Paul Freston IURD e Europa

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Paul FRESTON, Lusotopie 1999, pp.

383-403

A Igreja universal do reino


de Deus na Europa

O
processo pelo qual a Igreja universal do reino de Deus (IURD) tem-
se expandido por várias dezenas de países, inclusive Portugal e
Inglaterra, é um capítulo importante de uma das principais
transformações religiosas do final do século XX : a transformação do
pentecostalismo em religião global e a mudança do centro, não só numérico
mas também do impulso expansionista internacional, para regiões distantes
dos centros históricos do protestantismo1.

A globalização do protestantismo pentecostal

O estudo do mundo de fala portuguesa (possivelmente o segundo maior


bloco lingüístico no protestantismo hoje) ajuda a superar o paroquialismo
de algumas perspectivas sobre a religião na era da globalização. É preciso
levar em conta as transformações do cristianismo em décadas recentes :
recessão na Europa e estagnação nos Estados Unidos foram contra-
balançadas pelo crescimento do protestantismo na América latina e de todas
as formas de cristianismo na África e no Extremo Oriente. Mas o livro
Religion and Globalization (Beyer 1994), por exemplo, nada fala dessa
expansão cristã, sobretudo pentecostal, no terceiro mundo. A constituição
de um pentecostalismo global2 é quase sempre ignorada pela academia
porque ocorreu, em grande parte, independentemente das iniciativas
religiosas do mundo ocidental desenvolvido.
Esse pentecostalismo global é também culturalmente policêntrico3.
A história do cristianismo se caracteriza pela expansão em série, ao
contrário da expansão progressiva do islão (Walls 1995). Enquanto este se
espalhou
a partir de um centro geográfico imutável, o cristianismo foi sujeito a
mudanças periódicas no seu centro. Avanços para além da periferia
acompanharam o declínio do antigo centro. O resultado é a constante

1. Este trabalho se baseia em pesquisa de campo feita em Portugal, Inglaterra e Brasil.


2. Segundo estatísticos do cristianismo mundial, a ala pentecostal-carismática teria sido 6 %
da cristandade em 1970, sendo estimada atualmente em torno de 25 % (BRIERLEY 1996).
3. A luta por um « cristianismo culturalmente policêntrico » seria, segundo COX (1988),
o cerne da discórdia entre Leonardo Boff e o Vaticano nos anos 1980.
384 Paul FRESTON

interação com novas culturas. Em 1900, mais de 80 % dos cristãos professos


viviam na Europa ou na América do Norte ; atualmente, em torno de 60 %
vivem na África, Ásia, América latina ou no pacífico (Walls 1992 : 571).
Segundo Waters, um mundo globalizado teria uma única sociedade
e cultura, provavelmente sem integração harmoniosa, e com alto grau de
multicentricidade (1995 : 3). O estatuto fundante do pentecostalismo,
a narrativa bíblica da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes na
qual cada pessoa na multidão cosmopolita ouve « as maravilhas de Deus na
sua própria língua », autoriza a sua atual globalização policêntrica. De fato,
sem conquistar muitos adeptos, o pentecostalismo partiu de Los Angeles em
1906 e atingiu os quatro cantos do mundo em poucos anos, por meio das
redes missionárias e de imigrantes que faziam intersecção com os lugares de
origem do protestantismo popular americano. Nascido entre pobres, negros
e mulheres, no « lado de baixo » da sociedade americana, o pentecostalismo
foi exportado a um custo baixíssimo, muitas vezes por não-americanos.
É este cristianismo ocidental popular, desvinculado do establishment, que
torna-se um dos fenômenos religiosos mais globalizados. Após experi-
mentar nas últimas décadas, geralmente com autoctonia, expressivo
crescimento na América latina, na África ao sul do Saara e em alguns países
do Leste asiático, agora é este pentecostalismo do terceiro mundo que se
transnacionaliza, em outros países do mesmo continente e também no
primeiro mundo. Alinhado com a teoria da globalização, que fala
da « complexidade dos fluxos culturais globais » (Featherstone 1990 : 10),
o pentecostalismo globalizado se caracteriza pela « difusão de desenvolvi-
mentos paralelos a partir de fontes múltiplas » (Hexham & Poewe 1994 : 61).
A diáspora britânica e as missões anglo-saxãs, responsáveis desde o século
XVIII pela maior parte da expansão mundial protestante, agora são ultra-
passadas por outras diásporas (africanas, caribenhas, latino-americanas,
chinesas e coreanas) e outras missões.
É verdade que a globalização permite que muitas religiões se globalizem
(como nos congressos mundiais da religião iorubá). Mas a escala do pente-
costalismo é outra. Doze por cento dos ganeses vivem no exterior, e metade
destes passou por « acampamentos de oração » pentecostais antes de emi-
grar (Van Dijk 1996).
A expansão pentecostal segue freqüentemente as diásporas (Igrejas de
africanos na Europa e de latino-americanos nos Estados Unidos). Muitas
vezes, as Igrejas diaspóricas atendem uma clientela mais ampla do que a do
país de origem, dentro de uma categoria imposta pela sociedade receptora.
Assim, africanos em geral ingressam nas Igrejas nigerianas ou ganesas na
Inglaterra ; e « hispânicos » em geral entram em Igrejas de origem portorri-
quenha nos Estados Unidos (Vásquez 1997).
Além do pentecostalismo que segue as migrações, há o esforço
missionário que transcende as diásporas. Pouco se sabe sobre o movimento
missionário do novo protestantismo de massas do terceiro mundo. Embora
em alguns casos reflita uma tendência secular (mão-de-obra barata para a
empresa missionária controlada pelo Ocidente desenvolvido), na maioria
dos casos é mais um dos movimentos sociais autônomos do Sul. Em 1993,
a Aliança evangélica mundial estimava em 40 000 os missionários protes-
tantes oriundos do terceiro mundo, comparado com 88 000 dos tradicionais
centros da Europa, América do Norte e Australásia. Até o final do século,
os primeiros podem ser maioria.
385 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

A América latina responde por parte importante desse novo quadro.


Igrejas pentecostais (especialmente portorriquenhas, guatemaltecas e chile-
nas) têm se expandido dentro da América latina e entre os hispânicos dos
Estados Unidos. O protestantismo brasileiro, com longa tradição de envio
missionário por parte das Igrejas históricas, hoje se caracteriza pela
predominância de pentecostais. Uma publicação protestante de 1994 falava
em cerca de 800 missionários evangélicos brasileiros no exterior, represen-
tando umas 80 agências enviadoras. Em 1997, a revista Veja falava em 1 700,
dos quais 500 seriam da IURD, e afirmava que o número dobrara nos sete
anos anteriores4. Das Igrejas pentecostais, a Assembléia de Deus e a Deus
é Amor se destacam na divulgação internacional. Mas tudo indica ser a
IURD a Igreja protestante brasileira de maior expansão global. Neste artigo,
examinaremos a presença da IURD na Europa, por meio de dois casos
contrastantes : Portugal e Inglaterra.

A expansão global da IURD

Alguns autores comentam a pretensão globalizante nos próprios nomes


de várias Igrejas nigerianas e ganesas fundadas desde os anos 1970. No caso
brasileiro, vemos um contraste entre a aspiração nacionalista no nome da
Igreja Brasil para Cristo, fundada nos anos 1950, e a aspiração universalista
no nome da Igreja universal do reino de Deus.
Tratamos das características da IURD em outros textos (Freston 1994,
1996a, 1996b). Comentaremos aqui somente aspectos relevantes para a com-
preensão de sua expansão internacional.
O Brasil tem a segunda maior comunidade de protestantes praticantes
do mundo, e a maior comunidade de pentecostais. Que a IURD tenha se
expandido a outros países, portanto, não surpreende, mas sim a dimensão e
velocidade dessa expansão. A visão missionária não a diferencia de outras
Igrejas ; mas a capacidade de concretizar a visão tem muito a ver com uma
conjunção única de elementos. Segundo pesquisa entre evangélicos do
Grande Rio de Janeiro (ISER 1996 : 10), a composição social da IURD é mar-
cadamente de baixa renda, baixa escolaridade e cor mais escura. Enquanto
45 % da população ganha somente até dois salários mínimos, e 58 % do
conjunto dos evangélicos, a taxa entre os membros da IURD é de 63 %.
Somente 21 % da população tem quatro anos ou menos de escola, versus
39 % dos evangélicos e 50 % da IURD. Brancos são 60 % da população, 49 %
dos evangélicos e somente 40 % na IURD. Esta base popular é conjugada
com um poderio institucional decorrente da organização hierárquica, cacife
político, arrecadação financeira (a 34a maior empresa privada do país)
e império na mídia.
Apesar de se ver como parte da comunidade evangélica e inserida na
tradição histórica evangélica, a IURD se aproxima da tradição religiosa
brasileira. No dizer de um intelectual da Igreja, « não nos orientamos
por uma tradição evangélica européia ou americana. Partimos da […]
prática religiosa do povo ». Ou, na avaliação do presidente da Associação
evangélica brasileira, a IURD é uma nova religião sincrética, pois
mescla « ensinamentos evangélicos, preceitos da Igreja católica medieval

4. Veja, 23 de abril de 1997.


386 Paul FRESTON

e elementos afro-ameríndios »5. Mas a IURD é também (pela constante


inovação metodológica facilitada pelo controle centralizado) uma brico-
lagem de práticas oriundas de diversas fontes, adequada aos tempos de
globalização.
Uma pesquisa da « Vox Populi » descobriu que a IURD é a mais
desaprovada das grandes instituições brasileiras, com apenas 17 % de
aprovação, abaixo até do Congresso nacional6. Entre os evangélicos, porém,
a IURD não é tão repudiada. O « Datafolha »7 mostrou que 32 % dos pente-
costais paulistanos (versus 8 % da população geral) viam aspectos positivos
nela. Mesmo assim, a imagem da Igreja é pior do que a das outras denomi-
nações entre os evangélicos (ISER 1996 : 46).
Esta imagem negativa segue a IURD para os outros países onde se
instala. Contudo, a realidade desta no exterior somente se explica à luz da
realidade brasileira na medida em que essa informação é usada por
protagonistas locais com suas próprias agendas.
A IURD investe bastante na expansão internacional. É o que se conclui
de notícias de que havia, em fins de 1995, 22 membros no Conselho
episcopal mundial, dos quais 10 atuavam no Brasil e 12 no exterior. Já que
havia 2 100 templos no Brasil e somente 225 fora, os bispos no exterior
cuidavam de uma média muito menor de templos. Outro indício é o
processo cuidadoso de abertura de trabalhos em novos países. É enviada
uma comissão que investiga as probabilidades de sucesso, estuda as leis do
país, cuida da constituição jurídica da Igreja, avalia a linguagem mais
apropriada ao contexto e os melhores locais para templos, além de efetuar a
compra ou aluguel dos mesmos8.
Segundo alguns dados da Igreja e informações da mídia (nem sempre
confiáveis), apresentamos o que parece uma reconstrução plausível da
expansão internacional. Fundada em 1977, a IURD atravessou as fronteiras
brasileiras em 1985, quando abriu templos no Paraguai. Mas a expansão foi
lenta até 1990, quando entrara somente nos Estados Unidos, Argentina
e Portugal. Talvez as infrutíferas tentativas iniciais nos Estados Unidos,
e o investimento na compra da Rede Record de televisão no Brasil (1989),
tenham limitado a transnacionalização nos anos 1980. Mas na década
seguinte, o ritmo acelerou. Até 1993, a IURD já teria chegado a vários países
da América latina (Colômbia, Venezuela, Uruguai, Chile, México, Porto
Rico, Honduras, Guatemala, Panamá), da África (África do Sul, Angola,
Moçambique, Botswana, Cabo Verde, Guiné-Bissau), e da Europa (França,
Espanha, Holanda, Itália). Até 1995, a IURD teria-se alastrado pela América
latina (República dominicana, Nicarágua, El Salvador), África (Nigéria,
Quênia, Malawi, Congo) e Europa (Inglaterra, Luxemburgo), e chegara à
Ásia (Japão, Filipinas)9. O folheto publicitário da IURD-Inglaterra reivindica
uma rápida expansão recente : uma versão de 1995 ou início de 1996 diz que
a Igreja está em mais de 40 países ; a versão usada em meados de 1997 fala
em mais de 70 países. No entanto, um documentário produzido pela Igreja
(Rede Record, 11 de outubro de 1997) listava somente 45 países, sendo 14 da

5. Folha de São Paulo, 7 de jan. de 1996 ; 10 de set. de 1995.


6. Jornal do Brasil, 26 de maio de 1996.
7. Folha de São Paulo, 14 de jan. de 1996.
8. Veja, 19 de abril de 1995 ; 23 de abril de 1997.
9. Veja, 19 de abril de 1995 ; Folha de São Paulo, 17 de set. de 1995.
387 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

América latina, 13 da África, 11 da Europa, 4 da Ásia e 3 da América do


Norte e Caribe de fala inglesa10.
Em abril de 1995, estimavam-se os templos no exterior em 221,
distribuídos da seguinte forma : Portugal 52, Argentina 22, EUA 17, África
do Sul 17, México 11, Paraguai 9, Colômbia 7, Moçambique 7, Filipinas 7,
Canadá 7, outros países 5 ou menos. Metade dos templos se encontravam
em 4 países, situados em 4 continentes diferentes. Os totais continentais
seriam : América latina 75 ; Europa 63 ; África 52 ; América do Norte 24 ;
Ásia 711.
Três blocos culturais têm 90 % dos templos da IURD no exterior : o bloco
latino-americano, acrescido dos hispânicos nos EUA (92 templos) ; o bloco
de expressão portuguesa (71) ; os países africanos de fala inglesa ou
francesa (33). É possível que muitos dos templos restantes caibam em uma
dessas categorias : os do Canadá (portugueses e hispânicos ?) ; os da
Holanda (africanos e a comunidade de fala portuguesa, tendo começado na
Associação de Cabo Verde)12 ; os da Suiça (emigrantes portugueses ?), e o
único templo na França (portugueses ou africanos ?)13. Vemos que os
mundos lusófono, latino-americano e africano, com os quais a matriz
brasileira da IURD tem vínculos culturais e/ou lingüísticos, fornecem a
vasta maioria da membresia mundial. O mundo branco não ibérico e a Ásia,
sem falar do politicamente inacessível Oriente Médio, permanecem um
desafio.
Isso não quer dizer que a IURD não seja capaz da adaptação cultural (ou,
no caso da Europa oriental e da Ásia, da negociação política) necessária
para tais desafios. Em 1995, nomeou bispos exclusivos para a Europa
oriental e para a Ásia. Em fevereiro de 1997, abriu-se a primeira IURD na
Rússia, a qual passou a ter cultos diários a partir de junho no Teatro
Progresso, com a presença de 500 pessoas na abertura14. A manutenção do
veto de Yeltsin contra a nova lei religiosa altamente restritiva aprovada no
Parlamento será vital para as chances da Igreja. Restrições ao pluralismo
religioso à parte, a IURD talvez encontre mais facilidade na Europa oriental
do que na Ásia ou nas populações majoritárias do mundo ocidental
desenvolvido.
Confirmação das dificuldades em atravessar novas fronteiras culturais é
a trajetória nos Estados Unidos. Em 1986, um pastor americano entregou
uma igreja em Manhattan a Macedo e agiu como seu sponsor ante as
autoridades americanas (Silva 1991). No ano seguinte, a IURD começou um
programa de TV a cabo. Hoje, tem mais de 20 templos, inclusive um teatro
em Los Angeles, um jornal com tiragem de 100 000 exemplares e uma pro-

10. Os países eram listados na seguinte ordem : Rússia, Jamaica, Angola, Guiné-Bissau, Costa
do Marfim, Quênia, Malawi, Moçambique, Nigéria, África do Sul, Tanzânia, Uganda,
Zâmbia, Zimbabwe, Cabo Verde, Índia, Israel, Japão, Filipinas, República dominicana,
El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Porto Rico, Inglaterra, França, Alemanha,
Holanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha, Suiça, Canadá, México, EUA, Argentina,
Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Perú, Bélgica. Faltam países que constam de
listas publicadas na mídia, seja por erro jornalístico ou porque o trabalho lá não vingou,
ou mesmo (uma hipótese improvável) porque a Igreja esqueceu de incluí-los no documen-
tário : Uruguai, Venezuela, Panamá, Congo, Senegal, Botswana.
11. Veja, 19 de abril de 1995. O documentário de 1997 fala em mais de 40 templos na Argentina
e 21 no México.
12. Folha universal, 31 de out. de 1993.
13. Embora fora desses blocos, mesmo Itália (herança latina e católica) e Filipinas (catolicismo
e colonização espanhola) podem ser vistas como culturalmente próximas.
14. The Sower, julho de 1997.
388 Paul FRESTON

dutora de televisão na Quinta Avenida em Nova Iorque, e consegue lotar


um teatro no Madison Square Garden para um Domingo dos Milagres15. Mas
a aparente história de sucesso encobre uma mudança fundamental de estra-
tégia. Inicialmente, os cultos e programas eram feitos em inglês, embora
a freqüência de anglo-americanos fosse mínima (Silva 1991). A Igreja esta-
gnava. Sua presença no país talvez se justificasse em outros termos (Macedo
assimilou seletivamente modelos americanos de ação religiosa, e a presença
da Igreja lá possibilitava obter equipamentos para a Rede Record e divisas
para a expansão internacional), mas o crescimento foi desapontador.
Um artigo fascinante de 1991, escrito por um pastor da IURD e publicado
numa revista pentecostal americana de cunho acadêmico, reflete o dilema
(Silva 1991) :
« Até agora, a Igreja universal é reflexo de uma determinada sociedade [a
brasileira] permeada pela crença e pelo temor dos espíritos e, conse-
qüentemente, o exorcismo é a prática mais freqüente dessa Igreja […] Temos
que esperar para ver como a IURD se adapta a novas culturas nas quais as
pessoas não têm o mesmo medo dos espíritos […] Já descobrimos que pregar
e converter em Nova Iorque não é tão fácil como no Brasil. O povo acha que
não precisa de ajuda de ninguém, muito menos de alguém do Brasil ».
A solução, porém, foi uma mudança de público-alvo, adiando a questão
da adaptação cultural. O programa de televisão passou a ser transmitido em
espanhol e este (ou o portunhol dos pastores brasileiros) se tornou a língua
dos cultos. A enorme população hispânica possibilitou, então, um cresci-
mento acelerado.
Outro país de relativo sucesso é a África do Sul. Em meados dos anos
1990, Macedo dividia sua residência entre Nova Iorque e Cidade do Cabo,
demonstrando a importância deste país chave para o continente. A África
do Sul estaria subvencionando o trabalho em mais 12 países do continente.
A Igreja parece ter chegado ao país em 1992 ; em 1995, já lotava um estádio
de Soweto16. Os pastores são brasileiros, de todas as cores. O sucesso tem
a ver com o novo momento do país, que criou expectativas que agora come-
çam a ser desfeitas. Há uma proliferação de novos grupos religiosos.
A IURD apela tanto àqueles desapontados com a situação, como àqueles
que precisam de reforço moral para poder desfrutar das novas
oportunidades para a população negra. O aumento da violência leva muitos
a uma busca por segurança e consolo. Outra vantagem da África do Sul,
para a IURD, é a proximidade a países de fala portuguesa e aos refugiados
moçambicanos no Malawi. Já está em todos esses países, sobretudo em
Angola onde reivindicava, em 1994, 14 igrejas em 5 cidades, servidas por 20
pastores brasileiros17.
Exceto Portugal, o outro país de sucesso é a Argentina, onde em 1996
possuía 26 templos, inclusive uma sede própria de 1 200 lugares18. Mas a
América latina não é sempre receptiva à IURD. No Peru, teve que usar
outro nome : existem 5 templos da Comunidad cristiana del Espíritu Santo.

15. O Estado de São Paulo, 18 de Set. de 1995 ; Folha de São Paulo, 17 de set. de 1995 ; Isto É, 14 de
dez. de 1994.
16. Isto É, 14 de dez. de 1994 ; Ronaldo Didini em Veja, 23 de abril de 1997 ; O Estado de São
Paulo, 18 de set. de 1995.
17. Folha universal, 14 de ag. de 1994.
18. Agradeço ao antropólogo Ari Pedro Oro pelas informações sobre a Argentina. Oro estuda a
transnacionalização de vários grupos religiosos brasileiros na esfera do Mercosul.
389 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

Uma reportagem peruana sobre a Igreja sabe que é de origem brasileira,


mas desconhece a verdadeira identidade19.
Não é a primeira vez que a IURD enfrenta um embargo legal das autori-
dades, provocado geralmente pelo aproveitamento, por parte de opositores
locais, de notícias sobre a imagem negativa da Igreja no Brasil. Nem é a
primeira vez que contorna o problema, abrindo uma igreja com nome de
fachada. O expediente já foi usado no Nordeste do Brasil, na Espanha,
na Itália e na cidade do Porto. Na Colômbia e no México, a Igreja é chamada
Oración fuerte al Espíritu Santo. Outra flexibilidade da IURD é a tática de
convênios com Igrejas existentes no exterior (EUA, Japão) para facilitar a
implantação. Como no Brasil, a IURD no exterior se caracteriza pela criati-
vidade e pelo arrojo. É o que veremos em dois casos do continente europeu :
Portugal e Inglaterra.

A IURD em Portugal : uma Igreja luso-brasileira ?

A IURD começou em Portugal em dezembro de 1989, nas mãos de uma


figura importante na Igreja, o bispo Paulo Roberto Guimarães. Tornou-se
a maior IURD fora do Brasil, com mais de 50 templos em 1995. Estimativas
de membros variam : 40 000 em julho de 1993, e 200 000 logo após20 – o que
daria a média improvável de quatro mil por templo. A publicação oficial,
Tribuna universal, reivindicava tiragem de 40 000 em 1996. Em 1995, a IURD
tinha programas em 23 rádios, seis das quais pertencentes à Igreja21, e um
programa diário na TV. Há ênfase no trabalho social : distribuição de
roupas e alimentos, lares de idosos e um lar para crianças. No Brasil, a
IURD investe muito em obras sociais desde 1994, em concorrência com as
obras (bastante comentadas na mídia secular) do principal crítico
protestante da IURD, Caio Fábio, presidente da Associação evangélica. Em
Portugal, a obra social parece ser não uma arma na concorrência intra-
protestante, mas uma maneira de reivindicar a legitimidade negada por
importantes setores sociais.
O público da IURD seria « a mulher de meia-idade, doméstica, jovens
de diversas etnias e reformados de ambos os sexos »22. A Tribuna universal
(7 de julho de 1996) traz um artigo sobre envelhecimento, mostrando
consciência de uma das possíveis clientelas :
« As situações de saída precoce do mercado de trabalho constituem uma
realidade bastante recente em Portugal, mas a sua importância poderá
aumentar [decorrente] da adesão de Portugal à Comunidade econômica
européia […] A população entre os 50 e os 65 anos encontra-se num terreno
instável, pois a tendência atual é de progressiva redução dos direitos
sociais ».
Num país onde todas as Igrejas evangélicas (com exceção da Igreja
Maná, pentecostal de origem portuguesa) são pequenas e estagnadas, a
atração
da IURD talvez tenha a ver com o momento da entrada na União européia

19. La República (Lima), 6 de abril de 1997.


20. Veja, 19 de abril de 1995 ; Isto É, 14 de Dez. de 1994 ; Folha de São Paulo, 9 de março de 1995.
21. Cinco dessas rádios estavam em nome de terceiros, por força da legislação que proíbe
a pessoas jurídicas possuir mais de uma emissora e 30 % de outra (Isto é, 14 de dez. de
1994).
22. Público (Lisboa), 2 de ag. de 1995.
390 Paul FRESTON

e o desenvolvimento brusco que, por um lado, cria oportunidades para


quem sabe aproveitá-las e, por outro lado, cria angústias em quem se sente
deixado para trás ou cujo estilo de vida tradicional está ameaçado. Isso cria
uma brecha para a teologia da prosperidade que a IURD propaga, e novas
aberturas sociais para grupos não católicos.
Embora a maior parte da liderança da IURD em Portugal seja brasileira,
há uma crescente participação de portugueses. Mas a Igreja não faz esforço
algum para ocultar sua origem. Críticos na mídia afirmam que ela fala
« a mesma linguagem das telenovelas » brasileiras, tão conhecidas em
Portugal23. A própria Igreja não se incomoda com o que chama « uma
"colonização-evangelização" às avessas ». Membros assimilam o linguajar
do Brasil ; especialmente durante as orações, « todos clamam ao Senhor em
"brasileiro" »24. Os pastores lideram o abrasileiramento ; um deles, depois de
dirigir um culto inteiro em « brasileiro », achou necessário me dizer que era
português para explicar por que ainda almejava conhecer a IURD no Brasil.
Se a Igreja em Portugal usa brasileirismos, é porque sabe que rendem
dividendos. Uma Igreja que planeja tão bem sua expansão internacional não
aceitaria erros tão primários na teoria das missões cristãs, se fossem
prejudiciais. Embora exista um anti-brasileirismo em setores da sociedade
portuguesa, sobretudo na classe média que procura europeizar-se e em
setores da mídia e da intelectualidade, a classe popular é atraída por
aspectos da cultura brasileira. Abrasileirar-se em alguns aspectos pode ser
uma forma de resistência dos menos favorecidos pela integração européia.
Como no Brasil, a IURD investe pesadamente na mídia. « Foi aprovei-
tando os restos de um pouco digno processo de licenciamento do espectro
radiofônico nacional [adquirindo, através de intermediários,] rádios com
problemas financeiros, com vontade de receber o capital da IURD »25. Mas a
televisão deu mais problemas. Conseguiu entrar na SIC e no canal de
satélite Eutelsat (para atingir as comunidades portuguesas na Europa). Mas
em 1995, pareceres da Procuradoria geral da República iniciaram um
processo que levou a uma proibição do uso da TV.
Desde um pouco antes do « Chute na santa » no Brasil, problemas
parecidos surgiram em Portugal. Parecidos no sentido de uma resistência
por setores importantes da sociedade que mostravam que a IURD havia
ultrapassado, com demasiada fanfarra, as fronteiras invisíveis que ainda
delimitam o espaço social e político de grupos protestantes nas duas
sociedades. O « chute na santa » no dia da padroeira do Brasil26, e a tentativa
de comprar o Coliseu do Porto, a maior casa de espetáculos de Portugal,
para transformá-lo em templo, foram passos ousados para os quais a Igreja
não dispunha de respaldo.
A imprensa já vinha incentivando uma reação das autoridades ao cresci-
mento da IURD. A Igreja
« infiltrou-se no nosso quotidiano, importando novas linguagens, estranhos
ritos […] uma verdadeira empresa multinacional […] um crescimento
calculado, que pode chegar até ao poder político. Um caminho feito de muito
dinheiro e de contornos pouco transparentes, a que as autoridades e a
sociedade civil foram respondendo, até ao "caso" do Coliseu do Porto, com

23. Público, 27 de ag. de 1995.


24. Plenitude, set. de 1997 : 38.
25. Público, 27 de ag. de 1995.
26. Quando um bispo da IURD, em programa televisivo, chutou uma imagem de Nossa
Senhora Aparecida para mostrar que a imagem não podia responder às orações.
391 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

aparente indiferença […] Todos os bispos e pastores brasileiros entram e


saem de Portugal sem problemas »27.
Os recursos de linguagem são semelhantes aos de parte da imprensa
brasileira : a comparação com o econômico para deslegitimar o religioso ;
a linguagem sinistra (« infiltrou-se », « estranhos ritos », « contornos pouco
transparentes ») ; o incentivo a uma intervenção das autoridades.
Alguns órgãos da imprensa brasileira não ficaram para trás. O Globo,
pertencente ao grupo que mais se preocupa com o poder da Igreja nos
meios de comunicação, e que é sócio minoritário no canal de TV português
que
a IURD foi proibida de usar, relata (novembro de 1995) um incidente no
norte de Portugal da seguinte forma :
« Três dezenas de adolescentes destruiram um templo da IURD em
Matosinhos […] pintaram no chão da igreja palavras como "demônio" e
"diabo", depois de terem quebrado tudo […] Só os fiéis foram poupados […]
O "bispo" João Luís ameaça realizar novo culto, amanhã de manhã, no que
restou da construção […] Tudo aconteceu depois de os evangélicos terem
decidido entrar no Cinema York, num shopping […] Os lojistas acusaram os
seguidores da seita da autoria – não comprovada – de vários assaltos no
interior do centro comercial ».
Provavelmente o público da Igreja parecia mais com as « classes peri-
gosas » do que com a clientela costumeira do shopping. O artigo atribui
a causa primeira das desordens a uma decisão dos evangélicos, não a uma
ação orquestrada dos comerciantes motivada por considerações econômicas,
e descreve a decisão do líder religioso de realizar novo culto no dia seguinte
nos escombros do templo, ignorando o perigo físico, não como corajosa mas
como « ameaça ».
Outro jornal brasileiro descreve um incidente na mesma cidade numa
linguagem mais simpática aos leitores : os fiéis « ouviram palavras de
ordem xenófobas, que mandavam brasileiros e a Universal voltarem ao
Brasil »28. No final de 1995, houve depredações de templos em três cidades
pequenas : Matosinhos, Venda Nova e Póvoa de Varzim. As cenas lembram
a oposição aos evangélicos em regiões do Nordeste brasileiro até os anos
1950. A IURD reagiu, distribuindo uma nota em inglês : Inquisition in
Portugal. O recado é claro : o Portugal moderno e europeu não pode
permitir tais restrições à liberdade religiosa.
Outra iniciativa da Igreja enfrentou resistências legais : a fundação de
um partido político. No Brasil, a participação no processo político-eleitoral
não passa pela criação de um partido próprio ; seus políticos se distribuem
por um leque de partidos. Por que criar um partido em Portugal ? Para
dentro do mundo protestante, seria apoio a um projeto de hegemonia. Para
fora, seria maneira de contornar a exclusão e alcançar (a médio prazo) um
certo poder de barganha na conquista de espaço social e político. No Brasil,
o sistema eleitoral incentiva os partidos a se abrirem para candidatos
evangélicos, e possibilita a eleição desses candidatos na base do cacife
individual. Em Portugal, o sistema de listas pré-determinadas impede que
um candidato de grupo minoritário se eleja somente com os votos que traz
para sua chapa. Seria necessário primeiro mostrar a força eleitoral da IURD,

27. Ibid.
28. Folha de São Paulo, 13 de nov. de 1995.
392 Paul FRESTON

para depois negociar a posição na lista com algum partido tradicional


disposto a abrir-lhe uma vaga.
A criação do partido foi difícil. O nome seria Partido evangélico, um
convite à colaboração eleitoral pan-evangélica e uma resposta à exclusão da
IURD pela Aliança evangélica. Depois, o nome virou Partido social cristão.
Foi negado o registro pelo Tribunal constitucional em fevereiro de 1995,
porque a Constituição não permitia partidos religiosos. Logo depois,
o partido conseguiu se legalizar, com o nome de Partido da gente ; o projeto
defendia melhorias nos sistemas de saúde, seguro social e educação29.
Oficialmente, não tinha relação com a IURD, mas o presidente era Luís
Farinha, editor-chefe da Tribuna universal e, como testa-de-ferro, dono de
uma das rádios da IURD30.
Dizia-se que a IURD esperava eleger dez candidatos nas eleições
parlamentares de outubro de 1995, somando votos de todos os evangélicos.
É improvável que a cúpula tivesse tal pretensão. Mesmo somar proporção
razoável dos votos da IURD seria um feito num país com um sistema
partidário consolidado. A IURD está longe de estabelecer uma presença
parlamentar como no Brasil, mas nem por isso os primeiros passos do
Partido da gente representam um fracasso.
A IURD também enfrenta batalhas internas à pequena comunidade
protestante. A história brasileira se repete, mas com nuances próprias.
À época das agressões aos templos, o Conselho português de Igrejas cristãs,
integrado por denominações históricas, repudiou os ataques mas dizia
entender os motivos : « acreditamos que há uma expressão de fúria por
muitos que se sentiram burlados ». O maior enfrentamento, no entanto, tem
sido com outro organismo representativo, a Aliança evangélica portuguesa.
Como transfundo, é necessário resumir as tentativas da IURD de
alcançar a hegemonia do campo protestante no Brasil (Freston 1996b), uma
história que lhe segue quando procura inserir-se nos meios institucionais
evangélicos no exterior.
Em 1989, a IURD apoiou Fernando Collor desde o primeiro turno da
eleição presidencial, e adquiriu a Rede Record por 45 milhões de dólares.
Em 1990, tornou-se alvo de documentários nada elogiosos nas outras redes
de televisão, agora suas rivais, foi citada em várias ações legais e sofreu
pressão do seu ex-aliado, o presidente Collor, de vender a Record. No auge
das pressões, a IURD conversou com a nova Associação evangélica
brasileira (AEVB)31, com vistas a filiar-se. Em 1992, quando Macedo foi
mantido em prisão preventiva por doze dias, a AEVB condenou a ação da
justiça. Contudo, após o impeachment de Collor, a situação da IURD na posse
da Record ficou mais tranqüila.
Começou então uma nova estratégia da Igreja. A IURD sempre foi
ousada na ocupação de espaços sociais, rejeitando a tradição protestante
brasileira algo acanhada e percebendo que a sociedade brasileira urbana,
redemocratizada e em crise econômica, oferecia condições para uma ação
29. Ibid., 9 de março de 1995.
30. Veja, 19 de abril de 1995 : 92.
31. A moribunda Confederação evangélica do Brasil foi reativada por constituintes pente-
costais em 1987 para servir de canal para verbas públicas. Foi alvo de denúncias na im-
prensa em 1988 ; em seguida, setores evangélicos descontentes, principalmente de líderes
jovens ligados ao « evangelicalismo » do Pacto de Lausanne, uma espécie de Vaticano II do
evangelicalismo mundial, iniciaram articulações para uma entidade representativa que
fosse menos dependente de conjunturas políticas. Fundou-se a AEVB em 1991 ; os estatutos
enfatizavam a necessidade de melhorar a imagem pública dos evangélicos.
393 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

pública mais aberta por parte de grupos evangélicos. Agora, percebia


também que a comunidade evangélica, empenhada em transformar seu
tamanho numérico em visibilidade social e força política, carecia de uma
força hegemônica que a canalizasse em função de um projeto comum.
Houve, então, um esforço da IURD para conquistar a hegemonia
protestante. Percebendo que não dominaria a AEVB e que esta adotaria
posições que não lhe convinham nas áreas de transparência contábil e ética
eleitoral, optou por formar uma entidade concorrente em aliança com uma
ala dissidente da Assembléia de Deus, o Conselho nacional dos pastores do
Brasil. Em 1994, houve uma ruptura pública entre a IURD e o único
evangélico cuja projeção nacional concorria com a do Macedo : Caio Fábio,
presidente da AEVB, tratado pela imprensa como um « anti-bispo
Macedo ».
Em Portugal, vemos a mesma estratégia da IURD num contexto
protestante muito menor. Em 1992, procurou entrar na Aliança evangélica
portuguesa (AEP), visando beneficiar-se da respeitabilidade dos segmentos
protestantes mais antigos no país, e ter aliados para defender-se melhor
dos inimigos religiosos e seculares. É por volta dessa época que a IURD
conquistou o seu maior apoiador em meios protestantes históricos :
Nilson Fanini, famoso pregador, muitas vezes presidente da Convenção
batista brasileira e, desde 1995, presidente da Aliança batista mundial.
Ferrenho opositor da IURD nos anos 1980, Fanini passou a defensor a partir
da venda (ilegal à época) do seu canal de televisão para Macedo em 1992.
Se Fanini é o maior trunfo da IURD na expansão internacional (teria
mandado líderes evangélicos brasileiros para convencer as Igrejas portu-
guesas a aceitarem a Igreja ; e escreve cartas recomendando a IURD
a conselhos eclesiásticos em países onde procura se instalar), o maior
estorvo é o sucessor de Fanini como evangélico mais destacado do Brasil,
Caio Fábio. Não sabemos se este influenciou a AEP, mas foi sondado
quando a IURD pediu filiação à Evangelical Alliance do Reino Unido.
O parecer de uma comissão da AEP sobre o pedido da IURD, datado de
Janeiro de 1993, conclui que o corpo de doutrinas « tem grande
proximidade com os princípios doutrinários da AEP, contudo as idéias-
força […] assim como algumas práticas, colocam a IURD fora do universo
tradicional […] das "Igrejas evangélicas portuguesas" ». Os principais
pontos de desvio seriam quatro. Primeiro, a IURD possui « rígida hierarquia
com poderes unipessoais discricionários ». Em segundo lugar, os líderes são
imunes « à apreciação das suas vidas, com o fundamento de que são
pessoas "comandadas" directamente por Deus, a quem ele fala por sonhos,
visões e pela Biblia ». Em terceiro lugar, a IURD usa « métodos mágico-
sacramentais na relação do "humano" com o "divino" e do "material" com o
"espiritual" », como rosas vermelhas para saúde, rosas amarelas para
prosperidade, rosas brancas para questões sentimentais e fotos ungidas com
óleos santos. Em último lugar, ela não dá ênfase às « doutrinas
fundamentais do Evangelho, mas sim à transmissão de "idéias-força" com
laivos de conteúdo evangélico, mas algumas heréticas ». Na lista das idéias
heréticas, lemos que :
« – todos os males […] são de origem demoníaca ;
– a cura é um direito adquirido através de Cristo ;
– o pastor tem o dom de curar […] independentemente da fé do doente ;
394 Paul FRESTON

– a libertação completa [da opressão demoníaca] só é conseguida com a


participação na […] igreja ; ninguém foi abençoado em casa ;
– o batismo por imersão é a condição indispensável para todas as
bênçãos ;
– no batismo o pecado é sepultado e ele não tem mais domínio sobre o
batizado ;
– pela participação na Santa Ceia […] o participante goza a mesma
saúde física que Cristo gozava ;
– [na Ceia] o pão […] dá total saúde física e o vinho […] dá saúde
espiritual ;
– todos os homens são filhos de Deus e alvo de todo o carinho e provi-
dência paternal do Pai (não considera o problema do pecado original) ;
– o dinheiro é o sangue da Igreja, sem o qual nada se fará ;
– o dízimo é fundamental para a vida física, espiritual e financeira do
cristão fiel ».

Ao mesmo tempo, foi negado o pedido de filiação da Igrejá Maná.


As objeções à IURD merecem análise. Algumas críticas são curiosas :
a Igreja sempre fala contra sonhos e visões32, e não é conhecida por uma
teologia sacramentalista do batismo e da Santa Ceia. Outras críticas parecem
frases ouvidas em sermões e compreensíveis como exagero retórico do
púlpito, como acontece em todas as denominações. Algumas seriam passí-
veis de exegese mais ortodoxa, caso houvesse maior boa-vontade : a insis-
tência na vida cristã em comunidade (comum nas Igrejas evangélicas) ;
a afirmação do cuidado paterno de Deus a todas as pessoas (a citação não
parece ignorar o pecado original) ; e a afirmação da importância do dinheiro
na vida da Igreja.
Algumas críticas se aplicariam a outras Igrejas, ou a setores de muitas
Igrejas pertencentes à AEP, como a rígida hierarquia e as crenças na origem
demoníaca de todos os males, na cura como direito do crente, no dom de
cura como independente da fé do curado e no dízimo como vital para
o bem-estar integral do fiel.
Quanto aos « métodos mágico-sacramentais », a AEP faz eco a críticas
evangélicas à IURD no Brasil, e antecipa a negação do seu status evangélico
pela AEVB em 1995. Para Caio Fábio, a IURD é uma nova religião sincrética,
pois mescla « ensinamentos evangélicos, preceitos da Igreja católica
medieval e elementos afro-ameríndios ».
De fato, ela rompe com a pobreza simbólica do protestantismo brasileiro.
Mas há limites ; embora faça uso farto de símbolos, não há uso algum de
imagens na adoração. O pentecostalismo anterior já democratizara a palavra
por meio das línguas e profecias. A IURD, porém, quebra a dependência da
palavra, fazendo amplo uso da visão, do tato e dos gestos. Logo após
a recusa da AEP, um artigo de Edir Macedo, entitulado « Idolatria e simbo-
lismo : a diferença », comenta : « Muitos irmãos evangélicos têm criticado
constantemente a Igreja universal pelo fato de termos distribuído gratuita-
mente rosas, lenços ungidos, óleo consagrado, etc. » Mas a Bíblia, diz, está
cheia de símbolos. Jesus também usou elementos físicos como o lodo para
despertar a fé, e o apóstolo Paulo fez milagres através de seus objetos
pessoais33.

32. O primeiro número da revista da IURD na Inglaterra contém artigos aconselhando a não
dar atenção aos sonhos (The Sower, abril de 1996). O segundo número (maio de 1996) dá
« Dez razões por que não acreditar nos sonhos ».
33. Folha universal, 13 de março de 1994.
395 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

A razão de fundo pela recusa, por parte da AEP, da filiação da IURD


parece ser o receio da força hegemônica que representaria no contexto evan-
gélico reduzido e estático de Portugal. A Igreja demonstrou seu desgosto,
abrindo uma entidade rival, a Federação das Igrejas evangélicas portu-
guesas, literalmente em frente da Aliança na mesma rua, lançando forte
desafio simbólico. Integrou a Federação uma Igreja fundada no Porto por
um pastor da IURD, a Igreja cristã Nova Vida – outro exemplo da dispo-
sição da IURD em criar Igrejas-satélite para contornar crises.
Um informativo da AEP34 lança luz sobre as preocupações da IURD com
as entidades representativas, na atual conjuntura de relações entre evangé-
licos e sociedade portuguesa. Fala de conversas entre AEP e governo, que
seriam o início do caminho ao reconhecimento oficial da comunidade evan-
gélica, através dos organismos de representação, e à atribuição de direitos
e benefícios semelhantes aos da Igreja católica. Explica também que existe
uma comissão de representantes das confissões, inclusive da Igreja católica,
presidida pelo presidente da AEP, que pleiteia a aplicação da lei que
concede às confissões o acesso diário ao canal público de televisão.
Portugal, até agora, é o único país fora do Brasil no qual a IURD
alcançou projeção nacional. Parece ser, também, o país estrangeiro que mais
fornece pastores, inclusive para outros países. Talvez a decisão de mandar o
bispo Guimarães para lá em 1989 tenha representado uma nova estratégia
após alguns anos de esforço relativamente infrutífero nos Estados Unidos.
Agora, Portugal seria a cabeça-de-ponte para a expansão internacional, e
não só junto às comunidades lusófonas. É o que veremos no caso da
Inglaterra.

A IURD na Inglaterra : uma Igreja negra ?

Com a passagem de Portugal para Inglaterra, entramos num campo


religioso bem diferente. Em Portugal, a IURD representa uma força dese-
quilibradora num protestantismo fraco num país de tradição católica. Um
protestantismo dominado por Igrejas de origem estrangeira e com pouca
tradição de Igrejas autóctones. Na Inglaterra, por outro lado, a IURD repre-
senta pouco num país de tradição protestante mas bastante secularizado,
com Igreja protestante estatal e uma variedade de Igrejas livres. Embora
cresçam as Igrejas étnicas, não há tradição de sucesso entre a população
nativa por parte de Igrejas estrangeiras, sobretudo de fora do mundo de
língua inglesa. O que os dois países têm em comum, além da Comunidade
europeía, são os imigrantes das antigas colônias.
A IURD começa na Inglaterra em 1995. Em setembro desse ano, já tinha
três cultos diários num único templo, no bairro londrino de Brixton. No mês
seguinte, comprou o Rainbow Theatre, no bairro de Finsbury Park, por
4 milhões de dólares, tendo sido frustrada na tentativa de adquirir por
6,4 milhões de dólares, na primeira metade do ano, o Brixton Academy.
No mesmo ano, ou no começo de 1996, abriu uma igreja na segunda cidade
do país, Birmingham. Em Março de 1996, lotou o Rainbow Theatre para a
visita do bispo Macedo. No mês seguinte, iniciava a publicação de uma
revista interna, The Sower. Em meados de 1997 contava com um bispo
próprio, Renato Cardoso, recém-elevado ao episcopado, e com cinco igrejas
34. A Voz da Aliança, jan.-março de 1996.
396 Paul FRESTON

em funcionamento e outra (no bairro de Peckham) em vias de ser aberta.


Birmingham era o único templo fora de Londres. Somente três templos
(Brixton, o Rainbow e Birmingham) funcionavam em tempo integral.
Willesden Green e Croydon funcionavam somente duas noites e aos domin-
gos de manhã. No Day of Decision no Rainbow, em agosto de 1997, havia
membros de Brixton e Birmingham, mas não houve menção de Willesden
ou Croydon. Parece que o funcionamento efetivo ainda estava restrito a três
locais.
A estratégia inicial foi de começar em grande estilo no Brixton Academy,
tradicional palco de shows de rock. Uma proposta secreta de compra vazou
na imprensa, provocando oposição local e de freqüentadores, culminando
no veto da venda pela Câmara. O resultado não foi de todo negativo.
A desconhecida IURD entrou nos principais jornais. Embora houvesse apro-
veitamento pela mídia do noticiário brasileiro anti-IURD, o tom foi relati-
vamente moderado, mais de curiosidade do que de preocupação. O Brixton
Academy não foi o equivalente inglês do Coliseu em Portugal ou do « chute
na santa » no Brasil, pois a compra foi obstruída pelo aspecto cultural.
Na Inglaterra, de tradição protestante e liberal, não houve controvérsias em
torno da própria existência da Igreja no país, muito menos despejo dos
templos ou ataques aos fiéis.
O Rainbow Theatre, que a IURD comprou meses depois, fica num bairro
diversificado : indianos, paquistaneses, gregos, irlandeses, negros e ingleses
brancos convivem nas ruas deterioradas ao redor. Mas o Brixton Academy
mostra a estratégia com que a IURD chegou à Inglaterra. Brixton é o mais
famoso bairro negro de Londres. O templo pequeno que acabaram
comprando lá é freqüentado quase exclusivamente por negros, embora os
pastores sejam portugueses brancos. Mesmo no Rainbow, 90 % do público
é negro. A IURD, no contexto inglês, fez da comunidade Black o seu
principal público-alvo e se aproxima da categoria, no mundo religioso
inglês, de Igreja afro-caribenha.
Vasquez diz, a respeito de pentecostais peruanos em Nova Jérsei,
que « definem sua identidade coletiva como parte de uma comunidade
trans-nacional dos salvos [e] como membros de uma coletividade pan-
latina » (1997 : 9). A identidade peruana se dissolve na de hispânicos ou de
latinos imposta pela sociedade americana. Da mesma forma, os imigrantes (e
seus descendentes) oriundos da Jamaica, de Barbados, da Nigéria ou de
Gana são redefinidos pela sociedade britânica como Blacks. Quando muito,
ainda se dividem entre West Indians e Africans.
No campo religioso, muitos Blacks passam a fazer parte de Igrejas classi-
ficadas como Afro-Caribbean. Para entender as vantagens e desvantagens da
estratégia da IURD, é importante conhecer o mundo religioso inglês no qual
se insere.
Embora a « periferia celta » do Reino Unido (País de Gales, Escócia e
Irlanda do Norte) tenha cifras mais altas, somente 9 % da população da
Inglaterra freqüenta uma igreja cristã (protestante, católica ou ortodoxa)35.
As Igrejas teologicamente liberais (metodista, reformada unida) diminuem e
as evangelicais (batistas, pentecostais e novas independentes) crescem. Há
uma fragmentação crescente do campo protestante, com uma infinidade de
novas Igrejas carismáticas. Na Igreja anglicana, onde convivem tendências

35. Dados sobre o campo religioso britânico são tirados de SINCLAIR 1993, BRIERLEY 1996 e as
várias edições do UK Christian Handbook.
397 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

variadas, a ala evangelical cresce (de 10 % do clero e 15 % dos laicos em 1950,


para 50 % do clero e 35 % dos laicos em 1987). No entanto, os evangelicais em
geral são de classe média, e boa parte da limitada presença na classe baixa é
graças aos pentecostais. Estes, porém, representam somente 4 % do universo
protestante britânico, embora seja a parte que mais cresce nos anos 1990.
Em 1990, 42 % dos pentecostais do Reino Unido estavam nas Igrejas afro-
caribenhas, e 99 % dos membros destas (70 000 pessoas) estavam na
Inglaterra. A imigração caribenha a partir dos anos 1950 e africana a partir
dos anos 1970 desenvolveu Igrejas separadas, geralmente após tentativas
frustradas de integração nas Igrejas existentes. Exceto umas poucas denomi-
nações maiores, o campo afro-caribenho é pulverizado em muitas Igrejas
pequenas, muitas delas já ultrapassadas pela IURD. Via de regra,
caribenhos e africanos não convivem na mesma Igreja.
Os anos 1990 são momento de crise para as Igrejas negras. Por um lado,
seus valores espirituais são mais reconhecidos como importantes para o
conjunto do cristianismo no país. Junto com a crescente importância do
evangelicalismo no cristianismo britânico, cresce a importância dos evange-
licais negros no evangelicalismo, simbolizada pela eleição em 1996 de um
pentecostal negro de origem caribenha para dirigir a Evangelical Alliance. Por
outro lado, as Igrejas estão relativamente estagnadas e passam pelo drama
da « naturalização » : a nova geração, nascida no país, se impacienta com as
velhas tradições e busca uma identidade própria. Outro fator é que quase a
metade dos jovens de origem caribenha se casa com não-negros. Nesse
contexto, a IURD (com sua origem exótica, mensagem de sucesso e auto-
respeito, tentativa de integração com pobres de todas as cores, e liderança
mista mas predominantemente branca) talvez ofereça um ponto inter-
mediário entre uma Igreja afro-caribenha tradicional e uma Igreja branca.
Embora a IURD se tenha deliberadamente estabelecido entre os negros,
a postura da Igreja mostra consciência dos perigos. A comunidade negra
deveria ser cabeça-de-ponte e não prisão. A cilada de se transformar em
uma Afro-Caribbean Church ronda as atividades da Igreja.
Por um lado, a comunidade negra é cultivada como alvo inicial e,
posteriormente, como baluarte da membresia. O principal jornal jamaicano
de Londres (The Weekly Gleaner) é usado em 1995 para anunciar as primeiras
atividades, primeiro com testemunho e foto de uma brasileira negra ;
depois, de uma caribenha de Londres ; e finalmente, de quatro negros de
Londres (dois caribenhos e dois da África ocidental). O primeiro número do
The Sower (abril de 1996) traz o testemunho de uma negra sul-africana
(« tentei médicos, feiticeiros, inyangas e sangomas »). O número seguinte
afirma : « O diabo disse na sua mente : "Você não consegue ! Você é pobre,
não tem conhecimento, é negro, não tem o direito de receber…" ».
A implantação da IURD na Jamaica é acompanhada no jornal. Em julho de
1997, vemos o testemunho de um casal negro de Birmingham : « quando de
férias na Jamaica, amigos nos levaram aos "espiritualistas" ; mas na
realidade eles praticavam obeah, dando banhos de sangue de pombos… ».
O testemunho de uma nigeriana estéril ataca as Igrejas « espirituais »
africanas (Aladura) em Londres : « quando ia lá, meus problemas somente
pioravam… ». Um anúncio comercial da loja Universal Classics, num bairro
com muitos negros, frisa que vende « African designs ».
Tudo isso se reflete nos cultos : em Brixton, uma Igreja quase totalmente
negra ; no Rainbow, 90 % de negros, dos quais talvez dois terços caribenhos
398 Paul FRESTON

e um terço africanos ocidentais. Como no Brasil, o jovem da rua entra sem


constrangimentos na IURD, mas vê-se a influência da cultura eclesiástica
caribenha nos ternos para os homens de meia-idade e os vestidos e chapéus
elegantes para as senhoras. Em alguns momentos dos cultos, sobretudo nos
cânticos mais alegres, a Igreja de repente parece tipicamente caribenha,
embora liderada por brancos. Nos exorcismos, mencionam-se vudu, obeah e
divindades da África ocidental. Às vezes, os possessos falam em línguas
africanas, sendo exortados pelo pastor, entre aplausos, a falar em inglês.
Por outro lado, a IURD parece ter consciência do perigo de ficar aprisio-
nada na categoria de Black Church, e se esforça para que a comunidade
negra seja porta de entrada e não destino final. Ao contrário do que faz na
África negra, a Igreja não procura mandar uma alta porcentagem de
pastores brasileiros negros para a Inglaterra. Em Brixton, há pastores
portugueses ;
no Rainbow, pastores brasileiros e portugueses, predominantemente
brancos. O primeiro número do The Sower traz na capa a foto e o
testemunho de uma brasileira branca. O que ela tem em comum com a sul-
africana negra, já referida, é que é mulher e empresária. O segundo número
traz o testemunho de uma indiana de Nova Iorque ; em outro número, o de
uma indiana de Londres (« meus pais eram hindus muito rígidos »). Artigos
contra o islamismo em The Sower também evidenciam a preocupação com a
outra grande minoria étnica do país, os Asians do sub-continente indiano.
A evolução da preocupação em ultrapassar a comunidade negra vê-se nos
folhetos publicitários. Uma versão traz quatro testemunhos : dois de afri-
canos, um de caribenho e um de branca. Uma versão posterior altera as
proporções nos testemunhos : um é de africana, um de caribenho e dois de
brancos.
Uma análise do The Sower revela outras táticas no contexto inglês. Uma
é o ataque ao islão, devido à presença islâmica. « Os símbolos, tradições e
ritos que seguem hoje vêm de uma divindade pré-islâmica da Ará-
bia » ; « uma forma de imperialismo cultural ». Num contexto protestante,
outra tática mais usada do que no Brasil é a polêmica intra-protestante : a
introdução ao primeiro número diz que a revista será usada para trazer
testemunhos e para alertar contra os ensinamentos falsos das Igrejas. A
Igreja evangélica se tornou uma « Igreja católica melhorada ». Da mesma
forma que « católico » e « cristão » são excludentes na linguagem da IURD
no Brasil, « anglicano » e « cristão » parecem ser na Inglaterra36. Figuras,
movimentos e tendências no mundo evangélico internacional são atacados :
Billy Graham « ensina que católicos são apenas mais uma denominação
cristã » ; o movimento AD 2000 « prega mais de um evangelho » ; e a Bênção
de Toronto37 é alvo de repetidos artigos hostis, chamando as manifestações
de satânicas. Mas a polêmica anti-católica continua, apesar de bastante
atenuada no evangelicalismo inglês contemporâneo. « Evangélicos e cató-
licos juntos ? Não os verdadeiros evangélicos » ; « Igreja católica acusada de
conivência em assassinatos [no regime militar argentino] » ; « Católicos irão
ao céu ? ». Um anúncio diz que os pastores estão disponíveis para visitas
a prisões, hospitais ou aos lares daqueles que não podem vir à igreja38. Com
36. The Sower, abril de 1996 : 2, 5, 6, 7 ; Maio de 1996 : 19.
37. A Bênção de Toronto, fenômeno ultra-carismático iniciado numa igreja canadense em 1994,
caracterizado pelos fenômenos do desmaio e dos sons animais, influenciou muitas Igrejas
britânicas (8 % das Igrejas até o final de 1995, segundo BRIERLEY 1996 : 30).
38. The Sower, abril de 1996 : 8, 18, 19 ; maio de 1996 : 20.
399 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

uma população mais idosa e clima inclemente, essa parece ser uma ênfase
maior do que no Brasil.
O folheto publicitário começa com uma declaração de fé que enquadra
a Igreja no cristianismo ortodoxo (« um Deus, subsistindo eternamente em
três pessoas »), no protestantismo (« duas ordenanças – batismo em água
e a Ceia do Senhor » ; « a santificação como obra progressiva da graça »),
no evangelicalismo (« as Escrituras como plenamente inspiradas nos origi-
nais » ; « sacrifício substitutivo » de Cristo) e no pentecostalismo (« batismo
do Espírito Santo » ; « cura divina como parte integral do evangelho »).
Afirma a escatologia como o dínamo da Igreja (« a visão é de dar ao mundo
uma última chance de receber a salvação […] antes da Segunda Vinda » –,
uma ênfase que parece ser mais acentuada agora do que nos primórdios
da IURD). Em seguida, como em Portugal, frisa-se o trabalho
social. « Compromisso social : a fé sem obras é morta […] orfanatos, lares
para os idosos, campanhas contra a fome, assistência médica gratuita,
doações de sangue, escolas, reintegração dos sem-teto… ». O último item
pode render no contexto inglês, onde os homeless surgidos nos anos
Thatcher são grande problema social.
Num culto matinal de agosto de 1997, no Rainbow Theatre, o próprio
bispo Macedo aparece e dirige metade do culto. Como as 350 pessoas pre-
sentes não enchem o recinto, ele convida todos a ficar de pé junto do palco.
Por meia hora, conduz o culto no típico ritmo oscilante da IURD, alternando
momentos de música alta e oração fervorosa com momentos de calma
e concentração. De acordo com o estilo dos cultos de domingo de manhã,
e com sua ênfase recente na maior formação espiritual dos membros,
ele pede a Deus que « mais do que a cura ou a prosperidade, dê a esta gente
a salvação ». As canções misturam tradicionais corinhos evangélicos
ingleses, músicas de Graham Kendrick, o maior compositor evangélico
britânico da atualidade, e uma tradução de corinho evangélico brasileiro
(no culto da tarde, canta-se tradução da famosa música da IURD, usada
depois dos exorcismos : « sai, sai, sai »).
Na mesma tarde, houve o grande culto anual do Day of Decision, com
templo cheio de 1 500 pessoas. Mas Macedo não apareceu. Mesmo de
manhã, sua aparição foi discreta : não foi apresentado e provavelmente
muitos lá não sabiam quem era. Macedo não é do tipo de líder carismático,
tão comum no protestantismo brasileiro, que tem que ser sempre mencio-
nado e enaltecido. Ele fala um inglês compreensível mas com forte sotaque
brasileiro. Fala devagar, e seu estilo fica algo limitado, mas o seu inglês
simples talvez seja vantagem para uma congregação cheia de pessoas sim-
ples, e de muita gente que fala o inglês como segunda língua.
No grande culto, o ritmo é outro. Dirigido por um pastor brasileiro com
maior proficiência no inglês, o exorcismo predomina. O pastor convoca
o mal nas vidas das pessoas a aparecer : « come out, manifest » (pronunciado
como « manifeste »). Inicialmente, é o mal em geral que convoca ; depois,
especifica vudu, oxóssi, candomblé e alguns nomes que parecem ser
entidades religiosas da África ocidental. Os Africanos predominam entre os
exorcizados.
Em 1997, a IURD pediu filiação à Evangelical Alliance, entidade centenária
(fundada em 1846) agora presidida por um pentecostal negro. Alertada pelo
noticiário sobre o Brixton Academy, a Alliance sondou a AEVB. A revista de
Caio Fábio noticia o fato com certa satisfação, sob a manchete « Círculo
400 Paul FRESTON

vicioso », dizendo que a AEVB enviara à Alliance apenas o seu mani-


festo, « no qual a Universal foi censurada pela prática do sincretismo
religioso. É o que basta »39.
A IURD como Igreja negra (no contexto inglês) está na tradição das
Igrejas africanas independentes (Anderson 1990 : 67, 71-72) :
« Muitos cristãos africanos crêem que a Igreja [missionária] não tem interesse
nas desgraças cotidianas, a doença, o encontro com o mal e com a feitiçaria, o
azar, a pobreza, a esterilidade […] A necessidade é de um poder maior do
que o dos espíritos, adivinhos e feiticeiros. O suposto sincretismo no
cristianismo africano não é tanto uma falta de compromisso cristão, mas
expressão do fato de que o cristianismo não tem respondido integralmente às
aspirações religiosas fundadas na cultura. Mas nas Igrejas independentes, as
pessoas são convidadas a trazer seus temores e ansiedades com respeito a
bruxos, feiticeiros, pobreza, doença e todo tipo de desgraça ».
Se a base inicial da IURD é a comunidade negra, a base do pastorado
é uma colaboração entre brasileiros e portugueses. Tirando alguns obreiros
negros ingleses, toda a liderança paga e voluntária é luso-brasileira. Eviden-
temente, uma vantagem dos portugueses é que têm liberdade de trabalhar
na Comunidade européia. Na Inglaterra, e talvez em boa parte da Europa,
a IURD é uma Igreja luso-brasileira. Trata-se da expansão da religião lusó-
fona, mais do que da religião puramente brasileira. A IURD talvez constitua
já o maior esforço missionário protestante, de todos os tempos, oriundo de
Portugal.

***

As perspectivas globais da Igreja universal

Na introdução, olhamos o pentecostalismo como uma fé globalizada


e culturalmente policêntrica. A combinação é importante. Como diz Smith
(1990 : 179), novas tradições devem conectar com os estilos vernaculares :
« É uma coisa empacotar imagens e difundí-las por meio de redes mun-
diais de telecomunicações. É outra coisa bem diferente garantir o poder de
mover as populações.
Os significados, para uma determinada população, mesmo das imagens mais
universais, derivam tanto das experiências históricas e status social de um
grupo quanto das intenções dos propagadores ».
Num livro recente, um teólogo evangélico africano pergunta se
« o mundo ocidental moderno, em declínio cristão mas com interesse na
prática ocultista, seria tão indiferente às experiências de transcendência
cristã relatadas no Sul ? » (Bediako 1995 : 166). A maciça adesão recente ao
cristianismo na África teria relevância global. Estendendo o argumento,
podemos falar não só da importância de entender a religião africana para
uma compreensão da IURD na Europa (e mesmo alhures), mas também do
possível papel do pentecostalismo brasileiro (combinação da herança
cultural ocidental e da religiosidade primal) em qualquer futura re-
cristianização européia. Em termos étnicos, culturais e econômicos, o Brasil
é ponte entre Europa e África, e suas Igrejas podem ter papel de ponte para
as minorias oriundas do terceiro mundo no coração do Ocidente
desenvolvido.
39. Vinde, ag. de 1997 : 34.
401 A Igreja universal do reino de Deus na Europa

Ao mesmo tempo que a IURD é sintonizada com registros globais, é uma


das religiões mais brasileiras. É uma tentativa de reforma protestante latino-
americana, ou seja, de elaborar um protestantismo parecido com as tradi-
ções religiosas do continente. Como disse seu porta-voz, em resposta à
acusação de sincretismo, é possível ser protestante evangélico e ainda usar
as tradições religiosas do povo como ponto de partida. Na África, isso já não
é muito revolucionário. Mas na América latina, o protestantismo é mais
atrasado no processo de contextualização de base (não de intelectuais de
classe média). Ou melhor, esta contextualização de base não encontrou
defensores eruditos como tem na África desde a « teologia africana » dos
anos 1960.
Ao mesmo tempo, a IURD está na tradição da expansão do cristianismo
na Europa da Idade das Trevas e na África do século XX, do encontro de
poderes. Não está pairando no espaço ; como Igreja protestante, evangélica
e pentecostal, precisa sustentar essa identidade por meio da justificação de
suas ações de forma plausível para um número suficientemente amplo de
cristãos. Analisar a IURD como empresa, embora renda insights,
é reducionista porque todo seu império econômico é funcional para
a missão religiosa e não se explica em termos de um aproveitamento
pragmático (Freston 1994 : 143). O problema que a IURD enfrenta em alguns
países é que determinada imagem dela chega junto com a própria Igreja.
Assim, prevalece a imagem negativa entre elites políticas e religiosas antes
que a Igreja possa construir uma base popular e contra-forças políticas.
Num país com longa tradição de pluralismo e liberdade religiosa como
a Inglaterra, o problema não é sério. Mas pode ser num país como Portugal
(ou, ainda mais, Espanha), de tradição religiosa monolítica e democracia
recente. Mesmo assim, a filiação à Comunidade européia reforça a
tendência democratizante e deverá garantir a sobrevivência da IURD a
longo prazo. No Leste europeu, poderá ter um grande campo, mas
enfrentará dificuldades, não só da incerteza das reformas econômicas (tendo
em vista a ideologia iurdiana do self-employment como caminho para o
sucesso), mas principalmente da falta de tradição pluralista e limitações
legais à liberdade religiosa.
A IURD usa bolsões do terceiro mundo como porta de entrada para
o primeiro mundo : os hispânicos nos Estados Unidos, os negros na Ingla-
terra. Portugal seria a exceção a essa regra, pois lá se estende basicamente
entre a população nativa, ajudada pela afinidade lingüística e cultural e
talvez pela condição ainda precária dos portugueses como europeus no
sentido contemporâneo. Até agora, a expansão internacional da IURD
dependeu sempre da combinação de alguns dos seguintes fatores : afini-
dades culturais (lusas, latinas, africanas) ; pluralismo e liberdade religiosos ;
imigrantes pobres e discriminados ; e populações de transfundo cristão
(latino-americanos, hispânicos, caribenhos, africanos, portugueses,
russos…). Não está claro se será capaz de estender-se para populações não
cristãs.
Em 1991, o pastor Manuel Silva disse que faltava ver como a IURD se
adaptaria a novas culturas nas quais falta o temor dos espíritos « mas,
seguindo as idéias de Jacques Ellul, podem descobrir novos demônios à
espreita nas grandes cidades do mundo e em culturas diferentes »40. Na
época, a IURD respondeu optando pelos hispânicos e esquecendo os anglo-
40. É notável a referência ao sociólogo francês Ellul, autor de The New Demons (1973).
402 Paul FRESTON

americanos. Tampouco tentou entrar na comunidade negra americana,


abarrotada de Igrejas e com uma consciência cultural muito desenvolvida
(maior rejeição da integração, após muitas decepções), e pouco propícia
a abrir-se a uma Igreja liderada por latinos brancos que já seriam rotulados
como pertencentes a outra grande minoria, os hispânicos. Mas na Inglaterra
não havia as mesmas limitações para entrar na comunidade negra, a qual
é de formação recente, menor, com menos recursos culturais, dividida entre
caribenhos e africanos, e entre imigrantes e nascidos, e onde a tradição de
Igrejas separadas é nova e ainda lastimada por muitos. Na Inglaterra, há
bastante casamento misto (metade das mulheres negras casa com brancos) ;
e os líderes da IURD, brasileiros brancos e mulatos, não cabem facilmente
em nenhuma categoria étnica consagrada. Isso difere também de Portugal,
onde se encaixam na categoria sobejamente conhecida de brasileiros, o que é
vantagem junto a certas camadas da população portuguesa e desvantagem
junto a outras.
A IURD talvez seja única porque, ao contrário de outras expressões do
protestantismo latino-americano ou africano, possui um poder político
e uma força econômica que lhe asseguram a visibilidade mesmo no mundo
desenvolvido. Nesse sentido, começa a parecer com a periferia islâmica
(Europa) na capacidade de impactar o centro islâmico (Oriente Médio).
No cristianismo, o centro religioso é geralmente também o centro econô-
mico. No protestantismo atual, somente a Coréia do Sul poderia jogar um
papel semelhante ao da IURD, no impacto da periferia religiosa sobre
o centro. Mas a Coréia sofre limitações devido à marginalização de sua
língua e à falta de laços étnicos e culturais com outros países, como o Brasil
possui com Europa, América latina e África. É verdade que a IURD
(ainda ?) não penetrou na Ásia ; com exceção das Filipinas e dos dekasseguis
no Japão, talvez nunca penetre. Mas já se revelou capaz de ultrapassar
muitas fronteiras sociais, culturais e políticas, e seria ousado afirmar que
nunca se escreverá sobre o sucesso da IURD na Ásia.

Outubro de 1997
Paul FRESTON
Universidade federal de São Carlos (Brasil)

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