05/1877, p. 4.
319
Correio Paulistano. 15/12/1877, p. 4.
320
Gazeta de Noticias, 21/04/1877, p. 2.
321
Gazeta de Noticias, 12/09/1877, p. 4.
322
Gazeta de Noticias, 22/09/1877. p. 4.
323
Gazeta de Noticias, 28/09/1877, p. 4.
324
Gazeta de Noticias, 04/09/1877, p. 4.
325
Gazeta de Noticias, 30/09/1877, p. 4.
136
estabelecido no Uruguai326, junto de sua esposa, Maria Carvalho, por algum tempo no
ano de 1877, sendo que no ano seguinte, já em Campinas, sua filha Clementina Casali,
recém-nascida falece327, pouco tempo depois do falecimento de Cesar Casali328, seu
companheiro nas apresentações de trapézio.
Todos esses fatos culminam com a volta de Vicente para o Rio de Janeiro em
1879. Ele buscou parcerias com companhias que se apresentaram na cidade, entrando
assim em contato com diversos artistas ginásticos de outras trupes. A família Casali
também estará no Rio de Janeiro com seu circo, porém poucas vezes ao longo do ano
Vicente se apresentará nesse picadeiro. Ao invés disso, ele estará no Theatro Circo com
a Companhia Estrella do Norte dirigida por João Miguel de Faria, apresentando
novamente a barra fixa329. Também se apresentará com a Grande Companhia Norte-
Americana330 e, no Skating-Rink, será o destaque da alta gymnastica com a Companhia
Acrobatica Gymnastica Cosmopolitana331.
Ainda em 1879, é possível encontrar os primeiros rastros de Vicente fora dos
circos, indicando o início de sua mobilidade nos meios sociais. Antes, artista celébre da
companhia Casali, Vicente se torna artista ginástico com um conjunto específico de
números disponíveis para diversas companhias em turnê no Rio de Janeiro. Ele também
é apresentado como professor de gymnastica na Real Sociedade Club Gymnastico
Portuguez, referência para a introdução da ginásica no Rio de Janeiro (PERES E MELO,
2014).
Nesse lugar, realizavam-se competições de corrida e ciclismo (SCHETINO, 2008)
e bailes públicos (ZAMITH, 2007), mobilizando a sociedade fluminense. Não foi possível
encontrar qualquer plano de ensino de Vicente nessa instituição, porém é bastante curioso
que aquilo que os alunos e o próprio professor exibiram nas festas dessa instituição não
diferia gestualmente do que era apresentado nos picadeiros de diversas companhias:
326
Gazeta de Noticias, 18/01/1877, p. 2.
327
Diario de São Paulo, 11/07/1878, p. 2.
328
Gazeta de Noticias, 20/05/1878, p. 2.
329
Gazeta de Noticias, 22/03/1879, p. 4.
330
Gazeta de Noticias, 24/08/1879, p. 6.
331
Gazeta de Noticias, 18/10/1879, p. 4.
332
O Reporter, 16/08/1879, p. 2.
137
333
O Paiz, 13/01/1885, p. 2.
334
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Côrte e da capital da provincia do rio de janeiro
inclusive alguns municipios da provincia, e a cidade de santos para o anno de 1873, p. 848.
335
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1880, p. 1692.
336
Gazeta de Noticias, 03/11/1879, p. 2.
138
337
Jornal do Commercio, 02/12/1881, p. 5.
139
“A’s 3 ½ horas da tarde foi preso, pelo 1º tenente da armada Luiz Carlos
de Carvalho, Vicente Casali, professor de esgrima da Escola Naval. Foi
por este motivo recolhido ao quartel de Barbonos.
338
O Liberal do Para, 07/04/1883, p. 2.
339
Diario da Noite, 18/12/1891, p. 1.
340
Jornal do Commercio, 11/01/1884, p. 3.
341
Jornal do Commercio, 15/02/1885, p. 4.
342
Jornal do Commercio, 23/02/1887, p. 5.
140
Escola de Gymnastica
A vida de artista tem como o seu mais subido galardão manifestação desta
ordem, que são dictados por tanta genresidade.
343
Jornal do Commercio, 20/02/1887, p. 5.
344
Gazeta de Noticias, 01/12/1882, p. 3.
345
Jornal do Commercio, 12/10/1883, p. 3.
346
Gazeta da Tarde, 25/02/1887, p. 4.
347
Gazeta da Tarde, 12/03/1891, p. 2.
141
(...)
348
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1882, p. 1147. Entre o período de
1883 a 1885
349
Jornal do Commercio, 01/07/1882, p. 5.
350
O capitão Antônio José da Rocha era professor de paisagem e figura. Também foi diretor da banda da
polícia militar, recebendo dedicatória na composição de Chiquinha Gonzaga chamada: “Em Guarda!”,
dobrado para piano.
351
O auxiliador da industria nacional, 1886, p. 207.
352
Gazeta de Noticias, 16/08/1884, p. 1.
142
Foi apenas em 1879 que ela adquiriu um programa oficial, organizado pelo
professor Paulo Vidal (CUNHA JUNIOR, 1999), que já havia dado lições de ginástica no
Collegio Abilio, no Club Gymnastico Portuguez e foi vice-presidente na Sociedade
Franceza de Gymnastica. Vidal é um importante professor no período. Seu programa de
ensino da ginástica esteve presente em algumas instituições nas quais Vicente Casali já
lecionava, possivelmente servindo como fonte de inspiração também (SOUZA, 2011).
Devido ao elevado número de lições atribuídas pela reforma de 1881, em que essa
prática fora considerada obrigatória353, demandou-se a contratação de mais um professor
para o Collegio Pedro II. Possivelmente, Vidal e Vicente já haviam convivido no Club
Gymnastico Portuguez como mestre e aluno (MELO, 2014). A parceria entre eles pode
ser observada durante esse periódo também na Escola Normal da Côrte354, onde dividiram
turmas de ginástica.
Casali estava familiarizado com a organização do ensino da ginástica elaborado
por esse professor em sua atuação e essa proximade favoreceu a escolha de Vicente para
o cargo. Ele foi mestre de gymnastica e esgrima do internato do Colegio Pedro II355,
frequentando seu quadro de funcionários no período de 1881 a 1889 (FINOCHIO, 2013).
Ao lado de Vicente estava também Arthur Higgins, discípulo do capitão Ataliba e mestre
de Ginástica Sueca, que publicou compêndios de ginástica com grande circulação no final
do século XIX.
Ao entrar no Collegio Pedro II, Vicente respeita os planos de ensino estabelecidos
por Paulo Vidal, mas, ao contrário do que indica Fabiana Fátima Dias de Souza (2011),
acredito que esse respeito tenha se dado pela convivência anterior entre esses dois
sujeitos. Vidal e Casali, além do contato no Pedro II, tinham em comum em suas atuações
profissionais o fato de ambos lecionarem no internato das instituições em que
trabalharam, o que demanda diferenças nas práticas de ensino.
Higgins foi considerado “o professor da moda”, por sua intensa atuação no campo,
e pela sistematização e aplicação de um método de ginástica que inspirou diversos
professores. Entre os compêndios de Higgins estão o “Compendio de Gymnastica
Escolar: Methodo Sueco-Belga” de 1909, atualizado em 1934 para o “Compendio de
Gymnastica Escolar: Methodo Sueco-Belga-Brasileiro”. Cabe destacar que tanto Arthur
353
Decreto nº 8051 de 1881. Rio de Janeiro; Thypogradia Nacional: 1882.
354
Relatorio do anno de 1884, apresentado à Assembléa Geral Legislativa na 1ª sessão da 19ª legislatura.
p. 38-39, publicado em 1885.
355
Dados retirados dos Relatórios do império do período de 1839 – 1888, Almanak Laemmert e informes
do Jornal do Commercio.
143
356
Programma do Ensino do Gymnasio Nacional para o anno de 1895 de acordo com o regulamento
aprovado pelo decreto nº 1652 de 15 de janeiro de 1894 (MARQUES, 2011 apud SOUZA, 2011).
357
Gazeta de Noticias, 08/08/1889, p. 1.
358
Esses planos foram retirados do trabalho de Fabiana Fátima Dias de Souza, 2011: O professor da moda:
Arthur Higgins e a Educação Física no Brasil (1885-1934).
144
instituições359, é possível que elementos estáticos da barra fixa, argolas e trapézios fossem
trabalhados durante as lições, com o intuito de retificar o corpo. Os próprios exercícios
com a utilização de cordas, que antes de estarem presentes no método sueco e francês já
estavam nos picadeiros, eram utilizados por Casali.
A tarefa de saber, nesse caso, de onde Vicente tirou seus referenciais é dificultosa,
mas, devido a sua trajetória nos circos e à parceria com Paulo Vidal, acredito que esse
professor tenha feito um movimento de reelaboração de certas práticas circenses para sua
adequação nos ginásios, uma espécie de ginástica híbrida e autora que atendia os objetivos
educacionais da instituição.
Não é possível dizer, no entanto, que tais vestígios estejam diretamente ligados
aos picadeiros, ou se sua presença vem da leitura dos diversos métodos ginásticos
formulados no período. Vicente Casali apresentava em seu discurso educacional a “defesa
da educação física da mocidade brasileira”360, o que implicava, em certa medida, a
utilização de um método de ginástica, possivelmente inspirado em Paulo Vidal. Ele estava
alinhado também com os apontamentos de Rui Barbosa, que defendia a adoção de um
método ginástico racional e higiênico para as escolas brasileiras no seu projeto de reforma
do ensino primário apresentado em 1883. Como professor, Casali investiu seu tempo de
formação buscando argumentos que afirmassem a prática da ginástica nas escolas.
Como indica Góis Junior e Kormann Haufe (2014), a Educação Física, na forma
da ginástica, visava ao pleno funcionamento do corpo, servindo como medida profilática,
organizada metodicamente, objetivando o desenvolvimento harmônico do corpo. A
constante preocupação com a organização das lições nos diferentes métodos ginásticos
acompanhou os professores durante o século XIX. Vicente Casali, que divergia de Higgns
quanto à forma de organizar os planos de ensino, tinha em comum a preocupação com a
ordem e disciplina das turmas nas escolas em que lecionou, ponto presente em todos os
métodos ginásticos disponíveis no período:
“Aula de Gymnastica
359
BERARD. Annaes de hygiene pública e medicina leg. T.1, 2ª série in: VASCONCELLOS, Carlos
Rodrigues de. Hygiene Escolar: suas applicações à cidade do Rio de Janeiro. 1888. Rio de Janeiro:
Typographia Perseverança. Tese (Concurso) – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
360
Solicitação de Vicente de Casali destinada ao Barão de Cotegipe. Arquivo Nacional, código IE4-94.
145
A circulação de Vicente cresce com o passar do tempo auxiliado por sua presença
no Collegio Pedro II. Mesmo exonerado da Escola Normal da Côrte, substituído por D.
Stella Nahon362, ele se mantém responsável pela gymnastica no Club Gymnastico
Portuguez. Deixa o clube apenas em 1884, possivelmente devido a divergências
presentes, desde anos anteriores, entre ele e membros do conselho, no que se refere à
importância da ginástica, como declarado nas folhas de jornais:
“R. S. C. G. P.
O Sr. Casali deu hontem por esta folha um verdadeiro espirro, e o facto é
digno de nota, por saber-se que S. S. não toma rapé. Ora, quem havia de
dizer que S. S. acostumado a habitar as serenas regiões da indiferença, dara
com tanta proficiencia um salto mortal, descambando para o amphitheatro
em que se trava a lucta gigantes da idea contra a força bruta, onde se vai
fazer a autopsia n'um doente que agonisa entoxicado pela hypocrisia !
(...)
O que é tristimente real e mais real que o titulo da nossa sociedade, é que
a gymnastica quer ser a senhor do club, mas como lhe falta aquillo com
que se compram os melões, anda sempre atraz de patos para depenar; e o
que tambem é realmente real é os patos vão se acabando e os poucos que
ainda existem, estão muito magros. (...)”363
361
Revista Agricola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura 1886, p. 153.
362
O Pharol, 10/06/1884, p. 4
363
Gazeta de Noticias, 30/12/1882, p. 2.
364
Gazeta de Noticias, 21/08/1888, p. 2.
365
Jornal do Commercio, 03/05/1888, p. 5
366
Diario de Noticias, 23/11/1890, p. 1.
367
O Paiz, 12/01/1891, p. 1.
146
seguir os passos de Vidal, trabalhando em diversos espaços antes utilizados por esse
mestre da ginástica e se aproximar dos seus pares profissionais.
No ano seguinte, 1890, Vicente é nomeado para o internato do Gymnasio
Nacional, onde foi professor de gymnastica, evoluções militares e esgrima368, ao lado de
Arthur Higgins, no externato. Nesse mesmo ano, ele também foi nomeado professor de
gymnastica no Instituto Nacional dos Cegos369. Ele voltará a lecionar em uma instituição
vinculada aos valores monárquicos em 1895, quando se torna professor da Escola Normal
Livre370 e em seguida estará na Escola de Aprendizes Marinheiros371, como professor de
ginástica e natação.
Vicente Casali chegou à primeira década do século XX investindo em iniciativas
particulares que remetiam ao seu trajeto de vida no Brasil. Em 1900, foi proprietário de
uma casa de banhos372 no Rio de Janeiro. Ele esteve presente no corpo docente do colégio
Rampi Williamns373 lecionando ginástica, e na Escola Militar, possivelmente lecionando
esgrima e natação374. Em toda sua carreria como professor, Vicente foi um professor
ativo, estando presente em diversas e importantes escolas do Rio de Janeiro. Poucas são
as referências a Vicente nos jornais dos últimos anos de vida, que falece em 1906, atuando
como “professor de gymnastica do Gymnasio Nacional.” 375.
368
Diário Oficial da Unial, 28/12/1890. Seção 1, p. 2.
369
Diario de Noticias, 11/05/1890, p.2
370
Diario de Noticias, 18/02/1895, p. 2
371
O Paiz, 21/08/1898, p. 1.
372
A Federação, 22/06/1900, p. 1.
373
O Pharol, 12/06/1903, p.1
374
O Paiz, 10/02/1904, p. 2.
375
Diario do Maranhão, 30/05/1906, p. 1.
147
Considerações finais
Compreender a ginástica que o circo apresenta e faz circular no Brasil no período
de 1840 a 1880 demandou para esta pesquisa um duplo movimento: identificar o circo e
sua chegada em terras brasileiras, apontando possíveis caminhos percorridos pelas
companhias e elencando sujeitos e espaços que se associaram a esse empreendimento.
Estabelecido esse cenário, identificar, analisar e relacionar algumas das diversas práticas
que carregaram o nome de ginástica nos picadeiros brasileiros, e quais delas migraram,
de forma híbrida, para a escola. O repertório circense era vasto, como averiguado nos
jornais pesquisados. Essa profusão de práticas permite afirmar que a ginástica esteve
presente de forma importante nos circos no período estudado e alcançou outros espaços
sociais.
O percurso inicial das companhias circenses para o Brasil - em grande parte
inglesas e italianas - se deu de forma indireta. Chegando a nações como Argentina e
Uruguai, elas apresentaram espetáculos vinculados às expressões europeias, nos quais a
equitação e a ginástica compuseram parte do repertório de seus espetáculos.
Destaco que, nesse movimento de chegada à América do Sul, as apresentações
circenses sofreram alterações nos números exibidos, principalmente no que se refere aos
temas abordados nas pantomimas e aos símbolos associados às outras práticas. O circo se
adaptou e buscou nos contextos sociais elementos para as noites de divertimentos -
artistas, animais, manifestações culturais, técnicas de expressão e doma – diversificando
e se diferenciando dos espetáculos europeus que o inspiravam.
Sobre esse movimento de chegada das companhias circenses, acredito que novas
e importantes fontes ainda podem ser mobilizadas, com o intuito de refinar a reflexão, no
sentido de saber o que efetivamente o circo alterou ou fez permanecer em terras
brasileiras. Existem agendas elaboradas por secretários e empresários circenses, no caso
norte-americano, que relatam as turnês realizadas por circos (THAYER, 2000;
PARKINSON, 2002). A utilização dessas agendas foi uma das ferramentas de
planejamento e controle das companhias durante as viagens e contribuíram com a
organização interna do circo. Acredito que a identificação desses textos no Brasil possa
acrescentar novos e interessantes aspectos do nomadismo circenses, permitindo rastrear,
com maior precisão, sujeitos e expressões artísticas presentes nos picadeiros.
Como objeto híbrido, o circo permitiu o diálogo entre diversas manifestações
culturais, adaptando-se e entrando em simbiose com os meios sociais que aportou. O
148
espetáculo circense fez assim circular conhecimentos diversos em seus picadeiros. Nos
números equestres e ginásticos, ele demonstrou variadas possibilidades do corpo humano,
seja na equitação ou na ginástica.
Nesse aspecto, o circo trouxe para o Brasil um acervo gestual ainda pouco
utilizado ou visto no período. A abertura para práticas contemporâneas ao século XIX fez
o circo funcionar como uma espécie de “gabinete de curiosidades” circulante,
apresentando um espetáculo que continha elementos clássicos e modernos.
Se para os séculos XVI e XVII esses gabinetes colecionavam e ao mesmo tempo
exibiam objetos raros dos reinos animail, vegetal e mineral, no século XIX os picadeiros
funcionaram como uma espécie de coleção de um acervo gestual humano. Exibindo raros,
grandiosos e únicos artistas coletados ao longo das turnês, eles apresentavam em seus
números um conjunto de habilidades que, além de contempladas, poderiam ser
aprendidas.
Os números equestres serviram de referencial para a doma e a equitação brasileira;
o picadeiro, por vezes, foi utilizado para a demonstração e ensino/aprendizagem de novas
técnicas vinculadas a essa prática. Os discursos presentes na doma parecem possuir
proximidade com certos argumentos educacionais que viam no controle da vontade
humana o principal meio para adestrar o lado selvagem e descontrolado do mundo natural.
Ao analisarmos o conjunto de práticas que teve no cavalo o centro das atenções,
é possível também visualizar que o circo esteve preocupado com a divulgação do que era
elaborado dentro dos picadeiros. Essa divulgação e ensino não estiveram presentes apenas
de forma oral, como frequentemente é anunciado em pesquisas (DUARTE, 1996; SILVA
2002); ela se deu na ação corporal, deixando vestígios na escrita de manuais de doma.
As apresentações equestres circenses oferecem também referências de hibridação
com a ginástica. Por meio da fusão da Alta Escola com os acrobatas, o circo exibiu nos
anúncios uma espécie de ginástica equestre, representada constantemente pelo cavaleiro
acrobata. Essa forma de ginástica associou as matrizes equestres e acrobáticas de forma
profunda, sendo a representação gráfica mais utilizada nos anúncios pesquisados.
Outro aspecto importante foi o emprego do termo Alta Gymnastica, vinculado
principalmente à prática do trapézio, mas podendo ser encontrado em números gymno-
equestres também. Esse termo parece insipirado nas referências estabelecidas pela Alta
Escola e na própria tradução literal do francês encontrado em anúcios estrangeiros. A Alta
Gymnastica contrastava com o que compêndios e manuais de ginástica expressavam no
149
período, não sendo, no entanto, uma negação, pois ambas se preocupavam com um corpo
elegante e forte.
A imersão social do circo trouxe em seu conjunto novas imagens para retratar o
cotidiano das cidades e vilas. Nesse caso, os números serviram como fonte de inspiração
para a ilustração de acontecimentos políticos e sociais. Esse conjunto de referências não
pôde ser apronfudado nesta pesquisa, mas destaco que ele pode ajudar pesquisas futuras
que lidem com a educação das sensibilidades.
Como empreendimento, o circo variou e expandiu suas ações em solo brasileiro.
Ao pesquisar aqui as entradas de jornais, é possível visualizar que os circenses divulgaram
seus conhecimentos para além da exibição de números e atos. A questão dos cursos de
equitação e ginástica, não encontrados em pesquisas anteriores, reflete esse tipo de
ampliação do raio de ação dos circos e merece maiores investimentos quanto ao seu
conteúdo e sujeitos envolvidos.
No Brasil do século XIX, a ginástica abarcou uma gama enorme de práticas. Ela
foi associada a uma gestualidade específica que, demonstrada nos picadeiros das grandes
companhias, exibia elementos de força, agilidade, equilíbrio e elegância. Essa polissemia
da ginástica expressa nos jornais só foi possível de ser identificada com a construção de
um banco de dados específico para a pesquisa.
Ao dialogar com pesquisas e fontes internacionais, sobressalto que essa
polissemia indica que, para o estudo de práticas circenses, dois cuidados devem ser
tomados: a questão da tradução realizada por jornais, que agrupou diversas práticas sobre
o termo gymnastica; e a forma como, nos jornais, a ginástica exibida pelos circos parece
se referir mais a uma forma de se movimentar do que a um conjunto específico e fechado
de gestos.
Essa ginástica expressa pelos circos no Brasil carrega em seu centro características
híbridas. Ela associou nos picadeiros elementos da equitação, dos equilíbrios, do teatro,
da dança com um conjunto de expressões acrobáticas. Se para os circos essa adaptação e
transformação dos números ginásticos representou uma das ferramentas para o sucesso
em terras brasileiras, ela também pode ser relacionada às próprias questões sociais
nacionais.
Nos discursos dos jornais, o corpo circense recebeu destaque pelo seu porte físico,
apresentando referências para a formação de um corpo forte. As críticas relatavam o
espanto e maravilhamento das plateias que assistiam aos saltos e piruetas das companhias
150
Por fim, aponto que pensar a ginástica que o circo expressa, e que merece estudos
ainda mais aprofundados, representa a possibilidade de encontrar em espaços diversos
outros signos que foram importantes na construção do campo da educação física. Essa
história, que tantas vezes está à margem das pesquisas, demonstra um campo de
possibilidades a ser explorado.
O circo oferece elementos de ruptura e permanência nos discursos educacionais
do século XIX, seja ao falar de cavalos, de ginastas, do teatro, da música. Ele oferece
outros pontos de vista para a leitura social. Entender o que circo apresenta em seus
espetáculos é entender em alguma medida o que o cotidiano e seus sujeitos entendem por
temas como cultura e educação. A aliança de opostos que o circo expressou foi de fato
interessante e produtiva no solo brasileiro.
152
DE-SIMOUI. Relatorio sobre huma memoria do Sr. Guilherme Luiz Taube acerca
dos effeitos physicos e moraes dos exercicios gymnasticos lido na sociedade de medicina
do Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 1832, pelo Dr. Luiz Vicent De-Simoui, Membro
Titular e Secretario Perpetuo da dita Sociedade, etc. Rio De Janeiro, 1832.
DA ROCHA A. J. Diccionário da maior parte dos termos homónymos, e
equívocos da lingua portugueza: augmentado com huma grande cópia de vocábulos
155
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168
Anexo I
Uma volta ao mundo dentro do picadeiro
Pensar o circo376 significa pensar os espaços e os sujeitos que transitam nele, sejam
assistindo, apresentando, ou organizando. No caso dos artistas, o circo reunirá em um
mesmo espaço várias famílias e tradições corporais, dos acrobatas, equilibristas,
malabaristas, bonequeiros, que teriam optado por deixar as feiras em praças públicas e as
ruas, para se abrigarem nos teatros, onde dispunham de um conforto técnico e um público
pagante. Segundo Henry Thétard, a associação desses artistas de rua com os grupos
equestres de origem militar é considerada uma das bases do circo.
Alguns estudos brasileiros (ERMINIA 1996; GOIS, 2014; BORTOLETO 2012)
assinalam que o circo estruturado com picadeiro e plateia circular advém em grande
medida das iniciativas de Phlip Astley (1742 – 1814)377. Ele é um dos sujeitos que ajuda
a compreender os contextos nos quais esse circo é instituído. Astley foi oficial da
cavalaria britânica, lutou na Guerra dos Sete Anos, em 1759, e obteve dispensa em 1766.
Após se retirar da cavalaria começou a adestrar cavalos e ensinar a arte da montaria.
Assim como outros mestres e ex-membros do exército, Astley utilizará das
apresentações sobre o cavalo como forma de divulgação de sua escola de montaria. É
também nesse período que, como consequência da redução da utilização de regimentos
de infantaria montada e a diminuição da utilização de divertimentos equestres, como os
carrosséis378, as apresentações sobre cavalos se tornam populares em praças e em espaços
fechados, tais como as escolas de montaria.
376
O guia de Cambridge para o teatro define circo como “um entretenimento popular. Seu nome deriva da
palavra latim para "circulo", mas em especifico do termo Circus Maximus de Roma. Circo é definido por
Marcello Truzzi como uma instituição itinerante e que exibe animais e homens habilidosos, com um ou
mais palcos circulares, conhecidos com picadeiros, perante uma audiência que rodeia essas atividades".
Stanton, S. Martin, B. The Cambridge Paperback Guide to Theatre. 1996.
377
Por meio do desenvolvimento de Astley, é possível observar a incorporação de alguns elementos dentro
do circo, como a ginástica. Mais informações em http://www.circopedia.org/Philip_Astley, consultado em
10/09/2014.
378
Apresentações coreografadas com utilização de cavalos.
169
O cavalo no século XVIII ocupa espaço de destaque nas sociedades europeias para
distintos usos, seja na caça, nas tropas auxiliares, no transporte e na arte da montaria.
Existe todo um discurso do conhecimento técnico sobre a doma e equitação, que será
valorizado por essa sociedade aristocrática.
Erminia (2007, p. 33) conta que alguns ex-cavaleiros militares ministraram cursos
de hipismo para os nobres, realizando também apresentações particulares e “organizando
espetáculos ao ar livre, em geral nas praças publicas, mediante pagamento”. Esses artistas
equestres dividiram espaço com artistas funâmbulos (contorcionistas, prestidigitadores,
ginastas, mágicos, malabaristas e etc.), muitas vezes advindos de famílias que se
especializaram nessas praticas, como veremos mais à frente o caso da família Chiarini.
Antes mesmo de Astley, aqueles que buscavam apresentações e performances de
variedades, encontrariam pequenas trupes oferecendo espetáculos específicos379. Na
Alemanha em 1708, a aristocracia assistia a espetáculos de combate com feras selvagens
nos anfiteatros; na Inglaterra, lutas semelhantes ao boxe eram apresentadas por James
Figg380 (ROBERTS E SKUTT, 2006).
Em 1750 em Viena, Français Defraine já oferecia apresentações de caça a cervos
e javalis no anfiteatro a céu aberto fundado por ele (BOLOGNESI, 2006). Na própria
Inglaterra, assim como na Espanha, os volteios e as apresentações equestres se tornarão
cada vez mais próximos dos espetáculos acrobáticos após 1760, segundo Hotier (1995).
Se a organização do espaço de apresentação, em formato de arena a céu aberto, não fora
exclusividade de Astley no período, como tanto se afirmou uma bibliografia nacional,
pode-se, no entanto, creditar a ele inovações na forma e nos objetos das apresentações
dentro dessas arenas.
Os saltimbancos também, em grande parte advindos das feiras, se instalavam nas
calçadas, em pequenos palcos de madeira e barracas, tentando atrair quem passava. Aos
poucos, essas calçadas se tornariam intransitáveis e alguns artistas mais ambiciosos
migrariam para lotes vagos, especializando-se em apresentações híbridas, segundo Wall
(2013).
379
Entres esses espetáculos, existiam dois tipos de atos com animais: as apresentações de feras e o
adestramento. As apresentações eram as mais fáceis de se organizarem, pois envolviam basicamente a
coleta de animais de outros lugares por conquistadores, que eram por sua vez exibidas como animais
exóticos enjaulados. Já o adestramento demandava menos custo, porém muita habilidade. Os adestradores
exibiam animais domésticos - cachorros, macacos, porcos, mulas e até ursos - dançando, pulando e
realizando imitações.
380
James Figg foi coroado como campeão de boxe entre 1719 até sua morte em 1740. Ele também era dono
do Figg's Amphitheatre em Londres, sendo um dos responsáveis pela popularização dessa prática.
170
381
Marius Kwint, "Astley's Amphitheatre and the Earn Coins in Britain, 1768-1830”, 1995.
382
Historical and literary curiosities, consisting of fac-similes of original documents; scenes of remarkable
events and interesting localities; and the birth-places, residences, portraits, and monuments, of eminent
171
literary characters; with a variety of reliques and antiquities connected with the same subjects. Selected and
engraved by the late Charles John Smith. Volume 51, November 1837.
383
Jacob de Castro, Memoirs, (with) life of Philip Astley, the history of the Royal Circus, a sketch of
Sadler's Wells, advertisements (etc.), 1824. E-livro, disponível em:
books.google.com.br/books?id=lJpOAAAAcAAJ.
384
Ou palhaço, que preenchia o espaço entre uma apresentação e outra. Nesse caso, o artista se chamava
Mr. Merryman.
172
385
Quando a guerra entre o Reino Unido e as forças revolucionárias francesas eclodiu, Philip Astley estava
com 51 anos, realistou-se na 15th Light Dragons, atuando como mestre de cavalaria, correspondente de
guerra e uma espécie de celebridade capaz de elevar a moral da tropa.
386
Existe uma outra versão para o acidente, na qual teria sido o pai de Franconi a matar um senador.
Antonio, vendo sua vida ameaçada, teria fugido com ciganos e mercadores, transformando-se em adestrador
como forma de sobrevivência.
173
equestre. Franconi, ao que tudo indica, aprenderia nesse período a arte do volteio, e
também estudaria o gênero de espetáculo que Astley criara, uma mistura de teatro e
montaria.
No período de conflito entre Inglaterra e as forças revolucionárias francesas, o
anfiteatro de Astley apresentava as derrotas francesas, como a Batalha de Waterloo, e o
Circo Olímpico, as vitórias francesas. Quando esse conflito diminuía e as nações
entravam em acordo, Astley mudava o foco do espetáculo. Qualquer que fosse o período,
os espetáculos tinham, como pano de fundo, questões militares, com a utilização de
cavalos e homens para retratar fatos, ideais políticos e morais.
Após 1802, com a chegada de Napoleão, Astley reassume o circo francês. A
família Franconi já possuía um circo permanente próprio em Paris e outros espalhados na
Europa387. O ano de 1807 foi importante para a família Franconi, pois seu circo mudou-
se para uma parte mais nobre de Paris, na Rue du Mont-Thabor, perto do Palácio Real
(SPIETH, 2007).
Os Franconi construíram uma nova arena capaz de abrigar mil e duzentas pessoas,
mudando o nome do empreendimento para Cirque Olympique. Interessante destacar aqui
que esse foi um período de intensa repreensão aos teatros pelo regime Napoleônico, mas
o circo de Franconi parece não ter sofrido muito com essa proibições, em grande medida
pelo fato de o circo escapar às classificações do decreto de 1807388. O Cirque Olympique
tinha permissão para apresentar atos em que cavalos e outros animais tivessem um papel
de destaque. No entanto, muitas pantomimas eram apresentadas no meio desses atos,
como a "La Lantern de Diogène" uma pantomima equestre.
Os espetáculos nesse período tem o corpo como objeto central, demonstrando a
superioridade do humano frente à natureza nas apresentações feéricas, superando os
limites do natural com as acrobacias e rompendo certos valores sociais com as
interpretações do clown. Os hipodramas agregaram sentidos e significações para
habilidades humanas, que, em alguns momentos, superam as ideias científicas de
harmonia e simetria. Bolognesi (2010) reflete que o circo é um dos lugares que demonstra
387
Após 1802, Antonio Franconio se associará a Louis Dejean, e juntos assumirão o controle da cena
circense francesa, construindo vários anfiteatros, como o Cirque d'Hiver, Cirque d'Eté e Cirque Medrano.
388
No dia 29 de julho de 1807, Napoleão assinou um decreto, reduzindo o número de teatros em Paris para
oito, ficando apenas o Théâtre Français (reservado para apresentações de tragédias e comédias); o Théâtre
de l'Impératrice (um espécie de anexo ao Théâtre Français); o Théâtre de l'Opéra (Academia Imperial de
música, reservado para músicas e danças); o Théâtre de l'Opéra-Comique (para comédias ou drames mêles
de couplets) e mais quatro teatros secundários, entre eles o Théâtre de la Gaîté (destinado a pantomimas de
todos os gêneros, ballets e arlequinadas).
174
que “o homem é o senhor absoluto, o dono e regente da vida, não apenas porque é o
animal mais evoluído”.
Victor Fournel389 dirá no Le Vieux Paris (Apud WALL, 2013, p.136):
389
François-Victor Fournel (1829 - 1894) é um escrivão, jornalista e historiador francês, que publica críticas
literárias em diversos jornais. Entre seus livros mais conhecidos, estão Curiosités théâtrales anciennes et
modernes, françaises et étrangères, 1859 e Paris noveuau et Paris futur" de 1865.
175
390
Catarina inclusive construirá um anfiteatro para Hughes em São Petersburgo e outro em Moscou. Hughes
permaneceu três anos na Rússia, apresentando espetáculos circenses, e dando aulas de equitação, quando
ele finalmente deixou a Rússia, seus cavalos, alunos e um mercado aberto por ele permaneceram lá.
391
Velten, Beastly London: A History of Animals in the City, 2013, p. 132-134.
176
392
Em 1787, Charles Hughes obtém uma licença para a venda de liquores para o circo, transformando o
lugar no que o historiador George Tuttle descreverá como um espaço para orgias noturnas, motins e
confusões.
393
Nomes do Teatro: 1791-1794 - Royal Saloon; 1794-1795 - Royal Grove; 1795-1804 - Astley's
Amphitheatre of Arts; 1804-1823 - Royal Amphitheatre; 1823-1825 - Davis' Royal; Amphitheatre; 1825-
1842 - Royal Amphitheatre; 1842-1862 - Batty's Amphitheatre; 1862-1863 - Theatre Royal, Westminster;
1862-1863 - Theatre Royal, New Westminster; 1863-1867 - Astley's Theatre; 1867-1883 - Theatre Royal,
Astley's; 1883-1893 - Sanger's Grand National Amphitheatre.
394
Mais informações, ver Bolognesi, 2008.
177
(STTODART, 2000). Além disso, seguindo uma tradição presente em outros grandes
circos, Ricketts também abrirá uma escola de montaria.
Apesar da variedade de atos apresentados por Ricketts, a maior atração continuaria
a ser os truques sobre o cavalo. Esses atos requeriam um rei do picadeiro, que mantivesse
os cavalos na velocidade ideal enquanto os cavaleiros realizavam os truques. Seguindo
uma tradição iniciada por Astley e Hughes, os espetáculos também apresentariam as
pantomimas, dessa vez dramatizando eventos norte-americanos, mitologias e histórias
bíblicas. O sucesso de Ricketts atraíra inclusive o presidente George Washington, que foi
patrono de seus espetáculos em 1793 e 1797.
Infelizmente, assim como em tantos outros casos, o empreendimento de Ricketts
também pegou fogo. Logo após perder seu circo em Nova York, Ricketts foi para
Filadélfia, onde, em 1799, outro circo seu pegaria fogo. Após mais algumas tentativas
arruinadas, e falido, Ricketts resolve voltar para Inglaterra, esperando quem sabe se
reestabelecer no país, mas seu navio afunda em data desconhecida em 1800.
Após a morte de Ricketts, pouco foi feito pelo circo nos Estados Unidos. A trupe
europeia de Pepin e Breschard, na virada para o século XIX, apresenta o primeiro elefante
no continente em 1796. Já o segundo elefente, Old Bet, foi ainda mais popular, dando
origem a uma tradição no país na lida de animais dentro dos circos. Alguns circos se
especializariam, ao longo do século, no que seria divulgado como circos zoológicos -
principalmente na América do Sul.
Um destaque importante aqui é o fato de que as trupes europeias que atravessaram
o oceano importaram uma forma de apresentação que já estava em voga no velho
continente, a mistura de cavalos, acrobacias ginásticas e exibição de animais.
Na América do Norte, nas primeiras duas décadas do século XIX, o circo de Pepin
e Breschard realizou turnês de Montreal até Havana, construindo anfiteatros para seus
espetáculos em muitas das cidades visitadas. Outra inovação importante durante a virada
do século XVIII para o XIX é a utilização de tendas, atribuídas ao americano J. Purdy
Brown.
As razões pelas quais ele exibia os shows debaixo dessas tendas são
desconhecidas. Inicialmente essas tendas eram pequenas, constituídas basicamente de um
picadeiro e algumas centenas de cadeiras soltas. Essa forma de utilização do espaço se
tornou um componente padrão.
Dois séculos depois, ainda é utilizada por circos. As tendas permitiram que Brown
atravessasse rapidamente os Estados Unidos, passando pela Virginia em 1826 e pelo Rio
179
Mississipi em 1828. Seu espetáculo não tinha muita variação ao que fora apresentado por
Ricketts.
Mais tarde, os investimentos de Purdy, Welch & co. deram maior visibilidade para
os espetáculos nos Estados Unidos, sendo que, em 1825, J. Purdy levou uma das primeiras
grandes tendas para que os espetáculos ocorressem. O circo americano foi revolucionado
por Phineas T. Barnum e William Cameron Coup, que estrearam o T. Barnum's Museum,
Menagerie & Circus, uma combinação de gabinete de curiosidades, museu, zoológico e
destrezas humanas, exibindo também o que o circo americano viria a se especializar: o
freakshow. Phineas T. foi o primeiro empresário a utilizar as ferrovias como meio de
transporte395 para o circo, uma prática que perdura até os dias de hoje, com o Ring Ling
Circus.
Entre o período de 1820-30, o circo americano sofreu vários embates. Suas
apresentações foram proibidas em alguns estados, e pesadamente taxadas em outros. Os
empresários tiveram que reorganizar os espetáculos, adicionando um caráter educacional
ao show, apresentando coleções de animais e diminuindo o papel exercido por mulheres
na programação. O caso de Phineas T. Barnum é simbólico, devido às péssimas críticas
da imprensa, seu circo se transformou em um misto de museu e espetáculo, criando uma
espécie de espetáculo paralelo ao circo.
Barnum adicionou um segundo picadeiro em 1872 e o terceiro em 1881,
permitindo o crescimento do público em qualquer apresentação. Esse formato inflou o
espetáculo. Se antes eram necessários dois elefantes, agora seriam precisos dez. O circo
tinha dez clowns em vez de apenas um. Devido ao tamanho do circo, suas apresentações
ficaram cada vez mais gestuais.
A influência dos circos americanos trouxe uma mudança considerável no que viria
a ser o circo moderno. Em arenas grandes demais para que o público pudesse escutar os
atores, o tradicional diálogo cômico do clown perdeu espaço, enquanto as práticas
corporais, normalmente relegadas para o segundo plano, ganharam destaque. As clássicas
apresentações equestres adquiriram cada vez mais um tom acrobático, até um ponto em
que o cavalo não era mais o protagonista.
Três importantes nomes circularam no território americano, principalmente na
América Latina. São eles: o italiano Giuseppe Chiarini e os franceses Louis Soullier e
395
Os circos americanos se tornaram exemplo de eficiência logística. Seus métodos levaram à criação do
sistema de rail-truck para movimentação de carga. O maior espetáculo da terra chegou a percorrer 160
quilômetros em uma noite, viajando em três comboios ferroviários diferentes.
180
Jacques Tourniaire. É possível encontrar relatos desses três também na Austrália, Ásia,
China, Índia, Sul da África e Rússia. Soullier introduziu a ginástica chinesa (uma espécie
de mistura de acrobacias com contorcionismo e equilibrismo) nos circos europeus. Já
Tourniaire se associou a James Anthony Bailey, herdeiro de Phineas T. Barnum, levando
"O maior espetáculo da Terra" para a Europa entre 1897 e 1902. Esse show impressionava
pela dimensão de sua organização em larga escala.
Chiarini saiu da Europa para Cuba, estabelecendo um circo em Havana (KOTAR
E GESSLER, 2011), depois partiu para os Estados Unidos, cruzou o Pacífico em direção
ao Japão, em 1855. Já em 1864, estabeleceu-se no México e fez um tour pelo Chile e
Argentina antes de retornar para a Europa, em 1869. Em 1874, viajou para a China e
depois para Brasil396. Em 1878, a companhia embarcou para a Austrália, Nova Zelândia,
Singapura, Java, Sião, Índia e finalmente para a América do Sul novamente. Chiarini
morreu em 1897, na Guatemala.
396
Apresentou inclusive no Circo da Guarda Velha no Rio de Janeiro e no Galpão Universal em Porto
Alegre, passando por cidades como São João Del Rey, como aponta Duarte 1995.
181
Anexo II
Um caminho para o banco
As fontes para a pesquisa no campo da História e História da Educação vêm sendo
transformadas nas últimas dêcadas no que se refere ao acesso e à organização
(ANDREOTTI, 2005; TABORDA DE OLIVEIRA, 2007; NUNES, 1992; FARIA
FILHO 1999; GONDRA E VIEIRA, 2005; LOMBARDI E NASCIMENTO, 2004).
A utilização das novas tecnologias e da informatização de diversos arquivos
ampliou o acesso às fontes e aproximou outros campos do conhecimento ao campo da
história. Associado a isso está a questão das novas fontes indicadas pela Escola do
Annales e a discussão sobre uma abertura para outras empreitadas nos arquivos públicos
que não priorizam apenas a história oficial - das leis e dos discursos políticos -,
incrementando o leque de opções da pesquisa. Jacques Le Goff e Pierre Nora dirão que
“a história se afirma como nova, anexando a si mesma novos objetos que até aqui lhe
escapavam e permaneciam fora do seu território” (2011, p.126).
Para além dessa abertura no leque de opções de fontes que podem ser utilizadas
para a pesquisa, está também a questão da acessibilidade delas. Cada vez mais disponíveis
para o pesquisador, essas fontes lançam um novo olhar sobre objetos já visitados. O
pesquisador pode, salvo os devidos cuidados metodológicos, ter novos ângulos de análise
sobre o seu objeto de pesquisa, a partir de diferentes pontos de vista expressos em fontes
antes descartadas (NUNES, 1992; FARIA FILHO, 1999; FERNANDES, 2004), cabendo
a ele escolher, dentro desse leque de opções, aquele conjunto que melhor lhe contempla
e que pode lhe fornecer possíveis respostas para as hipóteses elaboradas.
A produção de coletânias e repositórios impressos indicando algumas fontes
auxilia no primeiro momento o pesquisador na tarefa de localizar os caminhos de sua
pesquisa. Para além dessas coletâneas, diversos museus e instituições têm se utilizado das
novas tecnologias de registro, organização e acesso às fontes para ampliação da
visibilidade de seus acervos. É possível atualmente realizar pesquisas mais eficientes, no
quesito da localização de fontes em no Brasil, graças às políticas públicas que digitalizam
fontes de especial importância para os pesquisadores, como é o caso das ações
promovidas pela Biblioteca Nacional por meio da Hemeroteca Digital.
A ampliação do acesso às fontes não significa em momento algum que o fazer do
pesquisador deve descartar a visita aos arquivos físicos, que compõem ainda um grande
repertório de registros. Essa ampliação do acesso permite apenas a localização de um
182
maior número de fontes sobre determinados temas, e que deve ser aprofundado em
arquivos de referência. Com um volume cada vez maior de fontes para pesquisa, torna-se
necessária a construção de ferramentas fluidas, que permitam ao pesquisador uma
dinâmica de registro e acesso do acervo coletado, e que, na medida do possível, deem
abertura para a reelaboração e reorganização do que foi coletado até o momento.
A velocidade com que atualmente as novas tecnologias caminham tornam, no
entanto, a escrita sobre utilização de ferramentas de pesquisa algo difícil (ARMANDO
SILVA, 2007), pois o que hoje é atual, rapidamente é substituído. O exemplo dos relatos
com bancos de dados propostos por Luciano Mendes de Faria Filho, no ano 2000, ilustra
essa mudança. Isso não quer dizer que textos como esses não devam ser escritos, e que
experiências de construção e elaboração para organização de fontes não devam ser
compartilhadas. É preciso, entretanto, ter cuidado para que o texto possua uma vida
prolongada, por isso opto aqui, muito mais do que dizer da ferramenta para a construção
do banco de dados, dizer da lógica utilizada para ele.
No caso desta pesquisa, a digitalização e as novas técnicas de identificação e
localização de textos digitalizados permitem o acesso mais dinâmico e menos honeroso,
poupando assim horas gastas em arquivos e permitindo que se invista mais tempo na
produção de uma organização das fontes. A utilização de tabelas e de outras formas de
organização de fontes auxilia o pesquisador na localização e no cruzamento de dados
(FERES E JASMIN, 2007), porém ainda assim oferecem limitações.
Segundo Faria Filho (1999), os bancos de dados no campo da História da
Educação devem ser encarados como forma de produção do conhecimento e não apenas
como forma de organização da pesquisa. A construção de bancos de dados ajuda na tareja
de mapeamento, catalogação e serve também como suporte para programas de pesquisa.
Segundo Marcos Aurelio Taborda de Oliveira (2007), essa deveria ser uma das tarefas
mais importantes dos mestrandos. Foi inspirado nesse texto e em discussões realizadas ao
longo da formação que a proposta de um banco de dados para esta pesquisa nasceu.
uso, que vão procurá-lo também fora das fronteiras do uso, e que o
destinam a um reemprego coerente. (CERTEAU, 1982, p. 81).
397
Para a construção deste banco de dados foram realizados testes de layout do banco para tornar mais
prática a inserção das fontes. Foram também feitos testes no que se refere ao tipo de relação que cada
entrada – chamada aqui de fonte – possuía com o jornal. No caso desta pesquisa, um mesmo número de
jornal poderia possuir mais de uma fonte da mesma tipologia ou de tipologias diferentes. Isso não implicou
criação de entradas replicadas. Ex.: Um número de jornal pode possuir dois anúncios, uma notícia e uma
critica, que o banco de dados o reconhecerá como uma entrada, sendo assim possível buscar tanto pelo
jornal como um todo, quanto pelo tipo de fonte.
398
As demais fontes se encontram agrupadas por décadas e nome de jornais.
184
suas fontes, é no quesito da interface, ou seja, a tela em que o pesquisador insere os dados
que considerou relevante, que cada programa variará. No caso do Microsoft Access,
existe uma opção de design, que permite a utilização de diversas formas de marcação
textual e não textual, otimizando o tempo de trabalho de inserção de dados. As
informações são gerenciadas nesse programa na forma de tabelas, de acordo com o campo
de informação e podem ser exportadas para o Microsoft Excel e outros programas de
tratamento de dados. Tanto o Excel quanto o Access servem aos mesmos propósitos para
o pesquisador - organização e tratamento de dados -, possibilitando o relacionamento
desses dados.
A matriz do banco de dados teve como foco os jornais e suas respectivas edições,
o que denota aqui que cada entrada do banco de dados pode possuir mais de uma
referência ao termo pesquisado. Isso significa dizer que o circo estará presente em alguns
momentos em várias páginas dos jornais e não apenas em partes específicas deles. Tratar
o jornal como um conjunto aberto e ao mesmo tempo individual tem relação também com
a forma como as fontes foram coletadas, em sua grande maioria na ordem cronológica,
página a página dos jornais. A imagem a seguir demonstra o tipo de relação construída
para que a forma de apresentação do jornal fosse privilegiada no banco de dados:
Para o tratamento das fontes, foram utilizadas as técnicas de data mining399 e text
mining400. Com isso, não apenas dados quantitativos podem ser retirados do banco de
dados, mas também foi possível a busca de termos específicos relacionados ao circo. Para
esta pesquisa, interessou-me a busca de termos como aula, professor, ginástica e a forma
como esses termos se relacionavam em notícias vinculadas ao circo e nos anúncios de
espetáculos.
Pensar o banco de dados tendo em vista a relação circo–ginástica limita em parte
sua utilização. Por isso, mesmo que cada fonte pudesse conter diversos identificadores,
uma caixa de texto com a transcrição parcial da fonte não foi descartada. É possível assim
aumentar o campo de ação do banco, pois, dentro do campo de transcrição, podem ser
realizadas pesquisas por termos específicos e termos associados. Outra vantagem do
banco de dados é a possilibidade de buscas conjugadas, ou seja, buscas por um termo
geral, associadas a um termo específico, o que produz uma infinidade de relações ainda
não exploradas.
399
Mineração de dados: processo de explorar dados à procura de padrões, associações, mudanças e
anomalias relevantes.
400
Mineração de dados textuais: descoberta de informações, anteriormente desconhecidas, em textos de
linguagem natural (sem estruturação dos dados), por meio da utilização de algoritmos computacionais.
187