De Deo Socratis - A Demonologia No Império Greco-Romano - Luiz Karol
De Deo Socratis - A Demonologia No Império Greco-Romano - Luiz Karol
De Deo Socratis - A Demonologia No Império Greco-Romano - Luiz Karol
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De deo Socratis:
a demonologia no Império Greco-Romano
Luiz Karol
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Revisão
Luiz Karol
De deo Socratis é um dos textos mais curiosos sobre o amálgama que foi
a civilização grego-romana nos primeiros séculos de nossa era. Não se trata
de um tema muito conhecido, embora há muito já existisse uma profusão de
referências textuais a ele. Desde Heráclito a Plotino, passando
obrigatoriamente por Platão, fala-se no daemōn, de várias formas e maneiras.
Em outras palavras, essa figura perpassa todo pensamento filosófico-religioso
dos gregos, desde Heráclito e Hesíodo, até os neoplatônicos, mas,
curiosamente, e principalmente em virtude do desenvolvimento do
cristianismo, o assunto permaneceu nas sombras até final do século XIX1,
quando o texto que resolvemos estudar foi traduzido em inglês2 e, no século
passado, em francês3 e italiano4. Lembramos que os estudos sistemáticos
sobre esse texto datam apenas do século passado quando começaram a
aparecer estudos5 e edições críticas6.Sobre o autor, cumpre-nos elucidar a
escolha e o caminho até ele: no terceiro capítulo de À rebours, de Huysmans
[18] (1903, p. 34), lido há muitos anos, o autor descreve, com uma
adjetivação profusa, suas impressões sobre Apuleio, especificamente sobre a
obra Metamorfoses:
Nam sibi uisus est quiete proxima, dum magno deo coronas exaptat, …et de eius
ore, quo singulorum fata dictat, audisse mitti sibi Madaurensem, sed admodum
pauperem, sui statim sua sacra deberet ministrare; nam et illi studiorum gloriam et
ipsi grande compendium sua comparari prouidentia. (Met., 11.27).
Pois na noite anterior, ele teve um sonho, enquanto dispunha guirlandas para o
sumo deus, …e de sua boca, pela qual se dita o destino dos indivíduos, ouviu que
ser-lhe-ia mandado um madaurense, mas muito pobre, e que ele deveria
imediatamente ministrar-lhe os sacramentos15, pois sua providência não só lhe
reservara a glória literária como também uma grande remuneração.
De patria mea uero, quod eam sitam Numidiae et Gaetuliae in ipso confinio meis
scriptis ostendi scis, quibus memet professus sum, cum Lolliano Auito C.V.
praesente publice dissererem, Seminumidam et Semigaetulum: non uideo quid
mihi sit in ea re pudendum, haud minus quam Cyro maiori, quod genere mixto fuit
Semimedus ac Semipersa. Non enim ubi prognatus, sed ut moratus quisque sit
spectandum, nec qua regione, sed qua ratione uitam uiuere inierit, considerandum
est… (Apol. 24, 1-3)
Quanto ao meu lugar de origem, na verdade, pelos meus escritos sabeis que ele
está situado nesse mesmo limite da Numídia e da Getúlia, acerca das quais
declarei, quando apresentei uma conferência pública na presença de Loliano Avito,
que eu mesmo sou seminúmida e semigétulo: quanto a mim, não vejo nisso o que
haja para envergonhar-se, não menos que o grande Ciro, porque, quanto à origem
miscigenada, era meio medo e meio persa. De fato, não onde nasceu, mas de que
costumes cada um é dotado deve-se observar, nem em que região, mas por que
modo de pensar terá adotado para viver sua vida, deve ser considerado…
[31] Nec hoc eo dixi, quo me patriae meae paeniteret, etsi adhuc Syfacis oppidum
essemus. Quo tamen uicto ad Masinissam regem munere populi Romani
concessimus ac deinceps ueteranorum militum nouo conditu splendidissima
colonia sumus, in qua colonia patrem habui loco principis duumuiralem cunctis
honoribus perfunctum; cuius ego locum in illa re publica, exinde ut participare
curiam coepi, nequaquam degener pari, spero, honore et existimatione tueor. (Apol.
24, 7-9)
et anno quidem illo intermissa erant studia mea, dum mihi reducto a Madauris, in
qua uicina urbe iam coeperam litteraturae atque oratoriae percipiendae gratia
peregrinari, (Conf. 2.3.5)
e nesse mesmo ano, tinham sido interrompidos meus estudos, quando de meu
afastamento de Madaura, cidade vizinha em que já começara a me deslocar por
conta de assistir aulas de literatura e oratória.
Ita mihi et patria in concilio Africae, id est uestro, et pueritia apud uos et magistri
uos et secta, licet Athenis Atticis confirmata, tamen hic19 inchoata est, et uox mea
utraque lingua iam uestris auribus ante proxumum sexennium probe cognita. quin
et libri mei non alia ubique laude carius censentur quam quod iudicio uestro
comprobantur. (Flor. 18, 15-16)
[35] Sapientis uiri super mensam celebre dictum est: “Prima”, inquit, “creterra ad
sitim pertinet, secunda ad hilaritatem, tertia ad uoluptatem, quarta ad insaniam.”
Verum enimuero Musarum creterra uersa uice quanto crebrior quantoque meracior,
tanto propior ad animi sanitatem. Prima creterra litteratoris rudimento20 eximit,
secunda grammatici doctrina instruit21, tertia rhetoris eloquentia armat. Hactenus a
plerisque potatur. (Flor. 20, 1-3)
De um sábio existe um célebre dito sobre a mesa: “A primeira taça”, adverte, “diz
respeito à sede; a segunda à alegria; a terceira, à volúpia; a quarta à insanidade.”
Na verdade, porém, a taça das musas é o inverso, quanto mais abundante e quanto
mais pura, tanto mais própria à sanidade do espírito. A primeira, do mestre-escola,
livra da condição rústica; a segunda, a do gramático, instrui pela doutrina; a
terceira, do rétor, provê de armas pela eloquência. Somente até aqui pela maioria é
saboreada.
Mas Emiliano… diz que não corresponde a um filósofo platônico essa espécie de
verso. Mesmo se acaso, Emiliano, eu ensine as ações mediante o exemplo do
próprio Platão?
Apuleio fala desses estudos e das meditações acadêmicas mas não dá
nome de nenhum de seus mestres:
Porro noster Plato, nihil ab hac secta uel paululum deuius, pythagorissat22 in
plurimis; aeque et ipse ut in nomen eius a magistris meis adoptarer, utrumque
meditationibus academicis didici, et, cum dicto opus est, impigre dicere, et, cum
tacito opus est, libenter tacere. (Flor. 15.26)
Além disso, nosso Platão, pouquíssimo ou nada desviado dessa doutrina, muito
pensava como Pitágoras; da mesma forma também eu mesmo poderia, em nome
dele (i.e., chamado de platônico), pelos meus mestres ser adotado, e uma e outra
coisa pelas meditações acadêmicas aprendi, não só, quando era necessário o dizer,
dizer corajosamente, como também, quando era necessário o silêncio, de bom
grado calar.
Samos Icario in mari modica insula est – exaduersum Miletos – ad occidentem eius
sita nec ab ea multo pelagi dispescitur; utramuis clementer nauigantem dies alter in
portu sistit. Ager frumento piger, aratro inritus, fecundior oliueto, nec uinitori nec
holitori scalpitur… Ceterum et incolis frequens et hospitibus celebrata. Oppidum
habet, nequaquam pro gloria, sed quod fuisse amplum semiruta moenium8
multifariam in [38] dicant. Enimuero fanum Iunonis antiquitus famigeratum; id
fanum secundo litore, si recte recordor uiam, uiginti haud amplius stadia oppido
abest. (Flor. 15.1-4)
Samos é uma ilha média no mar de Ícaro – diante de Mileto – situada a ocidente
desta, e não está separada por muito mar; para uma ou outra navegando, o dia
seguinte termina no porto. Um campo pobre em trigo, inútil para o arado, mais
fecundo para a oliveira, nem pelo vinicultor, nem pelo hortelão é capinada…
Quanto ao mais, é populosa e frequentada pelos estrangeiros. Tem uma cidadela,
de modo algum célebre, mas, porque tivesse sido, indicam-no amplamente em
muitos lugares os semiarruinados das muralhas26. Seguramente é o santuário de
Juno um lugar muito famoso desde a antiguidade, esse santuário, em seguida à
costa, se bem me recordo do caminho, não dista da cidade mais que vinte estádios.
…uestros etiam deos religiosius ueneror. Nunc quoque igitur principium mihi apud
uestras auris auspicatissimum ab Aesculapio deo capiam, qui arcem nostrae
Carthaginis indubitabili numine propitius respicit. Eius dei hymnum Graeco et
Latino carmine uobis etiam canam [iam] illi a me dedicatum. (Flor. 18.36-8)
Cabe lembrar, porém, que a cidade era muito frequentada e o culto local
de Esculápio muito assistido pelos intelectuais gregos daquela época. Em
outras palavras, Apuleio, mesmo falando grego, mas incapaz de competir
eficientemente com os grandes sofistas helênicos da época no próprio
território deles, parece apenas ter tido algum conhecimento das atividades
sofísticas e de seus centros, mas não a ponto de se juntar ao espetáculo
sofístico do Leste Grego. Escolheu, em vez disso, uma vida de conferencista
e orador público em latim, no Norte da África. Na Apologia, provavelmente a
mais antiga ocorrência que temos, ele aparece, com idade de trinta anos,
como um apresentador público totalmente pronto para voar sozinho,
declamando De maiestate Aesculapii em Ea:
Nec hoc ad tempus compono, sed adhinc ferme trienium est, cum primis diebus
quibus Oeam ueneram publice disserens de Aesculapii maiestate eadem ista prae
me tuli et quot sacra nossem percensui. (Apol. 55)
[41] Priusquam uobis occipiam, principes Africae uiri, gratias agere ob statuam,
quam mihi praesenti honeste postulastis et absenti benigne decreuistis… Immo
etiam docuit argumento suscepti sacerdotii summum mihi honorem Carthaginis
adesse. (Flor. 16)
Antes que comece, varões governantes de África, a agradecer pela estátua que, a
mim presente, como honraria, propusestes e, ausente, benevolamente votastes…
Pois bem, ele [Emiliano Estrabão] ainda deu a entender por argumento que o cargo
de sacerdote confirmado [pelo voto do senado] confere a mim a maior honraria de
Cartago
Apuleio… Acaso se dirá que, como filósofo, menosprezou, por sua própria
vontade, essas coisas, quando, sendo sacerdote da província, teve em grande
apreço que celebrasse os jogos, munisse os caçadores e, em favor de uma estátua
sua, a ser erigida entre os Eaenses, cidade da qual tinha sua mulher, litigasse contra
a oposição de alguns cidadãos?
Tudo isso aponta para o fato de que tanto os sofistas grego quanto
Apuleio não só tinham uma formação sólida como também incrementaram
seu status social mediante atividades retóricas dentro das comunidades em
que residiam. Nos anos 160 ele pertence claramente à comunidade de
Cartago, graças aos seus talentos oratórios, e sem dúvida por causa de sua
riqueza, pois somente os ricos podiam arcar com as despesas da liturgia de
um sacerdócio provincial.
[42] Passando do autor ao ambiente das províncias à época, podemos
dizer que nelas havia um pouco mais de liberdade de pensamento, desde que
não obstasse aos recolhimentos de impostos e provimento de trigo para
Roma. Há várias hipóteses para explicar essa liberdade relativa, das quais não
nos ocuparemos. Como já dissemos, a Pax Romana se estendeu sobre a
Africa Proconsular, e, segundo os registros da Historia Augusta, a região foi
submetida sem maiores contratempos a um governador civil. A população era
densa, em sua maioria trabalhadora e sem sonhos de independência.
Problemas havia somente nas fronteiras com os desertos, onde tribos
nômades, atraídas pela pilhagem aparentemente fácil, às vezes incursionavam
em território romano. De qualquer forma, os efetivos militares na área eram
pequenos, mas suficientes para fazer face a esse problema, e tanto a distância
quanto os efetivos proporcionavam às principais cidades da província bem-
estar e segurança necessários a um desenvolvimento econômico suficiente
para sustentar uma burguesia local bem abastada e, por conseguinte, um
fomento a escolas e agremiações culturais e religiosas. Em Cartago e
Madaura, como reconhece quase um século depois Agostinho de Hipona,
existiam centros de estudo de gramática e retórica para onde migravam os
jovens abastados. Quanto a Cartago, tratava-se da residência oficial do
governador, e por isso a cidade exercia uma espécie de primazia, de caráter
um tanto mais moral que jurídico-administrativo, sobre todas as demais
comarcas, atraindo, mesmo assim, os melhores nomes da região. Madaura,
apesar de cidade importante, estava, do ponto de vista político-
administrativo, ligada ao propraetor, estabelecido na ‘capital’ Ammaendara,
na Numídia, e esta, teoricamente, ao governador de Cartago. Apesar disso,
essa dependência da Africa Proconsular era um pouco fictícia, pois o
propraetor dependia somente do Princeps como administrador e juiz. Isso
dava a essa província uma característica de liberdade única em seu gênero: o
chefe tinha poderes militares fora de seu governo e, ainda que legatus,
atribuições civis bem específicas numa região em que chegara a Pax Romana.
Por outro lado, Cirta, a antiga capital dos reis númidas, e seus vizinhos mais
modestos também gozavam de uma ampla autonomia administrativa. Tudo
isso se opõe à ideia de um Imperium Romanum autocrático e centralizador,
mas põe em relevo principalmente a inteligente e extrema flexibilidade do
regime romano. Nessa repartição, nessa variedade, não houve segundas
intenções políticas de dividir [43] para governar melhor, nem mesmo de
impedir a formação de um espírito nacional. Na verdade, Roma, à medida
que anexava territórios, criava novas engrenagens, ou adaptava as existentes,
segundo as necessidades administrativas imediatas, ou conforme as
expectativas que se colocavam nas novas áreas assimiladas.
Com o crescimento de Roma, Grécia, Pérsia e demais impérios similares,
no mundo antigo, criou-se, quase que naturalmente, a forma de colonização
por povoamento. A Grécia estendeu-se pelas províncias da Ásia Menor, em
direção à Pérsia, os romanos pela Itália, Ibéria e Gália. Modelo de
colonização que perdurou até as potências imperialistas de França e
Inglaterra, a partir da Idade Moderna. A colonização do Norte da África pelos
romanos, entretanto, não tem exatamente esse caráter de povoamento, visto
que se deu depois da derrota dos cartagineses. Se de início o domínio dessa
região foi política e estratégica, para assegurar o controle do Mediterrâneo,
mais tarde, com a permissão de permanência dos povos autóctones, com sua
língua púnica e aparelhamento das elites administrativas, pôde-se caracterizar
essa colonização como de exploração moderada, haja vista que mesmo
Boissier (apud Chapot, 1951, p.311) reconhece que os nomes romanos nas
inscrições epigráficas não designam sempre romanos de nascimento e certos
textos atribuem inclusive expressamente uma filiação indígena a nomes que
possuíam os tria nomina. Isso nos leva a pensar em casamentos mistos, que
provavelmente havia, conforme atesta a epigrafia, e, dando asas à
imaginação, podemos imaginar que nossa personalidade miscigenética nada
mais é que a assimilatio romana rediviva.
Essa “liberdade prática” e combinação de elementos certamente se
refletiriam na mentalidade dos círculos e indivíduos da província, tanto que,
nessa época, são das províncias que provêm as mais belas flores da
romanidade.
[44] 1.2. CONTEXTO LITERÁRIO DO SÉCULO II D.C.
Prorsum enim non eo infitias nec radio nec subula nec lima nec torno nec id genus
ferramentis uti nosse, sed pro his praeoptare me fateor uno chartario calamo me
reficere poemata omnigenus apta virgae, lyrae, socco, coturno, item satiras ac
griphos, item historias varias rerum nec non orationes laudatas disertis nec non
dialogos laudatos philosophis, atque haec et alia eiusdem modi tam graece quam
latine, gemino voto, pari studio, simili stilo. (Flor. IX, 27-29)
Em suma, pois, não vou contestar que nem a lançadeira, nem a sovela, nem a lima,
nem o torno, nem as ferramentas desse gênero eu soubesse usar, mas, em vez
dessas, declaro solenemente preferir uma pena de escrever, de todos os gêneros
compor poemas apropriados à batuta épica, à lírica, ao borzeguim e ao coturno, da
mesma forma sátiras e enigmas, histórias variadas dos assuntos, discursos
louvados pelos peritos, diálogos louvados pelos filósofos, e estas e outras, da
mesma forma tanto em grego quanto em latim, com a mesma devoção, igual
dedicação, estilo semelhante.
[55] Embora boa parte de suas obras não tenha sobrevivido, e essa perda,
segundo Beaujeu (1971, p.XVIII), seja pouco lamentável, como philosophus
platonicus e orador de espetáculo, Apuleio precisava fazer publicidade de
seus escritos, para garantir o status de homem de vastos e profundos
conhecimentos, em virtude dos privilégios que tal fama garantia, durante o
reinado dos Antoninos, aos homens de letras
2.2. DESCRIÇÃO DAS OBRAS
Obras filosóficas
De mundo
Περὶ ἑρμηνείας
Ludicra
Esse fragmento faz alusão direta ao poema 39 de Catulo, peça que fala do
riso fácil de Egnácio e termina fazendo alusão à sua higiene bucal, aqui ele
faz o contrário, começa pela higiene e termina pelo riso apertado, sorriso
amarelo talvez, do representante da parte contrária no julgamento de magia.
Embora se refira a Catulo, como o próprio Apuleio cita pouco adiante, o
poema é mais característico do madaurense pelo uso de criações em cima de
modelos arcaicos: nitela, candificus, complanatorem, converritorem, e os
diminutivos: pulvisculus, tumidulus, gingivula, com efeito cômico-sarcástico.
Na Apologia 9.12, encontramos outro fragmento do que seria uma dessas
ludicra:
De proverbis
[68] Hermagoras
Pollinctores dicti sunt quasi pollutorum unctores, id est cadauerum curators, unde
et Apuleius in Ermagora ait: pollincto eius funere domuitionem paramus.41
Phaedo
Essas traduções muito livres são muito importantes para alguém que se
dizia philosophus Platonicus, traduziu em latim como De Mundo o tratado
pseudoaristotélico Περὶ κόσμου e escreveu um tratado doutrinário, De
Platone. Embora muito breves, esses fragmentos apresentam características
do estilo de Apuleio, os isócolos em rima: sic auditurum, sic disciturum bem
como et… ostensurum… et… reperturum, e o arcaísmo poético gignendi, cuja
forma gignitur encontramos na Apologia 8.
Epitoma Historiarum
Alia uero omnia eiusdem terminationis correptae similem habent genetiuum
nominatiuo, ut “hic collis huius collis”… Excipiuntur… “haec cuspis cuspidis”,
“semis semidis” – Apuleius in Epitoma: sed tum sestertius dipondium semissem,
quinarius quinquessis, denarius decussis valebat44.
[73] De Republica
Celocem dicunt genus nauicellae modicissimum, quod bamplum dicimus, unde et
Apuleius in libro De re Publica ait: qui celocem regere nequit, onerariam petit.46
Chamam de celox (bergantim) uma espécie de barquinho
pequeníssimo, que chamamos de bamplum, donde também Apuleio no livro A
República diz: quem não pode nem pilotar um bergantim, procura um navio de
carga.
Tão pequeno é o fragmento que não se pode dizer se tem alguma relação
com as obras homônimas de Platão e de Cícero. Parece tratar-se de uma
invectiva contra a presunção dos ignorantes. Na época era comum, para
mostrar espírito cívico, que os rétores se ocupassem de preceitos dirigidos
especificamente aos governantes, não exatamente tratados como os dos
autores retrocitados, mais de acordo com a época, entretanto, máximas,
anexins ou mesmo pequenas anedotas de cunho educativo. É importante
lembrar que Plutarco, por exemplo, escreveu um pequeno manual de
orientação política: Praecepta Gerendae Rei Publicae.
De Medicinalibus
Excipitur unum indeclinabile in singulari numero, “hoc cepe huius cepe” —
Apuleius in medicinalibus: cepe sucum melle mistum — quod in plurali numero
femininum est primae declinationis47.
De Re Rustica
De Arboribus
Astronomica52
Toma um livro, dos meus escritos em grego, que, por acaso, amigos e zelosos
trouxeram aqui, das investigações sobre a natureza, e de preferência um em que
muitas coisas sobre a espécie dos peixes são tratadas.
Quaestiones conuiuiales
sugiro à mesa dos banquetes, nos quais a ira arma ciladas à alegria… que, de
preferência, proponhas ou então resolva as questões relativas à convivência. Coisa
que os antigos não julgaram como de brincadeira, como também Aristóteles sobre
os mesmos algumas coisas escreveu, e Plutarco, e o vosso Apuleio, não se pode
desdenhar aquilo que mereceu o cuidado de tantos que filosofaram.
Esses excertos indicam que havia uma obra de Apuleio em que as
questões eram apresentadas e respondidas (Προβλήματα) na tradição
aristotélica. Macróbio atesta a seriedade da obra e a palavra conuiuales na
certa se refere a simpósios.
De Musica
De Arithmetica
Conforme citado anteriormente (pág. 36), Apuleio nos fala (Apol. 55) de
um discurso pronunciado em Ea, por volta de 156, provavelmente com vistas
a ratificar sua piedade e seu status intelectual.
Esculápio, um daemōn segundo os escritos de Apuleio, era uma divindade
muito cultuada na África do Norte e na Grécia, especificamente em Pérgamo,
grande centro sofístico e local em que se situava o conhecido Asclepeion. O
título nos sugere que se tratava de um discurso encomiástico, que tanto
poderia tomar parte nos cultos religiosos quanto nas competições musicais.
Um testemunho da popularidade dessa divindade é o hino e a série de
discursos sagrados dedicados a ela por Élio Aristides, contemporâneo de
Apuleio.
Hino a Esculápio
Herbarius
[81] Physiognomonia
3. 1. A DEMONOLOGIA NA ANTIGUIDADE
Eum nostra lingua, ut ego interpretor, haud sciam an bono, certe quidem meo
periculo poteris Genium uocare, quod is deus, qui est animus sui cuique,
quamquam sit inmortalis, tamen quodam modo cum homine gignitur (DDS, 150),
e ao Lar familiaris:
Ex hisce ergo Lemuribus qui posterorum suorum curam sortitus placato et quieto
numine domum possidet, Lar dicitur familiaris (DDS, 152).
Varia quippe curriculi || sui specie, sed una semper || et aequabili pernicitate,||
tunc progressus, tunc uero regressus || mirabili uicissitudine || adsimulant pro situ
et flexu et instituto circulorum, quos probe callet qui signorum ortus et obitus
conperit (DDS, 120).
Vt ferme religiosis viantium moris est, cum aliqui lucus aut aliqui locus sanctus in
via oblatus est, votum postulare, pomum adponere, paulisper adsidere: ita mihi
ingresso sanctissimam istam civitatem, quamquam oppido festinem, praefanda
venia et habenda oratio et inhibenda properatio est. Neque enim iustius religiosam
moram viatori obiecerit aut ara floribus redimita aut spelunca frondibus inumbrata
aut quercus cornibus onerata aut fagus pellibus coronata, vel enim colliculus
saepimine consecratus vel truncus dolamine effigiatus vel cespes libamine
umigatus vel lapis unguine delibutus. Parva haec quippe et quamquam paucis
percontantibus adorata, tamen ignorantibus transcursa.
[108] inter homines, qui fortunae munere opulenti elatus et usque ad regni
nutabilem suggestum et pendulum tribunal evectus est, raro aditu sit, longe remotis
arbitris in quibusdam dignitatis suae penetralibus degens. parit enim conversatio
contemptum, raritas conciliat admirationem.
cui igitur preces allegabo? Cui uotum nuncupabo? Cui uictimam caedam? Quem
miseris auxiliatorem, quem fautorem bonis, quem aduersatorem malis in omni
uita ciebo? Quem denique…
c Ela riu e disse: ‘Mas como, Sócrates, podem os que afirmam que [Eros] não é, de
modo algum, um deus concordar que é um grande deus?’
‘De um lado tu’, ela respondeu, ‘do outro eu.’ ‘Mas como podes dizer tal
coisa?’, eu disse.
É fácil’, declarou ela, ‘não dirias que todos os deuses são felizes e belos? Ou te
atreverias a negar que todo deus é belo e feliz?’
‘Sim, admiti.’
‘Vês, portanto’, ela disse, ‘que não és alguém que considera Eros um deus!’
e ‘Então o quê?’
Eorum quippe de numero praediti curant singuli [eorum], proinde ut est cuique
tributa prouincia, uel somniis conformandis uel extis fissiculandis uel praepetibus
gubernandis uel oscinibus erudiendis uel uatibus inspirandis uel nubibus
coruscandis ceterisque adeo, per quae futura dinoscimus. (DDS, 134).
Além dos aspectos religiosos, cumpre notar que o autor nomeia as áreas
de atuação dos daemonēs com o termo provincia, inexistente fora do contexto
jurídico do Império Romano. Quanto aos aspectos religiosos, nessa
enumeração marcada por elementos rítmicos seja pela repetição da conjunção
(uel… uel… uel…), seja pelo paralelismo dos termos coordenados, Apuleio
serve-se dos termos que sempre remetem ao campo semântico dos augúrios
exclusivamente romanos, isto é, somniis, extis fissiculandis, praepetibus,
oscinibus, uatibus, fulminibus iaculandis, nubibus coruscandis. Note-se
principalmente que essa enumeração segue a divisão tríplice do
disciplinamento etrusco da adivinhação que se baseava na observação das
entranhas, do voo e do pio dos pássaros, e dos relâmpagos. Claramente, no
melhor estilo do Império Greco-romano de Veyne, nosso autor combina os
elementos do Banquete, intervenção dos daemonēs nos sonhos e inspiração
das profecias, com o sistema divinatório romano, reelaborando o primeiro e
conformando o segundo.
Seguindo em sua caracterização romana do texto, Apuleio apresenta, em
VII (135-136), como num breve interlúdio, uma série de momentos da
história romana em que os avisos divinos e os prodígios se fizeram presentes.
As descrições remetem ao período histórico mais antigo de Roma e à época
da segunda guerra púnica, apresentando mais formas romanas de
adivinhação: cuncta hariolorum praesagia, Tuscorum [113] piacula,
fulguratorum bidentalia, carmina Sibyllarum (DDS, 135). As fontes desse
trecho são bem conhecidas, Tito-Lívio e Cícero (De diuinatione). O autor,
porém, utiliza esses exemplos para demonstrar que tais intervenções divinas
seriam incompatíveis com a suma dignidade divina, pela quebra do sentido
de hierarquia, tão caro aos romanos, principalmente aos estoicos, estando,
portanto, a cargo de divindades subordinadas (136-137).
Apuleio, em seguida, no capítulo VIII, cuida da localização e substância
dos daemonēs. Já em Platão e Aristóteles, encontra-se a relação das várias
ordens dos seres com os quatro elementos, embora sejam Filão de Alexandria
e nosso autor os primeiros a localizar os daemonēs especificamente no ar
mais grosso (aer), encontrado entre a morada do homem e o ar mais fino e
ardente (aether), morada tradicional dos deuses (Harrison, 2008, p.152).
Sobre as criaturas oriundas do fogo, Apuleio chama a autoridade de
Aristóteles:
[114] Ademais, diga-se de antemão, que, mais tarde, à medida que dava
uma direção mais empírica à sua ciência, Aristóteles renega o conteúdo dessa
passagem na Geração dos Animais 737a1. Coisa que passará desapercebida
tanto por Cícero quanto por Apuleio. Outra fonte que cita o mesmo fenômeno
é a Historia Naturalis (11.42), de Plínio o Velho.
Essa alusão, entretanto, cumpre o propósito estratégico de salientar a
impossibilidade de um dos elementos constitutivos do cosmos ser desprovido
de seus próprios seres vivos característicos, pois, se o aether é povoado pelos
deuses, a terra, pelos homens, e as águas, pelos peixes e outras criaturas,
porque o aer seria desabitado? Apuleio chama a atenção para o fato de as
aves não serem animais do ar, mas da terra, uma vez que nela nascem e
sempre voltam a ela, não passando, em voo, o limite do Monte Olimpo.
Sem provas científicas, pelo menos do modo como conhecemos, com um
argumento puramente retórico baseado em analogia e semelhança — aliás,
como podemos perceber, essa é a principal forma argumentativa apresentada
na obra — o autor conduz o público para o próximo estágio:
Quid igitur tanta uis aëris, quae ab humillimis lunae anfractibus usque ad summum
Olympi uerticem interiacet? Quid tandem? Vacabitne animalibus suis atque erit
ista naturae pars mortua ac debilis? (DDS, 140).
Que pensar então dessa enorme massa de ar que se encerra desde as mais baixas
circunvoluções da Lua até o sumo vértice do Olimpo? Que enfim pensar? Acaso
será ela desprovida de seus próprios seres animados, e até mesmo será essa parte
da natureza débil e morta?
fila corporum possident rara et splendida et tenuia usque adeo ut radios omnis
nostri tuoris et raritate transmittant et splendore reuerberent et subtilitate
frustrentur. (DDS, 145).
Que se pode comparar com DRN 3.383: nec nebulam noctu neque arani
tenuia fila obuia sentimus (nem névoa da noite, nem as teias tênues das
aranhas sentimos de encontro).
Como podemos ver, Apuleio, em DDS X (141-143) e XI (143-145), se
utiliza de citações de autoridade para fechar os capítulos finais da parte
consagrada à localização e constituição dos daemonēs, e passa então, no cap.
XII, à “psicologia” dos daemonēs.
Nos capítulos XII a XIV (145-150), Apuleio se concentra no que
poderíamos chamar de uma psicologia dos daemonēs e sua interação no
fenômeno religioso, que, como seres intermediários, participam tanto da
imortalidade e mobilidade dos deuses, quanto das paixões dos seres humanos,
podendo experimentar tanto simpatia e amor, [116] quanto animosidade e
ódio pelos seres humanos. A suscetibilidade dos daemonēs às emoções
contrasta-se com a impassibilidade e imperturbabilidade dos verdadeiros
deuses supernos, que no Platonismo tradicionalmente se apresentam como
totalmente livres do prazer, dor e emoções, realidades que constituiriam o
mundo fenomênico das aparências. Há um momento, porém, que o autor nos
parece aproximar mais os daemonēs dos homens, numa cadência rítmica
formada por um polissíndeto:
Nam proinde ut nos pati possunt omnia animorum placamenta uel incitamenta, ut
et ira incitentur et misericordia flectantur et donis inuitentur et precibus leniantur et
contumeliis exasperentur et honoribus mulceantur aliisque omnibus ad similem
nobis modum uarient. (DDS 147-148)
Pois do mesmo modo que nós, eles estão sujeitos a todos os apaziguamentos ou
todas as agitações da alma; assim pela ira são agitados e pela misericórdia são
abrandados; pelas oferenda são aliciados; pelas preces, abrandados; pelos ultrajes,
irritados; pelas homenagens, suavizados, e, por todas as coisas, de modo
semelhante a nós, eles variam.
[117] uti Aegyptia numina ferme plangoribus, Graeca plerumque choreis, barbara
autem strepitu cymbalistarum et tympanistarum et choraularum.Itidem pro
regionibus et cetera in sacris differunt longe uarietate: pomparum agmina,
mysteriorum silentia, sacerdotum officia, sacrificantium obsequia; item deorum
effigiae et exuuiae, templorum religiones et regiones, hostiarum cruores et colores.
(DDS 149-150)
[119] Eum nostra lingua, ut ego interpretor, haud sciam an bono, certe quidem
meo periculo poteris Genium uocare, (151) quod is deus, qui est animus sui
cuique, quamquam sit inmortalis, tamen quodam modo cum homine gignitur, ut
eae preces, quibus Genium et genua precantur, coniunctionem nostram nexumque
uideantur (152) mihi obtestari, corpus atque animum duobus nominibus
conprehendentes, quorum communio et copulatio sumus.
Por que tu não sabes de onde vieste? Tu não queres se lembrar, quando comes,
quem tu és, tu que comes, e que tu nutres? Em tuas relações sexuais, quem tu és, tu
que te utilizas dessas relações? Em tua vida social, nos teus exercícios físicos, em
tuas conversas, não sabes que é um deus que nutres, um deus que tu exercitas (θεὸν
τρέφεις, θεὸν γυμνάζεις)? Tu levas Deus por toda parte contigo (θεὸν περιφέρεις),
infeliz, e tu o ignoras. Tu crês que falo de um deus exterior, de ouro ou de prata? É
contigo que tu o levas e não te apercebes que o maculas/desonras com teus
pensamentos impuros e por tuas ações desonestas. Diante de uma imagem de
Deus, não ousarias, na verdade, executar nenhuma das ações que executas. E
diante do próprio Deus presente em ti (αὐτοῦ δέ τοῦ θεοῦ παρόντος) e que vê e
escuta todas as coisas, não te envergonhas de cogitá-las e cumpri-las, homem
inconsciente de tua própria natureza, objeto da cólera divina!67
nec modo ista praecipua: diei opificem lunamque, solis aemulam, noctis
decus, seu corniculata seu (117) diuidua seu protumida seu plena sit, uaria
ignium face, quanto longius facessat a sole, tanto largius conlustrata, pari
incremento itineris et luminis, mensem suis auctibus ac dehinc paribus
dispendiis aestimans; siue illa proprio sed perpeti candore *pollens*, ut
Chaldaei arbitrantur, parte luminis conpos, parte altera cassa fulgoris, pro
circumuersione oris discoloris multiiuga * speciem sui uariat, seu tota proprii
candoris expers, alienae lucis (118) indigua, denso corpore sed leui ceu
quodam speculo radios solis obstipi uel aduersi usurpat et, ut uerbis utar
Lucreti, notham iactat de corpore lucem;72
[125] O DEUS DE SÓCRATES
ceterique id genus, quorum nomina quidem sunt (122) nostris auribus iam diu
cognita, potentiae uero animis coniectatae per uarias utilitates in uita agenda
animaduersas in iis rebus, quibus eorum singuli curant.
[127] II. Qualquer que seja, dessas duas, a verdadeira ideia, as
examinarei, pois, mais adiante. Todavia, nem a Lua (119), nem o Sol, seja
grego, seja bárbaro, nenhum deles duvidaria sem dificuldade que fossem
deuses, e não somente esses astros, como eu disse, mas também as cinco
estrelas, que, pelo vulgo e pelos ignorantes, são chamadas de errantes, e que,
entretanto, com um percurso inflexível, determinado e fixo, em movimentos
muitíssimo ordenados, em virtude de divinas alternâncias, eternamente
marcham. Na verdade, com aparência variada em sua órbita, mas sempre com
velocidade única e uniforme, simulam ora a progressão, ora também a
regressão, consoante a posição, a curvatura e o desenho dos círculos, nos
quais é muito versado aquele que conhece a fundo o nascer e o morrer dos
signos. Na mesma classe dos deuses visíveis, vós que concordais com Platão,
havereis de colocar, da mesma forma, os demais astros:
At enim, o Iule, pater tuus hoc iure iurando uti poterat; inter Troianos
stirpe cognatos et fortasse an inter Graecos proelio cognitos; at enim inter
Rutulos recens cognitos si nemo huic capiti crediderit, quis pro te deus fidem
dicet? An ut (131) [se] ferocissimo Mezentio dextra et telum? Quippe haec
sola aduenerat, quibus propugnabat:
“…por esta alma92 eu juro, pela qual meu pai antes costumava jurar”?
Dir-se-ia, porém — Oh, Iulo, teu pai poderia usar desse juramento entre
os troianos aparentados pela estirpe e talvez porventura entre os gregos
irmanados pelo combate; mas entre os rútulos conhecidos há pouco tempo, se
ninguém desse crédito à tua cabeça, que [135] deus responderá por ti? Ou seria,
como para o ferocíssimo Mezêncio, jurar pela própria mão direita o e pelo próprio dardo?
Pois somente venerava estes, que usava para lutar.
Igitur et bona cupido animi bonus deus est. Vnde nonnulli arbitrantur, ut
iam prius dictum est, eudaemonas dici beatos, quorum daemon bonus id est
animus uirtute perfectus est. Eum nostra lingua, ut ego interpretor, haud
sciam an bono, certe quidem meo periculo poteris Genium uocare, (151)
quod is deus, qui est animus sui cuique, quamquam sit inmortalis, tamen
quodam modo cum homine gignitur, ut eae preces, quibus Genium et genua
precantur, coniunctionem nostram nexumque uideantur (152) mihi obtestari,
corpus atque animum duobus nominibus conprehendentes, quorum
communio et copulatio sumus.
Est et secundo significatu species daemonum animus humanus emeritis
stipendiis uitae corpore suo abiurans. Hunc uetere Latina lingua reperio
Lemurem dictitatum. Ex hisce ergo Lemuribus qui posterorum suorum curam
sortitus placato et quieto numine domum possidet, Lar dicitur familiaris; qui
uero ob aduersa uitae merita nullis (153) [bonis] sedibus incerta uagatione
ceu quodam exilio punitur, inane terriculamentum bonis hominibus, ceterum
malis noxium, id genus plerique Laruas perhibent. Cum uero incertum est,
quae cuique eorum sortitio euenerit, utrum Lar sit an Larua, nomine Manem
deum nuncupant: scilicet et honoris gratia dei uocabulum additum est; quippe
tantum eos deos appellant, qui ex eodem numero iuste ac prudenter curriculo
uitae gubernato pro numine postea ab hominibus praediti fanis et caerimoniis
uulgo aduertuntur, ut in Boeotia (154) Amphiaraus, in Africa Mopsus, in
Aegypto Osiris, alius alibi gentium, Aesculapius ubique.
[153] XV.108 Pois, em certo sentido, a própria alma humana, mesmo no
corpo localizada109, é denominada daemōn:
Qui uero uocem [quampiam] dicat audisse, aut (166) nescit undo ea
exorta sit, aut in ipsa aliquid addubitat, aut eam quiddam insolitum et
arcanum demonstrat habuisse, ita ut Socrates eam, quam sibi [ac] diuinitus
editam tempestiue accid[ere dic]ebat. Quod equidem arbitror non modo
auribus eum uerum etiam oculis signa daemonis sui usurpasse. Nam
frequentius non [prae]uocem sed signum diuinum sili oblatum prae se
ferebat. Id signum potest et ipsius daemonis species fuisse, quam solus
Socrates cerneret, ita ut Homericus Achilles Mineruam. Credo plerosque
uestrum hoc, quod commodum dixi, cunctantius credere et inpendio miraci
formam daemonis Socrati uisitatam. At enim [secundum] Pythagoricos
[contra] mirari oppido solitos, si quis se negaret umquam (167) uidisse
daemonem, satis, ut reor, idoneus auctor est Aristoteles. Quod si cuiuis potest
euenire facultas contemplandi diuinam effigiem, cur non adprime potuerit
Socrati optingere, quem cuiuis amplissimo numini sapientiae dignitas
coaequarat? Nihil est enim deo similius et gratius quam uir animo perfecte
bonus, qui hominibus ceteris antecellit, quam ipse a diis inmortalibus distat.
[163] XX. Todavia — como essas coisas são — certamente eles ouvem a
voz de um adivinho125, muitas vezes caída em seus ouvidos, da qual nada
duvidam, sobre a qual tenham certeza ter sido proferida por lábios humanos.
Sócrates, porém, não quis dizer uma voz que vem de fora para si, mas “uma
espécie” de voz, acréscimo que deve ser entendido perfeitamente significar
não uma voz corriqueira nem humana. Voz que, se fosse incorretamente
“uma espécie”, ou antes “uma voz”, ou certamente “a voz de alguém”, dir-se-
ia, como aquela cortesã de Terêncio:
Quem na verdade afirma ter ouvido “uma espécie” de voz, ou não sabe de
onde ela tenha se originado, ou duvida um pouco dela, ou demonstra que ela
possuía algo de insólito e misterioso, assim como Sócrates dizia vir a ele, no
tempo oportuno, como que da parte dos deuses produzida. Por isso, quanto a
mim, julgo que não só pelos ouvidos, mas também pelos olhos, ele tomava
contato com os prognósticos de seu daimon. Pois muito frequentemente,
diante dele, não uma voz, mas um sinal divino manifestava-se do exterior.
Esse sinal pode ter sido a aparição do próprio daemon, que somente Sócrates
percebia, assim como Minerva para o Aquiles homérico. Creio que a maior
parte de vós tenha muita dificuldade em acreditar nisso que precisamente
acabo de dizer, e muito vos espantarem com essa forma do daemon que
visitou Sócrates. Dir-se-ia, porém, acompanhando os pitagóricos, pelo
contrário, pareceria extremamente perturbado aquele que negasse ter visto
alguma vez um daemon, pois suficientemente idôneo, segundo penso, é a
autoridade de Aristóteles. Porque se a qualquer um pode sobrevir a faculdade
de contemplar a imagem divina, por que não teria podido acontecer sobretudo
a Sócrates, que a eminência da sabedoria igualava em muitíssimo a qualquer
divindade? Nada é, de fato, mais semelhante e mais agradável a um deus que
um varão perfeitamente bom de alma, que aos demais homens sobrepuja, na
mesma medida em que ele próprio dos deuses imortais está distante.
[164] XXI. Quin potius nos quoque Socratis exemplo et commemoratione
erigimur ac nos seeundo studio philosophiae pari similitudini numinum
cauentes permittimus? De quo quidem nescio qua ratione detrahimur. Et nihil
aeque miror quam, (168) cum omnes et cupiant optime uiuere et sciant non
alia re quam animo uiui nec fieri posse quin, ut optime uiuas, animus
colendus sit, tamen animum suum non colant. At si quis uelit acriter cernere,
oculi curandi sunt, quibus cernitur; si uelis perniciter currere, pedes curandi
sunt, quibus curritur; itidem si pugillare ualde uelis, brachia uegetanda sunt,
quibus pugillatur. Similiter in omnibus ceteris membris sua cuique cura pro
studio est. Quod cum omnes facile perspiciant, nequeo satis mecum reputare
et proinde, ut res est, admirari cur non etiam animum suum ratione excolant.
Quae quidem ratio uiuendi omnibus aeque necessaria est, non ratio pingendi
nec ratio psallendi, quas quiuis bonus uir sine ulla animi uituperatione, sine
turpitudine, sine rubore contempserit. Nescio ut Ismenias tibiis canere, sed
non pudet me tibicinem non esse; nescio ut Apelles coloribus pingere, sed
non pudet me non esse significem; itidem in ceteris artibus, ne omnis
persequar, licet tibi nescire nec pudeat.
[165] XXI. Por que não nos elevamos, de preferência, ao exemplo e à
lembrança de Sócrates, e não nos permitimos o benfazejo estudo da filosofia,
furtando-nos da igualdade das divindades símiles? Sobre isso, na verdade,
não sei por que razão nos desviamos. E nada mais me admira que, como quer
que seja, os homens não cultivam seu espírito, quando todos desejam viver
muito bem e sabem que não se pode viver, ou nada ser possível, por outro
meio que não seja o espírito, ainda mais, para que vivas da melhor forma
possível, o espírito deve ser cutivado. Entretanto, se alguém quer enxergar
acuradamente, os olhos com que se enxerga devem ser cuidados; se queres
velozmente correr, os pés com que se corre devem ser cuidados; da mesma
forma, se queres lutar com força, os braços com que se luta devem ser
fortificados. Similarmente, em todos os demais membros, seu próprio
cuidado é digno de dedicação. Porque como todos facilmente perceberão, não
posso refletir bastante e igualmente, como é de costume, não me admirar por
que não cultivam também seu espírito com o instrumento da razão. Que na
verdade, uma regra racional de viver, é necessária igualmente a todos, não
como a regra de pintar, nem a de tocar cítara, regras que qualquer homem de
bem, sem nenhum drama de consciência, sem torpeza, sem rubor, poderia
desprezar. Não sei tocar flautas como Ismenias, mas não me envergonha não
ser flautista; não sei pintar com as cores como Apeles, mas não me
envergonha não ser desenhista; da mesma forma nas demais artes, não quero
enumerar todas, é permitido a ti ignorá-las e disso não se envergonhar.
[166] XXII. Enimuero dic, sodes: “nescio bene uiuere, ut Socrates, ut
Plato, ut Pythagoras uixerunt, nec pudet me nescire bene uiuere”; numquam
hoc dicere audebis. Sed cumprimis (170) mirandum est, quod ea, quae
minime uideri uolunt nescire, discere tamen neglegunt et eiusdem artis
disciplinam simul et ignorantiam detrectant. Igitur cotidiana eorum aera
dispungas: inuenias in rationibus multa prodige profusa et in semet nihil, in
sui dico daemonis cultum, qui cultus non aliud quam philosophiae
sacramentum est. Plane quidem uillas opipare extruunt et domos ditissime
exornant et familias numerosissime conparant. Sed in istis (171) omnibus
tanta adfluentia rerum nihil est praeterquam ipse dominus pudendum; nec
iniuria: cumulata enim habent, quae sedulo percolunt, ipsi autem horridi,
indocti incultique circumeunt. Igitur illa spectes, in quae patrimonia sua
profuderunt: amoenissima et extructissima et ornatissima deprehendas, uillas
aemulas urbium conditas, domus uice templorum exornatas, familias
numerosissimas et calamistratas, opiparam supellectilem, omnia adfluentia,
omnia opulentia, omnia ornata praeter ipsum dominum, qui solus Tantali uice
in suis diuitiis inops, egens, pauper non quidem fluentum illud fugitiuum
captat et fallacis undae sitit, sed uerae beatitudinis, id est secundae uitae et
prudentiae fortunatissimae, esurit et sitit. Quippe non intellegit aeque diuites
spectari debere ut equos mercamur.
[167] XXII. Ora, diz, se tens coragem: “Não sei viver bem como Sócrates,
como Platão, como Pitágoras viveram, e não me envergonha não sabê-lo.”.
Isso nunca ousarás dizer. Mas principalmente é de se admirar, por que essas
coisas, que minimamente os homens querem parecer ignorar, todavia
negligenciam aprender e rejeitam simultaneamente: rejeitam a disciplina da
mesma arte e não reconhecem a própria ignorância. Então suponhamos que
avalies as despesas cotidianas deles: acharás nas contabilizações muita coisa
destinada prodigamente, mas para si mesmo nada; com “si mesmo”, quero
dizer o culto do daemon, culto que não é outra coisa senão o sacramento da
filosofia126. Sem dúvida constroem custosamente casas de campo,
suntuosamente adornam as casas da cidade e adquirem criadagem em grande
número. Mas em tudo isso, com tanta abundância de bens, nada é mais digno
de vergonha que o próprio senhor, e não injustamente: pois possuem coisas
acumuladas para com as quais dedicadamente têm todas as atenções; eles
mesmos, ao contrário, broncos, ignorantes e incultos vagueiam127. Que olhes,
pois, aquelas coisas em que mergulharam o patrimônio: encontras as mais
aprazíveis, as mais edificadas e as mais ornamentadas. Casas de campos
construídas rivais de cidades, mansões quase tão ornadas quanto templos,
numerosíssimos empregados domésticos de cabelos frisados a ferro,
mobiliário esplêndido. Toda abundância, toda opulência, todas as coisas
adornadas, com exceção do próprio dono, que sozinho, quase um Tântalo
miserável dentro de suas riquezas, indigente, pobre, nem sequer consegue
agarrar aquele fluxo fugitivo e sente sede de uma onda128enganadora. Mas ele
vive na fome e na sede da verdadeira felicidade, isto é, de uma vida venturosa
e da mais afortunada sabedoria. Sem dúvida, não entende que deve-se
observar os ricos da mesma forma que compramos cavalos.
[168] XXIII. Neque enim in emendis equis phaleras consideramus et
baltei polimina inspicimus et ornatissimae ceruicis diuitias contemplamur, si
ex auro et argento et gemmis monilia uariegata dependent, si plena artis
ornamenta capiti et collo (173) circumiacent, si frena caelata, si ephippia
fucata, si cingula aurata sunt. Sed istis omnibus exuuiis amolitis equum
ipsum nudum et solum corpus eius et animum contemplamur, ut sit et ad
speciem honestus et ad cursuram uegetus et ad uecturam ualidus: iam primum
in corpore si sit
praeterea si duplex agitur per lumbos spina: uolo (174) enim non modo
perniciter uerum etiam molliter peruehat.
Similiter igitur et in hominibus contemplandis noli illa aliena aestimare,
sed ipsum hominem penitus considera, ipsum ut meum Socratem pauperem
specta. Aliena autem uoco, quae parentes pepererunt et quae fortuna largita
est. Quorum nihil laudibus Socratis mei admisceo, nullam generositatem,
nullam prosapiam, nullos longos natales, nullas inuidiosas diuitias. Haec
enim cuncta, ut dico, aliena sunt. Sat Porthaonio gloriae (175) est, qui talis
fuit, ut eius nepotem non puderet. Igitur omnia similiter aliena numeres
licebit; “generosus est”: parentes laudas. “Diues est”: non credo fortunae.
[Nec] magis ista adnumero: “ualidus est”: aegritudine fatigabitur. “Pernix
est”: stabit in senectute. “Formosus est” expecta paulisper et non erit. “At
enim bonis artibus doctus et adprime est eruditus et, quantum licet homini,
sapiens et boni consultus”: tandem aliquando ipsum uirum laudas. Hoc enim
nec a patre hereditarium est nec [a] casu pendulum nec a suffragio anniculum
nec a corpore caducum nec ab aetate mutabile. Haec omnia meus Socrates
habuit et ideo cetera habere contempsit.
[169] XXIII. Comprando cavalos, não só não consideramos, na verdade,
os adereços como também não examinamos os colares dourados da cilha,
nem mesmo contemplamos as riquezas do pescoço muito enfeitado, se joias
variegadas de ouro e prata e pedras preciosas estão penduradas, se
abundantes ornamentos artísticos estão à volta da cabeça e do pescoço, se os
freios são cinzelados, se as selas são pintadas, se as correias são douradas.
Entretanto, afastados todos esses ornamentos, o próprio cavalo desnudo e
somente seu corpo e temperamento observamos, que seja bonito de aspecto,
vigoroso para corrida e robusto para tração: primeiramente, então, se no
corpo há
além disso, se a espinha dorsal se estende pelas costas em dupla linha, desejo
pois um animal que não só rápida mas também confortavelmente sirva de
transporte.
De forma semelhante, pois, também ao observar os homens, não avalia
aquelas coisas estranhas ao homem, mas considera profundamente ele
próprio, da mesma forma, dirige a atenção para meu querido Sócrates
despojado de bens. Qualifico, pois, de estranhas as coisas que os pais
adquiriram e que a sorte deu em grande quantidade. Nenhuma delas confundo
com os méritos de meu querido Sócrates: nenhuma nobreza de nascimento,
nenhuma linhagem, nenhuma origem antiga, nenhuma riqueza invejável.
Todas essas coisas juntas, na verdade, como digo, são alheias ao homem.
Tem suficiente glória Portáon, que de tal forma era, que não envergonhava o
neto dele. Será lícito, portanto, admitir que enumeres similarmente todas
essas coisas alheias. Com “Ele é de grande linhagem”, elogias os
antepassados. Com “Ele é rico”, não creio na sorte. Nem mais enumero entre
os bens essas coisas: “é saudável”, pela doença fatigar-se-á; “é altivo”,
estacionará na velhice; “é belo”, espera um pouco e não o será. “Mas na
verdade em belas artes é instruído e principalmente erudito e, o quanto é
permitido ao homem, sábio e prudente”, já então finalmente louvas o próprio
homem. Isso, entretanto, nem é herdado de pai, nem de uma incerteza do
acaso, nem dedependente de sufrágio anual, nem perecível como um corpo
caduco, nem mutável pela idade. Tudo isso [171] meu querido Sócrates
possuía e por isso desdenhava de possuir as demais coisas.
[170] XXIV. Quin igitur et tu ad studium sapientiae (176) accingeris uel
properas saltem, ut nihil alienum in laudibus tuis audias, sed ut, qui te uolet
nobilitare, aeque laudet, ut Accius Ulixen laudauit in Philocteta suo, in eius
tragoediae principio:
Nouissime patrem memorat. Ceterum omnes laudes eius uiri audisti: nihil
inde nec Laërtes sibi nec Anticlia nec Arcisius uindicat: [nec] tota, ut uides,
laudis huius propria Vlixi possessio est. Nec aliud te in eodem Vlixe
Homerus docet, qui semper ei comitem uoluit esse prudentiam, quam poëtico
ritu Mineruam nuncupauit. Igitur hac eadem (178) comite omnia horrenda
subiit, omnia aduersa superauit. Quippe ea adiutrice Cyclopis specus introiit,
sed egressus est; Solis boues uidit, sed abstinuit; ad inferos demeauit et
ascendit; eadem sapientia comite Scyllam praeternauigauit nec ereptus est;
Charybdi consaeptus est nec retentus est; Circae peculum bibit nec mutatus
est; ad Lotophagos accessit nec remansit; Sirenas audiit nec accessit.
Sirenas audiit nec accessit.
XXIV. Por que então não te lanças também à prática da sabedoria, ou,ao
menos, não te apressas, para que nada de alheio ouças nos louvores a ti, mas
para que aquele que deseja te enobrecer, louve da mesma forma como Accio
louvou Ulisses na obra Filoctetes, no princípio da tragédia:
Somente por último faz menção ao pai. De resto, todos os elogios a esse
varão ouviste: enfim, nada para si nem Laertes, nem Anticlia, nem Arcísio
reivindica, toda posse desses elogios é de Ulisses. E não outra coisa nesse
mesmo Ulisses te ensina Homero, que sempre para ele quis que a
companheira fosse a prudência, que pelo uso poético denominava Minerva.
Assim, com essa mesma companhia todos os horrores enfrentou, todas as
adversidades superou. No fim das contas, com a ajuda dela nos antros do
Ciclope adentrou, mas saiu. Os bois de Hélios viu, mas deles se absteve. Aos
infernos desceu, mas de lá ascendeu. Com essa mesma sabedoria
companheira ele navegou diante de Cila e não foi arrebatado. Foi cercado por
todos os lados por Caribde e não foi capturado. Bebeu do copo de Circe e não
se metamorfoseou. Aos lotófagos chegou e lá não permaneceu. As sereias
ouviu e delas não se aproximou.
[173] 6. Conclusão
1. Existem algumas edições francesas anteriores: Baron des Coutures, 1698, e Compains de
Saint-Martin, 1707, mas não se trata de edições críticas.
2. Londres: Frank H. Cilley, 1866
3. Paris: Garnier, Henri Clouard, 1933
4. Fogia: Bastogi Editrice Italiana, A. Corina, 1997
5. Rathke, 1911; Dillon, 1977
6. Clouard, 1933; Beaujeu, 2002
7. Trata-se aqui do protagonista do romance, Jean des Esseintes.
8. Grifo nosso.
9. Cet Africain le réjouissait ; la langue latine battait le plein dans ses Métamorphoses; elle
roulait des limons, des eaux variées, accourues de toutes les provinces, et toutes se
mêlaient, se confondaient en une teinte bizarre, exotique, presque neuve; des maniérismes,
des détails nouveaux de la société latine trouvaient à se mouler en des néologismes créés
pour les besoins de la conversation, dans un coin romain de l’Afrique ; puis sa jovialité
d’homme évidemment gras, son exubérance méridionale amusaient. (Todas as traduções
deste trabalho, francês, inglês, italiano e latim, são de nossa autoria, salvo menção em
contrário).
10. VEYNE, 2009.
11. Dans tous les pays et dans tous les temps, on trouve communément répandue la
croyance à des êtres surnaturels, d’un rang inférieur à celui des dieux, intervenant
directement dans le cours des choses et spécialement des affaires humaines, êtres
bienfaisants ou maléfiques ou indifférents, que l’homme cherche à se concilier par des
pratiques religieuses ou magiques; c’est le peuple innombrable et redoutable des esprits,
démons, anges et génies de toute sorte, invisibles, actifs et tracassants.
12. Doravante DDS.
13. “(a suo avviso) il De Deo Socratis può considerarsi superiore rispetto a tutti gli altri
trattati ell’età classica risguardanti questo tema che ci sono pervenuti”.
14. ἄπειρος, ον ilimitado, infinito, imenso, inumerável, inextrincável; inexperiente, não
experimentado, desconhecedor. [Bailly, s.u., trad.]
15. Isto é, iniciá-lo nos mistérios.
16. No aplicativo geográfico Google Maps, acha-se pelo primeiro nome, Madaura.
17. Literalmente: “E tanto mais não falei dessas coisas para que, por esse meio, me
envergonhasse de minha pátria”
18. Vide adiante, no capítulo 2.2 deste trabalho a descrição desse julgamento, no verbete
Apologia.
19. Grifo nosso.
20. Note-se aqui o jogo de palavras: rudimentum tanto pode significar rudimentos,
primeiras letras, quanto rudeza do espírito, junto a eximo, que pode signifcar afastar ou
libertar.
21. Novamente a polissemia, instruo pertence ao campo semântico de erguer, construir,
dotar de armas.
22. Note-se aqui o neologismo só encontrado em Apuleio.
23. Apol. 23
24. Flor. 17.4
25. Apol. 72.1
26. Enálage.
27. De Mundo, 17
28. Apol.72
29. Flor. 9, 15, 16, 17, 18
30. Flor. 4, 9, 16 e 17
31. Em retórica, parte final do discurso que geralmente tem dois propósitos: resumir os
pontos principais e apresentar a conclusão.
32. Quanto ao Aesculapius em Apuleio cf. Apol. 55, Flor. 18, DDS 15, e n. 23 acima.
33. “such pseudepigraphical additions are particulary common for writers in the period of
the Second Sophistic with a large and varied output, inviting accretions of this kind.”
34. Ed. Wallace Martin Lindsay, vol. I, pág. 96.
35. Nome masculino homônimo de um dos trinta tiranos de Atenas e de um estatuário
citado por Plínio, o naturalista.
36. Fr. 3. Prisciano, Gram. Lat., ed. Keil II, Leipzig, pág. 85:
https://archive.org/stream/grammaticilatin01hagagoog#page/n233/mode/2up, acesso em
08.7.2016.
37. Fr. 4. Ibidem, pág. 111.
38. Fr. 5. Ibidem, pág, 135:
39. Fr. 6. Ibidem, pág. 279.
40. Fr. 7. Ibidem, pág. 528
41. Fr. 8. Fulgentius Exp. Serm. Antiq. 3 ed. Helm, teubner 1898, pág. 112:
https://archive.org/stream/operafulg00fulguoft#page/112/mode/2up, acesso em 08.7.2016.
42. Fr. 9. Prisciano, Gram. Lat., ed. Keil II, Leipzig, pág. 511. Fédon 97e-98a: “E me
sentia preparado a ver-me diante de descobertas do mesmo modo”.
43. Fr. 10. Ibidem, pág. 520. Fédon 100b “…acredito poder indicar-te a causa, por via de
consequencia, e demonstrar que a alma é imortal.” (Platão, 2008, 252)
44. Fr. 11. Ibidem, pág. 250, ss.
45. Fr. 12. Ibidem, pág. 482, ss.
46. Fr. 13. Fulgentius Exp. Serm. Antiq. 3 ed. Helm, teubner 1898, pág. 122.
47. Fr. 14. Prisciano, idem, pág. 203.
48. Fr. 15. Palladius, Opus Agriculturae. 1. 35.9, ed. Scmitt, Teubner, 1898, pág.38:
https://archive.org/details/Palladius, acesso em 08.7.2016.
49. Fr. 16. Servius ad Verg. Georg. 2. 126.
50. Na compilação de Beaujeu, os fragmentos de número 17 a 20 são classificados como
Libri incerti, isto é, alusões que deixam muitas dúvidas se são de Apuleio ou apenas fazem
referência comparativa a ele, por esse motivo, deixamos de listá-los.
51. Fr. 21 Ioannes Lydus, De magistratibus III 64, ed. Wünsh, Teubner 1903
https://archive.org/details/magistratibuspo00lyduuoft, acesso em 08.7.2016.
52. Idem, De mensibus IV 116, ed. Wünsh, Teubner 1898:
https://archive.org/details/liberdemensibus00lydugoog, acessado em 08.7.2016.
53. Hendíadis.
54. Subo — surio: homonímia.
55. Dans tous les pays et dans tous les temps, on trouve communément répandue la
croyance à des êtres surnaturels, d’un rang inférieur à celui des dieux, intervenant
directement dans le cours des choses et spécialement des affaires humaines, êtres
bienfaisants ou maléfiques ou indifférents, que l’homme cherche à se concilier par des
pratiques religieuses ou magiques) c’est le peuple innombrable et redoutable des esprit
démons, anges et génies de toute sorte, invisibles, actifs et tracassants.
56. Le terme de δαίμων apparaît dans les poèmes homériques ou il est fréquemment
employé pour désigner les mêmes personnáges divins que θεός; dans l’Odyssée, il semble
qu’une distinction tende à s’établir entre les Olympiens fortement caractérisés par la
mythologie et les δαίμωνες qui conservent lés traits archaïques de la divinités.
57. O controverso frag. B119. ἦθος ἀνθρώπωι δαίμων, pode muito bem ser traduzido como
‘O dáimon é o caráter do homem’.
58. Stoicorum Veterum Fragmenta.
59. Em latim, Larva, plural Larvae, palavra de origem etrusca, designava originalmente o
espírito dos mortos, muito semelhante aos Lêmures, que perseguia os vivos. Em seguida
evoluíram para configurar as almas dos criminosos ou das pessoas que tiveram fim trágico.
Eram imaginadas como esqueletos e fantasmas de expressão sinistra, e não raro lhes era
conferida a função de torturadoras das almas do inferno e ocasionadoras de transtornos
psíquicos nos vivos. (BRANDÃO, 1993, 199)
60. Conforme o contexto da obra, podemos aqui interpretar Graecus como hiperônimo de
Platão e barbarus como referência aos caldeus, pois não é demais lembrar que os signos e
números caldaicos não só são citados nesta obra como também faziam parte dos interesses
do Platonismo Médio.
61. Preferi classificar de ontológica e não teológica simplesmente por questão de
preferência, visto que, em virtude dos exemplos utilizados pelo autor em poucas linhas
nessa passagem, fica muito difícil delimitar onde termina um campo e começa outro.
62. DDS, XII, 145: “ex hoc ferme daemonum numero poetae solent haudquaquam procul a
ueritate osores et amatores quorundam hominum deos fingere”.
63. Scil.: aos deuses manes
64. Entenda-se aqui animados como os entes dotados não só de anima, alma mais geral,
princípio vital comum a todos os seres vivos, como também de animus, o espírito pensante,
o intelecto, característico apenas dos seres humanos e divindades.
65. Figura de retórica que consiste basicamente em justificar por que se omite uma
explicação.
66. Lucrécio, De rerum natura, doravante DRN.
67. Pourquoi ne sais-tu pas d’où tu es venu? Ne voudras-tu pas te rappeler, quand tu
manges, qui tu es, toi qui manges, et qui tu nourris ? Dans tes rapports sexuels, qui tu es, toi
qui uses de ces rapports ? Dans ta vie sociale, dans tes exercices physiques, dans tes
conversations, ne sais-tu pas que c’est un dieu que tu nourris, un dieu que tu exerces (θεὸν
τρέφεις, θεὸν γυμνάζεις) ? Tu portes Dieu partout avec toi (θεὸν περιφέρεις), malheureux,
et tu l’ignores. Tu crois que je parle d’un dieu extérieur d’or ou d’argent? C’est en toi que
tu le portes et tu ne t’apercois pas que tu le souilles et par tes pensées impures et par tes
actions malpropres. Devant une image de Dieu, tu n’oserais en vérité accomplir aucune des
actions que tu accomplis. Et devant Dieu lui-meme présent en toi (αὐτοῦ δέ τοῦ θεοῦ
παρόντος) et qui voit et entend toutes choses, tu ne rougis pas de les penser et de les
accomplir, homme inconscient de ta propre nature, objet de la colère divine 127
EPICTETE. Entretiens, II, 8, 12–14. (Trad. Souilhe).
68. Mais si rien ne t’apparait meilleur que le genie qui en toi a etabli sa demeure, qui
soumet a son autorite les instincts personnels, qui controle les representations de l’esprit,
qui s’est arrache, comme le dit Socrate, aux incitations des sens, qui se soumet aux dieux et
aux hommes s’attache ; si tu trouves tout le reste plus petit et plus vil, ne laisse place en toi
a aucune autre chose, car une fois que tu te serais laisse incliner et detourner par elle, tu ne
pourrais plus sans relache honorer plus que tout ce bien qui t’ es propre et qui est
tien.MARC AURELE, III, 6, 2 (trad. Meunier).
69 …consideré comme le philosophe par excellence et sa conduite comme le genre de vie
idéal, son daimōn est devenu la marque de l’éthos philosophique, son identité religieuse.
Étudier la nature de ce daimōn revenait ainsi, par effet de retour, à élucider le contenu
même de la pratique philosophique.
70. Segundo tradutores como Agostinho da Silva e G. Ribbeck, a melhor tradução de
rerum natura é natureza e não natureza das coisas. Concordamos, haja vista a diferença da
visão de mundo da Antiguidade Romana e a evolução do conceito até a atualidade.
71. Verg., Georg. I, 5-6
72. Lucr. Rerum., 5, 575
73. Literalmente: ‘quanto ao que dela seja pertinente aos…’.
74. Na divisão de Beaujeu (2002, pág. 20), aqui começa o tópico ‘Os deuses visíveis’.
75. Verg. Georg. 1,5-6
76. Literalmente: ‘perdas’
77. Verg. Aen. 3, 516
78. Enn., Ann., 240-241
79. Arturo (α Boo, α Boötis, Alpha Boötis), também conhecida
como Arcturo ou Arcturus, é a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro, ou Boötes,
visível somente no céu do hemisfério norte.
80. As Híades (Ὑάδες em grego) é um aglomerado estelar da constelação de Touro, cujas
estrelas mais brilhantes formam um “V” oblíquo em redor da estrelagigante Aldebarã (α
Tau), estrela mais brilhante no campo visual, a qual não faz parte desse aglomerado.
81. ‘Os deuses invisíveis’ cf. Beaujeu (2002, 22)
82. A palavra mediocritatem, no caso, teria como correspondente em português mediania,
que deixamos de usar em virtude do arcaísmo do termo.
83. Enn., An., 240-241.
84. Note-se que aqui o autor antecipa a definição dos daimonēs como distribuidores da
sorte e guardiões individuais do homem durante a vida.
85. ‘inchada de soberba’.
86. Literalmente ‘para diante e para trás eternas’.
87. ‘O homem’, cf. Beaujeu (2002,23),.
88. Note-se aqui a metáfora miliar: missum locum faciam, superantibus e receptui.
89. ‘Separação entre os homens e a natureza’, cf. Beaujeu (2002, 24)
90. Verg., Aen., 9, 300
91. Verg., Aen., 10, 773
92. Literalmente, cabeça.
93. O papel dos daemonēs.
94. Em nosso entender, o autor aqui faz uma referência à instituição de clientela e
patronato bem conhecida do povo romano, haja vista o vocábulo salutigeri, que geralmente
se refere ao secretário que acompanhava o patrono durante a salutatio dos clientes, ou
mesmo fazia uma “triagem” e organização preparatória da entrada dos interessados.
95. Uma das técnicas divinatórias etruscas, a haruspicina, consistia em observar o desenho
formado pelas rugas ou fissuras das entranhas dos animais sacrificados. Existe um
exemplar de um modelo em bronze de fígado de carneiro, encontrato em Placência em
1877, gravado com os nomes de quarenta divindades distribuídos dentro de divisões feitas
a buril.
96. Em outras palavras, sua essência e seus acidentes (N.T.)
97. Pode-se dizer que aqui Apuleio retoma, amplia e ratifica a proposição inicial que
estabelece a divisão do cosmos com seus respectivos habitantes, localizados no espaço
conforme sua hierarquia de poder ou excelência.
98. Lucr., 6, 96-98
99. Hom., Il., I, 198: οἴωι φαινομένη· τῶν δ᾽ ἄλλων οὔ τις ὁρᾶτο.
100. Verg., Aen., I, 440
101. Plauto, Mil., 4
102. Literalmente: de que deixem passar.
103. Ferme, poderia significar por aproximação, scil.: conceber os deuses por
aproximação (aos daemonēs).
104. Literalmente: desterradas.
105. Literalmente: podem sofrer.
106. apud omnis… penes cunctos… paralelismo por sinonímia.
107. Verg., Aen., IX, 184-185
108. Os daemonēs-alma.
109. Em termos platônicos, sepultada ou aprisionada.
110. In: VIRGÍLIO, Eneida, IX, 184-185 “Vem de alguma deidade este ardor, caro
Euríalo?/ Ou somos nós que o forjamos na mente, por simples cobiça?”, segundo a
tradução de Carlos Alberto Nunes, São Paulo: Editora 34, 2014.
111. Tendo em vista o caráter polissêmico da palavra gênio, em português, preferimos
manter a original latina.
112. Scilicet ‘formam nosso ser’.
113. Os daemonēs independentes dos corpos
114. Em todos os autores mais antigos, embora raramente enunciado, parece que as
divindades romanas se mantêm longe, não penetram no interior da alma dos pensamentos
dos seres humanos. Nesse particular, Apuleio apresenta os daemonēs com o poder de
prescrutar até o recôndido das almas, coisa alheia à religião tradicional romana.
115. Scilicet ‘ao plano das almas’.
116. Sonho.
117. Aqui se inicia a descrição do daemōn de Sócrates
118. Sabedoria e divinação
119. Nestor, filho de Neleu. Aqui Apuleio faz uma metáfora do poder da oratória.
120. Metonímia.
121. Intervenção do daemon na vida de Sócrates.
122. Filosofia.
123. “Uma espécie de voz divina”.
124. Ter. Eun. 454
125. Literalmente: um adivinho de presságios.
126. Note-se aqui a simbiose que se faz na Antiguidade Clássica da Filosofia com a
religião: a Filosofia como religião, que permeia todos os filósofos até a Idade Moderna,
com Descartes, Spinosa e Leibniz, por exemplo.
127. Temos aqui uma alusão à oposição nitidamente platônica entre os bens materiais e o
verdadeiro propósito do homem de libertar-se das cadeias da ilusão e adquirir a verdadeira
riqueza: o saber puro.
128. Metonímia
129. Verg., Geórg. III, 80-81
130. Acii, Trag. Rom. Frag. 520 ss Ribb
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