Anabela Godinho-A Freguesia Da Sé de Lisboa PDF
Anabela Godinho-A Freguesia Da Sé de Lisboa PDF
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Abstract: The examination of the Sé parochial records of baptisms, marriages and deaths, between the mid-
sixteenth and the mid-eighteenth century, based on Norberta Amorim’s methodology of parish
reconstitution, enabled the analysis of the population’s demographic behaviour and also an approach to the
parish’s social reality, based on qualitative data, such as positions, condition and professions.
Located in a central area, close to the «Ribeira» (literally, the riverside) and the Tagus, the Sé (parish named
after the Lisbon See) was one of the first urbanized zones in Lisbon and one of its largest parishes. According
to Cristóvão Rodrigues de Oliveira, its population stood at six thousand one hundred eighty-seven and seven
hundred and eighteen neighbours, in 1551. In 1620, Frei Nicolau de Oliveira, presented it as the sixth largest
parish in Lisbon and the largest of the seven parishes of the Cerca Moura.
Based on demographic analysis, we found that it was an urban parish with a strong mortality and mobility,
understandable due to it location near the Lisbon port, at a time that the capital was experiencing a golden
age, derived from the maritime trade of the Discoveries. Our study also revealed the existence of low average
ages for males and females at the time of their first marriage and that a large percentage of marriages
involved spouses who had not been born in the parish. They came from several parts of the country, especially
from the north, as well as from abroad.
Keywords: Lisbon; Parish of the Sé; Demography; Society.
Introdução
Partindo dos registos paroquiais da freguesia da Sé de Lisboa, desde 1563, ano dos
primeiros registos conhecidos para essa paróquia, e o terramoto de 1755, tivemos como
principal objectivo analisar comportamentos demográficos de nupcialidade, fecundidade
legitíma e ilegítima, mortalidade e mobilidade da sua população, antes da grande
mudança de feição da cidade, não deixando de explorar dados qualitativos referidos pelos
párocos, no sentido de uma aproximação à realidade social da paróquia, nesse período.
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ESPAÇO & MEMÓRIA
Para esta análise, construímos uma base de dados demográficos e sociais, através da
aplicação da metodologia de «reconstituição de paróquias» aos registos paroquiais de
baptismos, casamentos e óbitos, porque, ao fornecerem informações sobre os actos vitais
dos indivíduos, apresentam-se como fontes privilegiadas para o estudo das populações
do passado. Trata-se de um método de exploração dos registos paroquiais desenvolvido
em Portugal, por Norberta Amorim (1992). Viabiliza estudos demográficos longitudinais
sobre populações do passado, através da identificação dos indivíduos referidos nesses
registos, relacionando-os com as suas famílias, em encadeamento genealógico, mediante
uma aplicação informática. Através dos dados qualitativos que deles se podem retirar,
permite identificar e comparar diferentes grupos sociais, avançando, assim, para
abordagens de carácter sociológico. Tem ainda a vantagem de poder ser aplicada a
grandes paróquias urbanas, como a paróquia da Sé de Lisboa.
Situada na parte ocidental da Península Ibérica e na província da Estremadura,
Lisboa foi um lugar privilegiado desde os tempos mais remotos, devido, em parte, à sua
localização geográfica, junto ao estuário de um rio navegável, o Tejo, e ao seu clima
ameno e suave (ALBUQUERQUE, 1994). É uma cidade muito antiga, habitada por
Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Germanos, Árabes.
Com os Árabes, a cidade foi delimitada pelas muralhas, que se estendiam desde o
núcleo fortificado até à praia, às quais se deu o nome de Cerca Moura (GASPAR, 1994).
Conquistada aos Mouros em 1147, Lisboa foi cidade de corte desde meados do século
XIII, mas, foi após a viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-99), com o desenvolvimento
do grande comércio Oriental, sustentado essencialmente pelas especiarias, que,
posicionada na convergência das grandes rotas do comércio mundial, ganhou uma
importância relevante ao absorver e centralizar o comércio Oriental.
Lisboa foi crescendo em importância, a sua população aumentou, o seu espaço
alterou-se e alargou-se, de modo que, no século XVI, era, não só, um centro político-
administrativo, mas também um grande centro marítimo e comercial, com uma
centralidade cada vez maior. Era uma grande cidade que se afirmava como capital do
Reino e de um império marítimo, única realidade urbana do Portugal moderno e uma
das mais importantes cidades da Europa (RODRIGUES, 1970).
Na parte oriental da cidade, no interior da Cerca Moura, num local central onde
nascera a cidade de Lisboa, próximo da Ribeira e do Tejo, encontrava-se a freguesia da Sé.
Fundada, provavelmente, no ano 1150 (OLIVEIRA, 1987), é uma das mais antigas
freguesias da cidade (Brito, 1935). Foi sede de bispado, desde o tempo de D. Afonso
Henriques, e elevada a sede de arcebispado de Lisboa, em 1394. Nela funcionaram os
primeiros Paços do Conselho da cidade, até à reunificação do Senado da Câmara de
Lisboa, em 1741.
Foi também um importante centro religioso, com a sua Igreja Maior, catedral de
Lisboa, cabeça das restantes freguesias da cidade. Nesta igreja, numa das suas capelas,
encontrava-se guardado, com grande veneração, o corpo do mártir S. Vicente, padroeiro
da cidade de Lisboa, aí colocado pelo rei D. Afonso Henriques (CARVALHO, 1869). A
devoção a Santo António, natural desta freguesia e baptizado na igreja da Sé, em 1195,
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Demografia e Sociedade (1563-1755).
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ESPAÇO & MEMÓRIA
vindos nas naus. Os habitantes desta cidade eram muito diversificados em relação à
condição social e às actividades económicas por eles desempenhadas. Aí conviviam gentes
de todas as raças e proveniências. Havia muitos mercadores estrangeiros e muitas outras
pessoas que vinham de fora (OLIVEIRA 1938).
Mas, entre os habitantes de Lisboa havia muitos pobres e mendigos. Segundo João
Brandão, eram mais de dois mil pobres pedintes, em meados do século XVI.
Para a celebração do culto divino, havia em Lisboa muitos eclesiásticos: cónegos,
curas, priores e outros. Eram também muitos os religiosos, frades e freiras, que estavam
nos Mosteiros da cidade (OLIVEIRA, 1938).
Relativamente ao número de pessoas existentes em Lisboa, o Cardeal Alexandrino,
enviado a esta cidade pelo papa Pio V, em 1571, ao longo do caminho que percorreu pelas
ruas da cidade, apercebeu-se que havia tanto povo «que se calculou haver aí mais de cento
e cinquenta mil pessoas» (CASTELO-BRANCO, 1982, p. 367).
Mas, a segunda metade do século XVI, foi para o Reino e para a capital uma época de
continuadas calamidades, instabilidade política, perda da independência em 1580, recruta-
mento de gente para a guerra e, com a peste grande de 1569, iniciara-se um período de
grande mortalidade. Lisboa continuava, contudo, a ser o grande pólo de atracção do Reino
e mantinha o predomínio económico, político e demográfico. A sua população continuou
a aumentar e Lisboa continuou a crescer, sendo a cidade portuguesa e da Península que
mais cresceu, ao longo dos séculos XVI e XVII (RODRIGUES, 1994). Por volta de 1620, a
sua população situava-se à volta dos cento e sessenta e cinco mil habitantes.
Em 1640, a Restauração da independência e guerra que daí decorreu fez com se
tivessem vivido tempos difíceis. Estava-se perante uma conjuntura negativa que se prolon-
gou até quase ao final do século XVII, reflectindo-se num decréscimo da população de
Lisboa. O fim da guerra contra Espanha e a recuperação económica, já sentida na parte final
do século XVII, foram factores essenciais para a reposição de efectivos populacionais, per-
didos durante esse período. Na segunda metade do século XVII, parece terem sido apenas
restituídos os efectivos populacionais, perdidos entre 1620 e 1650 (RODRIGUES, 1997).
As primeiras décadas do século XVIII foram de recessão geral da população do
Reino. Lisboa, embora tivesse acompanhado a recessão geral da população do país, com
um crescimento populacional moderado nas três primeiras décadas do século XVIII,
continuava a ser o grande centro de atracção (RODRIGUES, 1997). Nos anos seguintes,
devido, também, à prosperidade económica resultante da descoberta e exploração do
ouro do Brasil e à simultânea transformação do comércio externo português (SERRÃO,
1990), Lisboa voltou a registar um rápido aumento populacional, interrompido apenas
em consequência das mortes ocasionadas pelo grande terramoto de 1755 e pelo elevado
número de pessoas que, seguidamente, abandonaram a cidade. Nessa altura, Lisboa tinha
cerca de cento e noventa e um mil habitantes (RODRIGUES, 1997).
Entre o levantamento populacional de 1527-32 e até meados do século XVIII, a
cidade de Lisboa tinha aumentado para mais do triplo, o número dos seus habitantes
(RODRIGUES, 1997).
No que se refere à evolução da população da freguesia da Sé, parece ter havido uma
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Demografia e Sociedade (1563-1755).
A freguesia da Sé era a mais abastada e populosa das sete freguesias da Cerca Moura.
Ocupava a sétima posição entre as freguesias da cidade de Lisboa com maior número de
habitantes, em meados do século XVI (OLIVEIRA, 1987). De acordo com o Sumário de
Cristóvão Rodrigues de Oliveira, as seis mil cento e oitenta e sete almas e os setecentos e
dezoito vizinhos existentes nesta freguesia, em 1551, encontravam-se distribuídos por
trezentas e cinquenta casas, dezoito ruas, seis travessas e doze becos.
Em 1620, Frei Nicolau de Oliveira, excluindo os indivíduos com menos de sete anos,
os escravos, os portugueses hóspedes e os que vinham à corte por motivo de negócios, os
marinheiros das conquistas, que vinham buscar a carga dos seus navios, e os estrangeiros
que abundavam na cidade, apresenta a freguesia da Sé como a sexta maior freguesia de
Lisboa e a maior da Cerca Moura, em número de pessoas. Contudo, mantinham-se as seis
mil cento e oitenta e sete almas e os setecentos e dezoito vizinhos, existentes em 1551.
A estagnação do crescimento populacional aí registado no século XVII, é, em parte,
explicável pelo facto de, em meados do século XVI, a área urbana delimitada pela Cerca
Moura e as freguesias mais antigas localizadas à sua volta serem as mais povoadas e, por
isso, as que apresentavam uma menor capacidade de expansão, devido às limitações
físicas do seu espaço, esgotando rapidamente a sua capacidade de crescimento populacio-
nal (RODRIGUES, 1997).
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120
Baptizados
100
80
60
40
20
0
1563
1568
1573
1578
1583
1588
1593
1598
1603
1608
1613
1618
1623
1628
1633
1638
1643
1648
1653
1658
1663
1668
1673
1678
1683
1688
1693
1698
1703
1708
1713
1718
1723
1728
1733
1738
1743
1748
1753
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A partir de 1620 e até por volta de 1660, o volume de nascimentos foi diminuindo e
a média desceu para cerca de setenta nascimentos por ano. Conjunturas económicas e
políticas desfavoráveis, como a Restauração da Independência e a guerra com Espanha,
terão, certamente, interferido neste comportamento.
A tendência depressiva que se desenhou a partir dessa altura foi interrompida por
uma fase de maior volume de nascimentos, entre as décadas de sessenta e oitenta do
século XVII. Os finais desse século e a entrada no século XVIII foram marcados por um
movimento de descida do volume de nascimentos que se prolongou até cerca de 1715,
atingindo um mínimo anual de 53 nascimentos. A partir desse ano, o movimento de
subida manteve-se mais ou menos estável até 1755. O ouro do Brasil e a prosperidade
económica daí resultante terão certamente interferido de modo positivo, não se tendo,
contudo, voltado a atingir os valores registados entre os finais do século XVI e 1620. A
descida do rei D. Manuel da Alcáçova para o Paço da Ribeira, em meados do século XVI,
foi acompanhada por um movimento de saída de população das zonas mais antigas da
cidade, para locais mais próximos da Ribeira e do mar, fenómeno que, certamente, ter-
-se-á reflectido na diminuição da população da freguesia da Sé.
Nupcialidade
IDADE MÉDIA AO PRIMEIRO CASAMENTO PARA OS QUE CASARAM ENTRE 1620
E 1755
Nas sociedades de Antigo Regime, o casamento era regulamentado pela Igreja Católica e
traduzia-se na união indissolúvel entre homem e mulher, em face da Igreja, na presença
de testemunhas e com a intervenção de um padre que os recebia por marido e mulher,
dando origem a um novo núcleo familiar e ao início de um novo processo reprodutivo.
O casamento era revestido da dignidade de sacramento e todo o acto sexual ocorrido fora
dele, além de pecado mortal para a Igreja, era socialmente reprovado (LEBRUN, 1983).
Assim, num período anterior à difusão de métodos anti-concepcionais, em que a
reprodução biológica das populações estava socialmente assente no casamento, no interior
do qual ocorria a maioria dos nascimentos, a maior ou menor dimensão das famílias
dependia, entre outros factores, da idade com que as mulheres contraiam o primeiro
matrimónio, sendo, por isso, importante o estudo da nupcialidade (AMORIM, 1987).
Neste sentido, para conhecermos o comportamento precoce ou tardio face ao
primeiro matrimónio, deixámos passar os primeiros cinquenta anos em observação,
idade estabelecida para o celibato definitivo, e calculámos as idades médias ao primeiro
casamento masculino e feminino, por décadas, dos que casaram na freguesia da Sé de
Lisboa, entre 1620 e 1755.
Constatámos que as mulheres casavam bastante jovens e com idades inferiores às
dos homens. Durante esse período, as idades médias femininas de acesso ao primeiro
casamento oscilaram entre os 18,8 anos, em 1660-1669, e os 24,6 anos, em 1750-1755.
Nos homens, os valores oscilaram entre os 20,9 anos, em 1630-1639, e os 31,9 anos, em
1680-1689. A média para a totalidade do período situou-se nos 25,9 anos nos homens e
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CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
nos 21 anos nas mulheres, casando estas, em média, cerca de cinco anos mais novas do
que eles.
Na representação gráfica das médias móveis de três décadas, que correspondem às
observações decenais, é bem visível o distanciamento entre as idades médias masculinas e
femininas de acesso ao primeiro matrimónio, ao longo de todo o período de observação.
35
30
25
Homens
Mulheres
20
15
10
1620-1629
1630-1639
1640-1649
1650-1659
1660-1669
1670-1679
1680-1689
1690-1699
1700-1709
1710-1719
1720-1729
1730-1739
1740-1749
1750-1755
MULHERES
HOMENS
NATURAIS DE FORA
Naturais 1,2 2
De fora 13 83,8
O quadro «origem combinada dos nubentes celibatários» aponta para uma grande
abertura do mercado matrimonial ao exterior. A grande percentagem de homens e
mulheres solteiros com naturalidade conhecida (83,8%) que, entre 1651 e 1700, aí
celebraram casamento, não eram naturais da paróquia. Estes dados sugerem uma enorme
atracção populacional inerente a uma freguesia urbana da cidade de Lisboa. Nesta
análise, trata-se de jovens de ambos os sexos que, pelas mais variadas razões, entraram na
freguesia, isoladamente ou integrados no agregado familiar. Pelas naturalidades dos
indivíduos e pelo facto de muitos saírem do nosso campo de observação, percebemos que
se tratava de uma freguesia com uma intensa mobilidade geográfica, com movimentos de
entradas e saídas de população por motivos de residência, trabalho, negócio, guerra e
mesmo embarque para Além-mar, entre outros.
Na segunda posição, com uma percentagem de 13%, encontravam-se os casamentos
contraídos entre homens nascidos no exterior e mulheres naturais da freguesia da Sé. Os
matrimónios envolvendo homens naturais da paróquia e mulheres nascidas no exterior
foram apenas 2%. O maior peso proporcional de mulheres naturais da freguesia da Sé
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CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
que aí celebraram matrimónio, poderá apontar para o costume das noivas casarem na sua
paróquia de origem. A percentagem mais baixa foi 1,2%, correspondente a casamentos
em que ambos os noivos eram naturais da paróquia.
Relativamente aos locais de origem dos nubentes solteiros, com naturalidade conhe-
cida, que, entre 1570 e 1700, casaram na freguesia da Sé, observámos uma multiplicidade
de locais de origem e agrupámos os naturais do Reino em bispados e arcebispados, tal
como eram referenciados nos registos da paróquia. Isto porque, o Reino de Portugal
estava dividido em três Arcebispados: Braga; Lisboa e Évora, integrando cada um deles os
seus respectivos bispados.
Assim, foi possível identificar que, dos 3.522 homens solteiros e das 3.177 mulheres
solteiras, com naturalidade conhecida, 21,9% do total de homens eram naturais de Lisboa
e, destes, apenas 4,1% eram naturais da freguesia da Sé. No caso das mulheres, em relação
ao total das nubentes, 46,3% eram naturais de Lisboa. Destas, 22,1% eram naturais da
freguesia da Sé. Estes valores apontam para uma intensa mobilidade geográfica para
ambos os sexos, sobretudo para o sexo masculino.
Embora o mercado matrimonial fosse maioritariamente composto por pessoas de fora
que afluíam à freguesia da Sé, prevalece a proximidade geográfica, nomeadamente no sexo
feminino: 43,8% de homens solteiros e 68,5% de mulheres solteiras eram naturais do
Arcebispado de Lisboa. Destes, 17,8% de homens e 24,2% de mulheres vinham de outras
freguesias da cidade: Madalena, Santos, Anjos, S. João da Praça, S. Nicolau, Mártires, entre
outras, o que aponta para uma intensa mobilidade interparoquial. Muitos vinham também
do norte do país: 31,1% de homens solteiros e 16,5% de mulheres solteiras, com naturali-
dade conhecida, a casar na paróquia da Sé, eram oriundos do Arcebispado de Braga. De fora
do continente encontram-se sobretudo mulheres e homens espanhóis, o que é compreensível
pela proximidade geográfica e pelo domínio espanhol, entre 1580 e 1640. De locais longín-
quos encontrámos principalmente homens, embora em percentagens bastante reduzidas.
Fecundidade
TAXAS DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA POR GRUPOS DE IDADES
Sabe-se que, nas sociedades de Antigo Regime, a fecundidade dita «natural» ao ser
influenciável por uma diversidade de factores, varia consideravelmente consoante as
populações (AMORIM, 1992).
Estes diferentes comportamentos relativos à fecundidade dependem de variáveis
demográficas interdependentes, como a mortalidade e a idade ao casamento, reguladores
decisivos da fecundidade, e também da interacção entre outros factores de natureza
sociocultural, religiosa, económica, biológica que conduzem a estruturas demográficas
específicas (BIDEAU, 1984).
Embora não possamos determinar em que medida esta diversidade de factores
influencia os níveis de fecundidade, levando a comportamentos distintos, poder-se-ão
analisar alguns indicadores que expressam o comportamento reprodutivo dos casais da
freguesia da Sé de Lisboa.
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Demografia e Sociedade (1563-1755).
Neste sentido, e tendo em conta que a maioria dos nascimentos ocorriam dentro do
casamento, abordámos a fecundidade legítima, separadamente da fecundidade ilegítima.
Para o cálculo da fecundidade legítima considerámos as famílias para as quais conhe-
cemos a data de baptismo de todos os filhos, data de casamento, data de nascimento da
mulher e data de óbito do primeiro cônjuge falecido, para o período de 1564-1755 e num
total de apenas 120 famílias, que se deveu à grande mobilidade geográfica da paróquia da Sé.
Os indicadores utilizados foram: a taxa de fecundidade legítima por grupos de
idades da mulher, isto é, o número de crianças nascidas em cada ano de convivência
conjugal por grupos de idade da mulher (AMORIM, 2004), a descendência teórica e a
idade média da mãe ao nascimento do último filho.
Quadro 3: Taxas de fecundidade legítima por grupos de idades. Descendência teórica (DT), 1564-1755
(mil mulheres).
400
350
300
250
200 1564-1755
150
100
50
0
< de 20 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
237
CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
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A Freguesia da Sé de Lisboa:
Demografia e Sociedade (1563-1755).
Quadro 4: Repartição das famílias segundo o número de filhos (consoante a duração do casamento em anos),
1651-1755
número médio de filhos por casal. O cálculo da duração média dos casamentos, confirma
a pouca durabilidade das uniões que se situou à volta dos 11,5 anos, em 1651-1755.
Uma outra situação, algumas vezes referenciada nos registos paroquiais, era a
ausência dos maridos que tinham ido para Índia, Brasil, Cabo Verde, Minas, Tânger. Esta
ausência acabava também por se reflectir no baixo número médio dos nascimentos.
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CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
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Demografia e Sociedade (1563-1755).
Mortalidade
CRISES DE MORTALIDADE NA POPULAÇÃO MAIOR DE SETE ANOS
Na paróquia da Sé, ao longo do nosso período de observação, os párocos foram
registando óbitos de crianças, embora de uma forma não sistemática, facto que inviabilizou
uma análise aprofundada da mortalidade e da mobilidade e afectou gravemente o estudo
sobre a interacção das diferentes variáveis demográficas (AMORIM, 2006). Condiciona-
dos na nossa investigação e impossibilitados de proceder a abordagens de mortalidade
infanto-juvenil e cálculo de taxas brutas de mortalidade, entre outras, tentámos uma
aproximação ao estudo desta variável demográfica, limitando-nos à observação de
comportamentos dos indivíduos maiores de sete anos.
Sabemos que no Antigo Regime demográfico os níveis de mortalidade eram bas-
tante elevados. Mas, os anos de crise, distinguiam-se pelo seu carácter acidental, devido a
causas esporádicas, incontroláveis e de ocorrência periódica: guerras, catástrofes naturais,
falhas alimentares, surtos de peste, com influência no crescimento demográfico natural
das populações (RODRIGUES, 1990). Procurámos, por isso, identificar a existência de
anos de mortalidade excepcional na freguesia da Sé, para a população maior de sete anos,
entre 1563 e 1755.
Para diferenciarmos a mortalidade «normal» da mortalidade de «crise», socorremo-
nos do conceito de crise de mortalidade utilizado por Livi-Bacci (1984), considerando-se
crise de mortalidade uma elevação anormal dos óbitos que atinge, em maior ou menor
grau, a capacidade de reprodução das gerações antigas.
Com base no método de Lorenzo Del Planta e Massimo Livi-Bacci, consideram-se
anos de crise, aqueles cujas mortes ultrapassam em mais de 50% a respectiva média móvel.
Se o número de mortes de um ano normal duplicar, estamos perante uma pequena crise
de mortalidade. Se esse valor quadruplicar, podem-se considerar crises graves.
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CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
Gráfico 4: Crises de mortalidade dos maiores de sete anos (Método de Livi-Bacci/Del Planta),
1563-1755
250
200
150
100
50
0
1563
1568
1573
1578
1583
1588
1593
1598
1603
1608
1613
1618
1623
1628
1633
1638
1643
1648
1653
1658
1663
1668
1673
1678
1683
1688
1693
1698
1703
1708
1713
1718
1723
1728
1733
1738
1743
1748
1753
Óbito Geral Média corrigida de 11 anos
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Demografia e Sociedade (1563-1755).
Pelos assentos paroquiais sabemos que, nesta altura, morria-se de peste na freguesia
da Sé e tentava-se que estes doentes se curassem em casa, como podemos ver pela
descrição encontrada juntamente com registos de óbito desta paróquia e assinada pelo
pároco Jorge Perdigão: «Aos 12 dias deste Dezembro de 1598 se apregoou por esta cidade,
que se ajuntassem (em casa do doutor Henriques da Silva vereador da Câmara) todos os
barbeiros, curgiões, fízicos, para os doentes da peste se curarem em suas casas»2.
Mas, tal como na cidade de Lisboa, na freguesia da Sé a peste continuava a matar no
ínicio do século XVII. Em 1600 e 1601, o número de mortes aí registadas foi ainda
superior à média. Nesses anos, alguns assentos dos falecidos apontam como causa de
morte, a peste.
Passados quatro anos, em 1605, o volume de óbitos da população adulta ultrapassou
a média anual em pouco mais de cinquenta por cento, sendo, por isso, um ano de crise
de mortalidade, ao qual se seguiu um período calmo, até 1615.
Em 1616 e 1619, a mortalidade dos maiores de sete anos voltou a agravar-se,
atingindo valores próximos dos considerados crises de mortalidade. Em 1620, a freguesia
da Sé voltou a ser atingida por uma crise de mortalidade adulta, com um número de óbitos
que se desviou da média móvel, em mais de cinquenta por cento. Este período de sobre-
mortalidade adulta enquadra-se nas conjunturas desfavoráveis sentidas em todo o Reino
e doenças, nomeadamente o tifo que, em Lisboa, continuava a matar em 1620 e onde os
óbitos tinham voltado a aumentar em 1615, e durante sete anos (RODRIGUES, 1990).
Relativamente à freguesia da Sé, registou-se uma subida do número de mortes em
1631 que se enquadra na crise geral sentida nesse ano na cidade de Lisboa, tendo como
causa principal a peste (RODRIGUES, 1990).
Após uma relativa acalmia entre 1638 e 1646, esta freguesia voltou a ser bastante
afectada pela mortalidade adulta entre 1647 e até ao final da década de sessenta, com um
volume de óbitos quase sempre superior à média e com crises de mortalidade entre 1657
e 1660. Nesses anos de crise, os óbitos superiorizaram-se à média em mais de cinquenta
por cento. O ano de 1658 foi o de maior gravidade, com um número de mortes que
ultrapassou o dobro das que seriam esperadas num ano de mortalidade considerada
normal. Para este período, admite-se uma possível influência da escassez alimentar e da
peste que, em meados do século XVII, foi sentida no país e em diversos pontos da Europa,
contribuindo para um acréscimo das mortes em Lisboa (RODRIGUES, 1990).
Em 1685, a freguesia da Sé voltou a ser atingida por uma crise de mortalidade na
população adulta que se insere na crise geral sentida em Lisboa, originada pela degradação
das condições de natureza socioeconómicas, e que levou a um agravamento geral dos
níveis de mortalidade, atingindo, nesse ano, uma grande parte da cidade e todos os
grupos etários.
Em 1694, a crise sentida nesta freguesia foi acompanhada por crises de natureza epidé-
mica noutras freguesias da cidade e insere-se numa conjuntura que se caracterizou por maus
anos agrícolas, escassez, subida dos preços dos alimentos e doenças (RODRIGUES, 1990).
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ESPAÇO & MEMÓRIA
Sociedade
APROXIMAÇÃO À REALIDADE SOCIAL DA FREGUESIA DA SÉ PELOS REGISTOS
PAROQUIAIS
Tendo por base as ocupações, cargos, títulos, formas de tratamento, casos de pobreza,
posse de bens, bem como a referência a escravos feita nos registos paroquiais, tentámos
identificar uma maior ou menor presença de diversas categorias sociais na freguesia da
Sé, de modo a caracterizar sociologicamente a sua população. Embora nos tivéssemos
debatido com a escassez de dados que se deveram a um registo não sistemático destas
informações por parte dos párocos, não nos permitindo fazer afirmações conclusivas, os
dados de que dispomos apontam para uma forte presença na freguesia de elementos do
clero que ocupavam diversas posições na hierarquia religiosa e social, desde padres a
cónegos, mas também bispos, arcebispos e outras dignidades eclesiásticas. Temos que ter
presente que se tratava da freguesia onde se encontrava a Catedral de Lisboa e, por isso, a
principal igreja da cidade.
Além do clero, os registos paroquiais revelam também a presença de famílias nobres
e da aristocracia de corte na paróquia, identificadas pelo termo fidalgo, conde, cavaleiro,
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A Freguesia da Sé de Lisboa:
Demografia e Sociedade (1563-1755).
Notas Finais
Nesta investigação, através da aplicação da metodologia de «reconstituição de paróquias»
desenvolvida em Portugal por Norberta Amorim, procedemos ao levantamento exaustivo
e sistemático dos registos paroquiais de baptismos, casamentos e óbitos da freguesia da Sé
de Lisboa, entre 1563 e o terramoto de 1755.
Tratou-se de um trabalho que teve como principal objectivo o conhecimento de
comportamentos demográficos de nupcialidade, fecundidade legítima e ilegítima, mortali-
dade e mobilidade da sua população, antes das grandes mudanças ocorridas no país e na
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CEM N.º 3/ Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
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A Freguesia da Sé de Lisboa:
Demografia e Sociedade (1563-1755).
período de grande mortalidade, influenciado pela peste. No ano 1599, registou-se a única
crise grave na freguesia da Sé, identificada através dos registos de óbito desta paróquia,
entre 1563 e 1755.
No que se refere à mobilidade geográfica, pelas naturalidades dos indivíduos e pela
dificuldade de os acompanharmos nas suas trajectórias de vida, pelo facto de saírem do
nosso campo de observação, percebemos que se tratava de uma freguesia com uma forte
mobilidade, ao longo de todo o período. A grande parte dos indivíduos com naturalidade
conhecida era natural do exterior. O fenómeno da mobilidade geográfica na freguesia da
Sé de Lisboa, insere-se no fenómeno migratório citadino que atingiu as cidades da
europa, nomeadamente os grandes portos marítimos.
Sendo Lisboa uma cidade portuária e, desde há muito, um grande pólo de atracção
humano, localizada na convergência das grandes rotas do comércio mundial, tornou-se um
importante centro comercial com intensos movimentos ligados aos tráficos internacionais
que fizeram dela a única realidade urbana do país e uma grande cidade a nível europeu. Era
uma cidade que concentrava o poder económico, político e religioso e também uma multi-
plicidade de actividades ligadas a cargos da administração pública, ao poder e à igreja.
Pelos registos paroquiais identificámos algumas dessas pessoas na freguesia da Sé,
como vereador do Senado da Câmara, provedor, corregedor, muitos eclesiásticos, alguns
nobres e da aristocracia de corte, referenciados por fidalgo, conde, cavaleiro, marquês,
«Dom», «Dona». As muitas referências feitas a doutores e licenciados, apontam também
para a presença de letrados na freguesia. Mas, nesta freguesia, muitos tinham profissões
de natureza doméstica, como criados e criadas. Outros tinham profissões ligadas ao mar
e a actividades desempenhadas na Ribeira, como vendedores, vendedeiras, regateiras.
Outros ainda estavam ligados aos ofícios, como barbeiros, canastreiros, alfaiates. Mas, na
freguesia da Sé havia também os pobres, referenciados sobretudo nos registos de óbito da
paróquia. A presença de escravos foi também notória na freguesia e pertenciam nomea-
damente a eclesiásticos, doutores e licenciados.
Fontes e Bibliografia
Fontes manuscritas
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Livros de Registos Paroquiais da freguesia da Sé de Lisboa, anos de 1563 a 1755.
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