Relatorio Ciclone IDAI 1

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Ficha Técnica:
Centro de Integridade Pública

Título: Relatório da Monitoria da Ajuda Humanitária às Vítimas do Ciclone Idai na


Província de Sofala

Director: Edson Cortez

Autores: Egas Jossai

Revisão Linguística: Pércida Langa

Desenho Gráfico e Paginação: Liliana Mangove

Maputo, 2019

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Relatório da monitoria da ajuda humanitária
às vítimas do ciclone Idai

Agosto, 2019

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Índice

Sumário Executivo........................................................................................................................ 5

Nota introdutória ......................................................................................................................... 6

1. Gestão dos donativos por parte do INGC a nível central................................................. 7

1.2. Transporte dos donativos de Maputo para Sofala........................................................... 8

2. Recepção e armazenamento dos donativos ao nível da província de Sofala.............8

3. Distribuição dos donativos a nível dos distritos e centros de acolhimento em Sofala.10

3.1. Distribuição a nível dos distritos......................................................................................... 10

3.2. Distribuição dos donativos dos armazéns distritais para os centros de acolhimento.11

3.3. Certificação dos donativos nos distritos e nos centros de acolhimento..................... 14

4. Evidências de corrupção / desvios e falta de transparência na gestão dos donativos.15

Conclusões................................................................................................................................. 16

Recomendações....................................................................................................................... 17

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Sumário Executivo
Moçambique é constantemente afectado por vários desastres provocados por fenómenos
naturais tais como inundações, seca, ciclones e sismos. Alguns destes fenómenos são de
carácter cíclico, enquanto outros são ocasionais. Os ciclones, secas e inundações devem-
se à influência de factores como anticiclones subtropicais do oceano Índico, a Zona de
Convergência Intertropical, depressões térmicas da África Austral e a passagem das frentes
frias no sul sobre o clima do país.

Recentemente, Moçambique registou uma das maiores catástrofes naturais ocorridas em


África, o que originou uma onda de solidariedade a nível mundial. Nesse âmbito, surgiu
um clamor público que se generalizou e tem como denominador comum a desconfiança
de que essa mesma ajuda possa não chegar às populações afectadas. Os motivos para
tal estão relacionados com a falta de clareza no controle e gestão da ajuda por parte da
entidade encarregada para o efeito, designadamente o Instituto Nacional de Gestão de
Calamidades (INGC). Mas, também, é efeito persistente de acções pouco transparentes
na gestão de fundos públicos, em geral, e, especificamente, em relação ao caso das
dívidas ocultas e aos níveis crescentes de casos de corrupção que se têm vindo a registar
no país, com incidência no sector público.

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Nota introdutória

Em Março do presente ano, Moçambique foi afectado pela maior catástrofe natural da
vivida na África subsaariana. A região central de Moçambique, com maior ênfase para a
cidade da Beira, foi a que sofreu danos avultados, entre humanos e materiais e, segundo
dados fornecidos/partilhados pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC),
registou mais de 600 mortes, foram afectadas cerca de 1,4 milhões de pessoas e a cidade
ficou parcialmente destruída.

De acordo com os dados do INGC, o ciclone Idai, de magnitude 4. 7, em todas as zonas


afectadas da província de Sofala vitimou 237.789 famílias, 1.190.594 pessoas, tendo como
consequência causado a morte de 403 pessoas.

Uma das primeiras acções desencadeadas após a passagem do ciclone foi a abertura de
centros de acomodação, num total de 18, que estavam distribuídos da seguinte forma: 5
na cidade da Beira, 2 no distrito de Dondo, 4 no distrito de Nhamatanda e 7 no distrito de
Buzi.

A nível dos distritos, em Nhamatanda foram afectadas 273,676 mil pessoas e destas foram
assistidas 56 444, o que corresponde a 20,6% dos afectados pertencentes a 11, 262 famílias.
A assistência às vítimas foi prestada por intermédio de 51 centros de acolhimento instalados
ao nível do distrito.

No distrito de Dondo foram afectadas 185.012 pessoas. Desse universo, 23, 3%, que
corresponde a 43.183 pessoas pertencentes a 8.763 famílias, receberam assistência em 66
centros de acolhimento montados ao nível do distrito.

No distrito de Buzi foram afectados 177. 000 pessoas. Desse universo foram assistidas 9500, o
que corresponde a 5,3 % dos afectados pertencentes a 1706 famílias. Para assistir a essas
pessoas foram criados 7 centros de acolhimento que ficaram sob gestão do INGC a nível
do distrito.

Para fazer face à emergência causada pela acção deste desastre natural, houve uma
onda de solidariedade nacional e internacional caracterizada por doações de bens
alimentares que ascendiam a 500 toneladas e de valores monetários que, até ao dia 31
de Março, ascendiam aos 100 milhões de meticais1.

Os donativos arrecadados eram enviados para as zonas afectadas por via marítima,
terrestre e aérea. Na cidade da Beira, a recepção era feita por uma equipa técnica
constituída por técnicos do INGC e do Grupo Terra Mar que faziam a gestão dos donativos
a partir dos armazéns locais criados para o efeito.

1 vide o relatório do INGC publicado no Jornal Notícias do dia 03 de Abril de 2018.

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1. Gestão dos donativos por parte do INGC a nível
central
No âmbito do apoio às vítimas do ciclone Idai e da resposta do Governo de Moçambique,
o INGC tem recebido donativos provenientes de diversos países, instituições públicas e
privadas, ONG’s, sociedade civil, confissões religiosas, singulares, organismos internacionais
e outras entidades.

Num acto de prestação pública de contas, o INGC decidiu partilhar quinzenalmente a lista
dos donativos recebidos. A primeira publicação foi feita no dia 3 de Abril. Essa publicação
arrolava todos os donativos recebidos até ao dia 31 de Março. Da lista publicada constavam
produtos de primeira necessidade, entre alimentares e de higiene, bem como os valores
monetários recebidos em meticais e dólares norte-americanos. De acordo com o mesmo,
foram arrecadados 301, 516, 00 dólares e mais de 70 milhões de meticais.

Figura 1 Lista dos donativos recebidos, publicada no Jornal Noticias do dia 17 de Abril de 2019.

A 17 de Abril fez-se a segunda publicação dos donativos recebidos entre os dias 1 a


10 de Abril. Constavam dessa publicação apenas bens de primeira necessidade, entre
alimentares, de higiene e roupas. Contrariamente à primeira publicação, a segunda não
fazia referência ao volume dos valores monetários recebidos durante esse período.

A terceira publicação foi feita no dia 3 de Maio e era referente às doações recebidas de
10 a 20 de Abril. Constavam da lista produtos alimentares, de higiene, roupas e s doações
monetárias recebidas em meticais, dólares norte-americanos e euros, num total de

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189.241.597,56 meticais. Na publicação do dia 3 de Maio não houve nenhuma menção
ao valor de 119 milhões de dólares de apoio prestado pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI).

Esta publicação trouxe matéria nova ao apresentar o valor total arrecado durante o
intervalo de tempo em alusão no final da tabela. Porém, o valor global apresentado não
incluía a doação feita pelo Ministério do Interior (MINT) na ordem dos 10.112.446,50 de
meticais, sendo que o mesmo vem arrolado na tabela do jornal.

Em relação aos donativos alimentares, de higiene e roupa, em nenhuma das publicações


foram apresentados os totais dos bens já recebidos, o que dificultou o processo de monitoria.

1.2. Transporte dos donativos de Maputo para Sofala


O processo de transporte dos donativos para o armazém central do INGC localizado
na cidade de Maputo era feito por via terrestre, marítima e aérea. O porto de Maputo
disponibilizou um navio para transportar os donativos para a cidade da Beira. Os produtos
resultantes das doações realizadas por instituições públicas, privadas e ONG’s foram
canalizados directamente para o porto de Maputo para seguirem de navio até à cidade
da Beira.

As doações feitas por via do porto de Maputo por uma pessoa ou instituição eram
devidamente registadas por equipas de recepção compostas por voluntários e era emitida
e entregue ao doador uma cópia da nota de recepção e outra era conservada pela
Companhia de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC). Este procedimento não
mereceu qualquer excepção.

Por via marítima, através do porto de Maputo, foram transportados 93 contentores, o que
correspondia a 2 243 toneladas, com destino à cidade da Beira.

Em relação aos s donativos transportados por via terrestre por meio de camiões alugados,
até ao momento não se conhece o nome da empresa que os alocou e quais foram as
contrapartidas que a mesma recebeu. Os camiões que eram carregados no armazém
central do INGC em Maputo, no acto de carregamento recebiam uma guia de entrega a
ser apresentada no local de chegada, que era a cidade da Beira. Constatou-se que que
os camiões não eram escoltados ou não eram acompanhados por agentes da Polícia
da República de Moçambique, o que não garantia o mínimo de segurança para evitar
desvios dos produtos ao longo do percurso.

2. Recepção e armazenamento dos donativos ao nível


da província de Sofala
Os donativos que chegavam à cidade da Beira por via terrestre, marítima e aérea
provinham de diversos países.

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Depois da ocorrência do ciclone, os armazéns do INGC a nível da província de Sofala
ficaram destruídos e, como forma de garantir um espaço para colocar os produtos,
recorreu-se aos armazéns da empresa privada Terra Mar.

Segundo César Tembe, Director Nacional da Logística do INGC, esta empresa era
responsável por receber os produtos, quer os que chegavam via marítima, quer os que
chegavam via terrestre ou aérea, sendo que o INGC tinha uma equipa de despachantes
aduaneiros que tratava do processo de isenção dos direitos alfandegários mediante os
acordos que o INGC tem com as Alfandegas. No caso dos bens que vinham de fora do
país usando a via aérea ou terrestre, o INGC tramitava expediente alfandegário. Ou seja,
os trabalhadores da empresa Terra Mar tinham que estar no acto da entrega dos bens para
fazer o registo e a confirmação física dos mesmos físicos com os técnicos do INGC. Após
essa verificação os bens eram transportados em camiões para os armazéns da TerraMar.

Aquando da chegada do navio ido do porto de Maputo ao porto da Beira transportando


mais de 2000 toneladas de donativos, este foi recebido por uma equipa composta
por técnicos do INGC e da Terra Mar. Acto contínuo foram entregues as guias com as
quantidades transportadas, seguindo-se um processo de confirmação por meio de guias
de entrega, para aferir se estavam de acordo com os produtos descarregados do navio.
Após a certificação, os produtos foram descarregados e transportados para os armazéns.
Esse acto não teve o acompanhamento de forças policiais.

O aeroporto internacional da Beira serviu de porta de entrada de vários donativos para as


vítimas do ciclone Idai. No local estava montada uma equipa composta por técnicos do
INGC, FAO, alfândegas e trabalhadores da empresa proprietária do armazém. As doações
que eram feitas directamente ao INGC, nem sempre eram escoltadas pela polícia. No
entanto, as doações feitas por organizações internacionais que arrendaram armazéns
para colocar os donativos eram sempre escoltados pela PRM.

Figura 2. À esquerda o avião russo que transportou donativos para as vítimas do Idai; à direita, polícia a escoltar
os donativos para o armazém do INGC

Após a chegada dos aviões internacionais com donativos para o INGC, a equipa que
se encontrava no aeroporto tratava de todas as questões de logística alfandegária. Na

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ocasião emitia-se -se uma nota de recebimento que era partilhada entre o INGC e o
doador. De seguida, procedia-se à descarga e ao recarregamento dos camiões que
transportavam os produtos doados para os armazéns sendo que, nalguns casos, os camiões
eram acompanhados por uma escolta policial, como ilustra a figura 2.

Chegados ao armazém, fazia-se a confirmação dos bens recebidos. O armazém era


gerido pelos técnicos da empresa Terra Mar e pelo INGC. Para a retirada dos produtos era
necessário apresentar uma requisição feita pelos técnicos do INGC.

3. Distribuição dos donativos a nível dos distritos e centros


de acolhimento em Sofala
3.1. Distribuição a nível dos distritos
O transporte dos donativos dos armazéns do INGC para os distritos afectados pelo ciclone
Idai no início era feito por camionistas sem a devida escolta dos agentes da PRM. Os
donativos saíam dos armazéns centrais para os armazéns distritais e, por sua vez, dos
armazéns distritais e municipais eram distribuídos pelos centros de acomodação. Numa
primeira fase não havia nenhum controlo no transporte dos donativos e a falta de escolta
policial contribuía para a falta de transparência e de controlo dos donativos.

Com vista a garantir maior controlo no transporte dos bens doados, introduziu-se um
sistema eletrónico. O referido sistema tinha como função alertar as autoridades em caso
do camião parar durante o seu trajecto parão local da descarga, de modo a que fosse
assegurado que os produtos chegassem até aos destinatários.

Os donativos enviados para o distrito de Dondo eram recebidos por técnicos distritais do
INGC, membros do governo distrital e municipal. Neste distrito o processo de distribuição
dos donativos pelas localidades e centros de acolhimento estava a cargo do Programa
Mundial de Alimentação (PMA), como resultado de uma parceria firmada entre esta
instituição e o INGC.

Por seu turno, os produtos canalizados para o distrito de Nhamatanda eram transportados
em camiões sem escolta policial e eram recebidos por uma equipa técnica composta
por membros do INGC e do governo distrital e municipal. De seguida os produtos eram
acondicionados no armazém da Bolsa de Mercadoria de Moçambique (BMM). O referido
armazém estava sob gestão do governo do distrito. No armazém encontravam-se
depositados produtos de diversas organizações como o INGC, PMA, Parque Nacional de
Gorongosa (PNG), entre outras entidades que prestaram apoio às vítimas deste distrito.

Numa primeira fase, no distrito do Buzi a distribuição era feita por via de helicópteros do
PMA. Após terem sido criadas condições de transitabilidade por via terrestre, os produtos
passaram a ser enviados por meio de camiões. Os camiões saíam dos armazéns localizados
na cidade da Beira sem nenhum acompanhamento policial.

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3.2. Distribuição dos donativos dos armazéns distritais
para os centros de acolhimento
Nos centros de acomodação montados na cidade da Beira, inicialmente, a assistência era
feita em três dias intercalados. Depois passou a ser semanal e a partir de 1 de Abril passou
a ser quinzenal. Os produtos eram retirados do armazém mediante uma solicitação feita
pelo técnico do INGC afecto ao centro. No caso do centro de acolhimento de Peacock a
requisição era feita dois dias antes do stock acabar, porém, não há registo de nenhuma
guia de remessa nem de entrega dos produtos na posse dos responsáveis do centro, uma
vez que a gestão dos mesmos estava a cargo de técnicos do INGC.

O centro possuía uma tenda que servia como armazém protegida por dois agentes da
PRM. No centro de Peacock constatou-se que que, apesar de não ter havido distribuição
dos donativos pelas famílias, isso não evitou o desvio de produtos nem que fosse aberta
uma pequena banca no mesmo local, na entrada do centro de acomodação, onde
uma pequena quantidade dos produtos doados foi colocada à venda, conforme ilustra
a figura 3.

Figura 3 Mini-banca aberta no centro com alguns donativos

No centro de acomodação Samora Machel, também na cidade da Beira, a logística estava


sob responsabilidade do encarregado do centro, que era uma das vítimas do ciclone.
Este encarregado é que fazia, telefonicamente, as requisições de produtos alimentares
durante o período em que o centro esteve em funcionamento, sendo que nessa altura
não foram registados casos de desvio ou ruptura de stock dos produtos.

Durante o processo de distribuição dos bens doados directamente às famílias acomodadas


no centro, houve aproveitamento político por parte de algumas mulheres da Organização
da Mulher Moçambicana (OMM) que fizeram campanha eleitoral informando ás vítimas
que toda a ajuda que estavam a receber era um esforço do partido no poder, a Frelimo.
As referidas senhoras diziam, ainda, aos abrigados que estes deviam saber como exprimir
o seu sentido de voto no dia do escrutínio eleitoral referente às eleições de 15 de Outubro
de 2019, orientando claramente que estes votassem no partido por elas representado.

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Figura 4 À esquerda, membros da OMM proferindo discursos antes da entrega das roupas por si angariadas; à
direita, famílias acomodadas no centro.

Ao nível do distrito de Dondo houve coordenação das actividades entre o governo


distrital e o município local, o que fez com que os produtos ficassem depositados, tanto
nos armazéns do governo distrital, como ao cuidado das autoridades municipais no
que se refere àqueles que deviam ser distribuídos na zona coberta pelo município e, no
caso do governo distrital, na zona fora do perímetro sob gestão do município. Para o
levantamento dos produtos exigia-se uma requisição feita pelos responsáveis dos centros
de acomodação e assinada pelos técnicos do INGC. O transporte dos armazéns para os
centros de acolhimento era feito com acompanhamento da polícia municipal e da PRM.

No centro de acolhimento Samora Machel os donativos eram recebidos pelo responsável


do centro e eram armazenados no quartel das FADM. Os produtos eram retirados do
armazém somente pelo responsável do centro e, para fazer a retirada, este devia preencher
uma requisição assinada por ele e pelo responsável pela segurança do armazém.

Essa organização verificou-se, também, no centro de acolhimento da EPC Samora Machel


de Mafambisse. Neste centro os donativos canalizados pelo PMA, em parceria com o
INGC, eram enviados para o centro com uma guia de entrega assinada pelo responsável
do centro e pelo responsável pela entrega. O armazenamento era feito numa das salas de
aulas da Escola Primária Completa (EPC) Samora Machel, permanentemente guarnecida
por 2 agentes da PRM.

Durante o período em que os 2 centros estiveram em funcionamento não se registou


nenhuma ruptura do stock nem casos de desvio dos bens doados. Constatou-se que havia
correspondência entre as quantidades referidas nas guias de entrega e as recebidas no
centro.

No que diz respeito ao distrito de Nhamatanda, também existiu colaboração entre as


entidades governamentais e municipais, uma vez que havia centros de acomodação na
responsabilidade do município e outros na responsabilidade do governo distrital.

As doações, tanto as que estavam sob gestão do município como as que estavam sob

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gestão do governo distrital foram acondicionadas nos armazéns da BMM. O armazém
estava na responsabilidade do governo distrital, porém a gestão do mesmo estava a cargo
dos colaboradores da BMM. Para a retirada dos produtos do armazém, era necessário
que o técnico apresentasse uma requisição assinada pelo responsável da logística distrital
ou municipal. No acto da retirada dos donativos o técnico do INGC ou do município
assinavam uma guia de recepção juntamente com o fiel do armazém, que era colaborador
da BMM. Há que salientar que os produtos eram retirados do armazém para os centros de
acolhimento sem nenhum acompanhamento policial.

Ao nível do distrito de Buzi, o centro operacional da logística estava implantado no centro


de acolhimento do Guara-Guara, onde se localizava o armazém central do distrito.
Os produtos provinham dos armazéns do INGC localizados na cidade da Beira e eram
transportados por camiões, uma vez que a estrada já se encontrava em condições. No
entanto, os camiões não eram escoltados por nenhuma força de segurança. Os donativos
eram transportados com as respectivas guias de entrega. Em contrapartida, os produtos
canalizados por organizações internacionais para os distritos eram transportados com
escolta policial até ao centro logístico, numa clara intenção de garantir que os mesmo
não fossem desviados.

Estes eram entregues ao técnico do INGC responsável pela logística a nível do distrito.
Após a certificação dos produtos o técnico assinava a guia de entrega, conforme ilustra
a figura 5.

Figura 5 Guia de entrega de donativos alimentícios.

Do centro de acomodação de Guara – Guara os donativos eram transportados para

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outros 6 centros de acolhimentos montados no distrito, como os centros de Estoquinha,
Bondua, Inharogue e Grudjo.

3.3. Certificação dos donativos nos distritos e nos centros


de acolhimento
O procedimento para a confirmação das quantidades dos donativos enviados para os
distritos baseava-se nas guias de entrega que, na maior parte das vezes, não conferiam
qualquer segurança, o que abria possibilidade para a falta de transparência no processo.

As guias eram escritas à caneta, o que facilitava o processo de adulteração das


quantidades dos donativos enviados por parte dos transportadores. Os responsáveis dos
centros de acolhimento nem sempre sabiam quais eram os dias de reabastecimento dos
produtos, simplesmente eram surpreendidos pela chegada dos mesmos. Os técnicos do
INGC não os informavam com antecedência acerca da quantidade dos bens doados
aquando do envio, o que dificultava o processo de monitoria.

Figura 7 Requisições de produtos alimentares feitas pelo responsável do centro de acomodação Samora
Machel.

Como é possível ver na figura 7, o sistema usado para a certificação das quantidades
não era transparente, uma vez que o mesmo era fácil de adulterar. Para que o processo
fosse mais transparente, o INGC devia colaborar de forma mais activa com a PRM e a
polícia municipal das áreas afectadas para prevenir o desvio dos produtos por parte dos
transportadores.

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4. Evidências de corrupção / desvios e falta de
transparência na gestão dos donativos
A procuradoria recebeu muitas denúncias, mas devido à falta de colaboração dos
denunciantes, por receio ou por outros motivos, somente registou-se a abertura de 2
processos crime, um dos quais já foi julgado e culminou com a condenação de 2 arguidos
a uma pena suspensa de 14 meses de prisão.

A colaboradora do centro de acomodação da EPC Josina Machel, Esperança de Fátima


João Madeira e o secretário da unidade, Pensar Ardo Hotela Pamala foram condenados
pela prática do crime de furto qualificado previsto e punido ao abrigo dos artigos 274,
alíneas c) e i) e 270, alíneas a) e b), do Código Penal em vigor à data dos factos. O Tribunal
Judicial da Cidade da Beira absolveu Clara Michoque, que era acusada de ter desviado
17 sacos de arroz, igual quantidade de farinha de milho e uma quantidade significativa de
feijão destinados às vítimas. Os três acusados, um dos quais absolvido, estavam a responder
pelo desvio de 19 sacos de arroz, 19 sacos de farinha, 11 sacos de soja e um saco de feijão
no bairro da Manga, na Beira. O outro caso, até à data da elaboração deste relatório
ainda estava em processo de julgamento. A condenação dos dois réus surge como uma
forma de dissuadir a prática deste tipo de acções.

Figura 8 Matéria publicada no jornal Diário de Moçambique sobre a condenação de dois


envolvidos no desvio de donativos na cidade da Beira.

No que diz respeito aos critérios usados pelo INGC no Procurement para a contratação de
empresas para a prestação de serviços de transporte dos donativos, a falta de informação
de interesse público denota falta de transparência no processo de assistência humanitária.
Mesmo considerando a situação de emergência em que as zonas efectadas pelo ciclone
se encontravam, devia ter sido disponibilizada informação suficiente para garantir maior
transparência aos processos ao nível do INGC e do Estado moçambicano.

A não prestação de contas sobre o uso dos valores monetários doados para fazer face aos
efeitos do ciclone por parte das autoridades competentes, colocou em dúvida a resposta
à emergência em matéria de transparência.

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Conclusões
O processo de ajuda humanitária às vítimas do ciclone Idai nas zonas afectadas,
concretamente na província de Sofala, não foi totalmente transparente, atendendo que
houve muitas situações em que não foram implementadas medidas de segurança durante
o transporte dos bens doados para as zonas afectadas, o que pode ter propiciado a
ocorrência de desvios não detectados ao longo do percurso. Este facto elevou o nível de
desconfiança sobre os sistemas de controlo e gestão do INGC.

Neste processo de gestão dos bens doados, deviam ter estado envolvidas organizações
da sociedade civil ou cidadãos de reconhecido mérito, bem como instituições religiosas
organizadas e outras entidades na gestão da ajuda na altura da sua recepção,
acondicionamento e posterior distribuição às populações afectadas. Estas entidades
iriam conferir uma maior credibilidade ao processo e confirmariam, a posterior, se teria
acontecido um uso racional e transparente dos recursos disponibilizados em todas as suas
vertentes (ou seja, tanto no que se refere aos bens, como no que se refere aos valores
monetários).

Um dos aspectos que gera desconfiança sobre a integridade deste processo é o facto de,
até ao momento, não ter sido partilhada informação oficial acerca dos critérios usados
para se proceder ao aluguer dos camiões que efectuaram o transporte dos bens doados
de Maputo para a cidade da Beira, assim como daqueles que estiveram envolvidos no
transporte dos produtos doados e que partiam dos armazéns, na cidade da Beira, para os
distritos afectados.

A não existência de um regulamento sobre as etapas que devem ser observadas para
a canalização dos bens doados, suas condições e medidas de segurança, entre outras
medidas, cria espaço para a o aproveitamento individual por parte de indivíduos de
dentro e de fora das instituições encarregadas de gerir o processo de ajuda humanitária.

A produção e a implementação correcta de um regulamento nesta vertente permitiria que


as acções de ajuda levadas a cabo pelo INGC para canalizar ajuda às pessoas afectadas
pelos desastres naturais fossem mais claras e transparentes, conferindo maior eficácia e
credibilidade à sua actuação.

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Recomendações
O Governo deve disponibilizar informação sobre toda a ajuda recebida em conexão com
o ciclone Idai (seja financeira, seja por via dos bens doados) e outros eventos extremos de
igual natureza e dimensão que venham a ocorrer.

É necessário que se crie uma entidade de auditoria ou controle interno no INGC, que seja
dotada de autonomia bastante para exercer as suas atribuições e competências, visando
conferir integridade e transparência à actuação dos funcionários deste órgão e à forma
como estes se relacionam com os colaboradores de outros órgãos envolvidos nas acções
de ajuda subordinada ao respectivo director ou à Ministra da Administração Estatal e
Função Pública, na situação actual.

Nas acções a serem desencadeadas no local onde ocorrem os desastres naturais em que
os afectados necessitem da intervenção do INGC, é importante que:

a) Se garanta o envolvimento das autoridades locais em todas as etapas da gestão dos


desastres naturais. Este engajamento facilitará a aceitação e incorporação de processos
apropriados de planificação e implementação de acções. Na cidade da Beira foi notória
o não envolvimento das estruturas dos bairros nas equipas que lideravam o processo de
gestão da ajuda. O envolvimento de estruturas locais facilitaria o processo de identificação
dos afectados de forma mais célere, propiciando deste modo a alocação e distribuição
da ajuda atempadamente;

b) Se Introduza um sistema de monitoria e avaliação dotado de indicadores claros que


incorporem, explicitamente, a perspetiva da vulnerabilidade e do risco, o que criaria uma
melhor capacidade de resposta face aos desastres naturais que têm assolado o país;

c) Sejam realizadas actividades de promoção para o envolvimento de organizações


governamentais e não - governamentais na gestão de riscos de calamidades. Há que
referir, a propósito, que em Moçambique existe um número considerável de organizações
nacionais e internacionais que trabalham em diferentes locais do território nacional que
podiam intervir nas áreas de redução do risco das consequências dos desastres, ajuda
humanitária e reabilitação/reconstrução. Estas organizações, em caso de ocorrência de
situações causadas por eventos extremos da natureza ou de emergência, acham-se em
melhores condições para, de imediato, iniciar a assistência em operações de emergência,
quer por já estarem estabelecidas no terreno, como por terem um melhor conhecimento
dos mecanismos de coordenação e articulação no local.

Para além das organizações não governamentais e associações, existem outros actores
da sociedade civil que têm tido um papel relevante na gestão de desastres naturais que
podiam ser envolvidos no processo de gestão de calamidades e dos seus efeitos

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