01 Question A Rio
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01 Question A Rio
HARTMUT GÜNTHER
Uma versão anterior deste texto foi publicado como capítulo do livro editado
por L. Pasquali, (1999). Instrumentos psicológicos: manual prático de elaboração. Brasília,
DF: UnB, LabPAM/IBAPP.
São três os caminhos principais para compreender o comportamento humano pessoal – em forma de entrevista individual ou por telefone; e pode ser
no contexto das ciências sociais empíricas: (1) observar o comportamento que auto-aplicável – após envio por correio ou em grupos. Nas definições de survey
ocorre naturalmente no âmbito real; (2) criar situações artificiais e observar o – e questionário – está implícita sua aplicabilidade às mais diversas áreas das
comportamento ante tarefas definidas para essas situações; (3) perguntar às ciências sociais.
pessoas sobre o que fazem (fizeram) e pensam (pensaram). Cada uma das três Trataremos do desenvolvimento de um instrumento para survey em cinco
famílias de técnicas para conduzir estudos empíricos — observação, seções. A princípio, instrumento e questionário são considerados sinônimos. A
experimento e survey — apresenta vantagens e desvantagens distintas (Kish, primeira seção lidará com as bases conceituais e populacionais de um
1987). Tais vantagens estão ligadas à qualidade e à utilização dos dados obtidos, questionário. A segunda tratará do contexto social da aplicação do instrumento.
a serem consideradas pelo pesquisador quando escolher a mais apropriada para A seguir apresenta-se a estrutura lógica do instrumento; e na quarta seção, os
seu objetivo de pesquisa. Não obstante as variações dentro de cada uma destas elementos do instrumento, i.é, questões e itens. Na quinta seção apontam-se
três grandes áreas, podemos afirmar que o ponto forte da observação é o diferenças nos instrumentos, conforme a maneira de sua aplicação: entrevista
realismo da situação estudada; que o experimento possibilita tanto a individual, pelo telefone, por correio convencional ou eletrônico, ou em grupos.
randomização de características das pessoas estudadas quanto inferências
causais; e que o levantamento de dados por amostragem, ou survey, assegura
melhor representatividade e permite generalização para uma população mais
ampla. BASE CONCEITUAL E POPULACIONAL DO QUESTIONÁRIO
O presente capítulo trata da elaboração de um questionário, instrumento Na elaboração de um questionário para um survey, deve-se partir da seguinte
principal para o levantamento de dados por amostragem. Fink & Kosecoff reflexão: qual o objetivo da pesquisa em termos dos conceitos a serem
(1985) definem survey, termo inglês geralmente traduzido como levantamento de pesquisados e da população-alvo? Utilizando-se como ponto de partida as
dados, como “método para coletar informação de pessoas acerca de suas idéias, considerações de Schuman & Kalton (1985), sumariadas na Figura 1, verifica-se
sentimentos, planos, crenças, bem como origem social, educacional e financeira” que os objetivos de uma pesquisa levam necessariamente à relação conceito/
(p. 13). Importante apontar que ‘levantamento de dados’ traduz, apenas, o termo item e à relação população-alvo/amostra. Os dois binômios são
survey. Como dados também são levantados através de observações, de correspondentes: item e amostra constituem a parte prática dos termos abstratos
experimentos, de busca em arquivos, além da interação pergunta—resposta, será conceito e população, respectivamente. No desenvolvimento precisam ser
utilizado o termo survey neste capítulo. O segundo ponto a observar é que, tratados paralelamente, i.é, ao determinar os itens em função dos conceitos
embora a qualificação ‘por amostragem’ seja necessária para que os resultados subjacentes há que se levar em conta o binômio população-alvo/amostra, da
de um survey possam ser generalizados para uma população maior, não mesma maneira que a determinação da amostra a partir de uma população-alvo
entraremos em detalhes sobre a questão, concentrando o capítulo na construção exige consideração do binômio conceito/item.
de um questionário1. Imaginemos uma pesquisa tipo survey com o objetivo de conhecer opções de
O instrumento utilizado no survey, o questionário, pode ser definido como lazer (conceito) entre jovens (população-alvo) de uma cidade. Lembramos,
“um conjunto de perguntas sobre um determinado tópico que não testa a inicialmente, que os objetivos podem ser muito diferentes. Por exemplo: (a)
habilidade do respondente, mas mede sua opinião, seus interesses, aspectos de avaliar as opções existentes (esporte, teatros, cinema, bares, clubes, etc.); (b)
personalidade e informação biográfica” (Yaremko, Harari, Harrison & Lynn, levantar a necessidade de opções novas e/ou adicionais; ou (c) estudar, entre os
1986, p. 186). Observa-se que a maneira de apresentar o conjunto de perguntas jovens, o bem-estar psicológico relacionado às opções de lazer disponíveis.
não faz parte da definição. O questionário pode ser administrado em interação
1
Vide nota de rodapé 5.
influencia o planejamento da administração do instrumento, bem como a manicômio (psiquiatra — paciente), procura de emprego (funcionário de RH —
codificação das respostas, seu processamento e, eventualmente, as possíveis candidato), pesquisa de opinião e marketing (firma de pesquisa, podendo ou não
análises. Considerem-se os exemplos seguintes. oferecer brindes — respondente), pesquisa social acadêmica (pesquisador —
Uma pesquisa que visa determinar a satisfação com a disponibilidade de ‘sujeito’).
opções básicas de lazer como quadra de esporte, clubes, teatros, pode ter como A este trabalho interessam os dois últimos exemplos, caracterizados pelo fato
população-alvo ‘jovens com telefone em casa’. Caso o pesquisador tenha à de que o pesquisador não tem poder sobre o respondente e precisa convencê-lo
disposição recursos para contratar entrevistadores, treiná-los e instalar dez linhas de que vale a pena participar da pesquisa. A seguir consideramos alguns aspectos
telefônicas e microcomputadores para registro das respostas no ato da entrevista, do contexto social e cultural desta interação pergunta-resposta: (a) o fundo
será possível levantar dados junto a um grande número de pessoas dentro de cultural, (b) o background do pesquisador, (c) o contexto da pesquisa e (d) o
pouco tempo. background do respondente (Pareek & Rao, 1980, p. 154)3.
Quando se pretende explorar conceitos como clima social, confiança mútua
e solidariedade entre moradores de um bairro periférico, idealizando como BACKGROUND CULTURAL
população-alvo jovens desconfiados, é exigido outro tipo de instrumento, outra Até onde se aceita ser indagado por um estranho acerca de assuntos pessoais?
maneira de aplicação e administração, resultando em método de codificação, Quais assuntos são considerados ‘públicos’? Quais são ‘privados’? As vertentes
processamento e análise diferentes. são nível de reticência e cortesia (senso de obrigação de agradar o outro) e,
Em suma, embora este capítulo trate da construção do questionário para finalmente, levar tal interação a sério, fornecendo respostas autênticas.
surveys de maneira geral e faça considerações sobre sua aplicação, o leitor deve
lembrar que os detalhes do instrumento dependerão da população-alvo, do
BACKGROUND DO PESQUISADOR
tamanho da amostra, dos conceitos a serem explorados, bem como dos recursos
disponíveis para aplicação e processamento do instrumento. Além de considerar Nesta dimensão entram as considerações: imagem e afiliação do pesquisador,
a interdependência de população e amostra, de um lado, e conceitos e itens do inclusive a imagem da organização à qual o pesquisador é afiliado; a distância
outro, ao elaborar um questionário o pesquisador deve atentar para os tópicos social e cultural pesquisador/organização e respondente; relevância do assunto
tratados nas seções: (a) o contexto social da aplicação do instrumento; (b) a para o respondente; viés do pesquisador/organização.
estrutura lógica do instrumento na organização de seus elementos; (c) os
elementos do instrumento, i.é, questões e itens; (d) diferenças nos instrumentos. CONTEXTO DA PESQUISA
Além do ambiente físico e social no qual a pesquisa seria conduzida (p. ex., na
casa do respondente, num local público como shopping, no local de trabalho do
pesquisador ou do respondente), relevância e sensitividade temática terão
CONTEXTO SOCIAL DA APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO notável influência sobre a disposição do respondente de participar da pesquisa.
Diante do fato de que o respondente de um survey gasta seu tempo e faz algum Acrescenta-se relevância cultural e aspectos de desejabilidade do tema (i.é à
esforço mental, uma reflexão básica deve ser: quem deseja algo de quem numa época de Natal será difícil realizar uma pesquisa autêntica sobre a desejabilidade
determinada pesquisa? A disposição do respondente em revelar algo sobre si em dar esmolas a crianças pobres). O potencial do instrumento de aprofundar,
mesmo, permitindo ao pesquisador obter os dados desejados, varia conforme com tamanho e estrutura adequados, é importante para a consecução de dados
a situação. Mencionem-se alguns exemplos: confessionário (padre — fiel), válidos.
interrogatório (policial — suspeito), declaração de renda (receita —
contribuinte), seleção e concurso (comissão de admissão — candidato), prova
3
(professor — aluno), aconselhamento (psicólogo — cliente voluntário), Vide, também, Günther, Brito & Silva (1989) para uma discussão mais ampla deste assunto.
No caso de instrumento auto-aplicável (p. ex., enviado via correio), a introdução o esforço físico e mental requerido; c) eliminando a possibilidade de embaraços;
não somente precisa ser persuasiva, mas deve conter toda a informação d) eliminando qualquer implicação de subordinação; e) eliminando qualquer
necessária para poder agir da maneira esperada pelo pesquisador. Embora se custo financeiro. Rodeghier (1996, p. 9) sumaria regras gerais como a) manter
devam incluir indicações claras de como entrar em contato com o responsável a tarefa do respondente o mais fácil possível, (b) manter o nível de interesse do
pela pesquisa, caso existam dúvidas, o esforço para pedir instruções adicionais respondente o mais alto possível e (c) manter o nível de atenção do respondente
pode fazer com que a maioria dos potenciais respondentes ignore o instrumento, o mais alto possível.
em vez de se informar com o pesquisador. Os dois primeiros pontos de Dillman e o primeiro de Rodeghier dizem
No caso da aplicação pessoal de um instrumento, o entrevistador, respeito, explicitamente, à estruturação do instrumento. São conseqüência direta
apropriadamente treinado, tem oportunidade de explicitar e tirar dúvidas sobre: da constatação de que, no contexto de pesquisa social aqui considerado, é o
(a) quem é responsável pela pesquisa, (b) quais os objetivos e (c) o quê o pesquisador que deseja algo do respondente. Assim, além de refletir boas
respondente deve fazer. A ênfase está no ‘apropriadamente treinado', porque maneiras, considerar as necessidades do respondente mostra bom senso por
existe um contínuo desde começar a esclarecer dúvidas, a tentar persuadir parte do pesquisador. O assunto será tratado na seção Estrutura e Seqüência. Os
pessoas relutantes em responder, até insistir ‘no conteúdo da resposta’. demais pontos de Rodeghier, manter interesse e atenção do respondente,
Idealmente, as instruções padronizadas são tão claras que não é necessário pedir também serão abordados.
esclarecimentos adicionais ao entrevistador. Mas na medida em que boa parte Quanto à possibilidade de embaraços, tratar-se-á deste tema no contexto de
da recompensa que um pesquisador pode oferecer consiste, justamente, na perguntas sensíveis a seguir. A questão da subordinação diz respeito ao direito
oportunidade de interação social (veja Günther, Brito e Silva, 1989), o do respondente de poder suspender a qualquer momento sua participação na
entrevistador precisa de treinamento para fornecer informações sem enviesar as pesquisa, se desejar. Jamais a participação deve ser obrigatória ou condicionada
eventuais respostas do respondente. à concessão de algum benefício — vide a parte recompensa.
Nas duas situações, instrumento auto-aplicável e interação pessoal, é Quanto a custos financeiros, Dillmann refere-se a selos no caso de uma
vantajoso manter contato prévio com os membros da amostra. ‘Aviso prévio’ pesquisa via correio, mas as considerações podem estender-se a transporte para
pode variar, conforme recursos disponíveis e abrangência da pesquisa, de uma o local da entrevista ou renda perdida pelo entrevistado durante o tempo da
carta até uma campanha de outdoors ou anúncios na televisão. Tais avisos da entrevista— vide a secção recompensas e incentivos financeiros.
chegada de entrevistadores, explicitando os objetivos da pesquisa, facilitam a
recepção do entrevistador (Solórzano, 1991) e aumentam a disposição para
DESPEDIDA: REFORÇAR BENEFÍCIOS DA PESQUISA
responder a um questionário enviado pelo correio (Gouveia e Günther, 1995).
O mínimo de cortesia na despedida consiste em um agradecimento pela ‘valiosa
colaboração’ do respondente, seja de maneira verbalizada após uma entrevista,
INTERAÇÃO PERGUNTA–RESPOSTA: REDUZINDO O CUSTO PARA seja de maneira escrita ao fim do questionário. No que se refere a benefícios
RESPONDER tangíveis e imediatos, o maior beneficiado de uma pesquisa é o pesquisador, não
Identificação do pesquisador e legitimação dos objetivos da pesquisa são passos o respondente, embora não signifique que a participação em pesquisa não
que permitem que se comece com o survey. Como o respondente pode desistir implique beneficio para o respondente. Sentir-se importante por ter sua opinião
da pesquisa a qualquer momento, continua a necessidade de convencê-lo, de valorizada ou por poder falar e ser ouvido são motivos fortes para que muitas
manter seu interesse a cada etapa da interação. Evitar que desista no meio do pessoas procurem participar em surveys. Salientar a importância da opinião
processo depende da forma e do conteúdo do instrumento. daquele candidato a respondente é condizente para com esses sentimentos.
Foram citados os pontos indicados por Dillmann para reduzir o custo de A maioria dos participantes de survey sabe que o pesquisador é o maior
responder a um survey: a) fazendo com que a tarefa pareça breve; b) reduzindo beneficiado, que pouco há para o respondente além da satisfação de ter sido
ouvido. Por esta razão, não se deve fazer promessas irreais como “Sua de rua (Günther & al., 1989). Em suma, o pesquisador tem de contrabalançar
participação nesta pesquisa é importante, uma vez que suas respostas resultarão que o respondente não deve perder recursos e assegurar que a compensação não
na melhoria da sua vida”. A afirmação é irresponsável e anti-ética, além de ser seja excessivamente generosa ou desproporcional, de modo a causar
percebida como engodo pelo respondente, minando a credibilidade das ‘dependência’ que possa ser explorada. A questão se apresenta justamente com
pesquisas. os socialmente mais fracos (p. ex. crianças, idosos e/ou pobres) ou dependentes
Comunicar resultados e/ou facilitar o acesso a eles é forma importante de (crianças, estudantes ou idosos), visto verificar-se relativa ausência de estudos
recompensar os respondentes. Se a ‘conversa com um objetivo’ foi com respondentes socialmente mais poderosos que o pesquisador.
suficientemente interessante para que o participante mantivesse o nível de Mangione (1998) enumera uma série de estudos que demonstram que a oferta
atenção, os resultados — apresentados em linguagem não acadêmica — também de incentivos financeiros tende a aumentar a taxa de resposta em survey pelo
serão. Além do mais, na hipótese de os resultados provocarem reflexão ou correio. Afirma que “o que é surpreendente nestes resultados de pesquisa não
conscientização entre os respondentes sobre o tema da pesquisa, os resultados é o fato de que pagamento adiantado de recompensa tem algum impacto, mas
conterão uma semente para possível melhoria da vida dos respondentes, numa que não parece ser necessária uma grande recompensa para obter taxas de
dada temática. resposta maiores” (p. 409), mencionando-se valores de aproximadamente um
dólar norte-americano. Conclui sua discussão afirmando: “A chave da
RECOMPENSAS E INCENTIVOS FINANCEIROS efetividade parece estar em criar um clima no qual o pagamento antecipado seja
visto como algo para se sentir bem, em vez de uma técnica manipulativa que
Por serem mais concretos, incentivos/recompensas financeiras e brindes
constranja o respondente a participar” (p. 410). Aspecto semelhante é
merecem maior reflexão. Aplica-se a estes, mais explicitamente do que aos
acrescentado por Singer, van Hoewyk e Maher (1998), quando argumentam que
demais incentivos, a norma de ética 6.14(b) da American Psychological Association
o pagamento de incentivos a respondentes não cria, necessariamente,
(APA): “Psicólogos não oferecem incentivos financeiros excessivos ou
expectativas para futuras participações em pesquisa.
impróprios ou outros incentivos para obter participantes para pesquisa,
especialmente quando isto possa obrigar participação” (APA, 1992, p. 1609).
Esclarecendo, a questão não é ‘se’ mas ‘quanto’ é possível pagar aos
participantes de uma pesquisa. ESTRUTURA E SEQÜÊNCIA
Embora do ponto de vista prático o problema seja muitas vezes resolvido Como fazer a tarefa ser breve e fácil, ou pelo menos não torná-la aborrecedora
pela limitação de recursos do pesquisador, vale lembrar que quanto maior a ou aversiva? Uma estrutura bem pensada contribui significativamente para
distância social e/ou financeira entre pesquisador e respondente, maior a reduzir o esforço físico e/ou mental do respondente, além de assegurar que
possibilidade de criar dependência no incentivo a ponto de o respondente ser todos os temas de interesse do pesquisador sejam tratados numa ordem que
privado do direito de suspender sua participação a qualquer momento e dizer sugira uma ‘conversa com objetivo’, mantendo-se o interesse do respondente em
(ou fazer) o que julga necessário para continuar na pesquisa (não por acaso se continuar. Antes de mais nada, focalizar-se no objetivo da pesquisa, nas
utiliza a palavra obrigado). perguntas que o pesquisador quer responder por meio dela. Saber claramente
Considerando a norma de ética 6.06(d) “psicólogos tomam medidas razoáveis por que está incluindo cada item no instrumento. Saber o que as respostas
para implementar proteções apropriadas dos direitos e do bem-estar dos implicam para o andamento da pesquisa. No estudo piloto, haveria margem para
participantes humanos...” (APA, 1992, p. 1608), parece razoável tentar oferecer uma ‘pescaria’, i.é, para incluir itens sobre os quais o pesquisador não tem
recompensa no caso do respondente perder uma renda por causa da sua certeza se vale perguntar. Mas o instrumento final deve conter apenas os itens
participação na pesquisa, como é o caso de pessoas que trabalham por conta que serão analisados.
própria, cujo tempo significa dinheiro, sejam profissionais liberais ou crianças
Um primeiro princípio de estruturação é direcionar-se do mais geral para o mais estilo de vida, preferências sexuais etc., os itens só terão respostas autênticas
específico; do menos delicado, menos pessoal, para o mais delicado, mais quando o participante desenvolver certo grau de confiança no responsável pela
pessoal. Esta ordem se aplica a conjuntos temáticos de itens e a um grupo de pesquisa (representado, no caso de interação pessoal, pelo entrevistador). Mais
itens que tratam de uma temática em comum. uma vez vale a reflexão: ‘É necessária esta pergunta; é necessário este item?’
Aplicada à seqüência de conjuntos temáticos de itens, significa que o primeiro Somente o último conjunto de itens trata das características sócio-econômicas
conjunto de itens/perguntas deve ser mais geral e menos sensível. Esta parte do respondente. Um erro mais que comum é começar um instrumento com o
pode até consistir, especialmente em entrevistas pessoais, de uma ‘conversa levantamento de dados pessoais, às vezes até chamando seção de
preliminar': Numa pesquisa hipotética entre jovens de um bairro sobre opções “Identificação”. Em se tratando de pesquisa, não convém identificar o
de lazer, realizada em forma de entrevista pessoal, a parte formal da coleta de respondente. Pelo contrário. Geralmente há que assegurar que a pesquisa não
dados poderia ser precedida de perguntas gerais sobre a situação do respondente visa identificar indivíduos, mas que perguntas sócio-demográficas como
na cidade e no bairro: educação, estado civil, sexo, idade, composição da família, renda, tempo de
moradia, etc. servem apenas para caracterizar a amostra. Perguntar o nome no
Há quanto tempo mora nesta cidade? início de uma entrevista pessoal pode facilitar trato interpessoal, mas mesmo
[Caso apropriado] Onde morava antes? sem registrá-lo pode contradizer qualquer afirmação sobre o caráter confidencial
Em geral, está satisfeito em morar aqui? da entrevista.
Dependendo do assunto, a regra ‘do geral para o específico’ pode ser aplicada
à seqüência dos itens, dentro de um grupo que trata de uma temática em
As perguntas iniciais serviriam menos para obter informação do respondente e comum. Ressalta-se que ao tratarem aspectos de um conjunto que constitui uma
mais para estabelecer um relacionamento de confiança entre respondente e escala, os itens devem ser misturados para evitar que dois deles sejam
pesquisador. Deve-se atentar para que essas perguntas terão de ser repetidas de apresentados um após o outro, ao se tratarem aspectos semelhantes.
maneira formal adiante, dentro da entrevista, enquadrando-se as duas primeiras Um segundo princípio de organização do instrumento é que, na medida apropriada,
entre os itens do conjunto sócio-econômico e a terceira no conjunto de itens deve seguir uma ordem lógica. Usando uma hipotética pesquisa sobre moradia,
sobre satisfação com o bairro. pergunta-se inicialmente sobre a cidade, depois sobre o bairro, a rua e o prédio
Após conseguir convencer um respondente em potencial a dar sua atenção onde o respondente mora. Além de progredir do geral para o específico,
pelo argumento de que a pesquisa trata de assunto de interesse do respondente, aproxima-se do respondente. Uma pergunta sobre o relacionamento entre
não convém começar a interação por perguntas burocráticas (nome, sexo, idade) moradores da cidade é menos pessoal, menos ameaçadora do que sobre o
e até delicadas (renda familiar). Em outras palavras, se o participante concorda relacionamento do respondente com seu vizinho. Fazendo perguntas mais
em responder a pesquisa, porque considera a temática interessante, a primeira pessoais só após haver estabelecido bom nível de confiança, o entrevistador
pergunta (e as seguintes) deve(m) tratar desta temática. Conquistado e mantido contribui para obter respostas autênticas. Assim, perguntas pessoais sobre o
o interesse do respondente, podem ser levantadas perguntas não tão obviamente respondente constituiriam o último conjunto:
relacionadas à temática inicialmente sugerida. Lembre-se o contexto social da
pesquisa social. Contrária à situação de concurso ou procura de emprego, na
qual o respondente está na situação de pedinte, podendo ser sujeitado a qualquer Concluindo, gostaríamos de fazer algumas perguntas para melhor
tipo de ficha a preencher, a pesquisa social representa uma situação na qual o caracterizar os respondentes desta pesquisa ...
pesquisador é o pedinte. Como itens pessoais e sócio-econômicos podem ter
conteúdos sensíveis como idade, nível educacional (não é fácil admitir baixo
nível educacional de si ou da família), renda individual ou familiar, chegando a
Um terceiro princípio, implícito no segundo, sugere que itens tratando de uma princípio básico é realizar no mínimo um estudo piloto, sem procurar supor
mesma temática fiquem juntos e recebam uma introdução que ajude o algo a priori.
respondente a concentrar-se na temática a ser tratada: Como escrever bons itens? Sudman e Bradburn (1982, p. 14) apresentam três
regras gerais: (a) controle o impulso de escrever itens específicos antes de haver
refletido completamente sobre as perguntas da pesquisa; (b) anote as perguntas
Inicialmente, gostaria de saber sua opinião sobre as opções de lazer
neste bairro ...
da pesquisa e mantenha-as perto enquanto estiver desenvolvendo o questionário;
e (c) cada vez que escrever um item, indague: “Por que quero saber disto?” –
Responda em termos que lhe ajudem a responder as perguntas da pesquisa.
“Seria interessante saber” não é resposta aceitável.
ELEMENTOS DO INSTRUMENTO Linguagem e ambigüidade. Quanto à linguagem usada na formulação dos itens,
A parte central do instrumento de survey são as perguntas, pelas quais se tenta atenta-se inicialmente para sua compreensão pela população-alvo da pesquisa.
obter a informação desejada. Esta seção do capítulo é iniciada com Abreviações, gírias ou termos regionais devem ser evitados, da mesma maneira
considerações gerais sobre como escrever bons itens. Seguem-se as que termos especiais ou sofisticados que estejam aquém da compreensão da
considerações temáticas, os aspectos técnicos e as considerações estatísticas. população-alvo. O problema da ambigüidade está relacionado à questão da
linguagem. O respondente está entendendo o que o pesquisador está
CONSIDERAÇÕES GERAIS perguntando?
Fowler (1998, p. 344) define um bom item como aquele que gera respostas Viés e ênfase. A escolha das palavras pode direcionar as respostas. Quando se
fidedignas e válidas. Apresenta cinco características básicas: (a) a pergunta pergunta sobre utilização de áreas comuns num bloco de residência, pode-se
precisa ser compreendida consistentemente; (b) a pergunta precisa ser indagar se deve ser ‘proibido’, ‘não permitido’, ‘evitado’ ou ‘impedido’. Assim
comunicada consistentemente; (c) as expectativas quanto à resposta adequada como o aviso ‘Proibido Estacionar’ ou ‘Pede-se não estacionar’ provoca
precisam ser claras para o respondente; (d) a menos que se esteja verificando comportamentos diferentes, o número de respondentes que concordam com um
conhecimento, os respondentes devem ter toda informação necessária; e (e) os item que contém a palavra ‘proibir’ vs. ‘não permitir’ varia (veja Schuman &
respondentes precisam estar dispostos a responder. Para assegurar tais atributos, Presser, 1981, cap. 11).
cada pergunta deve ser específica, breve, clara, além de escrita em vocabulário Pergunta aberta versus fechada. Uma escolha importante no desenvolvimento de
apropriado e correto. itens diz respeito a perguntas abertas vs. fechadas. A discussão é extensa
- Quanto à especificidade, contrasta-se: “Qual o parque que você gosta?” com (Günther & Lopes, 1990; Schuman & Presser, 1981). Pode-se sumariar a
“Em que parque você gosta de passear?” discussão nos seguintes termos: para uma pesquisa inicial, exploratória, não
conhecendo a abrangência ou a variabilidade das possíveis respostas, são
- Quanto à brevidade, contrasta-se: “Você pode enumerar as atividades que
necessárias perguntas abertas. Uma vez que se conhecem os tópicos geralmente
realiza no parque e se as mesmas envolvem poucas ou muitos colegas?” com
mencionados pelos respondentes acerca de uma dada temática, especialmente
“Quais as atividades no parque?”
quando existem muitos respondentes e/ou pouco tempo, deve-se usar perguntas
- Quanto à clareza, contrasta-se: “De maneira geral, o que você pensa sobre se fechadas. O argumento de que perguntas abertas dão mais liberdade de
as atividades planejadas para o clube são importantes?” com “Que grau de expressão ao respondente é uma falácia. Segundo Sommer e Sommer, o uso de
influência você tem no planejamento das atividades do clube?” perguntas fechadas “mostra freqüentemente mais respeito à opinião das pessoas,
- Quanto a vocabulário, é preciso pensar no nível educacional dos deixando-as classificar suas respostas como positivas, negativas ou neutras, em
respondentes. A linguagem não pode ser complexa nem simples demais. O vez do pesquisador fazer isto para eles” (1997, p. 130).
Da mesma maneira que perguntas abertas servem no início da entrevista para Quanto ao constrangimento provocado por falta de lembrança de
estabelecer um clima receptivo entre pesquisador e respondente, servem, no fim comportamento, existem maneiras de ajudar o pesquisador a ‘ter sucesso’: fazer
do levantamento, para capturar justamente aquelas opiniões não cobertas pelos perguntas específicas ao invés de gerais, além de detalhar contextos temporais
itens fechados. Além de um ‘apanhado final’ ao concluir o questionário ou a e/ou espaciais. Pode ser evitado o constrangimento devido à falta de
entrevista, as perguntas abertas podem ser feitas no fim de um conjunto de conhecimento, deixando claro que o conjunto de perguntas não constitui um
perguntas, vez que servem para reforçar a essencial percepção do respondente teste e que é natural às pessoas não ter respostas para todos os itens. Implícito
de que o pesquisador tem interesse na opinião dele, respondente. Há que nesta afirmação está: deve-se fazer mais que uma pergunta para assegurar
lembrar: perguntas abertas, especialmente em questionários auto-aplicáveis, avaliação mais discriminada do nível de conhecimento do que seria possível com
exigem mais esforço do respondente; aumentando o custo de resposta diminui apenas uma ou duas.
a probabilidade de completar e devolver o questionário. Quanto a perguntas sobre comportamentos socialmente inaceitáveis ou até
Sumariando, enfatize-se que sempre convém realizar um estudo piloto para ilegais, não entraremos nas questões éticas ou jurídicas, mas lembramos que a
verificar se e como as perguntas estão sendo entendidas pela população-alvo. tradição não garante ao pesquisador proteção contra eventual obrigação de
Esta regra não tem exceção. Quando se trata com nova população-alvo ou novo revelar suas fontes. Assim, o pesquisador deve lembrar-se da norma 1.14 da
questionário, deve-se realizar um novo pré-teste. APA “Psicólogos tomam medidas adequadas para evitar prejuízo para seus
pacientes, clientes, participantes de pesquisa, estudantes ou outros com as quais
CONSIDERAÇÕES TEMÁTICAS trabalham...” (APA, 1992, p. 1601).
No início do capítulo citamos a definição de Fink & Kosecoff (1985) de survey Havendo decidido ser justificável fazer perguntas sensíveis, a regra básica é
como um “método para coletar informação de pessoas acerca das suas idéias, utilizar perguntas abertas - sugestão que implica em entrevista pessoal como
sentimentos, planos, crenças, bem como origem social, educacional e financeira” modo de interação com o respondente. Contribui para tornar uma pergunta
(p. 13). Implícita nesta definição está a distinção entre itens que tratam de menos ameaçadora e contextualizá-la de maneira que sua importância relativa na
conhecimento, de atitudes e opiniões e de informação factual. Para cada uma das entrevista seja reduzida.
três categorias, podemos diferenciar itens mais ameaçadores. Menciona-se, adicionalmente, a técnica de resposta randômica pela qual é
Grau de ameaça de itens. Fazem-se perguntas a determinadas pessoas na possível estimar a proporção de respondentes que mantêm atitudes ou
expectativa de que as questões lhes digam respeito, que tenham conhecimento comportamentos socialmente inaceitáveis, sem entretanto poder determinar se
e/ou atitudes e opiniões sobre o assunto. O potencial de uma pergunta afetar um determinado respondente assim se comporta. Para maiores detalhes desta
um respondente de maneira ameaçadora está implícito nesta constatação. O técnica veja, por exemplo, Sudman & Bradburn (1982, cap. 3) ou Zdep, Rhodes,
assunto pode ser não muito familiar; talvez seja desagradável admitir Schwarz & Kilkenny (1989).
desconhecimento. O tema pode ser sensível para o respondente; p. ex., Itens para avaliar conhecimento. Embora não seja função da pesquisa social testar
comportamentos considerados socialmente inaceitáveis. Ao desenvolver itens habilidades ou conhecimentos no sentido escolar, sua verificação dentro de uma
é necessário verificar até que ponto determinadas perguntas podem constituir pesquisa é importante. Perguntas de conhecimento importam como filtro antes
ameaça ao respondente. Caso existam razões para supor que o tema é sensível, de serem feitas perguntas sobre atitudes, evitando constrangimentos ao tratar
precisa-se verificar maneiras de obter a informação sem provocar assuntos que o respondente desconhece. Em pesquisas que fazem parte de
constrangimento. Problema maior do que perder um respondente irritado por campanhas publicitárias ou de introdução de novas técnicas (p. ex. cuidados da
uma pergunta é receber respostas não autênticas, pela razão de o respondente saúde) é necessário verificar conhecimentos além de atitudes e práticas atuais.
ter algo a esconder ou não saber como responder. Para reduzir o nível de ameaça, pode-se iniciar a pergunta com frases como
“você sabe por acaso...” ou “a propósito...”.
São necessários cuidados para evitar adivinhação por parte de respondentes que acerca de um objeto: “A caixa de areia do playground é bem protegida de
não querem admitir falta de conhecimento. Fazendo mais que uma pergunta cachorros?” A terceira trata de ações passadas ou futuras diante de um objeto:
reduz-se a possibilidade de acertar a resposta correta por acaso, especialmente “Durante os últimos 15 dias, usei o playground X vezes”. Como freqüentemente
em se tratando de assuntos com perguntas que requerem sim ou não. Usando não existe alta correlação entre as três vertentes, deve-se averiguar as três ou
itens de escolha múltipla, as alternativas precisam ser igualmente plausíveis. É aquela que é de interesse principal.
preferível usar perguntas abertas sobre conhecimento de assuntos numéricos (p. Para verificar a intensidade da atitude, existem dois caminhos fundamentais.
ex.. Qual a população do Brasil?). Um consiste em fazer uma série de perguntas e, partindo da soma de respostas
Itens para aferir atitudes e opiniões. Em se elaborando itens para determinar numa determinada direção, inferir a intensidade da atitude. Em se tratando de
atitudes, há tarefas iniciais. Precisa-se definir claramente o objeto de atitudes, i.é, atitudes religiosas ou políticas, a alternativa é fazer três perguntas, como
sobre qual objeto se quer saber algo. Temos: a pessoa X ou as ações da pessoa apresentadas na página anterior.
X ou as filosofias da pessoa X — estas vertentes não são idênticas. É neste A primeira pergunta é mais factual, embora permita inferências inclusive
ponto que a introdução a um conjunto de itens mostra-se importante. Outro cognitivas. A segunda é uma pergunta afetiva; a terceira, comportamental. Juntas
ponto a cuidar é a vertente da atitude que está sendo medida: a afetiva, a permitem uma caracterização religiosa do respondente.
cognitiva ou a comportamental. A primeira vertente trata da avaliação de um Perguntas que contêm dois objetos de atitudes devem ser evitadas. Em vez
objeto de atitude: “Considero o atual playground um lugar seguro para as de perguntar “Você prefere o parque da cidade, que tem campos de futebol, ou
crianças da vizinhança”. A segunda trata de conhecimentos - certos e errados - os clubes, que geralmente têm bons restaurantes?”, devem ser elaboradas no
mínimo duas perguntas: “Você prefere o parque da cidade ou os clubes?”;
“Entre as seguintes atividades, de qual você gosta mais como lazer num
Você se considera mais próximo(a) de que religião:
Catolicismo ... 1
Protestantismo ... 2 Duas perguntas unipolares
Que igreja? ______________ Em geral, tento evitar conflito com os outros:
< seguem outras religiões existentes na população-alvo> Concordo plenamente ... 1
Você considera sua fé Concordo ... 2
Muito forte ... 1 Discordo ... 3
Forte ... 2 Discordo plenamente ... 4
Mais ou menos ... 3 < seguem algumas outras perguntas >
Não tão forte ... 4 Não levo desaforo para casa:
Fraca ... 5 Concordo plenamente ... 1
No último mês, você freqüentou os cultos Concordo ... 2
Quase diariamente ... 1 Discordo ... 3
Duas ou três vezes por semana ... 2 Discordo plenamente ... 4
Uma vez por semana ... 3 versus uma pergunta bipolar
Semana sim, semana não ... 4 Tento evitar Não levo
Uma vez ... 5 conflitos com .... 3 2 1 0 1 2 3.... desaforo para
Geralmente assiste às festas religiosas ... 6 os outros. casa.
domingo?". A segunda pode ser uma pergunta aberta ou seqüenciada por demorada ou esta afirmação não tenha sido feita no início da pesquisa, convém
alternativas como jogar futebol, freqüentar restaurantes, etc. Relaciona-se a este reafirmar, “Lembramos que todas as suas declarações serão tratadas de maneira
aspecto a questão da pergunta unipolar ou bipolar. Tomando estratégias de confidencial. Os resultados serão apresentados de maneira a não permitir a
enfrentamento como exemplo, poder-se-ia formular dois tipos de perguntas, identificação de participantes individuais”. Para ajudar a memória e/ou assegurar
conforme exemplo na página anterior. respostas acuradas, as perguntas devem ser o mais específicas possível:
Itens para obter informação factual. Incluem-se neste grupo perguntas “Quantos anos fez no seu último aniversário?” vs. “Quantos anos tem?”;
sócio-demográficas: sexo, idade, escolaridade, renda, moradia, etc. Estas “Durante os últimos seis meses, você teve oportunidade de trabalhar com
perguntas deverão ser vistas no fim da pesquisa, supondo que tais itens sejam processamento de texto?” vs. “Você tem experiência em computação?”
potencialmente delicados (idade, renda, nível escolar, entre outros). Igualmente,
não há como supor que os respondentes, mesmo querendo, forneçam sempre CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
informações corretas. Vale o lembrete de perguntar apenas o que será utilizado. Voltamos à relação conceito—item da Figura 1. Partindo dos objetivos,
É importante iniciar a última seção com a justificativa, “Concluindo, gostaríamos formulam-se perguntas a serem respondidas por meio da pesquisa. As perguntas
de fazer algumas perguntas que permitam melhor caracterizar o grupo de são transformadas operacionalmente em variáveis e indicadores, apresentadas
pessoas com as quais falamos nesta pesquisa”. Caso a interação tenha sido ao respondente em forma de itens. Desta maneira, é perpassando os itens que
se estabelece a relação entre o objetivo de uma pesquisa e os conceitos
Características da Características
Tipo de Escala
Escala
Exemplos
Formais pesquisados, enquanto as respostas representam o grau de conceituação que o
respondente tem acerca do assunto sob investigação.
Números ou símbolos Placas de carro, Equivalência
são utilizados somente Cor de cabelo, ‘=' Aproximamo-nos de uma definição de medição: estabelecer correspondência
Nominal para identificar Local de nascimento, entre eventos e símbolos, comumente numerais, de tal maneira isomórfica que
pessoas, objetos, ou
categorias Estado civil a variação entre os símbolos corresponda, geralmente de modo linear, à variação
entre os eventos. No caso da pesquisa social, evento quer dizer “idéias,
Características podem Ordem de chegada, além da anterior – um
ser ordenadas numa Ordem de preferência, item maior do que o sentimentos, planos, crenças, bem como origem social, educacional e
Ordinal dimensão subjacente Status social, outro financeira”, aquilo que na definição de Fink e Kosecoff (vide acima) está sendo
Escala de Likert ‘>' coletado num survey, enquanto símbolo é a apresentação de alternativas nos itens
Características não Escalas de Thurstone, além das anteriores –
do instrumento (no caso de perguntas fechadas) ou da codificação das respostas
somente podem ser Escala de Likert, operações aritméticas a perguntas abertas. Para que tal correspondência ou medição seja fiel, há que
ordenadas numa Estimativas de nas diferenças entre os atentar para três aspectos: erro, singularidade e representação. O evento é
dimensão subjacente, distâncias, números
Intervalar
mas intervalos têm Temperatura em ºC representando eventos
identificado corretamente e discriminado de outros eventos próximos? Cada
tamanho conhecido e evento é representado por apenas um símbolo, e cada símbolo representa apenas
podem ser um evento? Quais as maneiras com que símbolos (numerais) representam
comparados
eventos?
Além das Salário, Tamanho, além das anteriores,
características da Tempo gasto com uma operações aritméticas
Nas ciências sociais, eventos e símbolos se diferenciam em quatro níveis de
Razão escala anterior, ainda tarefa nos próprios números correspondência, i.é, entre quatro níveis de medição ou escalas sumariados na
existe um ponto zero Tabela 1. A seguir apresentamos exemplos de itens para cada um destes quatro
absoluto
níveis de mensuração.
Tabela 1: Características de Escalas nas Ciências Sociais (adaptado de Pasquali, 1997; Siegel, 1975;
Sommer & Sommer, 1997)
Escala Intervalar. Numa escala intervalar, as características não somente podem Neste exemplo, a primeira resposta (sim ou não) representa uma medição
ser ordenadas conforme uma dimensão subjacente, mas os intervalos entre as nominal, enquanto as seguintes representam medições em escala de razão.
alternativas têm tamanho conhecido e podem ser comparados. No caso de Escala Likert. Esta mensuração é mais utilizada nas ciências sociais,
julgamentos acerca de eventos pessoais ou sociais (p. ex. satisfação), determinar especialmente em levantamentos de atitudes, opiniões e avaliações. Nela pede-se
o tamanho dos intervalos é problemático. Exemplo clássico de uma escala ao respondente que avalie um fenômeno numa escala de, geralmente, cinco
intervalar é a utilizada por Milgram (1974) para determinar o grau de obediência alternativas: aplica-se totalmente, aplica-se, nem sim nem não, não se aplica,
às instruções dos participantes. Ostensivamente, o participante aplicava choques definitivamente não se aplica. As afirmações podem ser auto-referentes: “Eu
elétricos que variavam entre 15 e 450 volts. O grau de obediência correspondia considero importante ter uma área de lazer perto de casa”. Ou hétero-referentes:
à voltagem em que o participante se recusava a continuar aplicando mais “É importante para uma comunidade ter uma área de lazer”.
choques, i.é, quanto mais baixa a voltagem, menos obediente. Mais Dependendo do tema subjacente, as alternativas podem, além da dimensão
‘aplica-se’, seguir dimensões como: ‘bom — ruim’ ou ‘concordo — discordo’.
para fins descritivos, moda e mediana em lugar da média; e estatísticas Aplicação do Estímulo: Controle da
paramétricas para fins inferenciais. variabilidade na Aplicação do Instrumento
Do ponto de vista da análise estatística, medições em nível nominal Baixo Alto
freqüentemente podem ser convertidas em escalas intervalares. Quando existem
apenas duas alternativas, codificadas como ‘0’ e ‘1’, não há necessidade de Transcrição da
Questionário enviado
Baixo Entrevista Pessoal via correio ou aplicado
operações adicionais. Exemplos são perguntas solicitando respostas como sim Resposta:
em grupo
vs. não, presente vs. ausente, ou sexo. Já itens oferecendo mais de duas Controle da variabilidade
na transcrição das
alternativas, p. ex. estado civil, região de nascimento, afiliação religiosa, podem respostas ao instrumento Alto
Entrevista via Questionário enviado
Telefone via e-mail/internet.
ser convertidos em uma série de alternativas binárias através do processo de
codificação dummy, permitindo operações estatísticas reservadas a escalas Tabela 2: Formas de aplicação de instrumentos: vantagens e desvantagens
intervalares e de razão (veja, p. ex., Tabachnick & Fidell, 1996, ou Stevens, Antes de comentar os quatro modos de apresentar o instrumento de survey,
1986). seguem-se algumas considerações.
Estimulação concorrente. No caso do instrumento auto-aplicável, é impossível
controlar o ambiente onde o respondente preenche o questionário. Já numa
DIFERENÇAS NOS INSTRUMENTOS interação pessoal pode-se controlar - até certo ponto - a estimulação concorrente
Até este ponto tratamos do desenvolvimento de um instrumento para survey pela escolha do local. Não se deve esquecer que o comportamento do
como se fosse independente da maneira de aplicação, i.é, da interação entrevistador pode representar uma estimulação concorrente: imagina-se
pesquisador— respondente. Após considerações gerais sobre esta interação, manuseando uma prancha com o instrumento, lápis, três fotos - dentre as quais
trataremos separadamente de entrevistas pessoais, entrevistas por telefone, o respondente deve escolher uma- mais o material usado, além daquele a ser
aplicação de questionários pelo telefone e via Internet. usado. Se o entrevistador não for bem treinado, correrá o risco de confundir o
respondente antes de obter alguma informação válida. Escolhendo para a
aplicação um local calmo, de acesso restrito, com uma boa mesa, reduzem-se
APRESENTAÇÃO DOS ITENS interferências indesejadas.
A apresentação dos itens de um survey pode ser conceitualizada como um Pessoas envolvidas na administração de survey. Quanto aos atores envolvidos na
estímulo de que se espera alguma resposta, algum comportamento, que por sua administração de um instrumento de survey, ainda se considera o seguinte: o
vez precisa ser de alguma maneira registrado para poder ser analisado. Desta primeiro ator, que apresenta o instrumento ao respondente no contexto de
maneira, há potencialmente três atores envolvidos direta ou indiretamente: quem entrevistas, precisa ser bem treinado para assegurar que a estimulação seja a mais
administra o instrumento, quem responde ao instrumento e quem transcreve a semelhante possível em todos os contatos com os respondentes. A opinião
informação registrada no instrumento para o processamento e a análise dos emitida pelo respondente deve representar sua reação às alternativas
dados. Enquanto o objetivo da pesquisa é verificar e analisar variações na apresentadas, não a quem as apresentou. Dentro de certos limites, isto pode até
resposta, devem ser minimizadas a variabilidade no comportamento de quem ser automatizado quando os itens são apresentados via computador, ou
responde, a variabilidade atribuível a quem e/ou como se administra o gravados, no caso de entrevistas por telefone. Obviamente, quanto mais
instrumento e a maneira da transcrição das respostas. Vantagens e desvantagens padronizada a apresentação dos estímulos, i.é, dos itens, mais se perde o
das diferentes formas de aplicação de instrumentos de survey relacionam-se elemento humano de uma interação, aspecto que leva em conta a situação e o
diretamente ao poder de minimizar a variabilidade indesejada e ressaltar a estado de espírito da situação (vide Krosnick, 1999). A preocupação com uma
variabilidade desejada. A Tabela 2 sumaria esses inter-relacionamentos. maior padronização da apresentação dos itens acontece em levantamentos de
dados que: (a) se assemelham a testes, (b) solicitam informações mais objetivas ENTREVISTA PESSOAL
ou (c) coletam dados entre muitos respondentes que precisam ser apurados de Do ponto de vista da estandardização das perguntas e do potencial para
maneira rápida. transcrever as respostas, a aplicação pessoal de instrumentos é a mais
Considerando o segundo ator (o respondente), a maneira de apresentar os problemática. Além de exigir treinamento para os aplicadores e para as pessoas
estímulos, itens, deve corresponder às suas habilidades, sejam intelectuais (saber que transcrevem as respostas (especialmente a perguntas abertas), é o método
ler) ou físicas (ver, ouvir, discriminar cheiro ou gosto). O que foi dito a respeito mais demorado e mais caro. Sua vantagem é permitir acesso a informações mais
da compreensão da linguagem acima estende-se ao uso de símbolos e delicadas, à parte ser indispensável na fase inicial, estudo-piloto de qualquer tipo
fotografias. O é entendido e interpretado como ‘concordância'? Aquela foto, de procedimento.
caso escolhida pelo respondente como representando um escritório mais Em instrumentos auto-aplicáveis pode-se trabalhar com imagens ou
confortável, permite a inferência de que o respondente é dinâmico? apresentar várias alternativas a uma pergunta. No caso de entrevistas, tal uso é
Quanto ao modo de registrar as respostas de um survey, convém pensar, desde mais complicado. Estímulos visuais podem ser preparados para apresentação
o planejamento da pesquisa, no processamento e na análise dos dados. repetida a respondentes em entrevistas pessoais. Já no caso de entrevistas por
Enquanto respostas a perguntas abertas precisam ser decifradas, transcritas, telefone, as alternativas precisam ser curtas para que os respondentes não
codificadas, digitadas e verificadas quanto à consistência face às demais respostas tenham dificuldade de lembrá-las.
(a proverbial mulher de 12 anos que relatou dois abortos e três gravidezes), o
uso de um computador na apresentação dos itens e no registro das respostas QUESTIONÁRIO AUTO-APLICÁVEL VIA CORREIO OU EM GRUPO
facilita a apuração e assegura maior fidedignidade aos dados.
Do ponto de vista da padronização das perguntas, questionários auto-aplicáveis
Questionários que contêm apenas perguntas objetivas podem ser reduzem essa fonte da variabilidade. No que se refere à transcrição das
acompanhados de um cartão especial para registro das respostas, que por sua respostas, depende da proporção de perguntas abertas. A desvantagem mais
vez pode ser lido mecanicamente. No caso da transcrição por alguém dos dados citada de survey por correio é a taxa de resposta. Dillman (1972, 1978; Dillman,
registrados numa folha de respostas, ou no próprio questionário, deve-se pensar Christenson, Carpenter & Brooks, 1974; Dillman & Frey, 1974) apresenta uma
nas capacidades de quem transcreve ou digita. Antes do instrumento ser série de procedimentos que se têm mostrado eficazes para assegurar uma taxa
entregue ao digitador, deve ter sido ‘limpo' de tal maneira que não requira de devolução acima de 50 por cento. Por outro lado, Krosnick (1999) cita
julgamento adicional por parte dele (p. ex., o respondente marcou um 3 ou um pesquisas mais recentes que sugerem que baixas taxas de resposta não significam
4 naquele item). necessariamente baixo grau de representatividade, especialmente no caso de
O layout do questionário deve permitir orientação no que diz respeito à amostras probabilísticas (vide também Fraser-Robinson, 1991).
seqüência da informação a ser transcrita. Se há texto como resposta a perguntas
abertas, não somente deve ser legível, mas também claro. Outra questão
ENTREVISTA PESSOAL VIA TELEFONE
refere-se ao que deve ser transcrito: o texto todo? apenas uma parte? que parte?
O layout e as instruções ao respondente devem facilitar a leitura das respostas Do ponto de vista da padronização das perguntas e do potencial para transcrever
pelo digitador. No caso de itens de escolha múltipla, devem ser apresentados as respostas, a entrevista por telefone - especialmente com apoio de computador
números em vez de palavras ou letras e pedir que o respondente os circule em - tem grande valor. Embora também precise do treinamento dos entrevistadores,
vez de marcar com X. reduz-se consideravelmente o uso de papel, visto que as perguntas são
apresentadas na tela do computador para o entrevistador, que as lê para o
entrevistado. A seqüência de perguntas pode ser programada de forma que,
dependendo da resposta, uma ou outra pergunta seja indicada para ser a
próxima. Admitindo que nem toda a população tem acesso a telefone, é preciso
atentar para a representatividade da população-alvo e da amostra atingida. Em Dillman, D. A. (1972). Increasing mail questionnaire response in large samples of the general
1988, porém, Rodrigues e colaboradores conseguiram utilizar esta técnica com public. Public Opinion Quarterly, 36, 254-257.
sucesso no Brasil (vide também, Lavrakas, 1993, 1998). Dillman, D. A. (1978). Mail and telephone surveys: The total design method. New York: Wiley.
Dillman, D. A., Christenson, J. A., Carpenter, E. H., & Brooks, R. M. (1974). Increasing mail
questionnaire response; A four state comparison. American Sociological Review, 39, 744-756.
QUESTIONÁRIO AUTO-APLICÁVEL VIA E-MAIL E INTERNET Dillman, d., & Frey, J. H. (1974). Contribution of personalization to mail questionnaire
Do ponto de vista da padronização das perguntas e do potencial para transcrever response as n element of a previously tested method. Journal of Applied Psychology, 59, 297-301.
as respostas, instrumentos distribuídos por meio de e-mail têm grande potencial. Fink, A., & Kosecoff, J. (1985). How to conduct surveys: A step-by-step guide. Beverly Hills: Sage.
Além do mais, são mais rápidos do que survey por telefone e mais baratos, Fowler, F. J. (1998). Design and evaluation of survey questions. Em L. Bickman & D. J. Rog
(Eds.), Handbook of applied social research methods (pp. 343-374). Thousand Oaks, CA: Sage.
porque eliminam custos de entrevistador (survey pessoal ou por telefone), papel,
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impressão, selo (survey pelo correio). A problemática de amostragem inerente ao Handbook of survey research (pp. 21-67). Orlando, FL: Academic Press.
uso do telefone para a coleta de dados é ainda mais séria no uso de e-mail e Fraser-Robinson, J. (1991). Mala direta eficaz (K. A. Roque, trad; J. A. Nascimento, revisão). São
Internet: a população-alvo atingível é mais restrita. Schafer & Dillman (1998) Paulo, SP: Makron Books do Brasil (original publicado em 1989).
relatam um experimento contrastando diferentes maneiras de contato com Gouveia, V. V., & Günther, H. (1995). Taxa de resposta em levantamento de dados pelo
respondentes, chegando à conclusão de que técnicas utilizadas em survey por correio: o efeito de quatro variáveis. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11, 163-168.
correio são igualmente válidas para surveys por e-mail. Desta maneira, este Günther, H., Brito, S. M. O., & Silva, M. S. M. M. (1989). Relação entrevistador - entrevistado:
caminho tem grande potencial para populações que têm acesso a e-mail, seja Um exemplo de técnica de entrevista com grupos marginalizados: Meninos na rua. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 4 (1/2), 12-23.
dentro de uma organização, seja por outras características comuns.
Günther, H. & Lopes, Jr., J. (1990). Perguntas abertas vs perguntas fechadas: Uma
comparação empírica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 6, 203-213.
Henry, G. T. (1990). Practical sampling. Thousand Oaks, CA: Sage.
CONCLUSÃO Henry, G. T. (1998). Practical sampling. Em L. Bickman & D. J. Rog (Eds.), Handbook of
applied social research methods (pp. 101-126). Thousand Oaks, CA: Sage.
A presente capítulo tratou de bases conceituais de questionários, da estrutura Judd, Ch. M., Smith, E. R., & Kidder, L. H. (1992). Research methods in social relations, 6th ed.
lógica, dos elementos e do contexto social da aplicação do instrumento. Fort Worth, TX: Holt, Rinehart & Winston.
Concluiu-se o texto com considerações acerca de diferentes formas de Kish, L. (1965). Survey sampling. New York: Wiley.
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