Cópia de MELLO Suzy de Barroco Mineiro Casario

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o casario

'Tudo me chama: a porta, a escada, os muros,


as /ajes sobre mortos ainda vivos,
dos seus pr6prios assuntos inseguros.
Assim viveram cheles e cativos,
um dia, neste campo, entre/ar,;ados
na mesma dor, quimericos e a/tivos.
E assim me acenam, por todos os /ados.
Porque a voz que tiveram licou presa
na sentenr,;a dos homens e dos lados. "

A inda que, como geralmente ocorre, a chamada arqui-


tetura monumental, na qual se inc1uem as constru~oes de
maior porte como igrejas e edificios oficiais, seja mais estu-
dada e valorizada por sua marcante presen~a nos conjuntos
urbanos, 0 casario - que justamente define essas aglomera-
~oes - e de extrema validade e significa~ao por constituir 0
abrigo indispensavel ao homem.
Efetivamente, a casa - que, em uma primeira leitura,
tern como fun~ao basica a do abrigo - extrapola esta condi-
~ao inicial para abranger outros aspectos muito mais amplos e
que se traduzem em costumes, valores pr6prios e todo urn tip
de vida que, embora tenha algumas varia~oes, apresenta bun-
bem elementos constantes e comuns a determinados srnpON.
Em uma analise mais objetiva, portanto, e importante mais atingiu em sua arquitetura civil e domestica 0 mesmo
caracterizar"':"" ainda que esquematicamente - a casa portu- grau de esplendor apresentado pel as construl;oes religiosas.
guesa pois era a ela que 0 colonizador se reportaria, com as Neste particular, a Bahia seguiu a norma geral da civilizal;3.0
imprescindiveis adaptal;oes impostas pelas condil;oes locais luso-brasileira, pois tanto na America como na terra-m8oe,
proprias do territorio colonizado - no caso, 0 Brasil - ao se afora raras excel;oes na corte de Lisboa, as casas e mesmo pa-
instalar em novos ambientes. Como, alias, afirmou Robert C. lacios eram modestos em prOPOrl;8oOe decOral;8oO".3
Smith ao observar que "os portugueses estabeleceram no Bra- Efetivamente, apesar de contar com belos e elegantes
sil, quase intaeto, 0 mundo que haviam criado na- Europa" .1 exemplos entre os quais poderia ser destacado 0 Solar do Mor-
Entretanto, n800 foi tao simples nem t800 uniforme essa gado de Mateus, proximo a Vila Real, na regHio de Tras-os-
transposil;8oO pois, alem de diversificados detalhes que marca- Montes, a arquitetura residencial portuguesa e muito mais a
yam a arquitetura residencial nas diversas regioes de Portugal, do casario desataviado e harmonioso que a de imponentes e
teriam que ser levados em conta outros fatores como a preca- pesadas solul;oes. Aiem do mais, 0 colona 'lue se estabeleceu
riedade das construl;oes pelas dificuldades de m8oo-de-obra, as no Brasil e aqui fez sua casa era, principalmente, 0 portugues
diferenl;as de materiais construtivos e de condil;oes climatic as simples, do povo, que trouxera entre suas lembranl;as as da
e ate mesmo 0 aproveitamento de solul;oes indigenas aqui en- singela modulal;8oO das construl;oes que Ihe eram familiares.
contradas pelos portugueses. Urn grande proprietario rural como Garcia d'Avila, que er-
Lucio Costa observou com extrema clareza toda a impor- gueu ao norte de Salvador uma imensa e fortificada residencia
tancia da persistencia das tradil;oes locais ao escrever que em pedra, constituia uma eXCel;8oO.
"a arquitetura regional autentica tern as suas raizes na terra; Assim, 0 vocabulario plastico das casas seria, basica-
e produto esponHineo das necessidades e conveniencias da mente, 0 da chamada "arquitetura popular" portuguesa que,
economia e do meio fisico e social e se desenvolve, com tecno- embora variando regionalmente, permaneceu como a fonte
logia a urn tempo incipiente e apurada, a feil;8oOda indole e do natural de inspiral;8oOpara 0 que foi aqui construido ate 0 final
engenho de cada povo; ao passo que aqui a arquitetura ja veio do seculo XVIII.
pronta e, embora beneficiada pela experiencia anterior afri-
cana e oriental do colonizador, teve de ser adaptada como S8oo, portanto, muito validas as observal;oes de Lucio
roupa feita, ou de meia-confecl;8oo, ao corpo da nova terra. Costa4 em relal;8oOas principais caracteristicas da arquitetura
A vista. desta constatal;ao fundamental, importa pois co- portuguesa entre as quais, no geral, pode ser indicada ~ pre-
nhecer, antes de mais nada, a arquitetura regional portuguesa dominancia do "contraste da ~ra com a caial;8oO", da Beira
no proprio berl;o, porque e na construl;8oo popular de aspecto Baixa para cima e, em especial, no "Entre Douro e Minho"
viril e meio rude, mas acolhedor, das suas aldeias que as qua- ou "sen8oo mesilla 0 emprego exclusivo do granito em grandes
lidades da ral;a se mostram melhor, percebendo-se, desde lo- bloc os toscos ou aparelhados como ocorre na Beira Alta e
go, no acerto das proporl;oes e na ausencia de artificios, uma Tras-os-Montes" enquanto que, na Extremadura e na area de Q-:f.
saude plastic a perfeita, se e que se pode dizer assim". 2 Lisboa e Ericeira, ha urn evidente "predOminio da Caial;aO':. ~~-
Mas, ainda que dispondo dessa "saude plastic a perfeita" , Ja no Alentejo "domina inconteste uma [mpecavel brancura"
a casa portuguesa e, essencialmente, simples. Ate mesmo e no Algarve - no extremo sul- vigoram os detalhes "amou-
como a opulenta sede do vice-reinado ate 1763, quando suas riscado~", como terral;os e as "caprichosas-cli'i~a-
igrejas eram as mais ricas e maiores do Brasil, Salvador "ja- res", com peculiar decOral;8oO.

(1) Smith, Robert C. Arquitetura Colonial. Salvador, Progresso, 1955, p. 11. (3) Smith, Robert C. Op. cit., p. 63.
(2) Costa, Lucio. Op. cit., p. 11. (4) Costa, Lucio. Op. cit., p. 12.
Estes regionalismos aqui seriam repetidos com maior ou coes, das ocas monumentais dos nativos, tanto mais que eram
menor enfase pelos colonizadores, pois eram "de onde eles vi- implantadas em clareiras, como 0 terreiro das malocas, uma
nham, para a grande aventura inconsciente de comecar a fa- vez que 0 inimigo - bicho ou indio - vinha da mata" .8
zer urn novo pais".5 Assim, a evolucao da arquitetura residencial no Brasil
o mesmo sucederia com as tecnicas construtivas pois pode ser esquematizada de forma bastante clara e logica se-
"cada mestre, oficial ou aprendiz - pedreiro, taipeiro, car- guindo, praticamente, padroes muito semelhantes nas diver-
pinteiro, alvaneu - trazia consigo a lembranca da sua provin- sas regioes do vasto territorio desbravado e cujas caracteris-
cia e a experiencia do seu oficio, dai a simulHinea adocao, logo ticas mais essenciais se repetiriam na medida em que novas
de inicio, das diferenciadas feicoes arquitetonicas proprias de areas iam sendo povoadas, e mesmo em epocas diferentes, a
cada modo de construir: a taipa de pilao, a taipa de sebe, ou sequencia dos tipos de abrigos nao apresentava maiores modi-
de mao - pau-a-pique, 0 adobe, a alvenaria de tijolo, a pedra ficacoes, salvo por algumas solucoes mais particulares e de ca-
e a cal".6 rater regional que atendiam a programas mais especificos
Com 0 correr do tempo houve uma natural selecao destas como e 0 caso, por exemplo, das cham ad as "casas bandeiris-
tecpicas prevalecendo umas e outras nas divers as regioes do tas" que corresponderam as condicoes prop'rias de vida dos
Brasil de acordo com 0 tipo de solo, a faeilidade de obtencao paulistas ou, ainda, os engenhos de cana-de-acucar no Nor-
dos materiais e a qualidade da mao-de-obra local. deste, gran des conjuntos de atividades agricolas e industriais
Por outro lado, a contribuicao dos silvicolas brasileiros a que teriam, naturalmente, uma organizacao mais complexa.
arquitetura em geral foi muito restrita devido a sua limitada No entanto, porem, e importante lembrar que tanto a casa
capacidade, em forte contraste com as evoluidas culturas que bandeirista quanto 0 engenho eram propriedades rurais, fator
marcaram os territorios da America Espanhola. Assim, "quan- que as diferencia naturalmente das construcoes em nucleos
do os primeiros colonizadores construiram as primeiras casas, que mais rapidamente se transformariam em cidades.
nao encontraram nesta parte da America uma tradicao de Trata-se, entao, de urn desenvolvimento muito "interes-
construcao representativa, nem auxiliares que interpretassem sante, pelas caracteristicas permanentes dessa casa principal-
os seus metodos, mas apenas 0 aborigene, a floresta, 0 rio mente pela unidade do seu aspecto em to do 0 territorio, e pela
caudaloso e a taba com suas ocas de trancado, cobertas sim- imutabilidade, atraves do tempo, dos principios que presidi-
plesmente de folhas de pindoba ou sape".7 ram a sua construcao, fenomeno esse comparavel, pela seme-
Portanto, "a identificacao com 0 indigena restringiu-se lhanca (tendo-se em vista a extensao territorial) ao da lingua e
ao 'programa' dos abrigos iniciais a guisa de casas - grandes ao da religiao. Sofrendo entre tanto como a raca, ou melhor
espacos cobertos nas feitorias ou ranchos, como nos 'montes' como 0 homem, urn processo lento de formacao, como este,
~' Q.. do Alentejo - onde acolher as l~vas de colonos trazidos pelas manteve a casa 0 seu carater, a sua fisionomia, enquanto nao
:\~\i\ fro_tas. Por seu ta~an~o, esses telhadoes pouco afastado~ ~o perturb ados pel a ocorrencia de elementos estranhos em certas
IJ..),IJ\ chao, como nos prop nos engenhos, romp lam com a tradlcao regiOes, e a partir de certas epocas - incidente natural e ine-
,\\\1 metropolitana - que consistia em decompor a cobertura das vitavel. (. .. ) E a casa se manteve durante seculos, numa un i-

~V
\ - 6' edificacoes de maior porte em telhados menores - aproxi-
mandoassim tais estruturas, por sua pureza formal e propor-
formidade imperturbada, numa consHincia impressionante".9
Dai nao se poder considerar como uma simplificacao ou
urn exagero a observacao do engenheiro e arquiteto frances

(5) Costa, Lucio. Op. cit., p. 12.


(6) Costa, Lucio. Op. cit., p. 12-3.
(7) Wasth Rodrigues, Jose. A Casa de Moradia no Brasil Antigo: Revista do
(8) Costa, Lucio. Op. cit., p. 13-4.
Servir;o do Patrimonio Historico e Artfstico Nacional, Rio de Janeiro, Ministerio da
(9) Wasth Rodrigues, Jose. Op. cit., p. 159-160.
Educa~ao e Saude, (9), 1945, p. 161.
Vauthier que, permanecendo no Brasil entre 1840 e 1846, es- l;oes iniciais de precariedade se sobrepunham as de perma-
creveu que "quem viu uma cas a brasileira, viu quase todas". 10 nencia que, evidentemente, incluiam melhores acomodal;oes e
Dentro, portanto, de urn quadro geral de desenvolvi- urn nivel minimo de conforto.
mento da arquitetura civil urbana no Brasil que abrange des- Ainda que esse conforto fosse muito limitado, ja as casas
de 0 seculo XVI ate 0 XVIII, tanto no litoral quanto no inte- se subdividiam em areas mais especificas para a setorizal;ao
rior, 0 primeiro e mais primitivo tipo de abrigo e 0 chamado das atividades domesticas, organizando-se em plantas ue
, rancho, que corresponde a fixal;ao mais inicial e provisoria do tendiam para a forma quadrada e nas quais se estabeleciam
~ (( colonizador no territorio. Tratava-se de uma construl;ao im- C6modos para 0 repouso,p--af"a asrefell;oes e para seu preparo.
,J provisada, estruturada em barrancos ou com galhos de arvo- Ao mesmo tempo, eram melhorados os acabamentos primo.r-
\9 res e coberta com fibras vegetais. Era constituida por uma dialmente pelo uso de toscos rebocos nas paredes que foram,
I pel;a unica, a feil;ao dos acampamentos militares, e estabele- depois, caia~as. As fachadas, porem, organizavam-se com
cia, como bem indicou Lucio Costa, uma especie de combina- grande simplicidade, com porta e janela - esta situada a
l;ao da grande oca indigena com os "montes" do Alentejo, meia altura das paredes, fechada com folha unica e com forma
anteriormente referidos. sempre quadrada. As esquadrias eram ainda rustic as e 0 piso,
A medida, porem, que esses locais se comprovavam ade- antes de .terra batida, passava a receber urn tabu ado ainda ok(-

quados a instalal;ao de nucleos permanentes, uma urbaniza- irregular. as forros, ate entao inexistentes~ comel;aram tam-
l;ao, ainda que incipiente, era iniciada embora os abrigos con- hem a se apresentar com o~de ingenuos tram a-
tinuassem a se erguer de forma rudimentar, se bem que, en- dos sob as primeiras coberturas de telhas semicilindricas, es-
tao, os ranchos deixassem de ser coletivos para se configura- tas.ja urn evidente e grande progresso.
rem como muitas moradias "que ate hoje se espalham por Mas a consolidal;ao definitiva dos nucleos urbanos resul-
todo 0 territorio patrio como solul;ao minima do problema da taria, tambem, no seu maior numero de habitantes e no esta-
casa propria. Quatro esteios de pau rolil;o, quatro frechais e belecimento das familias que iriam exigir mais comodos 0 que,
uma cumeeira ao alto; rolil;os tambem os caibros que recebe- a principio, era resolvido com os chamados "puxados", pe~as
rao as fibras vegetais da cobertura: sape, folhas de palmeira, anexadas a construl;ao primitiva. Por outro lado, nas preca-
etc. Paus com casca e tudo, sem qualquer desbaste que os rias urbanizal;oes desses nucleos, nos quais nao havia cal~a-
beneficiasse. De principio simples telheiros que acolhem 0 mento ou passeio, "nao seria possivel pensar em ruas sem pre-
homem e seus trastes, seus animais, suas ferramentas; depois, dios; ruas sem edifical;oes, definidas por cercas, eram as es-
fechando-se, na periferia, com tram as ainda de paus rolil;os e tradas. A rua existia sempre como urn tral;o de uniao entre
varas, esqueleto que serviria para a sustental;ao do barro com conjuntos de predios e por eles era definida espacialmente".12
que se acabam".11 Enos parcos arruamentos dos povoados nao havia area sufi-
Com a estabilizal;ao dos povoados, que iam se definindo ciente para a disposil;ao de casas ao sabor de puxados cons-
em arruamentos bastante rudimentares e caraeterizados, truidos sem algum criterio basico de organizal;ao pelo que sur-
como ja foi mencionado, por urn gregarismo constante, tam- giu 0 primeiro modelo de residencia brasileiro - a casa terrea
hem melhoraram as construl;oes residenciais ja que as condi- - que atenderia aos requisitos essenciais da epoca.
Assim, para permitir maior aproveitamento dos arrua-
mentos sao as testadas dos lotes reduzidas a dimensOes mini-
mas (entfe6 e 8- metr~,i~ geral),'-o que'atendia, ao mesmo
(10) Vauthier, L. L. Casas de Residencia do Brasil. Revista do Servifo do
Patrimonio Hist6rico e Art£stico Nacional, Rio de Janeiro, Ministerio da EducaCao e
Saude, (7), 1943, p. 143.
(11) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Semi-
(12) Goulart Reis Filho, Nestor. Quadro da Arquitetura no Brasil. Sao Paulo.
nario de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, Perspectiva, 1970, p. 22-3.
p.62.
tempo, ao gregarismo entao predominante. Em compensa~ao, para carruagens e liteiras e, aos fundos, depositos e aloja-
a profundidade desses lotes era aumentada, facilitando nao so mento da escravaria, ja entao mais numerosa tanto pelos re-
a construcao de puxados nos fundos como 0 surgimento dos quisitos de servi~o da propria casa quanto como prova da ri-
quintais. As casas eram, por sua vez, de "parede-meia", ou queza de seus proprietaTios. Ainda nesse pavimento terreo se
seja, unidas nosseus 11miteslaterais, ensejando a uiili~ao de desenvolvia, aos fundos ou como varia~ao da escada principal,
coberturas de duas aguas que, caindo para a rua e para os uma outra, menos cuidada no lancamento e nos acabamentos,
qumtais', davam escoamento natural as aguas pluviais, ao qu;e se destinava ao transito de servi~o.
mesmo tempo que eliminavam complicados sistemas de ca- No segundo pavimento e retomada a solucao da planta da
lhas e protegiam as paredes laterais da umidade. Para as fa- casa terre a com 0 corredor que, a partir do final da escada,
milias mais numerosas eram ocupados dois lotes, que permi- segue para a frente, levan do a sala principal, aberta para a
tiam a construcao de urn maior numero de comodos. rua, e que, dirigindo-se aos fundos, da acesso as alcovas, a
Estes se organizavam em plantas geradas a partir da pro- "sala da familia" e as areas da cozinha e servi~o.
pria configuracao dos terrenos, tendo urn corredor - paralelo Alias, e curioso notar que a palavra sobrado tern varias
a urn dos limites laterais do terreno - como eixo longitudinal acep~oes na lingua portuguesa, podendo indicar tanto uma
e que ia da rua ao quintal. Na frente situava-se a sala, no construcao de dois ou mais pavimentos (mesmo que se trate de
centro os quartos (ou alcovas), ao fundo uma especie de "sala urn porao) como somente 0 segundo pavimento de uma edifi-
da familia" - correspondente ao "estar intimo" de hoje - cacao.13 E, em inumeros exemplos, 0 numero de pavimentos
r>,' onde preferencialmente ficavam as mulheres. Seguiam-se pu- era maior, chegando a quatro ou mais andares.
xados para a cozinha e a senzala e depois 0 quintal. No caso Ao mesmo tempo em que eram construidos os sobrados,
das familias maiores geralmente era feito urn simples "reba- ja com maior dominio das tecnicas construtivas, tambem apu-
timento" (ou duplica~ao) da planta usual, passando 0 corre- ravam-se os acabamentos, que nao so incluiram sacadas e bal- /:
dor, entao, a ser central. s..oes~ a rua2......com
guarda-corpos trelicados d~ra7m
Entretanto, 0 desenvolvimento das aglomeracoes urba- caprichosos'desenhos ou com. e egantes balaustres, depois ~~
nas, incluindo 0 natural incremento do comercio, motivou substituidos por grades de ferro mais duraveis, ja que os for-
tanto 0 escasseamento dos terrenos centrais como a saturaCao 'ros tornaraID=Se mais complexos --=- pelo menos nas salas da
das vias arruadas. Ao mesmo tempo, esse crescimento urbano frente, para as visitas::"::' tantO pel as solu~oes alteadas quanto
foi condiciomlndo uma inevitavel hierarquiza~ao social que pelo usa de pinturas decorativas.
procuraria ter, no seu tipo de residencia, uma clara defini~ao Porem, logo 0 comercio se faria presente nos sobrados,
• c, de status. A esse progresso urbano e social aliou-se urn maior como ocorrera anteriormente nas casas terreas - quando a
. dominio das tecnicas construtivas e, como resultante de todos sala servia de "venda" ou local de pequenos negocios - e os
:\~,1 esses fatores, surgiu 0 sobrado, 0 segundo e mais definitivo sobrados passaram a constituir uma tipologia propria, in-
modelo de resi~ano BraSil-Colonia. cluindo, alem dos exclusivamente residenciais, os mistos - de
~ Em muitas areas, como, alias, ocorreu nas Minas, a pro- residencia e negocios - e os apenas comerciais, conhecidos
pria topografia irregular das vilas iria ensejar os poroes que, como"sobra~'. ~ql,
por sua vez, sugeriam construcoes em niveis dife~apro- Em se tratando dos sobrados de negocios, 0 terreo se re- \ J ,r
veitando a altura. servava a loja - ou "negocio" - na sua frente, ficando atras ~dV)(,1
o sobrado vai, portanto, marcar a paisagem urbana co- e no pavimento superior os depositos. Entao eram mais rUsti- y'
I
c
lonial em to do 0 pais, a principio de carater exclusivamente
residencial e como simbolo de importancia social em determi-
nado contexto urbano, quando sua planta e resolvida com ves- (13) Corona & Lemos. Dicionario da Arquitetura Brasileira. 510 1'1II1n,
tibulo e escadaria nobre na fr~nte, ficando ao lado u~a ~rea Edart, 1972, p. 429.
cos os acabamentos e menos delicadas as esquadrias, sendo plos sobrados antigos e que e exemplarmente descrito por Lu-
mesmo preferido para 0 piso do primeiro pavimento 0 revesti- cio Costa:
mento com seixos rolados. "A maquina brasileira de morar, ao tempo da Colonia e
do Imperio, dependia dessa mistura de coisa, de bicho e de
Quando 0 sobrado era misto, atendendo tanto a fun~ao
gente, que era 0 escravo. Se os casaroes remanescentes do
\,,' residencial quanto a comercial, os acabamentos se adaptavam
tempo antigo parecem inabitaveis devido ao desconforto, e
'."l(J a cada uma de1as, ficando a area de negocio, tambem no ter-
porque 0 negro esta ausente. Era e1e que fazia a casa funcio-
A.:i oft reo, sempre com maior rusticidade em sua aparencia. A parte
~ \I destinada a familia, entretanto, procurava seguir ados sobra-
nar: havia negro para tudo, desde negrinhos sempre a mao d
para recados, ate negra velha, baba. 0 negro era esgoto; era /
,~ dos exclusivamente residenciais, apurando seus detalhes ate
agua corrente no quarto, quente e fria; era ~nterrupt?r d~ luz e
mesmo com a porta de entrada marcada por vigorosos almo-
botao de campainha; 0 negro tapava gote1ra e sub1a v1dra~a
fadados em franco contraste com a solu~ao de tabuas em ca-
pesada; era lavador automatico, abanava que nem venti-
lha, sem relevo, da area destinada as atividades comercias. No
lador".14
mais, as solu~oes se equivaliam quanto a organiza~ao basica Pode, assim, ficar muito claro 0 adequado e logico par-
das plantas.
tido das plantas residenciais da epoca colonial quando a es-
Mas 0 crescimento, em geral pouco orden ado dos nu- cravaria, sempre presente, complementava 0 funcionamepto
cleos, ja entao elevados a categoria de vilas, com vida movi- das casas, atendendo a todo tipo de servi~os. Entre esses, e
mentada, acentuado desenvolvimento comercial e com socie- valido salientar que, nao havendo esgoto, tanto a agua servida
dades entao estratificadas em classes definidas iria se refletir quan,to 0 conteudo dos urinois - usados nas alcovas, ja que
na arquitetura residencial, fazendo com que as casas terreas banheiros tambem inexistiam - eram coletados em barricas
dos primeiros tempos configurassem pobreza e, ate mesmo que os escravos depois esvaziavam em locais predeterminados
caracterizassem areas de prostitui~ao, enquanto os sobrados e mais afastados. A este conjunto de negro/barrica-de-dejetos
eram identificados com a riqueza e 0 poder. era dado 0 nome de "tigre", por obvias razoes. Tambem 0 es-
Entretanto, como a propria tipologia dos sobrados evo- cravo bUf,cava agua nos chafarizes, suprindo, portanto, prati-
luira para a superposi~ao das fun~oes residenciais e comer- camente todos os demais requisitos de higiene e conforto, en-
ciais, nem mesmo estes podiam mais simbolizar a hierarquia tao bastante limitados. Enquanto isso, as cozinhas se instala-
~fV social ja estabelecida, pois era evidente a degrada~io dos cen- yam em puxados de chao batido e rustico acabamento.
& tros urbanos com a prolifera~ao do comercio. Para resolver A arquitetura residencial no Brasil, portanto, evolui com
. ~)essa complex a situa~ao surgiriam, nQ s~~ulo XIX, as chama- o processo civilizatorio, a este se adequando naturalmente,
~\. ~ das ",Sill'asde arrabalde'.'J ou chacaras, que~adas na peri- bem como adaptando as solUl;oes mais convenientes .dos es-
~ feria dos centros urbanos, garantiam tanto tranqiiilidade e
J
quem as originais portugueses em versoes de apurada elegan-
_'\'" privacidade para seus proprietarios como revitalizavam sua cia na sua graciosa singeleza. Por isso mesmo, sao nossos con-
Y proeminencia de nobres ou de prosperos cidadaos. Porem, juntos urbanos coloniais tao harmoniosos, be10s e agradaveis,
essa solu~ao seria adotada primordialmente nos movimenta- neles se destacando, por seu especial encanto, os das vilas do
dos portos do litoral (como no Rio de Janeiro) pouco ocor- ouro nas Minas.
rendo nas Minas que, na epoca, ja enfrentavam grave empo-
brecimento e mesmo uma inevitavel decadencia dos nucleos
urbanos, motivada pela exaustao dos depositos auriferos.
Finalmente, e importante ainda salientar 0 papel do es- (14) Costa, Lucio. "Depoirnento de urn Arquiteto Carioca" i" Sabre Artl"
cravo nas solu~oes da arquitetura residencial do Brasil-Colo- tetura. Porto Alegre, Centro dos Estudantes Universitarios de Arqult:cluJ'll, 1% ,
nia, fato que escapa a muitos na analise das casas e dos am- p.174-5.
A cas a mineira lugar a solu.;oes variadas, em "L" ou "U" ainda que preva-
lecessem os pes-direitos reduzidos, praticamente em torno de
2,50m.
A casa mineira - como, alias, toda a arquitetura do sete- A estas transforma.;oes sucederam-se outras, motivadas
cento~ ~a Capitan~a das Minas Gerais - foi urn produto dos pel a economia florescente, que permitia maiores comodida-
especlflcoS e pecuhares condicionamentos criados pel a grande des, e as casas passariam a tender para esquemas retangulares
aventura do ouro e, por isso, refletiu cIaramente as condi.;oes mas, como observa Sylvio de Vasconcellos, em propor.;oes
do povo~mento, da ~~onomia e da rapida urbaniza.;ao que "decorrentes ainda do quadrado: quadrado e meio, duplo
caract~nzaram a reglao das explora.;oes auriferas. Tambem quadrado ou retangulo onde 0 lado maior iguala a diagonal do
nas Mmas a evolu.;ao das habita.;oes seguiu as mesmas etapas quadrado que 0 menor formarfa".17 Essa preferencia pelas
das constru.;oes do litoral mas de uma forma mais din arnica e form as quadradas era visivel tambem nos esquemas estrutu-
em menor periodo de tempo pois, como ja foi visto a estabi- rais em madeira, quando os esteios, ou apoios intermediarios
liza.;ao dos principais nucIeos do cicIo do DurO foi marcada das paredes, eram distribuidos com dimensionamentos que
tanto pel~ imenso afluxo de mineradores quanto pelo intenso igualmente definiam uma modula.;ao quadrangular.
desenvolvlmento do comercio. Assim, ainda que seguidas to- Outras melhorias construtivas foram introduzidas nessa
das as fases anteriormente relacionadas, estas tiveram uma fase, 'corilOa constru.;ao de embasamentos em pedra, que ele- "Fe'"
sequencia muito menos lenta nas vilas de maior produ.;ao mi- vavam as casas do nivel do ch1io, -pI:otegen o-as contra a umi- ~
nera~, onde se sucederam as tipologias da arquitetura resi- dade e as enxurradas, eo aumento da altura dos pes-direitos~ ~
denclal, e~quanto nos povoados de menores depositos aurife- que chegam a 3,50 m. Ao mesmo tempo os acabamentos eram (::
ros red~zlram-se as residencias as formas mais simples das feitos com maiores requintes tanto nos forros de madeira, al-;ceo:-
casas terreas ou, pelo menos, com numero bem reduzido de teados e com molduras, quanto nas esquadrias, que saD resol- ~
sobrados. vidas nao so com mais seguran.;a com'o com detalhes mais
. . Porta?.to,. tambem nas Minas, "0 aventureirismo que pre- cuidados, c~mo as "al~ofadas p~rfiladas a capricho" .
sldm os pnmelros povoamentos, por isso mesmo estabelecidos As fachadas apresentavam-se com uma acentua.;ao f~n-
~o~ cara~~r de transitoriedade, serviu-se do rancho de pe.;a camentehoriz"~mt.ll, 0 que lhes confere uma particular e muito
un~ca, utlhzando-se quase unicamente de vegetais como ma- agradaveisensa.;ao de acolhimento que e refor.;ada pelos am-
tena~ de co~stru.;ao",ts ~al como ocorrera nas primeiras po-
vo~wo~s do htoral. Depols, seguiram-se os abrigos mais esta-
-=-- ....--------,-.
----'
-~
plos beirais e pela equilibrada distribui.;ao das janelas, que ja
nao se resumem a aberturas mmlmas, tanto em numero como
ve!s e Ja com uma i~cipiente divisao de comodos para evo- nas suas proprias dimensoes. AssiO)., "a casa, posta ao com-
IUlrem, com a consohda.;ao das povoa.;oes eo estabelecimento prido, prefere a horizontal, acentuada pelas largas beiradas e
d.a~ familias, em plantas mais especifica e complexamente di- pela sucessao de vaos que se equivalem aos cheios das pare-
vldldas. "A principio timidamente, em puxados para tras, des. ( ... ) Casas faceiras, despretensiosas mas arrumadas, lim-
para os lados, para a frente, aproveitando a mesma cobertura pas, espichadas ao longo das ruas que aos poucos se vao defi-
em pr?longamentos que se espicham e se encolhem como asa nindo, pel a configura.;ao retangular e pelo delicado apuro de
de gahnha na prote.;ao aos pintos, na feliz expressao de Lucio seus acabamentos" .18
Costa. " Ja entao, 0 "partido" - ou forma basica da planta Mas essa seria como que uma curta fase de transi~ao,
- se alterava e a nitida preferencia inicial pelo quadrado dava pois logo a arquitetura residencial mineira se enquadraria na

(15) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 62.


(16) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 63. (17) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 63.
(18) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 63-4.
tipologia constante nas demais vilas brasileiras, passando a para atender a amplial;ao da moradia propriament~ dita, mas
ser condicionada pelo inten so desenvolvimento urbano e pel a para abrigar dependencias anexas indispensaveis a vida ou ao
insuficiencia dos terrenos nos reduzidos arruamentos. trabalho de seus moradores. Dependencias para os animais,
Era a epoca das casas terreas em lotes estreitos, quando 0 para os carros, os arreios, os mantimentos, senzalas para os
longo corredor, da rua ao quintal, tornou-se 0 eixo longitudi- escravos, depositos de utensilios e ferramentas e, principal-
nal das plantas, geradas pelas limital;oes das areas para cons- mente, para 0 comercio. Atividades embaixo, moradia em
trul;oes residenciais. Portanto, "quando os povoados aumen- cima. Perfeito atendimento as funl;oes duplas ou multiplas da
tam, progridem, rapidamente, escasseiam os terrenos arrua- constru~ao, que desniveis naturais dos terrenos tambem faci-
dos e os lotes disponiveis se fazem cada vez com menores fren- litavam. ,,20
tes. As casas de amplas fachadas restringem-se aos arrabal- Alias, como influencia paralela no surgimento dos sobra-
des, enquanto mais no centro dos povoados desdobram-se em dos, principalmente nos terrenos de topografia dificil das po-
varias moradias, espremidas umas as outras. C .. ) Temos en- voal;oes mineiras, poderiam ser considerados os fortes declives
tao a cas a tipica das vilas e cidades brasileiras, descritas por e aclives dos lotes que, exigindo 0 equilibrio das construl;oes
quantos a estudaram, desde Vauthier e Debret. Pel;a mais com os desniveis, agenciavam os poroes - por vezes relati-
importante delas e 0 corredor lateral de entrada, corredor que vamente altos - sugerindo 0 natural aproveitamento desses
perfura por inteiro a moradia, servin do de entrada nobre em espal;os em maior escala e de forma mais adequada. Seria
seu terl;o anterior, de distribuidor, intimo, em seu terl;o me- esse, por exemplo, 0 caso de Ouro Preto, se consideradas com
dio, e de servil;o, de saida, em seu terl;o final. ( ... ) Por ele mais amplitude as observal;oes de Sylvio de Vasconcellos: "A
entram as visitas mas entra tambem 0 cavalo arreado ou 0 topografia de Vila Rica e, por assim dizer, bastante impropria
burro carregado. Por ele se atinge 0 porao, quando existente, ao estabelecimento de uma povoal;ao. Terrenos pIanos natu-
usando-se 0 all;apao disfarl;ado no soalho e 0 sotao, 0 vazio de rais sac praticamente inexistentes e a sua obtenl;ao" por ater-
cobertura buscado por escadas discretamente agenciadas" .19 ros e desaterros, e dificultada ao extremo pela dureza geral do
Dentro deste partido das plantas, com as testadas (ou solo. As ruas, ao longo das encostas, deixam, de urn lade,
frentes) dos terrenos muito estreitas, as fachadas - coladas lotes de fortes aclives e, de outro, consideraveis declives. Esta
umas as outras - tiveram solul;ao uniforme e harmoniosa, topografia, assim dificil, explica as preferencias e desaprel;os
baseadas na disposil;ao natural dos vaos: duas janelas da sala por diversos sistemas construtivos. Desistindo de corrigir os
da frente, e a porta de entrada que iam se sucedendo, abriga- terrenos, all;am-se as casas sobre eles, por intermedio de es-
das sob os amplos beirais da cobertura, criando uma disci- teios e pilares". 21 Portanto, alem da preferencia por determi-
plina agradavel e despretensiosa, que ainda marca muitas nados sistemas construtivos, era muito facil e evidente 0 usa
ruas nas vilas do ouro. desses espal;os para uma utiliza~ao mais pratica e, a partir
Mas a exigiiidade dos arruamentos, como foi mencio- dai, criar intencionalmente areas em altura que favorecessem
nado, exigiria melhor aproveitamento dos lotes pela utilizal;ao seu melhor e maior aproveitamento, 0 que, em resumo, suce-
das construl;oes em altura. "Postas agarradas umas as outras, dia com os sobrados.
sem terrenos disponiveis para a necessaria expansao que mui- Em rela~ao as solu~oes das fachadas dos sobrados houve
to precariamente poderia aproveitar-se dos fundos, cada vez uma acentuada modifica~ao das propor~oes, motivada, inclu-
mais distantes, dificultando uma distribuil;ao logica e adequa- sive, pelo aumento na altura dos pes-direitos que atingiriam
da das pel;as, so podiam lanl;ar-se ao alto as casas dos centros 4,00 m e ate mais. Assim, a horizontalidade das casas terreas
urbanos mais densos. Surge 0 sobrado, imposto nem sempre

(20) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64-S.


(21) Vasconcellos, Sylvio de. Vila Rica. S1IoPaulo, Perspecliva. 1977, p. M.
se contraporia uma nova verticalidade, que resultava tanto
das testadas que se mantiveram reduzidas quanto da maior
altura das constru<;oes e de sua abertura em port as (no terreo)
e em sacadas e balcoes (nos pavimentos superiores), elementos
novos e nos quais a vertical e enfatizada pelas esquadrias ja
muito mais bem acabadas.
Mas, como ocorreria nos demais centros brasileiros, ha-
via a predominancia das fachadas caiadas, enquadradas em
pedra ou madeira pintada, bem ao .gosto popular portugues.
Nas Minas, principalmente, com 0 uso mais difundido das es-
truturas em madeira, as fachadas se harmonizavam em mo-
dula<;ao, que traduziam suas vincula<;oes com as raizes dis-
tantes, em Portugal.
Os sobrados passam, entao, a definir as principais vias
urbanas, constituindo "0 aspecto mais caracteristico das po-
voa<;oesde maior porte de toda a colonia e, tam bern, das Mi-
nas Gerais, que so se perturb aria com 0 aparecimento dos so-
bradoes nobres, os solares, pertencentes a alguns poucos se-
nhores de maior pecunia" .22
Quando situados em esquinas, porem, os sobrados apro-
veitariam a maior amplitude dos terrenos, para se tomar mais
alongados e se libertariam do verticalismo predominante para
adotar uma solu<;ao de compromisso entre os dois direciona-
mentos principais - 0 horizontal e 0 vertical - que ficaria
mais acentuado pela marca<;ao estrutural ou de emoldura-
mentos que definiriam os pavimentos. Este equilibrio seria,
alias, a tendencia final das constru<;oes residenciais nas Mi-
nas, com a volta das plantas com "partidos em quadra", ain-
da que com varios comodos tendendo para a forma retangular.
Portanto "ja nao ha prevalencia da horizontal ou da ver-
tical, ambos sentidos anulando-se reciprocamente em trama
bem armada que confere ao conjunto, ja acentuadamente ro-
busto, uma solidez estatica, pesada, que os esparsos elemen-
tos barrocos, ainda existentes, mal conseguem amenizar. 0
ambiente prenuncia 0 neoclassicismo proximo" .23

(22) Vasconcellos, Sylviode. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Sf·",I·


nario de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gorals, 19.7,
p.65.
(23) Vasconcellos, Sylviode. Op. cit., p. 66.
Mas, ainda quanto a arquitetura residencial - tanto nas Portanto, a disposic;ao das aleovas na area central das
casas terre as como nos sobrados -, 0 curioso aspecto das aleo- plantas tinha motivac;oes mais complexas que, em geral, esca-
vas merece urn comentario mais detalhado pela sua soluc;ao pam ao observador menos avisado. Por outro lado, nas resi-
peculiar. Estas pec;as correspondiam aos quartos de dormir dencias mais amplas, era previsto urn quarto de h6spedes, que
atuais, porem, nas casas terreas e nos sobrados, sua localiza- se situava a distancia dos comodos destin ados a convivencia
c;ao nas plantas era primordialmente nuclear e situavam-se no familiar, ja que os forasteiros eram vistos sempre com descon-
centro das construc;oes, erguidas umas junto as outras, nao fianc;a, sendo importante preservar a intimidade domestica.
dispunham de janelas ou outras aberturas para 0 exterior. Finalmente, ainda que os modelos basicos da arquite-
Embora existam versoes de que essa preferencia se ligava as tura residencial nas Minas seguissem, como foi visto, a tipolo-
condic;oes de vida impostas as mulheres na epoca, cuja liber- gia geral que vigorou no Brasil-Colonia, alguns regionalismos
dade era restrita, Sylvio de Vasconcellos tern uma interpreta- caracterizam as casas e sobrados de certas regiOes do territ6rio
c;ao muito mais 16gica e coerente, baseada nos conceitos de mineiro. Em determinados casos, estes regionalismos eram,
higiene que eram entao respeitados. primordialmente, de carater construtivo, referindo-se ao uso
Assim, "0 des conhecimento das causas de muitas das de certos materiais ou de tecnicas mais especificas que, por
molestias que afligiam as populac;oes faziam-nas crer decor- urn ou outro motivo, tornaram-se mais populares em areas es-
ressem elas dos ares, dos ventos, responsaveis pela difusao de pecificas, como se vera adiante. Entretanto, em alguns nu-
inumeros males, principalmente aqueles mais freqiientes nas cleos urbanos eram evidentes caracteristicas pr6prias de con-
regioes umidas de beira-rio preferidas pelas minerac;oes. Ven- junto, sendo, entre estes, 0 Tijuco 0 mais destacado exemplo,
tos frios que espalhavam miasmas pestiferos, mais perigosos onde "0 casario distingue-se por suas pinturas extern as , em
quando surpreendiam 0 vivente incauto, adormecido. Ares colorido vibrante. As vezes imita os estucados, em ramagens
que importava assim afastar, principalmente a noite, evi- repetidas sobre as tabelas das cimalhas". 25
tando-se janelas, compondo-as de folhas cegas e cobrindo-se . Chega a ser paradoxal que 0 centro do Distrito Diaman-
as camas com cortinados e dosseis". tino - 0 Arraial do Tijuco - sujeito a mais implacavel re-
Nao ha, pois, absurdo maior nas soluc;oes adotadas, que pressao nas Minas setecentistas tivesse se configura do de for-
correspondiam plenamente aos conceitos de origem higienica ma arquitetonica tao mais leve e cheia de cores, quem sabe
entao vigorantes. Confirm an do a assertiva, bastara citar a como em silencioso protesto pela dureza das leis que a regiam.
"reza" recolhida por Taunay: Pois, efetivamente, "barrocas e dramatic as saD muitas das po-
voac;oes mineiras. Rococ6 apenas uma: Arraial do Tijuco, Ci-
"Em nome de Deus Padre dade de Diamantina. E faceira na forma; jovial no conteudo.
Em nome do Deus Filho e do Espirito Santo. Nao influi tragedias: canta. Nao sugere queixumes; sorri bre-
Ar vivo, ar de estupor, ar de perlezias, jeira" .26
Ar arrenegado, ar excomungado Assim, mesmo uma visao mais geral das vilas do aura
Eu te arrenego em nome da S. S. Trindade permite verificar as peculiaridades e a importancia do casario
que saias do corpo desta criatura (ou animal) nos contextos urbanos das Minas setecentistas, onde a arqui-
e vas parar no mar sagrado tetura residencial marcou a paisagem em soluc;oes que unem
para que viva saD e aliviado. " 24 tanto elegancia e harmonia quanto singeleza e equilibrio.

(25) Lefevre, Renee & Vasconcellos, Sylvio de. Minas: cidades barroco". S I)

Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de Sao Paulo, 1968, p. 43.
(26) Lefevre, Renee & Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 41.
Alguns exemplos dos beirais com cimalhas de caprichoso recorte que configu-
ram novo apuro nas constrw;oes. Estes renques de sobrados se
elevam, com gral;a excepcional, na Ladeira do Rosario, na
A casa brasileira e, fundamentalmente, simples e despre-
Rua Sao Jose, e na Rua Conde de Bobadela (antiga Direita)
tensiosa como ja foi visto e, no caso das Minas, tambem assim
se apresentaria pois 0 complexo processo civilizatorio da re- em Ouro Preto; na Rua da Quitanda (tamMm antiga Direita)
giao, embora marcado pela abundancia do ouro, nao ensejou em Diamantina, onde se destaca 0 unico exemplo de muxa-
residencias de grande luxo ou requinte, atributos que caracte- rabi, uma janela rasgada por inteiro e toda protegida por urn
rizariam, especialmente, as igrejas. belo trelil;ado, elemento cuja origem arabe e indicada pelo
Portanto, a casa - no Brasil e em Minas - "feita a se- proprio nome que significa "lugar on de se guarda agua fres-
melhanl;a da cas a portuguesa, simples, esquematica, adquiriu ca". Ainda no velho Tijuco, outra notavel sequencia de sobra-
logo seuscaracteristicos proprios, por muitas causas: 0 mate- dos e a da Rua do Bonfim, logo em continual;ao a capela do
rial, 0 clima, as ral;as e a condil;oes poHtica. C .. ) Faltou entre mesmo no~e, criando, com 0 alargamento da via publica, urn
espal;o malS amplo que, a feil;ao de pral;a, da ainda maior
nos 0 palacio, a casa apalal;ada e, mesmo, 0 solar ou quinta
destaque a arquitetura despretensiosa mas sempre extrema-
com estrutura e requinte arquitetonicos. Dai, certa pobreza
mente elegante.
de aspecto, a falta de exemplos e de estimulo, pois e evidente
Seria, porem, tarefa cansativa e ate dispensavel enume-
que as igrejas nao influiram nesse senti do em nossas casas". 27
rar a riquissima exemplifical;ao do casario mineiro em todas
Mas essa "pobreza" que, em certa fase dos estudos refe-
as suas tipologias que definem, ate hoje, as vilas do ouro e
rentes ao Barroco Mineiro foi, equivocadamente, acentuada
que, nelas, podem ser constantemente admiradas, ensejando
como urn fator negativo, representava - por outro lado
- uma unidade de conjunto que, por suas adequadas propor- inclusive, descobertas inesperadas de acordo com a sensibi1i:
dade de cada urn. Mais valida, porem, torna-se a indical;ao de
l;oes e pelo agradavel ritmo dos elementos arquitetonicos ate
hoje apresenta conjuntos urbanos da maior beleza e ha;mo- pelo menos alguns exemplares da arquitetura residencial que
nia, que se destacam imediatamente em nossas cidades histo- se sobressaem nos conjuntos urbanos por especificas caracte-
ricas. risticas e, principalmente, por sua escala mais grandiosa e seu
Entre estes, incluem-se as pequenas e bem proporciona- requintado acabamento. Ainda assim, porem, nao se enqua-
das casas terreas que se sucedem em frente a Igreja do Rosa- dram nas categorias das casas apalacetadas ou dos solares e
rio, em Sao Joao del Rei (na atual Pral;a Embaixador Gastao sua grandiosidade e apenas relativa, estabelecendo-se ffiuito
da Cunha), na Rua do Padre Toledo, em Tiradentes - onde mais a partir de uma comparal;ao com os modelos mais usual-
ainda existe uma cas a terrea com belo forro pintado -, ou em mente adotados nos nucleos urbanos em que se inserem. Tam-
outros exemplos que se espalham pelos antigos nucleos de mi- pouco se pretende aqui fazer uma relal;ao completa mas an-
neral;ao, as vezes com solul;oes que se adaptavam as dificul- tes, indicar apenas algumas destas casas de maior porte e ~ais
dades da topografia como as escadas extern as na Rua Alva- apurado detalhamento cuja presenl;a arquitetonica foi mais
renga Peixoto, em Ouro Preto.28 marc ante na paisagem urbana das Minas setecentistas.
Em se tratando de sobrados os conjuntos adquirem ainda . Em Diamantina - Arrail do Tijuco - a antiga residen-
urn maior e natural realce, com a movimental;ao dos balcoes e cia do Padre Jose de Oliveira e Silva Rolim, urn dos principais
inconfidentes, situa-se no trecho mais baixo da antiga Rua
Direita, em frente a atual Pral;a Conselheiro Mata (ou Largo
da Matriz) na qual se ergue, tamMm, a catedral que substi-
(27) Wasth Rodrigues, Jose. Documentario Arquitet6nico Relativo a Antiga
ConstrUlyiioCivil no Brasil. Sao Paulo. Martins; Ed. da Universidade de Sao Paulo, tuiu a primitiva matriz de Santo Antonio, dos primordios da
1975, p. 2. povoal;ao. Trata-se de uma construl;ao particularmente inte-
(28) Vasconcellos, Sylvio de. Vila Rica. Sao Paulo, Perspectiva, 1977, p. 184. ressante por apresentar claramente a solul;ao de compromisso
entre a casa terrea e 0 sobrado, estabelecida a partir do na-
tural desnivel do terreno em que se implanta, situado na es-

n
quina da Rua da Grupiara, e com ampla area para esta rua,
dentro da qual passa 0 corrego Tijuco.
Apesar da configura«;ao extremamente alongada do lote,
a cas a ocupa seu ponto principal mais evidente - a esquina
- desenvolvendo-se em uma planta de partido peculiar, pois
e resolvida como urn compacta quadrado nas testadas das
duas ruas para depois incluir urn amplo patio, fechado por
duas alas de constru«;ao subdivididas em comodos de menor
area. Na parte da frente, urn vestibulo da acesso a pe«;as mais
amplas, que seriam os salOes principais e outras, mais reduzi-
das e sem aberturas para 0 exterior, as alcovas.
Com 0 desnivel do terreno, a esquina favorece a cria«;ao
de urn amplo porao que, pelas suas dimensoes, pela altura do
pe-direito, e pelo tipo de portas existente, poderia ter sido
usado para divers as finalidades, inclusive senzala. E e justa-
mente esse porao que funciona como espa«;o de transi«;ao para
a constru«;ao assobradada que, no caso, corresponde ao pavi-
mento principal da residencia ao qual se tern acesso por uma
escada de pedra, desenvolvida extern a e paralelamente it fa-
chada da Rua.Direita e com guarda-corpo em madeira, com
pe«;as de perfil reto.
A fachada e resolvida em uma agradavel composi«;ao de
cheios e vazios, estes constituidos por janelas de esquadrias de
madeira com vergas retas, bem ao gosto mineiro, que transpa-
rece tambem na solu«;ao do beiral, ritmado pelos chamados
r "cachorros aferentes", pe«;as de madeira que 0 sustentam.
r Construida no seculo XVIII, a casa do Padre Rolim foi
confiscada quando do fracasso da Inconfidencia Mineira e seu
proprietario degredado para Lisboa, nela funcionando hoje 0
Museu do Diamante.
Ainda em Diamantina outra residencia tern caracterlsti-
cas especiais tanto pela solu«;ao arquitetonica quanto pelo
conteudo historico e mesmo lendario que a envolve. E a cas a
de Chica da Silva, a poderosa mulata que, como amante do
contratador Joao Fernandes de Oliveira, dominou 0 Tijuco
nos meados do setecentos. Em uma das portas da Rua Direita,
tendo quase it frente a Rua do Contrato, e fazendo esquina
com a Rua do Jogo da Bola mas, sem topografia acidentada,
este vasto sobrado assenta-se solidamente em urn ten n 11m·
plo que permitiu 0 desenvolvimento de uma planta basica-
mente quadrangular embora com urn "puxado" - provavel-
mente de servil;o - para 0 lado da Rua do Jogo de Bola en-
quanto que, no senti do da Rua Direita, existiu a Capela de
Santa Quiteria - atualmente marcada apenas por urn portao
- e privativa de Chica da Silva que, como mulata, nao era
aceita pela Ordem Terceira do Carmo, cuja capela fica bem
proxima.
A entrada e feita por urn vestibulo, no qual uma ampla
escada leva ao salao principal, no pavimento superior. Este
dispoe de um:a longa e agradavel varanda trelil;ada de onde,
segundo consta, Chica da Silva veria sua imponente chacara,
"nas fraldas da serra do Sao Francisco, nao longe da paragem
denominada Palha" .29 Na area central da planta ficam as al-
covas, haven do uma circulal;ao, aberta para 0 exterior, que
leva as areas de servil;o e da escravaria.
Quanto a fachada, sobriamente composta com janelas
trelil;adas e a porta de entrada no terreo, apresenta elegantes
sacadas com balaustres torneados no pavimento superior e
tern seu beiral, tambem com cachorros aferentes, complemen-
tado por uma cimalha com decoral;ao de motivos florais, ti-
pica do velho Tijuco.
Como 0 terreno e amplo e nele a casa se enquadra de
forma mais livre, nao ocorrem patios internos, como na resi-
dencia do Padre Rolim e em outros sobrados do seculo XVIII,
mas e quase uma constante em todos - como, de resto, na
arquitetura civil em geral - a preferencia por urn numero
impar de vaos nas fachadas. Tambem e valido lembrar que,
no caso dos sobrados de maior porte, a cobertura passa a ter
quatro aguas (ou ate mais, seguin do 0 gosto portugues por
telhados mais subdivididos) em vez das duas usuais nos exem-
plos mais comuns.
Entretanto, e em Tiradentes que pode ser encontrada
uma residencia setecentista de excepcional interesse, original-
mente propriedade de outro religioso envolvido na Inconfiden-
cia Mineira, 0 padre Carlos Correia de Toledo e Melo, igual-
mente deport ado para Lisboa, onde veio a falecer, sendo 0

(29) Mata Machado Filho, Aires. Arraial do Tijuco - Cidade Diallllllltl"",


Sao Paulo, Martins, 1957, p. 56.
imovel confiscado pela Real Fazenda. Tendo servido como
sede da Prefeitura, e agora sede da Funda~ao Rodrigo Melo
Franco de Andrade.
A casa do Padre Toledo, como e conhecida, assemelha-
se mais que nenhuma outra, por suas caracteristicas, as solu-
~oes dos solares portugueses, devidamente adaptadas as limi-
ta~oes da epoca e da regiao. Mas seus cunhais - pilastras de
canto nas paredes - de pedra, complementados pelo elegante
desenho das janelas, com as vergas em arco abatido e a deco-
ra~ao delicada que delas desce, sao certamente elementos que
conferem urn indiscutlvel requinte a constru~ao que, embora
terrea no seu desenvolvimento basico em planta, tern urn pe-
queno segundo pavimento em urn dos lados, quase a fei~ao de
PAVSUPERIOR _ escolo 1/400
torre e situ ado na esquina do terreno em que se implanta. Este
Solar de Jacinto Dias - Sabara.
detalhe, aliado a sua entrada, feita atraves de urn jardim late-
ral e nao diretamente para a rua, completa, por assim dizer, 0
seu aspecto mais senhorial, tambem real~ado pela alvenaria
caiada que the confere grande dignidade e acentua a elegancia
de suas propor~oes.
Quanto a planta, e organizada retangularmente com de-
zoito comodos de dimensoes bastante amplas e que se abrem
quase todos para 0 exterior, sendo import ante consignar os
tetos alteados dos salOes principais, com pinturas bastante cu-
riosas, principalmente a que representa os cinco sentidos.
Com varios detalhes que valorizam sua cuidadosa execu~ao,
a casa se destaca naturalmente no conjunto urbano de Tira-
dentes.
Ja em Sabara, duas residencias fronteiras, na antiga Rua
Direita (atual Pedro II), retomam a linguagem mais usual do
casario mineiro, ainda que mostrem feitura extremamente
cuidada e evidente apuro nos acabamentos.
A primeira, atualmente acolhendo a Prefeitura Munici-
pal, e tambem conhecida como Solar do Padre Correia ou de
Jacinto Dias. Trata-se de urn sobrado imponente, mandado /
/
/

construir pelo Padre Jose Correia da Silva no final da decada /


/

de 1770. Sendo, posteriormente, vendido ao advogado Jacinto


Dias da Silva, ficou mais conhecido pelos nomes destes seus
dois proprietarios.
/

.. , .. ,,/
/ " /

Sua planta que, nao ocupando a totalidade do terreno, .... t--f ,,' .... ,./
",;"_.1'" ",," /'
deixa afastamentos laterais pouco usuais nesse tipo de solu- ~
~ao, distribui-se a partir de urn vestibulo central de entrada,
do qual se desenvolve bela escada, continuando em alas late- as salOes que ladeiam 0 vestibulo tern dimensoes bastanto
rais no terreo. No pavimento superior, urn amplo saHio corres- maiores que as usuais, com forro alteado e pinturas, havendo
ponde a parte central, seguindo-se outros comodos, uma va- outros comodos menores que, juntamente com urn grande sa-
randa e a pequena capela que, apesar de suas propon;oes mi- lao ao fundo (possivelmente usado para refeil;oes), completam
nimas, apresenta rica e bela decoral;ao em talha pintada de opavimento terreo, sob 0 qual ainda se desenvolve urn porao.
branco e dourado. Apesar de se tratar de uma residencia ori- Externamente, diferencia-se a cas a das demais constru-
ginalmente feita para urn padre, cujos deveres religiosos san l;oes de sua tipologia pela bela porta central, resolvida de for-
cotidianos, a inclusao de uma capela particular indica a ex- ma extremamente erudita, com recortadas sobreverga em va-
cepcionalidade do sobrado, ainda mais que, situado na via rios niveis e que e arrematada por uma composil;ao de gosto
principal - em pleno centro urbano, portanto - nao se dis- quase rococo, muito mais adequada a uma construl;ao reli-
tanciava tanto das varias igrejas da vila. Alias, as pinturas nos giosa que a arquitetura civil. Esta porta, alem de dispor de
forros dos saloes comprovam, tambem, pela sua qualidade, 0 bem proporcionadas almofadas, apresenta tambem cuidada
alto requinte da casa. deeoral;ao nas ombreiras em curva. De ambos os lados da
A fachada, fortemente marcada por cunhais de madeira, porta dispoem-se janelas em areo abatido e com sobrevergas
e resolvida por uma composil;ao muito equilibrada de cheios e salientes. Essa valorizal;ao da porta de entrada, que ocorreu
vazios, com porta central almofadada tendo, de cada lado, em alguns solares baianos, merece maior realce por ser muito
duas janelas. Na parte superior, cinco janelas rasgadas por rara em Minas.
inteiro abrem-se para urn balcao continuo, com grade de fer- No mais, a faehada e limitada por cunhais de madeira e
ro, que substituiu as sacadas isoladas e protegidas por balaus- por urn amplo beiral, sendo sua cobertura de quatro aguas.
tres de madeira, primitivamente existentes. Todos os vaos san Esta residencia, situada iguaJmente em meio de quarteirao e,
arrematados por sobrevergas - elementos em balanl;o coloca- como a anterior, no alinhamento da rua, corresponde - mui-
dos sobre a esquadria - em arco abatido e com belo relevo. to provavelmente - ao retbrno as plantas de forma mais qua-
Como a construl;ao e de maior porte, ainda que nao situada drada, oeorrido poueo antes do declinio da produl;ao do ouro.
em uma esquina, tern evidente destaque entre 0 restante do Em Ouro Preto - na antiga Vila Rica - sobressai em
casario, inclusive pela grande cobertura em quatro aguas e urn conjunto de incontaveis exemplos do mais alto nivel urn
pela vigorosa cimalha em madeira que the arremata 0 beiral. sobrado que e quase uma excel;ao, nao so pelas suas propor-
Em frente a este sobrado, porem, uma casa terre a de pro- l;oes e acabamento como - e mesmo especialmente - pela
porl;oes mais amplas e outro exemplo singular de arquitetura disciplina de sua eomposil;ao, e pelo uso de farta cantaria,
civil. Conhecida como "Casa Azul", tern escassa documenta- fundamentalmente do gosto portugues da regiao do Douro
l;ao, embora seja uma edifical;ao do seculo XVIII construida pois se integraria, sem a menor dificuldade, entre as solidas
para residencia de urn outro religioso, 0 Padre Antonio Cor- residencias de Guimaraes ou de Valenl;a do Minho. E a co-
reia da Silva. A planta segue urn partido nitidamente quadra- nhecida "Casa dos Contos", as vezes chamada de Casa dos
do, com urn puxado lateral que certamente abrigaria as areas Contratos ou Casa da Ponte, cujo projeto tern sua autoria atri-
de servil;o e dos escravos. A entrada e feita por urn vestibulo, buida a Antonio de Sousa Calheiros, supostamente tambem
para 0 qual se abre tambem uma pequena sala-capela, com responsavel pelas igrejas do Rosario, em Ouro Preto, e de Sao
decoral;ao bastante apurada, ainda que sem os ricos detalhes Pedro dos Clerigos, de Mariana. 30
da que ornament a a capela do Solar de Jacinto Dias. Mas, Situada em uma esquina da Rua Tiradentes com a antiga
tambem neste caso, san validas as observal;oes anteriormente Rua das Flores domina nao so a estreita via de sua fachada
feitas, pois a presenl;a de uma capela privativa em area ta~
central e, certamente, segura indical;ao da elevada categoria
social e riqueza de seu proprietario.
pdncipal como urn espac;o mais amplo, quase a feic;ao de rios 0 vestibulo e a nobre escadaria de pedra que dele parte
prac;a, que the fica adjacente como resultante do subito aclive para 0 piso superior" . 32
do morro de Santa Quiteria, em cujo topo localiza-se hoje a A Cas a dos Contos, na qual foi encontrado morto Claudio
Prac;a Tiradentes. Manoel da Costa, grande poeta e urn dos principais membros
A imponente construc;ao teria sido concluida em torno de da Inconfidencia Mineira, e sem duvida a ultima grande resi-
1787 para 0 portugues Joao Rodrigues de Macedo, que usava dencia dos tempos da minerac;ao e, embora ja edificada na
a parte superior como moradia e 0 pavimento terreo para "a epoca das dificuldades resultantes da exaustao das minas, e
administrac;ao dos seus negocios de contratos das entradas e urn sobrado senhorial que pode ser considerado como urn
dizimos" do ourO.31 Mas, tendo em vista seus debitos com a exemplo singular nas vilas do ouro.
Real Fazenda, esta a ocupou no inicio do seculo XIX e nela Inumeros outros sobrados, de linhas menos imponentes
atualmente se instala urn Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, mas nem assim de menor elegancia nas .proporc;oes, poderiam
ainda ser relacionados, bem como diversos outros conjuntos
sob a supervisao do Ministerio da Fazenda.
de casas terre as de agradavel e harmoniosa composic;ao, situa-
Ainda dentro de urn partido quadrado - mas aparente- dos em variadas areas onde 0 aura desenvolveu os mais pros-
mente retangular pela maior area do terreo - apresenta urn peros nucleos do seculo XVIII no territorio mineiro, vincu-
amplo vestibulo central em cujo fundo fica urn patio, ao lado lando-se, inclusive, com outras figuras de importancia histo-
do qual alojavam-se os escravos. Na frente, comunicando-se rica, como sucede com a Casa dos Ottoni, no Serro, uma am-
a
com 0 vestibulo, 0 salao de trabalho, muito amplo, fica es- pIa construc;ao assobradada de linhas sobrias e 0 sobrado em
querda da entrada enquanto, em cima, 0 saUio maiar fica a que residiu 0 inconfidente Tomas Antonio Gonzaga em Ouro
direita, distribuindo-se basicamente os demais comodos em Preto.
volta do patio. Na impossibilidade de serem detalhadas todas estas edi-
A imponencia das fachadas da Casa dos Contos, entre- ficac;oes, uma ultima referencia deve ser feita ao sobrado que
tanto, e muito marcante tambem pela sua situac;ao pouco pertenceu ao Barao de Pontal, em Mariana, cujas sacadas em
usual, pois, alem de situar-se em uma esquina, e limitada - pedra-sabao finamente esculpida constituem urn elemento
no lado oposto - pelo corrego do Ouro Preto, vencido pela raro. Ainda que seja urn exemplar do inicio do seculo XIX,
Ponte dos Contos que, liberando a fachada lateral correspon- . apresentando detalhes de gosto neoclassico, enquadra-se equi-
dente, amplia mais ainda sua grandiosa volumetria. Esta e libradamente no seguimepto da Rua Direita, cujo casario re-
particularmente acentuada tanto pelos fortes cunhais e pela pete, basicamente, os padroes usuais e mais simples, hlo ao
marc ante cimalha em pedra quanto, em geral, pela apurada gosto de Minas.
cant aria que enquadra todos os vaos que, em sucessao domi- a
Assim, a casa mineira nao foge tipologia caracteristica
nante na fachada principal, estabelecem tambem urn ritmo, da arquitetura residencial no Brasil embora apresente, em
ao mesmo tempo nobre e singelo, de clara sensibilidade arqui- muitos aspectos, peculiaridades que refletem as condic;oes
tetOnica. mais especificas das vilas do ouro, estabelecendo, assim, em
seus cenarios setecentistas, uma bel a sintese das adaptac;oes
Arrematando a cobertura de quatro aguas eleva-se urn do vocabulario formal das construc;oes populares portuguesas
mirante de agradaveis proporc;oes, sendo importante ainda aos divers os requisitos proprios do processo civilizatorio das
considerar 0 cuidado dos acabamentos internos, com forros Minas.
alteados com pinturas e notar, como elementos "extraordina-

(32) Silva Telles, Augusto Carlos da. Atlas dos Monumentos Historicos eAr-
tlsticos do Brasil, Rio de Janeiro, MEC; DAC; FENAME, 1975, p. 249.

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