1 PB
1 PB
1 PB
NO SÉCULO XIX
Eliana Sales 1
Resumo
O consumo das bebidas alcoólicas é considerado uma prática bastante antiga na história
da humanidade impregnada de múltiplos significados e ritualísticas próprias de cada cultura,
estando frequentemente assentado em regras de conveniência social do saber beber acordadas
pelos grupos sociais, as quais eram mediadas por uma série de disposições simbólicas,
restritivas e permissivas. A crescente produção de bebidas e de maior teor alcoólico, as
transformações oriundas da dinâmica capitalista, a intensificação do processo de urbanização,
com uma tendência de criar espaços cada vez mais “civilizados” oportunizaram uma série de
delimitações quanto ao seu consumo. Este artigo propõe analisar o deslocamento de uma
prática conveniada pelos grupos sociais a uma normatizada pelo saber médico-psiquiátrico.
Palavras chaves: álcool, alcoolismo, discurso antialcoólico.
Abstract
The consumption of alcohol is considered a very old practice in human history, imbued
with multiple meanings and ritual of each particular time and culture and is often grounded
on the rules of social convenience of knowing how to drink agreed by the social groups, which
were mediated by a series of symbolic, restrictive and permissive measures. The increased
production of beverages and higher alcohol content, the changes arising from the capitalist
dynamic, the intensification of the urbanization process with a tendency to create spaces more
"civilized" provided a series of boundaries of its consumption. This article aims to analyze the
displacement of a practice by the social groups to one normalized by the medical and
psychiatric knowledge.
Keywords: Palavras chaves: álcool, alcoolismo, discurso antialcoólico. alcohol,
alcoholism, anti-alcoholic speech.
Este soneto corrobora para asseverar que o uso de álcool nas sociedades
e culturas ocorre desde os tempos mais remotos, é bem verdade que não se
pode precisar sua origem exata, mas sua presença constante nos versos,
músicas, poesias, pinturas, mitologias, lendas e obras literárias demonstram
o quanto essa prática esteve vinculada ao ser humano em suas múltiplas
dimensões, ora como veículo de remédios, de perfumes, de expressão
artística e intelectual, ora como líquido extasiante capaz de provocar reações
de prazer, de olvidação das tensões, de distinção social e, principalmente,
sendo o componente essencial de bebidas consumidas como parte da
alimentação, dos ritos religiosos, da alegria e confraternização de diferentes
povos ao longo da história da humanidade.
Desde a época antiga a contemporânea, há relatos de povos que
conheceram técnicas de produção e uso de algum tipo de bebida alcoólica.
2 FLANDRlN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs.) História da alimentação. São Paulo: Eslação
Liberdade, 1998.
3 FLANDRlN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs.) História da alimentação. Op. Cit., p.144.
4FLANDRlN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs.) História da alimentação. Op. Cit., p.144.
5 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
6 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos prazeres. 10ª ed.- São Paulo: Graal. Vol.2. 2003.
7 Certeau define consumo como uma produção de significados variados em torno dos referentes da vida
cotidiana: a rua, a casa, o bairro, os objetos, os alimentos, dentre outros. In: CERTEAU, Michel de. A
Invenção do Cotidiano: 1 artes de fazer. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
8 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo, séculos XV- XVIII. Volume. I: As estruturas do
cotidiano. Rio de Janeiro: Edições Cosmos, 1970, p.191.
9 FLANDRlN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs). História da alimentação. Op. cit., p. 155.
10 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos prazeres. 10ª ed.- São Paulo: Graal. Vol.2.
2003.
11 VENÂNCIO, Renato Pinto; CARNEIRO, Henrique. Álcool e drogas na história do Brasil. São Paulo:
Alameda; Belo Horizonte: Editora PUCMinas, 2005.
12 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Op.cit.,
p.314.
13 De acordo com Braudel não havia um método de conservação do vinho, sendo o engarrafamento e o
uso regular de rolhas de cortiças ainda desconhecidos no século XVII. (BRAUDEL, 1970, p. 189).
14 SANTOS, Fernando Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença. Dissertação de mestrado.
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas. Campinas, São Paulo, p. 3, 1995.
15 Expressão empregada por Braudel para referir-se ao processo de destilação.
16 MASUR, Jandira. O que é alcoolismo. São Paulo: Brasiliense, 1991.
17 CARNEIRO, Henrique. Pequena Enciclopédia da Historia das Drogas e Bebidas: história e curiosidades
sobre as mais variadas drogas e bebidas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p.52.
18 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo, séculos XV- XVIII. Op. cit., p. 196.
19 Idem. Ibidem.
O alambique deu à Europa uma superioridade sobre todos estes povos, a possibilidade
de fabricar um licor superalcoólico, à escolha: rum, uísque, Kornbrand, vodca, calvados,
bagaceira, aguardente, gim: que é que se deseja tirar do tubo refrigerado do alambique?
[...] é inegável que a aguardente, o rum e a agua ardiente (o álcool da cana) tenham sido
presentes envenenados da Europa para as civilizações da América. [...] Os povos
indígenas sofreram enormemente com este alcoolismo que se lhes oferecia. 21
20 BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo, séculos XV- XVIII. Op. cit., p.196.
21 Idem. Ibidem, p. 220-221.
22 De acordo com Braudel não havia um método de conservação do vinho, sendo o engarrafamento e o
uso regular de rolhas de cortiças ainda desconhecidos no século XVII. (BRAUDEL, 1970, p. 189).
23 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Op. cit.,
p.317.
24 FILHO, Miguel Costa. A cana –de- açúcar em minas gerais. Op. cit., p.360.
25 BARATA, Cônego Carmo. O alcoolismo na história de Pernambuco antigo. Revista do Instituto
Arqueológico Histórico e geográfico Pernambucano. Janeiro de 1933 a dezembro de 1935. Vol.XXXIII.
Nº. 155-158, p. 193-199.
26 AMOROSO, Marta. Crânios e cachaça: coleções ameríndias e exposições no século XIX. Revista de
História. N. 154. Departamento de Antropologia-FFLCH/USP, 2006, p.126.
27 FILHO, Miguel Costa. A cana –de- açúcar em minas gerais. Op. cit., p.360.
28 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. Op. cit.,
2002.
29 Idem. Ibidem, p.308.
30 Idem. Ibidem, p.309.
31 CARNEIRO, Henrique. Bebidas alcoólicas e outras drogas na época moderna. Economia e embriaguez
do século XVI ao XVIII. Disponível em: <
Hhttp://www.historiadoreletronico.com.br/faces/03120801.htmH>. Acesso em: 23/10/2009.
32 Idem. Ibidem.
34 SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença. Op. cit., p.2, 1995.
35 VILHENA, Mathias Antônio Moinhos de. O uso de bebidas alcoólicas. These - Cadeira de Hygiene e
História da Medicina da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1882.
39 A obra Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale – Tratado Médico - Filosófico sobre a
Alienação Mental ou Traité do alienista Pinel, publicada em 1801, inaugura a Psiquiatria como
especialidade médica dedicada à loucura, construindo-se a noção de que essa era igual à doença mental,
de que o espaço para o louco era o hospital psiquiátrico e de que o profissional habilitado para tratar a
loucura era o psiquiatra. In: PESSOTTI, Isaias. A loucura e as épocas. São Paulo: Ed. 34, 1994, p.145.
40 A Frenologia foi desenvolvida pelo médico alemão, HFranz Joseph GallH, no Hséculo XIXH,
colocou-se como sendo capaz de determinar o caráter, características da personalidade, grau de
criminalidade e o desenvolvimento das faculdades mentais e morais, baseando-se formato externo do
crânio. In: MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. “A fatalidade biológica: a medição dos corpos, de Lombroso
aos biotipologistas”. In: História das prisões no Brasil. Vol.2. Rio de Janeiro: Rocco, 2009; SCHWARCZ,
Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). 1ª ed.-
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
41 SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Moderação e excesso; uso e abuso: os saberes médicos acerca das
bebidas alcoólicas. Clio. Revista de Pesquisa Histórica. Recife. Programa de Pós- Graduação em História.
Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e Ciências Humanas/ apresentação Carlos
Alberto Cunha Miranda. Recife: Ed. Universitária da UFPE. Nº 24. Vol.2. 2007, p. 119.
42 Uma das preocupações fundamentais dos degenaracionistas era a concepção preventiva a serem
deduzidas dos pressupostos da teoria da degenerescência, em particular, as ações sanitárias e higienistas a
implementadas pelo Estado com o objetivo de conter a proliferação das tendências degeneradas entre a
população. A Eugênia (eu: boa; genus: geração) criada em 1883 pelo naturalista inglês, Francis Galton,
tornou o instrumento mais rápido e eficaz para resolver o problema, pois propôs ser ciência do
melhoramento do patrimônio hereditário cuja função era oferecer às linhagens mais adaptadas ou mais
bem-dotadas maiores condições de reprodução através de um projeto ampliado de intervenção social
fundamentado no princípio da prevenção via eugenia pela adoção de medidas profiláticas de controle,
como a esterilização e os exames pré-nupciais desencorajando casamentos nocivos como casamentos
inter-raciais, uniões com alcoolistas, epiléticos e alienados. (SCHWARCZ, 1993).
43 HARRIS, Ruth. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin-de-siècle. Rio de Janeiro: Rocco,
1993.
44 FOUCAULT, Michel. Os Anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 399. (Coleção Tópicos).
45 FOUCAULT, Michel. Os Anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Op. Cit. p. 399.
46 FERLA, Luís. Feios, sujos e malvados sob medidas: a utopia médica do biodeterminismo. São Paulo:
Alameda, 2009, p.24.
48 FERLA, Luís. Feios, sujos e malvados sob medidas: a utopia médica do biodeterminismo . Op. cit., p.30.
49 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.80.
50 THOMPSON, Edward. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em
comum. 3ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
53 SANTOS, Fernando Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença. Op.cit., p.54, 1995.
54 HARRIS. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin-de-siècle. Op. cit., p. 289.
55 CASTRO, Manoel Ferreira de. O alcoolismo. Op. Cit., 1902; VILHENA, Mathias Antônio Moinhos de.
O uso de bebidas alcoólicas. Op. cit. 1882; SAMPAIO, Antônio Augusto da Costa. Do álcool: sua acção
physiologiga e seu emprego no tratamento das doenças agudas e no curativo das feridas. Op. Cit., 1873;
SANTOS, Fernando Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença. Op. Cit., 1995.
56 SAMPAIO, Antônio Augusto da Costa. Do álcool: sua acção physiologiga e seu emprego no tratamento
das doenças agudas e no curativo das feridas . Op. cit., p.35.
57 ARANTES, José Augusto. A embriaguez. These da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1907,
p.11.
58 Idem. Ibidem, p.11.
59
ESPONSEL, F. Trabalhos de Anti-Alcoolismo. Malefícios do álcool. In: Archivos Brasileiros de Hygiene
Mental. Anno IV. Rio de Janeiro-, junho a outubro de 1931, nº 2, p.210.
60 CASTRO, Manoel Ferreira de. O alcoolismo. Op. Cit. 1902; CARVALHO, Francisco pereira de. Do
alcoolismo e sua prophylaxia. These da Faculdade de Medicina da Bahia, 1924; SAMPAIO, Antônio
Augusto da Costa. Do álcool: sua acção physiologiga e seu emprego no tratamento das doenças agudas e no
curativo das feridas. Op. Cit., 1873; SANTOS, Fernando Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma
doença. Op. Cit., 1995.
61 NÓBREGA, Agripino. A justiça na repressão ao alcoolismo. Op. Cit., p. 48.
62 CASTRO, Manoel Ferreira de. O alcoolismo. Op. Cit. 1902; SAMPAIO, Antônio Augusto da Costa. Do
álcool: sua acção physiologiga e seu emprego no tratamento das doenças agudas e no curativo das feridas.
Op. Cit., 1873; SANTOS, Fernando Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença. Op. Cit., 1995.
63 HARRIS, Ruth. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin-de-siècle . Op. cit., p. 267.
64 Idem. Ibidem.
65 MORAES, Evaristo de. Ensaios de pathologia social: vagabundagem, alcoolismo, prostituição, lenocínio.
Rio de Janeiro: Ed. Leite Ribeiro, 1921, p.83.
66 Idem. Ibidem, p.96.
67 SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Bêbados e alcoólatras, Medicina e cotidiano. MARQUES,
NASCIMENTO, Dilene Raimundo; CARVALHO, Diana Maul de; MARQUES, Rita de Cássia (Orgs).
Uma História Brasileira das Doenças. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006, p.77.
68 FONTES, Alberto da Costa Ramalho. O alcoolismo: succintas considerações sobre o seu papel em
nosologia e em Sociologia. Dissertação apresentada a Escola Medico – Cirugica do Porto, 1908, p.62.
69 SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Bêbados e alcoólatras, Medicina e cotidiano. Op. cit., p.77.
71 HARRIS, Ruth. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin-de-siècle.Op. cit., p. 289.
Referências Bibliográficas
FILHO, Miguel Costa. A cana –de- açúcar em minas gerais. Rio de Janeiro:
Instituto do Açúcar e do Álcool. Rio de Janeiro, 1963.
FOUCAULT, Michel. Os Anormais: curso no Collège de France (1974-1975).
São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção Tópicos).
________________.Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
________________.História da sexualidade: o uso dos prazeres. 10ª ed.- São
Paulo: Graal. Vol.2, 2003
FLANDRlN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs). História da
alimentação. São Paulo: Eslação Liberdade, 1998.
HARRIS, Ruth. Assassinato e loucura: medicina, leis e sociedade no fin-de-
siècle..Rio de Janeiro: Rocco.
MASUR, Jandira. O que é alcoolismo. São Paulo: Brasiliense, 1991.
MINTZ, Sidney. Comida e antropologia: uma breve revisão. In: Revista
Brasileira de Ciências Sociais, publicação da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo. Vol.16. N.47.
Disponível em:< 8Hwww.anpocs..org.br >. Acesso em: 06/04/2010.
MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. A fatalidade biológica: a medição dos
corpos, de Lombroso aos biotipologistas. In: História das prisões no Brasil.
Vol.2. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
MORAES, Evaristo de. Ensaios de pathologia social: vagabundagem,
alcoolismo, prostituição, lenocínio. Rio de Janeiro: Ed. Leite Ribeiro, 1921.
NÓBREGA, Agripino. A justiça na repressão ao alcoolismo. Recife, 1956.
PESSOTTI, Isaias. A loucura e as épocas. São Paulo: Ed. 34, 1994.
SAMPAIO, Antônio Augusto da Costa. Do álcool: sua acção physiologiga e
seu emprego no tratamento das doenças agudas e no curativo das feridas.
Dissertação apresentada a Escola Médico-Cirurgica do Porto, 1873.