A Sustentabilidade Da Segurança Social
A Sustentabilidade Da Segurança Social
A Sustentabilidade Da Segurança Social
FACULDADE DE DIREITO
2007
Trabalho de avaliação para conclusão do III Curso de
Pós-graduação em Direito Fiscal, na Faculdade de
Direito da Universidade do Porto.
AGRADECIMENTOS
Embora uma dissertação seja, pela sua finalidade um trabalho individual, há contributos de natureza
diversa que não podem nem devem deixar de ser realçados, por essa razão, desejo expressar os meus
sinceros agradecimentos:
• À minha mulher Sara, pelo inestimável apoio que preencheu as diversas falhas que fui tendo
por força das circunstâncias, e pela paciência e compreensão reveladas ao longo destes
meses;
• A todos os professores, pelo esforço e empenho que dedicaram a transmitir o seu importante
saber;
• “Dívida pública pode disparar para 528,2% do PIB em 2050 se nada for mudado na
Segurança Social”
( 12.10.2006 Jornal de Negócios)
• “OCDE avisa que as pensões vão baixar 40 por cento em relação às expectativas”
(07.06.2007 Lusa)
Assim, pretendeu-se neste estudo, após dar a conhecer melhor o sistema de segurança social em
Portugal, caracterizar o seu financiamento e elencar os principais aspectos da reforma em curso.
Adicionalmente, tendo por base a documentação mais recente disponibilizada por diversos
organismos nacionais e internacionais, procurou-se obter uma opinião tão independente quanto
possível de entidades não relacionadas com o sistema.
Por último, efectuou-se uma breve análise às medidas de sustentabilidade implementadas em dois
países com sistemas de protecção social substancialmente diferentes, mas com uma influência
relevante no panorama europeu.
No decurso do trabalho uma questão importante foi levantada, traduzindo-se na aparente contradição
entre as medidas de promoção do emprego dos jovens e o combate às reformas antecipadas dos
menos jovens.
ÍNDICE
Abreviaturas 8
I. Introdução 9
5.2 A O.C.D.E. 21
VII. Conclusões 26
XII. Bibliografia 32
ABREVIATURAS
CE – Comissão Europeia
DL – Decreto-Lei
DR – Diário da República
SS – Segurança Social
I. INTRODUÇÃO
Após as enormes convulsões sociais em virtude da II Guerra Mundial, os sistemas de segurança social
tornaram-se fundamentais para um crescente número de países. Foram implementados de forma a
tornarem-se não só num instrumento essencial de estabilidade e paz social, mas também num sólido
garante da independência e da segurança económica de muitos milhões de pensionistas. As
configurações jurídicas adoptadas variaram de país para país, assumiram um carácter público ou
privado, e apoiaram-se nos três pilares clássicos dos regimes públicos de base, dos regimes
profissionais e dos planos individuais de reforma.
Contudo, a pressão dos sistemas de finanças públicas resultante do envelhecimento das populações, a
que vimos assistindo por toda a União Europeia (UE), perfila-se, não apenas como um grave ameaça
para o modelo social europeu, mas também para a estabilidade económica da UE representando um
dos maiores desafios com que, em comum, se debatem os regimes de pensões dos Estados-Membros.
O sistema de protecção social português encontra-se hoje, tal como na generalidade dos países
europeus, perante desafios estratégicos que, caso não sejam enfrentados, colocam em causa a sua
sustentabilidade futura.
Assim sendo considero que a sustentabilidade do sistema de segurança social em Portugal é, pela
importância referida, tema de interesse justificado.
Apresenta-se neste estudo uma abordagem ao modelo adoptado no nosso país, a sua origem, a
evolução do texto constitucional e a sua doutrina predominante.
De seguida foi realizada uma breve apresentação da organização do sistema de segurança social, e da
sua estrutura, através da definição dos três pilares clássicos.
No capítulo seguinte foi abordado o financiamento do sistema, com especial ênfase para as causas dos
desequilíbrios financeiros e a sua inclusão e referencia na Lei de Bases de 2007.
9
A Sustentabilidade da Segurança Social
Por ser tratar da temática com maior impacto no tema em estudo, foi introduzido um capítulo próprio
que aborda toda a reforma da Segurança Social acordada em 2006 entre o governo e os parceiros
sociais, vertida na Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro e no Decreto-Lei n.º 187/2007 de 10 de Maio.
Com a informação mais actualizada que foi possível obter de diversos organismos nacionais e
internacionais, foi reservado um capítulo para a apresentação dos relatórios publicados por essas
instituições, com o objectivo de obter uma opinião tão independente e credível quando possível sobre o
tema em estudo e, mais concretamente sobre a reforma implementada no sistema.
Por último, efectuou-se uma breve análise às medidas de sustentabilidade implementadas em França e
Espanha, pela particularidade de serem dois países com sistemas de protecção social substancialmente
diferenciados e cada um com características muito próprias.
É de referir que a metodologia utilizada na realização deste trabalho foi a técnica documental clássica
(pesquisa através de documentos), sendo a apresentação dos resultados feita sob a forma de monografia
(apresentação descrita de dados).
Em conclusão, levantou-se uma questão relacionada com a aparente contradição entre a necessidade,
por um lado, de integrar os jovens no mercado de trabalho e, por outro lado, de manter os trabalhadores
mais velhos no activo, durante mais tempo.
Para analisar criticamente um sistema de segurança social, deve existir total clareza quanto ao tipo
de modelo vigente. Ilídio das Neves (1998, p.27) refere que «Esta exigência constitui um ponto
prévio essencial para a inteligibilidade do discurso. Hoje, em qualquer debate sobre protecção
social e direitos sociais dos cidadãos, temos que ser claros, dizendo à partida, sem ambiguidades,
do que estamos a falar» e o mesmo autor acrescenta «No âmbito de percursos históricos
extremamente diferenciados, cada país escolheu um modelo protector predominante, pelo que a
análise e a compreensão do respectivo sistema de segurança social se devem basear numa atitude
10
A Sustentabilidade da Segurança Social
de sintonia com a lógica dos princípios e das técnicas inerentes a esse modelo. A percepção clara
e o respeito deste pressuposto constituem uma condição absolutamente necessária para a própria
fundamentação de propostas de medidas de reforma ou de reajustamento de qualquer sistema de
segurança social1»
Corolário do Estado social de Direito e entendido como uma tarefa e uma incumbência do Estado,
muitas vezes ligado ao direito do trabalho e às conquistas dos trabalhadores, o direito à segurança
social encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 63.º no
Capitulo II (Direitos e deveres sociais), do Título III (Direitos e deveres económicos, sociais e
culturais). De igual forma é consagrado ou referido nas Constituições da maioria dos países
europeus, contudo, a afirmação desse direito apresenta-se muito diversa de Constituição para
Constituição, exprimindo as diferentes concepções adoptadas - laborista2, assistencialista3 ou
universalista4 – do direito à segurança social5.
1 NEVES, Ilídio das, Crise e Reforma da Segurança Social - Equívocos e realidades, Lisboa, Edições Chambel, 1998, ob. Cit. , p.27. “A distinção entre os
diferentes modelos é absolutamente necessária, porque corresponde a realidades objectivas incontornáveis, que não podem deixar de ser
reconhecidas, visto que a cada modelo protector correspondem as técnicas utilizadas, que, por assim dizer moldam as suas características
essenciais. Mas essa distinção é igualmente de extrema importância, porque clarificar o conceito de sistema permite evitar ambiguidades,
confusões e incoerências na adopção de medidas de política, na estruturação dos quadros jurídicos reguladores das prestações e na definição das
estruturas financeiras de suporte. Não actuar desse modo tem como primeira consequência a desorganização interna dos sistemas de segurança
social, estabelecendo injustiças relativas e dando origem ao enfraquecimento da estrutura financeira de natureza contributiva.”
2 A concepção laborista do direito à segurança social tem a sua origem em plena Revolução Industrial nos finais do séc. XVIII, na proposta
apresentada, pelo Chanceler Bismarck, ao Parlamento Alemão, para promulgação de três leis sobre seguros obrigatórios para os trabalhadores da
indústria, que cobrissem situações de doença, acidentes de trabalho, invalidez e velhice. De acordo com a concepção laborista, o direito à
segurança social visa proteger os trabalhadores, garantindo-lhes rendimentos de substituição, caso ocorram determinadas eventualidades, que
reduzam ou eliminem a capacidade de trabalho.
3 A concepção assistencialista, historicamente, aparece expressa no «Social Security Act», uma lei federal dos Estados Unidos da América, criada em
1935, no contexto da política reformadora do New Deal, do Presidente Roosevelt, que em simultâneo, instituiu seguros sociais de base laborista,
para cobrirem situações de velhice, desemprego e sobrevivência, e, organizou serviços assistenciais de saúde materno-infantil e de recuperação
11
A Sustentabilidade da Segurança Social
Na Constituição de 1976, foi consagrado pela primeira vez em Portugal, o direito à segurança
social, e, apesar das diversas revisões constitucionais, a formulação do direito manteve-se
substancialmente idêntica ao longo do tempo, não se alterando os princípios fundamentais que
enquadram o direito à segurança social. Mas, à consolidação do texto constitucional contrapõem-
se, desde 1976, uma multiplicidade de diplomas de concretização das opções da lei fundamental,
sempre condicionados pelas disponibilidades financeiras do Estado.
O texto constitucional apresentou uma opção política de base por um sistema de protecção social
de carácter universalista, tal pode ser constatado pela leitura do n.º 1 do artigo 63.º da CRP, onde
o direito à segurança social é concebido como um direito de todos os cidadãos. A reforçar a
concepção universalista, acresce, que da conjugação do n.º 1, com os n.ºs 2 e 3 do artigo 63.º da
CRP, parece que a todos é garantido o direito à segurança social, através de um sistema que cabe
ao Estado organizar, subsidiar e coordenar.
designadamente, em 1942. No «Plano Beveridge» cometia-se ao Estado a tarefa de gerir e financiar um sistema de segurança social, que visava a
protecção contra os riscos sociais em situações de carência ou necessidade, garantindo prestações mínimas e tendencialmente uniformes a todos os
indivíduos, independentemente da sus situação profissional, admitindo-se, porém, o recurso a regimes complementares de protecção. Para a
concepção universalista, o direito á segurança social é um direito de todos, abrangendo cidadãos e residentes (estrangeiros e apátridas) de um dado
país. O financiamento do sistema é maioritariamente público, podendo admitir-se a existência de obrigações contributivas por parte dos
trabalhadores e respectivas entidades patronais, mas, de valor fixo e reduzido. A gestão do sistema será pública. Na base da concepção está a ideia
de solidariedade nacional.
5 DAVID, Sofia, Algumas Reflexões Sobre o Direito à Segurança Social, Dissertação do Curso de Mestrado em Ciências Juridico-Politicas na Faculdade de
Mas, também a concepção assistencialista está presente na Constituição, no n.º 3 do artigo 63.º,
que prescreve que o sistema de segurança social protege aqueles que estejam numa situação de
falta ou diminuição de meios de subsistência. Nestas situações «reais de necessidade económica»
todos têm direito à protecção pela segurança social, independentemente das causas que originam
essa eventualidade6.
O sistema de segurança social em Portugal não é uno, é antes de mais constituído por diferentes
subsistemas, todos com lógicas, objectivos e formas de financiamento diferentes.
As realidades sistémicas que integram o sistema de segurança social português estão expressas na
Lei n.º 4/2007 de 16 Janeiro8 e são: por um lado, o sistema de protecção social de cidadania, de
base não contributiva, que por seu turno comporta o subsistema de acção social, que providencia
6 DAVID, Sofia, Algumas Reflexões Sobre o Direito à Segurança Social, Dissertação do Curso de Mestrado em Ciências Juridico-Politicas na Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,Verbo Jurídico, 2002.
7 TEIXEIRA, Glória; NOGUEIRA, João Félix, Segurança Social – Uma Perspectiva Fiscal, Estudo do Projecto de Investigação “Tributação e Segurança
Social”, desenvolvido pelo Centro de Investigação Jurídico-Económica (CIJE) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
8 A LEI n.º 4/2007. D.R. I Série. 11 (2007-01-16) 345-356. veio revogar a LEI n.º32/2002 de 20 de Dezembro e entrou em vigor no dia seguinte ao
uma protecção em serviços sociais; o subsistema de solidariedade, que assegura, com base na
contribuição de toda a comunidade, direitos essenciais dos cidadãos de forma a prevenir e
erradicar situações de pobreza e exclusão; e o subsistema de protecção familiar, que visa
assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos quando ocorram as eventualidades
previstas na lei; por outro lado, o sistema previdencial, que assegura uma protecção económica
com referencia salarial e de base contributiva (autofinanciada pelos interessados)9; por fim o
sistema complementar, já anteriormente previsto no diploma de 2002, que compreende um
regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa colectiva e individual.
Os três pilares
9 O artigo 54.º da LBSSS (LEI n.º 4/2007. D.R. I Série. 11 (2007-01-16) 350), dispõe que “O sistema previdencial deve ser fundamentalmente
autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito ás prestações”
14
A Sustentabilidade da Segurança Social
10 PEREIRA, Pedro Telhado, A Reforma da Segurança Social: Contributos para Reflexão, Celta Editora, 1998
15
A Sustentabilidade da Segurança Social
A primeira situação diz respeito à antecipação da idade de reforma, na qual são imputados
encargos “ao seguro previdencial” resultantes, não de uma “velhice cronológica” mas de uma
“velhice funcional” derivada de desajustamento tecnológico ou desgaste físico.
A terceira situação, diz respeito ao complemento social das pensões de velhice e de invalidez do
sistema previdencial, onde não é feita a exigência da condição de recursos12.
O primeiro «implica ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros tendo em vista,
designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra». Quer isto dizer que a
Segurança Social deverá, em termos gerais procurar fontes de financiamento que não as
decorrentes da prestação do factor de produção trabalho. Num contexto de inversão da pirâmide
11 NEVES, Ilídio das, Crise e Reforma da Segurança Social - Equívocos e realidades, Lisboa, Edições Chambel, 1998, ob. Cit. , p. 77
12 NEVES, Ilídio das, Crise e Reforma da Segurança Social - Equívocos e realidades, Lisboa, Edições Chambel, 1998
13 Nos termos do artigo 87.º da LEI n.º 4/2007. D.R. I Série. 11 (2007-01-16) 354, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social.
16
A Sustentabilidade da Segurança Social
O segundo caracteriza-se pela “(...) determinação das fontes de financiamento e na afectação dos
recursos financeiros do sistema de acordo com a natureza e os objectivos das modalidades de
protecção social definidas e com situações e medidas especiais, nomeadamente as relacionadas
com políticas activas de emprego e formação profissional”14. Significa que a fonte de
financiamento deve ser aquela que for mais indicada tendo em consideração a natureza das
prestações atribuídas.
Para a prossecução da reforma acordada, foram preconizadas as seguintes medidas, sendo que a
maioria já foi incluída na Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro (LBSSS)16:
14 Nos termos do art.º 2.º do DECRETO-LEI n.º 331/2001. D.R. I Série-A. 293 (2001-12-20) 8370, que regulamenta o quadro de financiamento do
sistema de segurança social.
15 Cf. “Acordo Sobre a Reforma da Segurança Social” - Conselho Económico e Social, Comissão Permanente de Concertação Social, Lisboa, 10 de
Outubro de 2006
16 A LEI n.º 4/2007. D.R. I Série. 11 (2007-01-16) 345-356. veio revogar a LEI n.º32/2002 de 20 de Dezembro e entrou em vigor no dia seguinte
Algumas das principais medidas da reforma da segurança social foram incluídas no Decreto-Lei
n.º 187/2007 de 10 de Maio. Com a publicação deste decreto-lei, foram revogados vários outros
diplomas e organizadas, numa única norma, um conjunto de medidas inovadoras de promoção da
sustentabilidade de longo prazo do sistema de segurança social português. Lê-se no preâmbulo da
norma: “A aprovação do presente decreto-lei procura assim concretizar as medidas mais
adequadas para enfrentar os riscos do envelhecimento demográfico, designadamente através da
alteração das regras de cálculo das pensões por velhice e invalidez. Desde logo, na pensão por
velhice, prevê-se a aplicação, na determinação do montante das pensões, de um factor de
sustentabilidade, relacionado com a evolução da esperança média de vida e que é elemento
fundamental de adequação do sistema de pensões às modificações de origem demográfica e
económica.”
18
A Sustentabilidade da Segurança Social
Uma das medidas de maior impacto financeiro da reforma de 2006 será sem dúvida o
alargamento da base de incidência das contribuições para a segurança social às componentes da
remuneração de natureza regular, sob o princípio da convergência com a base fiscal17. Tal
medida, apesar de até à data não estar regulada em diploma próprio, assenta no Princípio da
Diversificação das Fontes de Financiamento (referido no art.º 88 da Lei n.º 4/2007 de 16/1) e
reflecte uma orientação no sentido da harmonização das bases de incidência da segurança social
com as bases tributáveis para efeitos de IRS18.
17 “Tal alteração revela-se crucial na melhoria da protecção social dos trabalhadores, uma vez que os salários objecto de incidência contributiva
aumentarão a remuneração de referência para o cálculo das prestações garantidas aos trabalhadores (pensões, subsídio de desemprego, subsídio
de doença, entre outras).” Cf. Ponto 9 do “Acordo Sobre a Reforma da Segurança Social” de 10 de Outubro de 2006
18 Esta medida encontra-se explicitada no Apêndice 2
19
A Sustentabilidade da Segurança Social
Um primeiro conjunto de projecções gerado pelo modelo, sem a inclusão das medidas de
reforma da segurança social, mostra uma situação de grave desequilíbrio financeiro e clara
insustentabilidade da componente previdencial da segurança social portuguesa.
Um segundo conjunto de projecções gerado pelo modelo, com a inclusão de quatro das medidas
mais representativas da reforma da segurança social (Antecipação da transição para a nova
fórmula de cálculo da pensão, actualização das pensões em função da inflação, agravamento da
penalização financeira por antecipação da reforma de velhice e introdução, a partir de 2008, do
factor de sustentabilidade), mostra, comparativamente ao cenário base das medidas, uma
melhoria muito expressiva dos saldos financeiros do sistema.
A utilização do modelo com a incorporação dos efeitos esperados das medidas de reforma no
cálculo para Portugal dos indicadores da Comissão Europeia, reduz segundo o estudo «para
cerca de metade a componente destes indicadores relativa ao aumento da despesa pública mais
sensível ao envelhecimento19».
19 PINHEIRO, Maximiano; CUNHA, Vanda Geraldes, MISS- Um Modelo para Avaliação da Sustentabilidade da Segurança Social Pública Portuguesa,
Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal, Lisboa, Maio 2007, ob. Cit. , p.71
20
A Sustentabilidade da Segurança Social
5.2 A O.C.D.E.
De acordo com o referido estudo, antes da introdução das novas regras, um trabalhador português
poderia esperar, em média, uma reforma equivalente a 113 por cento do salário, enquanto com as
novas regras as taxas líquidas de reposição descem, em média, para 70 por cento. Na prática, a
reestruturação da Segurança Social, vai obrigar cada português a trabalhar mais anos para receber
uma pensão mais baixa.
A OCDE sublinha no estudo, três factores tidos como fundamentais para a existência de
“pressão” no sistema de Segurança Social em Portugal com resultados contrários aos
preconizados pela reforma:
Um facto positivo, segundo o estudo da OCDE, prende-se com a introdução do chamado “factor
de sustentabilidade” nas pensões portuguesas. Trata-se da fórmula que o Governo encontrou para
fazer reflectir a esperança média de vida no valor das pensões de reforma. Com efeito, por via da
inclusão do “factor de sustentabilidade” na fórmula de cálculo da pensão, os actuais trabalhadores
serão obrigados a trabalhar em média, mais cinco meses por cada dez anos que passados.
Tal como referido, este relatório, foi divulgado em 2005, um ano antes da profunda reforma da
Segurança Social de 2006 (Lei 4/2007), e parece traduzir-se num incentivo da Comissão
Europeia à implementação das medidas de reforma do sistema de segurança social em Portugal.
Estes relatórios divulgados pela comissão parecem apresentar uma certa sintonia com o governo
português e revelam entendimentos comuns ao nível das reformas e da sustentabilidade da
Segurança Social em Portugal.
21 Sustentabilidade das Finanças Públicas, Comissão Europeia, Bruxelas, Outubro 2006.
22
A Sustentabilidade da Segurança Social
Para fazer face ao crescente défice do sistema de segurança social, o governo francês está a
estudar a possibilidade de transferir uma parte do seu financiamento para os impostos sobre o
consumo, nomeadamente para o IVA.
Caso seja implementada esta medida, a taxa de IVA em França sofrerá um aumento de cinco
pontos percentuais para 24,6%, penalizando sobretudo os produtos importados, especialmente os
provenientes de países com baixos custos laborais e que utilizam mão-de-obra intensiva.
O designado “IVA Social” não é uma verdadeira novidade no continente europeu, já outros
países, como a Alemanha22 e a Dinamarca23, adoptaram esta medida e conseguiram reduções
significativas nas contribuições sociais das empresas e dos seus custos laborais.24
A implementação do “IVA Social” não passa pela criação de um novo imposto mas por uma
redefinição do modelo de financiamento das quotizações sociais. Assenta num princípio muito
simples que consiste em compensar uma redução do montante das contribuições sociais das
entidades patronais por um aumento da taxa de IVA sobre os produtos. Sucede que o
financiamento da segurança social deixará (em parte) de ser financiado pelo trabalho, para passar
a ser financiado pelo consumo.
22 «Aumento da taxa d o IVA em 3%, onde 1% se destina a compensar a redução das quotizações da segurança social de 6,5% para 4,2%.»
BIRCHEM, Nathalie ; BORBON, Jean-Claude. TVA Sociale-Une alternative au financement de la protection sociale?, 2007. [Consul. 30 Jun.2007].
Disponível em http://www.tpe-pme.com/news/tva-sociale.html
23 «Supressão da quase totalidade das contribuições patronais para a segurança social, aumento da taxa do IVA em 3%, que atinge hoje 25%.»
BIRCHEM, Nathalie ; BORBON, Jean-Claude. TVA Sociale-Une alternative au financement de la protection sociale?, 2007. [Consul. 30 Jun.2007].
Disponível em http://www.tpe-pme.com/news/tva-sociale.html
24 Sofia, França: Governo pretende introduzir o IVA Social, 2007, [Consul. 28 Jun.2007]. Disponível em http://www.impostospress.net
25 BIRCHEM, Nathalie ; BORBON, Jean-Claude. TVA Sociale-Une alternative au financement de la protection sociale?, 2007. [Consul. 30 Jun.2007].
Disponível em http://www.tpe-pme.com/news/tva-sociale.html
23
A Sustentabilidade da Segurança Social
• Protecção das empresas nacionais: diminuição dos preços nas exportações e aumento dos
preços nas importações;
• Facilidade de implementação e cobertura pelas normas comunitárias: o montante máximo da
taxa de IVA é livremente fixado pelos Estados-membros;
• Alargamento das fontes de financiamento do sistema de segurança social.
Subjacente a esta medida poderá estar a tentativa do governo francês de criar competitividade às
empresas nacionais, uma vez que o custo da mão-de-obra em França é o quarto mais elevado da
Europa dos 15.
Com efeito, a introdução do “IVA Social”, poderá evitar a deslocalização das empresas de
França para outros países onde os custos laborais sejam menores. Por outro lado, o governo
poderá diminuir o enorme “peso” das despesas com a protecção social que, em França,
correspondia em 2003 a 29,1% do PIB. Acresce que em 2006, o défice dos quatro subsistemas
de segurança social (doença, velhice, acidentes de trabalho e família) correspondia à enorme
quantia de 9,7 mil milhões de euros26.
26 BIRCHEM, Nathalie ; BORBON, Jean-Claude. TVA Sociale-Une alternative au financement de la protection sociale?, 2007. [Consul. 30 Jun.2007].
Disponível em http://www.tpe-pme.com/news/tva-sociale.html
24
A Sustentabilidade da Segurança Social
Resguardada por um excedente orçamental que se estima, alcançará em 2010, a fabulosa quantia
de 50.000 milhões de euros, a segurança social de Espanha, ao contrário de alguns países
europeus, “respira” a saúde financeira necessária para a sua sustentabilidade a longo prazo.
Apesar de tal “folga” orçamental, em 2006, o governo e os parceiros sociais acordaram a reforma
do sistema de segurança social, que contemplava entre outras medidas, a criação de um Fundo de
Reserva proveniente do excedente orçamental.
Segundo Pascual Garcia do jornal “El Mundo”, os capitais disponíveis no Fundo de Reserva
ascendiam em Fevereiro de 2007 a 40.334,78 milhões de euros27
Seguindo uma recomendação do Tribunal de Contas, por uma gestão de maior flexibilidade e
rentabilidade do Fundo de Reserva da segurança social, o governo de nuestros hermanos, através
do Conselho de Ministros de 8 de Junho, aprovou um projecto de lei que permitirá a afectação até
10% do referido fundo, em investimentos no mercado de capitais, nomeadamente em activos de
rendimento variável e sob gestão privada.
Tal medida, pela sua originalidade, originou no país vizinho um amplo debate e algumas opiniões
que importa destacar:
• Os investimentos de rendimento variável poderão ser mais rentáveis mas, por um lado
comportam maior risco, e, por outro não consideram os custos e os benefícios sociais do
investimento público. Os recursos públicos agora investidos em activos de rendimento
variável serão dedicados necessariamente à especulação financeira.
• Investir reservas da segurança social na bolsa ao invés de financiar com essas reservas os
títulos de rendimento fixo associados ao investimento público em bens sociais, poderá
significar uma renuncia expressa à expansão do Estado de Bem-estar e ao aumento da
cobertura de bens públicos que garantam a satisfação das necessidades dos mais
desfavorecidos.
27 GARCIA, Pascual. El Gobierno aprueba invertir en Bolsa parte del Fondo de Reserva de las penciones, El Mundo (9 Jun.2007), [Consul. 15 Jul.2007].
Disponível em http://www.elmundo.es
25
A Sustentabilidade da Segurança Social
Independentemente das criticas que se possam colocar, será justo constatar que, apesar do
excedente do orçamento da segurança social, o executivo espanhol revela através desta medida
uma preocupação pela sustentabilidade do seu sistema de segurança social, salvaguardando
assim, as futuras pensões dos seus cidadãos.
VII. CONCLUSÕES
Neste estudo foi abordado o tema da Sustentabilidade da Segurança Social, com especial ênfase
para as medidas consideradas na reforma do sistema acordada em 2006. Através da divisão em
cinco partes fundamentais – conceito e organização da Segurança Social em Portugal, o
financiamento do sistema, o âmbito e principais aspectos da reforma de 2006, a perspectiva crítica
de instituições nacionais e internacionais e as medidas de sustentabilidade implementadas em
França e Espanha - realçaram-se os aspectos mais relevantes e que podem causar maior impacto no
financiamento e na sustentabilidade do sistema de protecção social em Portugal. Adicionalmente
foram apresentados gráficos ilustrativos de algumas das partes em estudo.
Por último, realizou-se uma breve incursão por dois sistemas de protecção social substancialmente
diferentes, um mais generoso mas mais desequilibrado (o modelo francês) e outro mais equilibrado
mas não tão generoso (o modelo adoptado pelos nuestros hermanos). Abordou-se essencialmente
as medidas de sustentabilidade aí implementadas.
28 LÓPEZ, Juan Torres. El govierno español dedicará dinero público a la especulación, 2007. [Consul. 15 Jul.2007]. Disponível em http://altereconomia.org
26
A Sustentabilidade da Segurança Social
Cremos que sendo este um tema actual e de enorme importância para o país e para a
sustentabilidade do próprio Estado, deveria existir um maior apoio público ao fomento da
investigação nestas áreas do conhecimento, e uma maior preocupação com a transposição das boas
práticas europeias, em especial de sistemas de protecção mais desenvolvidos e mais maduros.
Configura-se um atraso estrutural nesta matéria, que talvez possa ser explicado pela excessiva tutela
do Estado no sistema de segurança social português, ou talvez pela existência duma população com
baixos níveis de exigência de informação e de transparência sobre a gestão das suas futuras
pensões.
Importa ainda realçar a falta de unanimidade acerca da eficácia da recente reforma do sistema
português, um estudo publicado em Julho de 2007 caracteriza-a como “um passo no sentido certo”
– “se bem que tímido e tardio” - e “insuficiente para garantir a sustentabilidade financeira de longo
prazo”29.
Neste estudo ficou bem sublinhada permeabilidade do sistema de protecção social a decisões
políticas. Toda esta problemática origina opções políticas que não são fáceis nem satisfazem a todos
e por isso nunca mobilizam maiorias. Porém, mais tarde ou mais cedo terão que ser tomadas para
bem do subsistência futura de milhões de pensionistas.
29 RODRIGUES, Pedro G.; PEREIRA, Alfredo Marvão, A Reforma das Pensões em Portugal, Fundação Luso-Americana, Lisboa, Julho 2007.
27
A Sustentabilidade da Segurança Social
VIII. APÊNDICE 1
Nos termos do artigo 90.º da LBSSS, as formas de financiamento, apresentam-se como segue:
IX. APÊNDICE 2
30 Nos termos do artigo 90.º da LEI n.º 4/2007. D.R. I Série. 11 (2007-01-16) 354, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social.
28
A Sustentabilidade da Segurança Social
X. APÊNDICE 3
Alem anha
França
Reino Unido
EUA
Itália
Espanha
OCDE
Suécia
Holanda
Portugal-antes reform as
Grécia
0 20 40 60 80 100 120
31 Adaptado de: Relatório da OCDE. Pensions at a Glance, 2007. [Consul. 15 Jul.2007]. Disponível em http://www.oecd.org
29
A Sustentabilidade da Segurança Social
Alem anha
França
Reino Unido
EUA
Itália
Espanha
OCDE
Suécia
Holanda
Portugal-antes reform as
Grécia
0 20 40 60 80 100 120
Alem anha
França
Reino Unido
EUA
Itália
Espanha
OCDE
Suécia
Holanda
Portugal-antes reform as
Grécia
0 20 40 60 80 100 120
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A Sustentabilidade da Segurança Social
XI. APÊNDICE 4
32 Adaptado de MIRANDA, Elisabete, Reforma da Segurança Social em balanço – Valor da Pensão, 2007, [Consul. 27 Jun.2007]. Disponível em
http://www.jornaldenegocios.pt
31
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