A Farsa Do Coaching

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Eu me divido entre achar gra�a e me desesperar ao ver no que o trabalho de coaching

tem se transformado. Em alguns v�deos na internet, n�o sei se estou vendo um culto
da Igreja Universal ou se � uma palestra ou evento sobre coaching. Como coaching �
um nome gen�rico, sem direito de propriedade e sem uma regulamenta��o espec�fica
(por mais que as escolas defendam que � uma profiss�o), h� um cont�nuo que vai de
trabalhos extremamente s�rios a um besteirol sem limites e, o maior volume est�
mais pr�ximo deste segundo extremo.

Tudo bem! O segundo extremo � facilmente identificado e algumas vezes seus


representantes viram at� meme na internet. �Coaching do amor!� Pasmem, algo
parecido com isso existe. �Aprenda a conquistar mulheres com a minha f�rmula da
sedu��o!� Acha pouco? H� piores, como citei em outro texto, h� o �Coaching da
pega��o� Aprenda a �pegar qualquer mulher nota 8, 9 ou 10, mesmo sendo feio, sem
dinheiro ou sem qualquer outra qualidade�. Para estes extremos bizzarros eu n�o vou
gastar nem meu tempo nem o seu. Vamos ent�o falar dos trabalhos com cara de s�rios,
mas que s�o tamb�m grandes bobagens.

Antes de tudo, vamos definir coaching. Nesse ponto come�a a confus�o. H� v�rias
defini��es rom�nticas de coaching que s�o mais �teis para vender o produto, mas que
n�o ajudam em nada o cliente, e muitas vezes o coach, a entender o que de fato o
processo �. Vejamos algumas!

Coaching � a parceria entre coach (profissional) e cliente onde acontece um


processo estimulante e criativo que inspira e maximiza o potencial pessoal e
profissional do cliente. IBC Coaching � um processo que visa elevar a performance
de um indiv�duo (grupo ou empresa), aumentando os resultados positivos por meio de
metodologias, ferramentas e t�cnicas cientificamente validadas, aplicadas por um
profissional habilitado (o coach), em parceria com o cliente (o coachee).
SBCoaching O profissional de coaching atua como um estimulador externo que desperta
o potencial interno de outras pessoas, usando uma combina��o de flexibilidade,
insight, perseveran�a, estrat�gias, ferramentas pautadas em uma metodologia de
efic�cia comprovada. SLAC Prefiro a defini��o de coaching como um processo de
desenvolvimento que envolve orienta��o e modifica��o de comportamentos com o
objetivo de ampliar os resultados que a pessoa atinge em dimens�es espec�ficas da
vida e gerar autonomia, entendida como a capacidade de se autoavaliar, avaliar o
seu contexto e tomar a decis�o sobre os caminhos a percorrer para alterar tanto o
seu comportamento quanto o contexto no qual ele ocorre. Essa defini��o, entretanto,
n�o engloba uma grande parte das pr�ticas que s�o nomeadas como coaching.

Milho para os pombos


Dentro dos movimentos que v�m ocorrendo, o mais perigoso deles � o que aproxima o
coaching das igrejas. Vejo v�deos muito malucos o tempo todo. O padr�o � uma imagem
com muitas pessoas em um audit�rio com um pastor, ou melhor, um instrutor
engravatado l� na frente. Geralmente o instrutor conta cases de sucesso, como se
fossem testemunhos de que sua t�cnica � eficaz e trabalha na fragilidade das
pessoas, mostrando a elas que podem ser diferentes. A estrutura do discurso �
religiosa. �Voc� est� nessa situa��o agora e pode ir para uma situa��o muito melhor
basta seguir os ensinamentos de Brian Tracy�. Cada um segue seu guru, mas a
estrutura � parecida. Obviamente, a pessoa se identifica com o discurso. �� disso
que estou precisando!�

Tudo bem, essa � uma estrutura comercial presente em v�rios neg�cios. �Compre esse
carro que voc� ser� desejado da mesma forma que o gal� da propaganda!� Entretanto,
nesses encontros de coaching, o movimento � muito mais carism�tico e � a� que mora
o maior dos problemas. Dan�as, pulos e gritos de guerra v�o deixando as pessoas
mais empolgadas e com a sensa��o de que o que est�o sentindo confirma a teses
apresentadas l� na frente. �Sucesso! Alegria! Garra de coach! Aleluia! Oh! Gl�ria�.
Meu caro, esteja certo de uma coisa. Voc� pular e ter um grito de guerra n�o v�o
lhe tornar um coach. Andar sobre a brasa n�o vai lhe deixar mais preparado para os
percal�os e �brasas� da vida. Os dois fen�menos s�o de natureza muito diferente.

E porque essas pr�ticas se mant�m? Por um motivo simples, elas beneficiam as


escolas de forma��o e os coaches de palco. Aquela alegria e emo��o sentidas no
programa de �personal coaching� v�o fazer o consumidor do curso querer fazer o
curso �executive coaching�, depois o �business coaching�, �power coaching�,
�extreme coaching�, �master ultra power leader coaching�. E para fazer a liga��o
s�o sempre apresentadas, no fim do curso, as cenas do pr�ximo cap�tulo geralmente
acompanhadas da frase �no pr�ximo treinamento voc�s n�o tem ideia das t�cnicas
poderosas que vamos aprender�.

Coaching, um mercado que se retroalimenta. A consequ�ncia da ado��o do modelo de


neg�cio descrito acima � que o coaching foi se tornando um mercado que cria e
fideliza seu principal p�blico, o aspirante a coach. As escolas de forma��o em
coaching, como qualquer outro neg�cio, buscam clientes cada vez mais fi�is e, para
isso, criam solu��es criativas para manter esse cliente consumindo. A melhor forma
de manter isso � ter aspirantes a coaches que se percebam cada vez mais pr�ximos de
alcan�ar esse objetivo, mas que de fato nunca se sintam completamente preparados.
Tudo constru�do em cima de um mercado de ilus�es.

Voc� vai ficar rico trabalhando poucas horas por semana! A primeira ilus�o �
financeira. �Fa�a um curso de coaching no fim de semana e j� saia atendendo e
cobrando R$600,00 a sess�o�. Muitas pessoas que procuram as forma��es em coaching
acreditam que, ap�s conclu�rem a forma��o, ter�o clientes dispostos a pagarem a
elas um valor expressivo e, dessa forma, deixar�o os seu trabalhos chatos,
rotineiros e pouco rent�veis do dia-a-dia. A proposta � sedutora, n�o �? Assim, a
pessoa junta as economias de um ano, ou mais, e aposta em uma forma��o de coaching
de alguma escola famosa que aparece na sua p�gina do Facebook. �S�o tantos relatos,
deve acontecer comigo tamb�m�. Parece loucura isso? V�rias igrejas conseguem o
mesmo resultado. A pessoa que ganha um sal�rio m�nimo deixa no altar o valor de
tr�s meses de seu sal�rio acreditando que Deus lhe dar� de volta uma casa.

Desculpe-me pela sinceridade, mas voc� n�o ter� clientes s� porque voc� fez um
cursinho de coaching de dois finais de semana, mesmo se voc� colocar a logomarca da
escola que se formou no seu cart�o de visitas. Ningu�m est� interessado nisso.
Nenhum cliente vai lhe dizer �Nossa, voc� � Master practitioner business coaching
pelo IUPC?�?Instituto Universal do Poder do Coach�. Eles est�o pouco se lixando
para isso. Se voc� quer ser coach, a primeira coisa a pensar � que o cliente s� lhe
procura se ele acreditar que pode ajud�-lo de alguma forma e que esta ajuda poder�
lhe trazer algum retorno no futuro. Essa confian�a n�o se constr�i com um selo no
cart�o de visitas. Isso se constr�i com uma hist�ria de forma��o e trabalho que
come�a na faculdade, ou antes. N�o � ter um diploma da USP, nem da FGV. Estou
dizendo de buscar uma forma��o s�lida que lhe permita alcan�ar os objetivos do
coaching (orienta��o e modifica��o de comportamento) e de um hist�rico de
experi�ncias e resultados que lhe deem uma autoridade a ponto do seu potencial
cliente enxergar em voc� uma possibilidade de gerar valor para ele.

� claro que as escolas n�o v�o lhe dizer isso, elas vivem do curso que voc� paga.
V�o lhe dizer que ficar� mais f�cil ter clientes se voc� fizer o pr�ximo curso.
Para comprovar v�o mostrar um case de sucesso, uma pessoa que vivia em uma empresa,
que estava entediada com a rotina e estagnada na carreira e que, depois de fazer o
Master Powerful coaching, trabalha s� 20 horas por semana e tem uma casa grande e
um carro zero. E voc� pensa �� isso que eu quero, parece que estava falando para
mim, � justamente o que estou passando agora�. Citando o pensador Compadre
Washington �sabe de nada, inocente�. Tenho certeza que reconhece o modelo do
discurso e j� ouviu algo parecido nas propagandas da Igreja Universal do Reino de
Deus.

A exce��o tomada como regra. Bom assim como nos cultos pentecostais, � importante
ter o testemunho, mesmo que ele seja pontual. Em geral, aquilo que aconteceu apenas
uma vez, por obra mais do acaso, mas que parece confirmar a hip�tese defendida, �
tomado como regra e principal evid�ncia de que o modelo funciona. Se voc�
investigar a realidade, ver� que das 20 mil pessoas que fizeram o curso no ano
passado, 20 conseguiram se estabelecer no mercado, conquistar clientes e ter uma
boa remunera��o. Parece pouco, mas 20 casos � um n�mero mais que suficiente para
servir como testemunho de que o caminho � promissor e que o m�todo funciona. Logo,
logo, esses 20 se tornar�o instrutores. Assim, o coaching virou a Hinode dos
servi�os.

O coach do coach dos coaches


Outra forma de continuar explorando o mercado do coaching � resultado de um
problema que as pr�prias escolas criaram. Uma legi�o de coaches que n�o s�o capazes
de desenvolver um processo eficaz de coaching com os seus clientes, ou que n�o
conseguem t�-los, tem crescido a cada dia. Muita gente frustrada, que investiu
muito dinheiro na forma��o, apostando na promessa de uma nova vida, mas que
continua na mesma de sempre. Se voc� � um coach e n�o consegue ter cliente, temos a
solu��o para voc�! O coach dos coaches! O interessante � que, apesar de criticarem
o modelo das escolas de forma��o, os coaches dos coaches usam um modelo similar.
Promessas m�gicas e mirabolantes com encontros carism�ticos e com grande carga
emocional.

Assim como os coaches, os coaches dos coaches t�m crescido, cada dia aparece um
novo. Estou aguardando o momento que aparecer� o coach dos coaches de coaches. Uma
pessoa que prometer� que deixar� o seu treinando preparado para ser um coach de
coaches e, agora sim, ganhar sua independ�ncia financeira.

� minha obriga��o dizer aqui duas verdades. A primeira � que n�o h� f�rmulas
m�gicas e que estabelecer-se no mercado de coach n�o � t�o simples quanto parece.
Se voc� quer ser coach, ou se j� se nomeia assim, mas n�o consegue clientes ou n�o
consegue gerar resultados significativos, � bem prov�vel que voc� caiu no conto
citado acima. Voc� est� usando f�rmulas m�gicas, perguntas poderosas, ferramentas
extraordin�rias em um contexto que n�o cabe m�gica, nem solu��es poderosas e
extraordin�rias.

A segunda verdade � que se voc� precisa de um coach para lhe ensinar a ser coach, �
porque voc� de fato n�o � coach ainda, � mais justo n�o se nomear assim at� que
esteja preparado. Reflita comigo! Como eu, sendo coach, posso desenvolver outra
pessoa com o objetivo de gerar nela a capacidade de modificar seu pr�prio
comportamento e seu ambiente se eu mesmo n�o estou pronto para isso ainda? � uma
maluquice! Se voc� quer estar no lado do trabalho s�rio, de resultados e com uma
renda compat�vel com suas expectativas, n�o h� f�rmulas secretas. Uma boa parte
dessa efici�ncia que voc� atingir� ser� medida em horas/bunda. Voc� precisa estudar
muito, ainda assim, ser� pouco, precisar� estudar mais e mais. Estude sobre como as
pessoas funcionam, sobre como interagem, produzem, sentem, se comunicam. Estude as
ci�ncias do comportamento. Se voc� acha que ancoragem � uma t�cnica baseada na PNL
(programa��o neurolingu�stica) existe uma grande chance de voc� ter estudado muito
pouco ainda. A associa��o de est�mulos t�teis, visuais, auditivos com outros
est�mulos que produzem estados corporais espec�ficos, com o objetivo de produzir
estados semelhantes ao serem apresentados, � uma possibilidade de interven��o que
resulta dos estudos de Pavlov e n�o da PNL.

Caso voc� v� se aventurar a trabalhar com o executive coaching ou business


coaching, al�m das forma��es em ci�ncias do comportamento, estude sobre neg�cios,
lideran�as, empresas, mercado. Busque experi�ncias nas quais voc� possa exerce o
papel de lideran�a, tomar decis�es e se aproximar do contexto nos quais os neg�cios
ocorrem. Sem isso voc� n�o estar� preparado, n�o merecer� usar a �farda preta�. N�o
crie um blog ou mande imprimir seu cart�o com a descri��o coach antes de passar por
estas experi�ncias. N�o � o fato de me nomear m�sico que faz de mim um. Torna-se um
m�sico depois de estudar e treinar bastante, at� ser capaz de executar m�sicas em
um instrumento, e mesmo assim precisar� manter-se treinando e estudando. Com o
coaching n�o � diferente.

E tudo isso com ferramentas cientificamente validadas.


Essa � outra mentira deslavada que as escolas de coaching v�m contando. � tamb�m
uma jogada de marketing. Dizer que � cientificamente validada d� ao coach uma falsa
impress�o de que sua t�cnica � infal�vel. Nem vou entrar na quest�o da associa��o
falsa entre valida��o cient�fica e infalibilidade. A pr�pria informa��o de que s�o
ferramentas validadas � falsa. Fa�a o teste! Quando algu�m lhe disser que a escola
dele de coaching trabalha com ferramentas cientificamente validadas, pergunte:
quais ferramentas s�o validadas? Como foi feita essa valida��o? Qual metodologia
foi utilizada na valida��o da ferramenta? Cite-me as pesquisas que fizeram essa
valida��o. �, meu caro coach ou coachee, isso � um engodo!

Sinceramente, n�o � um problema n�o possuir valida��o cient�fica. V�rias pr�ticas


da psicologia , da medicina e de outras profiss�es tamb�m n�o possuem essa
valida��o. O problema � escancarar essa mentira. Melhor seria dizer que n�o possuem
evid�ncias cient�ficas ou emp�ricas da efici�ncia das ferramentas, mas que tem sido
observada utilidade na pr�tica cotidiana. Isso poderia abrir um campo de pesquisa
entre os interessados, quem sabe buscar desenvolver estudos para avaliar de fato a
correspond�ncia entre as mudan�as observadas e a aplica��o da ferramenta. Quem sabe
desenvolver novas ferramentas? Isso fortaleceria demais a pr�tica do coaching.
Fortaleceria no m�dio e longo prazo, mas infelizmente n�o � um discurso que produz
venda.

O discurso comercial do coaching utiliza a estrutura da propaganda de sab�o em p�.


Nos comerciais desse tipo de produto, coloca-se um monte de crian�as se sujando de
graxa, molho e terra e, depois, mostra-se que para resolver isso � simples.
�Coloque uma medida do produto na m�quina que em poucos minutos ele limpa tudo
sozinho e deixa sua roupa branquinha como nova�. Na pr�tica � diferente. Para tirar
manchas dif�ceis, frequentemente voc� precisa deixar a roupa de molho, botar para
quarar por algumas horas, usar outros produtos e, mesmo assim, se a mancha sair,
costuma deixar uma lembran�a de que ela esteve por ali em algum momento. Com o
coaching � parecido. O discurso � propaganda de sab�o em p�, ferramentas f�ceis,
validadas, comprovadas e que qualquer um � capaz de aplicar, depois do cursinho de
fim de semana. Tudo sem muito esfor�o e em pouco tempo. A pr�tica � bem diferente,
voc� precisa usar t�cnicas complementares, algumas vezes precisa criar estrat�gias
novas, repetir ferramentas, adapt�-las. Seu cliente precisa ser colocado de molho,
exposto ao sol. A mudan�a n�o � f�cil, bonitinha e prazerosa. Sempre digo isso aos
meus coachees. A mudan�a envolve trabalho, desconforto, suor. Qualquer promessa
fora disso � mais uma mentira para lhe vender um produto.

A grande cr�tica n�o � ao trabalho do coach em si, como disse acima, h� v�rios
coaches com trabalho s�rio e grande resultado. O grande problema � a farra do
coaching que se instalou nesse mercado, que desorienta os profissionais que buscam
se tornar coaches e os potenciais clientes, que desejam passar por um processo de
coaching. Se voc� busca uma forma��o ou um trabalho de coaching para se orientar e
desenvolver comportamentos mais produtivos e com maior autonomia, fique atento a
estes pontos. Esque�a as promessas f�ceis, os caminhos r�pidos, o discurso
religioso e as propagandas de sab�o em p�. N�o se deixe seduzir por olhos
esbugalhados, por pessoas com cara de animador de torcida, por discursos com fundo
musical de Carmina Burana. Assuma o comprometimento com seu pr�prio
desenvolvimento, prepare-se para suar bastante. Arregace as mangas e se esque�a das
mentiras que lhe contaram.

Agora vamos esclarecer:

Salvo as exce��es de administradores com vasta experi�ncia em lideran�a de equipes,


o profissional de coaching deveria ter forma��o b�sica em psicologia. Sobretudo
nesses �coachings de vida� que s�o direcionados para, justamente, o desenvolvimento
humano e n�o o de equipes.

As forma��es r�pidas em coaching est�o assumindo que todo mundo � autodidata e pode
aprender psicologia lendo (pouco) livros. E quando eu digo forma��o r�pida quero
dizer forma��es de 1 ou 2 anos aos finais de semana que equivalem a pouco mais de
300 horas de forma��o. Isso � menos de 10% da carga hor�ria de um curso de
psicologia. Forma��es ultrar�pidas de 30 ou 50 horas deveriam ser ilegais no meu
ponto de vista.

Professor Roberto Godoy

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