Sistemas e Processos Eleitorais
Sistemas e Processos Eleitorais
Sistemas e Processos Eleitorais
Colectânia de Textos da
Conferência sobre Sistemas Eleitorais
decorrida em Luanda, de 13 a 15 de Novembro de 2001
Angola
ÍNDICE
Página
APRESENTAÇÃO i PREFÁCIO iii
CAPÍTULO II
ELEIÇÕES EM PAÍSES DE TRANSIÇÃO:
EXPERIÊNCIAS, OPORTUNIDADES E RISCOS 43
Dren Nupen
Organização, assistência técnica e supervisão de eleições:
As experiências da Africa Austral 48
1. A arquitectura constitucional e legal para eleições 52
2. Resolução de conflitos 53
3 Capacitação e sustentabilidade eleitoral 54
3.1 Eficiência organizativa 54 3.2 Sustentabilidade financeira 55
4. O papel dos partidos 55
5. Finanças e prestação de contas 56
6. Participação pública 57
Conclusão 58
Obede Baloi
Eleições e o voto regional no contexto da consolidação da paz e reconstrução:
O exemplo de Moçambique 59
1. Introdução 59
2. O Contexto Moçambicano 60
3. Escolhendo um modelo eleitoral 62
4. O Voto Regional 64
5. Tensões entre Processo de Paz e Processo Democrático 66
6. Desafios 67 Bornito de Sousa A observação eleitoral internacional com ênfase
para a recente experiência de Timor Leste 70
1. Background 70
2. Principais documentos e legislação elaborados 71
3. O sistema eleitoral 73
4. Partidos e candidatos independentes 73
5. O acto eleitoral 74
6. Os resultados eleitorais 77
7. A observação eleitoral em Timor Leste 77
8. Uniformização da metodologia de observação eleitoral 78
CAPÍTULO III
ANÁLISE DO SISTEMA ELEITORAL EM ANGOLA 81
Raúl Araújo
O sistema eleitoral actual em Angola: uma avaliação 82
Bornito de Sousa
Perspectivas para uma futura lei eleitoral à luz da reforma constitucional 87
1. Introdução 87
2. A lei eleitoral vigente 87
3. As propostas dos partidos políticos 89
4. Hipóteses e reflexões sobre o futuro da lei eleitoral ou a futura lei eleitoral 90
ANEXOS 92
Os autores 93
Programa da Conferência 94
Apresentação
Numa definição famosa, o académico norte-americano Robert Dahl estabeleceu oito critérios
formais mínimos para caracterizar um sistema como democrático, dentre dos quais cinco
fazem referência directa à realização de eleições, nomeadamente:
1. O direito de voto
2. A eligibilidade
3. O direito à concorrência política na busca de apoio e votos
4. Eleições livres e justas
5. A sujeição das decisões políticas aos resultados de eleições e de outras formas de
articulação de preferências.1
Este conjunto de critérios, que forma a definição chamada ‘minimalista da democracia’ e que
serve basicamente para distinguir entre regimes democráticos e autocráticos, demonstra
amplamente a importância deste elemento nas democracias modernas. Porém, esta definição é
criticada muitas vezes por focar unicamente os aspectos formais e procedurais da democracia.
Ignora assim aspectos importantes do processo político e do contexto social real. Obviamente
então, a democracia não pode ser limitado ao aspecto eleitoral, sendo necessários outros
elementos, tal como a existência de um estado de direito e um sistema judicial independente, a
existência de uma sociedade política responsável e organizada democráticamente, e de uma
sociedade civil activa, que participa através de várias formas na articulação da vontade
política dos cidadãos. Uma visão eleitoralista ou meramente técnica da democracia não faz jus
ao sistema democrático e certamente não resolverá os problemas cada vez mais complexos das
nossas sociedades.
No entanto, o sistema e o processo eleitorais fazem parte das regras do jogo através das quais
os conflitos políticos e económicos são canalizados, tratados e superados. 2 Como tal, as regras
eleitorais bem como a própria forma de realização das mesmas, i.e. a organização, supervisão
e a forma de resolução de conflitos, requerem um consenso amplo de todos os actores
políticos. Apenas se houver uma acomodação adequada entre legitimidade e eficiência através
1 Cf. Dahl, Robert A. 1989: Democracy and its Critics, New Haven et al., pág. 221. As outras precondições
mínimas para se poder considerar um sistema como democrático são, de acordo com Dahl: A liberdade de
associação, a liberdade de opinião, a existência e o acesso a varias fontes de informação.
2 Cf. Sartori, Giovanni (1997): Demokratietheorie, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, pág. 98.
de uma institucionalização vinculativa e aceitável por todos, é que uma democracia pode
consolidar-se gradualmente, funcionando.
Prefácio
3 Cf. Diamond, Larry (1990): Three Paradoxes of Democracy, in: Journal of Democracy, Vol. 1, Nr.3, S. 48-60.
A eleição dos governantes é considerada hoje como o único modo legítimo de devolução do
poder. Este princípio é incontestado e os debates que o mesmo levanta dizem respeito á sua
concretização. Quer dizer que os sistemas eleitorais não levantam aparentemente senão
problemas de ordem técnica: encontrar as fórmulas que aperfeiçoem a representação dos
governantes no seio das instituições estatais. Dizemos aparentemente porque, embora aceite
de forma generalizada o princípio da representação, a questão das regras que devem regular o
processo de devolução de poderes assume contornos em que os aspectos técnico-jurídicos se
tornam secundários em relação ás opções políticas.
Com efeito, as questões relativas aos sistemas eleitorais são, ao mesmo tempo, questões de
poder e questões em torno da concepção da sociedade e da democracia: as posições que se
adoptarem no debate sobre os sistemas eleitorais derivam desta dualidade. Trata-se sempre de
posições políticas (inclusivamente quando se fundamentam ou se disfarçam cientificamente).4
Seja como for, as eleições são um elemento essencial do sistema representativo: trata-se de um
sistema constitucional no qual o povo intervém no jogo político por intermédio dos seus
eleitos. O sistema representativo implica uma certa participação dos cidadãos na gestão da
coisa pública, que se exerce sob a forma e na medida da eleição. Os representantes eleitos do
povo são os governantes legítimos.
Contudo, nem sempre foi cómodo justificar a autoridade dos governantes qualificados como
“representantes”. O que é que representam na verdade? Quais são verdadeiramente o âmbito e
a natureza das suas competências? Os teóricos do direito público elaboraram construções mais
ou menos hábeis sobre a legitimidade democrática e viu-se aparecer polémicas exacerbadas
sobre o princípio da representação política.
Para os marxistas, esta concepção serviria apenas para mascarar a tomada do poder por certas
classes sociais, e mais precisamente a classe burguesa. É isto que Marx estigmatizava com
virulência na sua fórmula clássica: “as eleições não são senão o meio que permite aos
oprimidos escolher, todos os quatro anos, os novos opressores”. O regime representativo não
suprimiria, assim, a distinção entre governantes e governados, entre opressores e oprimidos.
4 Dieter Nohlen – Sistemas Electorales del Mundo. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1981.
5
Les Systèmes Electoraux, Jean-Marie Cotteret e Claude Emeri, P.U.F., 6ª ed., 1994.
(burguesa, capitalista, partido único, religião, élites militares ou outras, etc.). Esta concepção
pessimista, de tipo maquiavélica, é defendida pelos politólogos prontos a pôr em causa os
princípios clássicos e que ainda hoje defendem que graças á manipulação das crenças sociais,
os sistemas eleitorais não servem senão para legitimar os detentores do poder.
Esta análise deve ser matizada, porque a eleição não tem apenas por função a representação
dos cidadãos. Os sistemas políticos contemporâneos dão-lhe um outro sentido: ele deve
facilitar a relação de poder entre governantes e governados, permitir a comunicação entre os
autores da decisão política e aqueles aos quais a mesma se aplica.5
Embora os resultados das últimas eleições em França aparentemente nos possam levar a
pensar o contrário, parece, com efeito, que nas sociedades industriais e pós-modernas a
eleição-representação substituiu a eleição-sanção. Os eleitores preocupam-se mais com as
aptidões dos empreendedores políticos para gerir o bem público do que com os programas dos
partidos políticos concorrentes. A operação insere-se num processo de comunicação entre
governantes e governados. Face á pressão permanente dos “mass media”, o cidadão não
possui mais do que o seu boletim de voto para responder sim ou não á política levada a cabo
pelos governantes. Compreende-se, assim, o papel preeminente dos meios de comunicação de
massa em relação aos sistemas eleitorais, para modificar os comportamentos dos cidadãos, dos
partidos e dos regimes políticos. A questão que verdadeiramente aqui se coloca é a de
determinar o grau de liberdade de resposta dos governados ao apelo dos governantes.
Nas sociedades a que nos estamos a referir onde vigoram sistemas políticos poliárquicos
abertos ao pluralismo caminha-se cada vez mais para a bipolarização das formas políticas,
correspondendo á alternativa “sim-não”, face á política dos governantes à qual se adere ou se
rejeita. Nesta perspectiva o sistema eleitoral vem reforçar a tendência à bipolarização para
facilitar a escolha, retirar toda a ambiguidade à consulta e favorecer a alternância das forças
políticas no poder. Em nossa opinião, as últimas eleições na Nigéria, na África do Sul, na
Namíbia e no Senegal são exemplos claros nesse sentido.
Porém, o sistema eleitoral, entendido em sentido restrito, como modo de conversão dos votos
em mandatos, é apenas um factor de apreciação do quadro em que a representação se define e
não pode ser dissociado de muitos outros, como sejam, a natureza do sufrágio, a dimensão dos
círculos, a capacidade eleitoral, passiva e activa, as condições de propositura das candidaturas,
o modo como são reguladas as campanhas eleitorais e assegurada ou não, melhor ou pior, a
igualdade entre os candidatos, etc..6 Isto para não falar dos processos de descentralização e da
representação a nível local, que tem conduzido a uma relativa diversificação dos mecanismos
de devolução de poderes e que hoje ocupa os estudiosos dos sistemas eleitorais.
Outra questão incontornável quando se trata dos sistemas eleitorais é a equação sistemas
eleitorais, sistemas políticos e sistemas de partidos. Desde o enunciado das célebres “leis de
Duverger” a questão continua a ser debatida, sem que os mais diversos autores tenham
chegado a consenso.7
Que papel cabe então às sistemas eleitorais? A afirmação de que o sistema eleitoral determina
o sistema de partidos já há muito foi posta de parte. É verdade, em princípio, que o sistema de
representação proporcional favorece o multipartidarismo e o sistema eleitoral maioritário
conduz á bipolarização. Mas aceitar tais tendências em termos absolutos, como já aconteceu e
ainda hoje alguns defendem é uma tese redutora e simplista. Além das diversas experiências
terem contradito esta posição, os elementos históricos, culturais e institucionais vêm reforçar
ou enfraquecer o sistema eleitoral, que nunca age só.
Em resumo, porque neste prefácio não devemos ir além de um enunciado da questão, diremos
que os sistemas de partidos são uma consequência natural do sistema representativo eleitoral,
mas este acaba por ser condicionado pelos sistemas políticos. O sistema eleitoral deve ser
entendido como a expressão da cidadania dos indivíduos, através do qual o cidadão delega
transitoriamente poderes àqueles que vão exercer a governação, numa determinada sociedade,
com uma cultura política, num espaço histórico, cultural e concretamente estruturado em
termos políticos.
1. O direito de sufrágio
O sufrágio é um instrumento fundamental para a realização do princípio democrático. Daí a
importância do direito de voto e a relevância do procedimento eleitoral justo.
O sufrágio deve ser universal, directo, secreto e periódico (artº s, 3º, nº2; 57º e 79º)
c) liberdade de voto- garantia de um voto formado sem qualquer coação exterior, pública
ouprivada;
e) igualdade de sufrágio- todos os votos têm a mesma eficácia juridica legal, o mesmo valorde
resultado;
1.1 Introdução
Em Atenas, a assembleia geral do povo reunia-se diáriamente para tomar decisões o que
implicava a participação de todos os cidadãos nas decisões governamentais. Era o
correspondente á forma perfeita do exercício da soberania popular para Rousseau, o sistema
de governo democrático directo, que ele próprio considerava impraticável ao dizer no contrato
social que “... não se pode conceber o povo incessantemente reunido para despachar os
negócios públicos”.8
Os estados modernos não se baseiam num tal sistema. Os governantes são eleitos pelos
governados. A eleição consiste na escolha dos governantes, feita atravéz da expressão dos
votos dos cidadãos. Cada uma dessas pessoas chama-se eleitor e esta classificação depende da
posse de certos requisitos legais da capacidade eleitoral. O conjunto dos eleitores costuma
designar-se por colégio eleitoral. Só podem ser eleitos pessoas que reunam, os requisitos de
elegibilidade e, assim, sejam elegíveis.
Os governantes governam em nome dos eleitores ou seja, estes dão áqueles o direito de agirem
em seu nome, o direito de os representarem. Esta forma de selecção dos governantes opõem-
se á transmissão hereditária de funções e á cooptação, em que os membros ou titulares de um
determinado orgão escolhem outros membros e á nomeação, caso em que o titular de um
orgão é designado pelo titular de outro orgão. O direito de voto, o sufrágio, pode ser restrito
ou universal. O sufrágio é restrito quando o direito de voto só é conferido a certas categorias
de cidadãos ou classes sociais, defenidas por determinados requisitos. O sufrágio é universal
quando todos os cidadãos podem participar nas eleições. Foi nos regimes liberais que se
chegou ao sufrágio universal, com o advento político dos trabalhadores e o surgimento dos
partidos de massas.9
Contudo até ser aplicado nos Estados modernos o sufrágio universal, o direito eleitoral sofreu
uma grande evolução indissociável das concepções sobre a soberania, por um lado, e da luta
dos trabalhadores pela conquista de direitos democráticos por outro lado.
O movimento do séc. XVIII traduziu-se numa reacção do individuo contra uma sociedade que
impede o seu desenvolvimento, uma reacção do povo contra o poder que oprime.
A sociedade do “Ancien regime” cujas bases haviam sido lançadas no período feudal, era uma
sociedade desigual e organizada segundo estruturas comunitárias que não deixam lugar para o
individuo. A sociedade não concebia este senão através de estruturas intermediárias, como as
ordens, as corporações, confrarias, que, se bem que lhes asseguram-se uma certa protecção,
limitavam muito a autonomia. A pertença de um individuo a uma dessas organizações
determinava os seus direitos e as suas obrigações.
Esta ausência de liberdade pesava sobre os intelectuais, sobre os quais se abatia a censura e a
consciência da injustiça e, doutra parte, sobre os burgueses paralisados nas suas empresas
comerciais e industriais pela barreira dos regulamentos e de um sistema fiscal arcaico e
injusto. É esta burguesia que respondendo ao apelo lançado pelos filósofos, desencadeará a
revolução e a fará seu proveito.
A revolução é, de inicio, uma revolta do individuo com vista obter a liberdade face á
sociedade. Apartir do momento em que ela triunfa, o que importa são as liberdades
individuais, a felicidade individual. O povo não é considerado como uma comunidade, mas
antes como um conjunto de individuos. Se assim não fosse, a comunidade teria direitos sobre
9 Bernard Chantebaut, ob. Cit., pág: 81 e sgs. G. Burdeau Institutions....cit, pág: 146 e ss
os individuos que a compunham: o conjunto não tem verdadeiros direitos sobre eles; basta
apenas um mínimo de segurança e manutenção da ordem.
a) As liberdades individuais
Em relação ao Estado o estatuto das liberdades é negativo. Com efeito, a liberdade resulta da
abstenção do Estado de interferir nos comportamentos individuais.
Os revolucionários do séc. XVIII acentuam muito o tema da igualdade. Tal explica-se por
razões históricas. De facto, a burguesia estava submetida no “Ancien Regime” á vontade da
nobreza. Por outro lado a desigualdade implica o previlégio e a ausência de liberdade para
aqueles que não beneficiam de previlégios. Os nobres recusam os seus previlégios á
burguesia. Aliás, para se manterem era preciso que não fossem concedidos á burguesia nem
ao resto da população. Ora a burguesia estava contra os previlégios dos nobres, baseados no
nascimento. Para o burguês o lugar do homem na sociedade não pode depender do
nascimento, mas dos seus méritos e virtudes. A sociedade não deve fazer nada que possa
entravar a acção do individuo. Este deve poder realizar todas as suas potencialidades.
A manutenção da igualdade entre os individuos supõe também que eles se associem de modo
permanente para impôr a sua vontade aos individuos isolados e a toda sociedade. A burguesia
que tinha a experiência das organizações de tipo cooperativo, opõe-se a toda a associação que
se apresente como um obstáculo á liberdade individual. Assim, a burguesia suprime as
corporações e interdita toda a forma de associação de produtores. Neste sentido, os sindicatos
são igualmente proibidos.
A burguesia proclama assim a liberdade individual e a igualdade juridica. Por razões tácticas
proclama igualmente a soberania popular. Esta é, de inicio, para a burguesia, apenas um meio
de conquistar a sua liberdade. É portanto, um meio e não um fim. O povo, sabe-o a burguesia,
não pode, porém exercer a soberania nem ser livre. Com efeito, é a burguesia que impõe os
contratos, porque é ela que dispõe dos bens de que é a proprietária. O Estado não pode
intervir, nem quer intervir. É o Estado burguês. Assim, a burguesia compreende que se o
principio da soberania popular for aplicado, os camponeses, os artesões, os pobres, que são a
maioria, virão a exigir a intervenção do Estado em seu favor. É isto que é preciso evitar. Deste
modo a burguesia cria o principio da soberania nacional.
1.3 A teoria da soberania nacional
Segundo Siéyes, a soberania pertence ao povo, mas ao povo tomado no seu conjunto,
enquanto entidade abstracta. O povo confunde-se com a população, como uma entidade
abstracta, que ele designa por nação. O povo é a nação. A nação é soberana mas constitui uma
pessoa moral distinta dos individuos que a compõem, tem uma vontade própria.
Este racíocinio vai permitir justificar, no plano dos princípios, dois dos mecanismos
fundamentais sobre os quais a burguesia vai assentar o seu poder estatal.
Assim, segundo a teoria da soberania popular, todo o individuo tem o direito de sufrágio e
deve exercê-lo pessoalmente para a votação de cada uma das leis.
A esta teoria os constituintes burgueses vão preferir a soberania nacional, apresentada por
Siéyes, anti-democrática, e que conduziu inevitavelmente ao sufrágio restrito e, em
consequência, ao predomínio da burguesia.
Para esta teoria, o que os orgãos estabelecidos na Constituição não são os eleitores, mas sim a
nação, considerada como uma entidade distinta dos membros que a compõem. Estes orgãos
podem ser eleitos, mas não é necessário que o sejam. Para serem representantes da nação, é
necessário que a Constituição, estatuto jurídico da nação, determine que eles o são. Foi nesta
base que em 1971, em França, se conferiu a qualidade de representante ao rei hereditário dos
franceses.
O resultado mais claro e mais imediato do sistema representativo é o tranferir o poder real, o
direito de exprimir a vontade da nação e de legislar em seu nome, a uma pequena elite, por
certo eleita, mas sobre a qual não é admitida nenhuma pressão do eleitorado, e que procurará
conciliar os interesses próprios da classe a que pertence com a vontade dos eleitores.
a) A teoria do eleitorado-função
As razões que justificam o sufrágio censitário partem dos mesmos princípios que justificam o
sistema representativo. Sendo a nação uma entidade jurídica distinta dos individuos que a
compõem, ninguém tem o direito de pretender falar em seu nome a não ser em virtude de um
título que lhe confere a Constituição. Se a Constituição decide que o direito de falar em nome
da nação pertence a uma assembleia eleita, ela deve prever que um certo número de pessoas
assumirão a função que consiste em eleger esta assembleia. E não pode reservar esta função
senão aos cidadãos que, devido á sua situação de fortuna , poderão consagrar uma parte do seu
tempo á reflexão sobre os assuntos da cidade e terão, por outro lado, um interesse material, em
virtude da sua situação de contribuintes.
É o sufrágio censitário. A Constituição pode reservar esta função aos cidadãos que façam
provas de um mínimo conhecimento. É o sufrágio capacitário. Quando a função eleitoral
compete a todos os cidadãos é o sufrágio universal.
1. Primeiro, os eleitores, que não constituem a nação, mas simplesmente o seu orgão
eleitoral, não têm nenhum meio de impôr um certo comportamento aos eleitos. O seu
papel traduz-se apenas em designar os representantes da nação;
2. Em segundo lugar, o sufrágio, sendo uma função e não um direito, pode tornar-se
obrigatório para o cidadão.
b) O sufrágio restrito
Quando a burguesia tomou o poder político, esforçou-se por conservá-lo. Para tal o direito de
voto era apenas concedido aos cidadãos que pagassem um certo montante de contribuição
directa, chamada “censo eleitoral”.
10 M. Duverger, Institutions, cit., pág:81 e ss: Jacques Cadart, Institutions politiques.., cit., Ivol., Pág 222 e ss.
O sufrágio restrito foi, até 1964, utilizado nos Estados Unidos, sobretudo para evitar que os
negros pudessem votar nos Estados do Sul, dado que para participar nas eleições, era
necessário pagar uma taxa eleitoral. Nos Estados do Sul vigorou ainda outra forma de sufrágio
restrito, que consistia em só conceder o direito de voto aquele que soubesse ler.
Esta restrição vigorou até 1965 e, sobretudo, procurava impedir que os negros participassem
nas eleições.
Em França e na quase totalidade dos países da Europa ocidental foram até ao século XX
impostas restrições á capacidade eleitoral dos cidadãos. Mesmo depois de proclamado o
sufrágio universal, em França em 1848, estas restrições foram mantidas até 1920.
Dois factores foram fundamentais para atingir este objectivo: por um lado a formação e
estruturação dos partidos de massas e, por outro lado, a instauração do sufrágio universal.
Estes dois factores vão doravante contribuir decisivamente para que a burguesia tenha de ter
em conta o poder dos trabalhadores.
Os governos, ciosos da sua estabilidade, têm a tendência para conceder o direito de voto
apenas aos cidadãos com uma idade avançada. Em França, a maioridade só foi fixada em 18
anos em 1974. Nos restantes países só há muito pouco tempo os cidadãos de 18 anos podem
participar nas eleições. A Suécia e a Austria estabelecem a idade de 19 anos.13
c) Outras restrições
Um outro tipo de limitações ao direito de voto decorre, nalguns países, de raça. Esta limitação
vigorou na Alemanha hitleriana e na África do Sul, onde os negros não podiam votar, havendo
grandes restrições ao direito de voto dos mestiços.
11 Cfr. Jacques Cadart, Institutions..., cit i vol., pag: 222 e ss. Bernard Cantebaut. Ob. Cit., pag 82 e ss.
Cfr Burdeau, Droit constitutionel... cit., pag: 141 e ss.; Duverger, Institutions.., cit., pag: 112 e ss. 14
13
Duverger, Institutions... cit. Pag:129; Jacques Cadart, Institutions...cit., I vol., pag 226 a 230
d) O voto múltiplo e o voto plural
O sufrágio universal significa que cada cidadão têm direito a um voto, ou seja, tem uma parte
igual na escolha dos governantes. Porém em vários países vigorou o sufrágio desigual, que se
traduziu na aplicação de diferentes técnicas de voto. Assim na Grã-Bretanha, alguns cidadãos
podiam votar no seu local de residência, no local onde exerciam o comércio e, no caso de ser
diplomado, na universidade que lhe havia concedido o diploma. É o voto múltiplo, que
consiste no direito concedido ao mesmo eleitor de votar, embora com um só voto de cada vez,
em diversas qualidades, na mesma eleição.
O voto plural consiste no direito dado a certos eleitores de votarem uma só vez com mais de
um voto. Este tipo de voto têm sido defendido, sobretudo, sob a forma de voto familiar.
Nalguns países, os cidadãos mais ricos tinham direito a dois votos.
e) O sufrágio indirecto
O sufrágio indirecto tem por efeito atenuar , sob diversas formas, as consequências do sufrágio
universal. Na generalidade, o sufrágio indirecto é menos democrático que o sufrágio directo. E
quando os eleitores de segundo grau devem possuir condições de censo não exigidas aos
eleitores do primeiro grau, o sufrágio indirecto introduz o elemento censitário no sufrágio
universal.
A eleição do Presidente dos Estados Unidos é um exemplo de sufrágio indirecto, para alguns
autores, inútil. De facto, os delegados eleitorais são apenas escolhidos depois dos candidatos
governamentais nos quais eles prometem votar na eleição do segundo grau.
Este sistema faz da Assembleia eleita o juiz das eleições dos próprios membros. Em França
até 1953, as eleições parlamentares eram controladas pelo parlamento, que procedia á
“verificação dos poderes” dos seus membros no início de cada legislatura.
Tal como o sufrágio ou direito de voto, os modos como se vota ou modos de escrutínio são
meios de expressão da soberania dos governados. Os modos de esrutínio são igualmente
designados regimes eleitorais ou sistemas eleitorais, termos sinónimos.
São indispensáveis para designar os eleitos, porque as eleições supõem regras que permitem
calcular como é que os sufrágios favoráveis aos candidatos determinam aqueles que de entre
eles serão eleitos. Esta necessidade práctica repousa sobre técnicas precisas e muitas vezes
complicadas.
Porém a escolha de um sistema eleitoral não levanta apenas problemas técnicos; trata-se de
saber de acordo com que modalidades serão repartidas os lugares no parlamento, tendo em
conta os sufrágios exprimidos pelos eleitores. A adopção de um sistema eleitoral é feita em
razão de considerações políticas, dado os diferentes modos de escrutínio terem consequências
muito diferentes.
Com efeito, diferentes métodos opõem-se este respeito: escutínio maioritário da uma ou duas
voltas, representação proporcional, regimes mistos.
Até aos últimos anos do século XIX, a questão do modo escrutínio não levantou grandes
discussões. O mais difundido era o sistema maioritário de uma volta que funcionava na
GrãBretanha e nos dominios britânicos, na América Latina, na Suécia e Dinamarca.
Exceptuando estes dois últimos países, o resto da Europa continental imitava o regime
françês, quer dizer o escrutínio maioritário de duas voltas. Entretanto, entre 1850 e 1900, os
técnicos desenvolveram a ideia de um sistema de representação proporcional, adoptado na
Bélgica em 1899 e na suécia em 1908.
Este novo modo de escrutínio foi adoptado em toda a Europa continental entre 1914 e 1920. A
própria França adoptou igualmente esse sistema em 1945, para o abandonar em 1958.
O escrutínio maioritário é o mais simples e o mais antigo dos sistemas eleitorais. O escrutínio
maioritário de uma volta foi sempre utilizado na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e outros
países anglo-saxónicos. O escrutínio maioritário de duas voltas é tradicional em França.
O candidato que obtenha o maior número de votos é eleito, sendo os demais candidatos
excluidos. No escrutínio maioritário de uma volta, o eleito é designado por maioria relativa
sobre qualquer outro candidato, mesmo que esta maioria seja inferior á maioria absoluta
(metade mais um) dos sufrágios exprimidos.
Quer dizer, o candidato que obtem na única volta, o maior número de votos é eleito, seja qual
for o número de votos obtidos pelos demais candidatos e independentemente da percentagem
de eleitores que hajam votado nele.
Para o escrutínio maioritário de duas voltas exige-se a maioria absoluta na primeira volta,
enquanto que a maioria relativa basta na segunda.
Na práctica, os eleitores na segunda volta atingem quase sempre a maioria absoluta, que
raramente é atingida na primeira volta. Da mesma forma, os eleitores no escrutínio maioritário
de uma volta obtêm quase sempre a maioria absoluta. Este paradoxo aparente resulta da
redução do número de candidatos da volta única ou da segunda volta e do facto de os eleitores
concentrarem os votos nos candidatos com mais probalidades de ganharem.
A escolha entre a volta única e as duas voltas depende, na práctica, do número de partidos
existentes no país. Se há dois grandes partidos a concorrer ás eleições, a volta única basta; se
há mais de dois partidos com probalidade de ganharem as eleições a segunda volta é
indispensável.
A vantagem da segunda volta reside no facto de permitir aos eleitores exprimirem a sua
preferência sem votarem inutilmente. Com efeito, é apenas na segunda volta que os partidos
se reagrupam, de acordo com as suas tendências políticas, e que o eleitor cujo candidato
preferido se retirou da competição verá a sua escolha ditada não tanto pela simpatia que tenha
por um dos cadidatos, mas pela hostilidade que ele nutre pelos outros.
É por isso que é hábito, quando se refere o escrutínio maioritário de duas voltas, dizer-se que
na primeira volta escolhe-se, e na segunda elimina-se, ou que na primeira volta se vota “por” e
na segunda “contra”.
A existência deste modo de escrutínio leva os partidos com tendências vizinhas a concluirem
acordos, com vista aos seus eleitores votarem no mesmo candidato na segunda volta.
Vejamos um exêmplo: se houver três candidatos A-B-C, sendo os dois primeiros de partidos
de “direita” e o candidato C de um partido de “esquerda” e acontecer que na primeira volta o
partido A tenha 20% dos votos, o candidato B 25% e o candidato C 30% dos votos, quando se
passar á segunda volta, os partidos da “direita” se quiserem ganhar a eleição terão de se unir e
orientar os seus eleitores no sentido de votarem no candidato B, que é o que têm mais
possibilidades de bater o candidato C.
Assim, todos os votos da “direita” na segunda volta, irão para um só candidato, o que
provavelmente ganhar as eleições, porque á partida pode contar com 55% dos votos do
eleitorado.
Porém o escrutínio maioritário de uma volta, que se utiliza na Grã-Bretanha, Estados Unidos e
em vários outros países anglo-saxónicos, apenas é viável em países onde não existem senão
dois grandes partidos com possibilidade de ganhar as eleições.
Em países como França e Portugal, por exêmplo, onde existem vários partidos, este sistema
conduziria a resultados extremamente injustos. O sistema maioritário de duas voltas é um
pouco mais justo que o precedente. Como se referiu, para ser eleito na primeira volta é
necessário obter a maioria absoluta dos sufrágios exprimidos.
Nos últimos anos do século XIX desenvolveu-se nos países europeus um movimento em favor
da representação proporcional como modo de escrutínio para a eleição das assembleias.
O objectivo dessa tendência era o de permitir que o parlamento em razão do seu modo de
eleição, fosse um reflexo mais fiel das correntes de opinião que se manifestavam em cada
país, estando estas assim, representadas nas assembleias em proporção do número dos
sufrágios que obtivessem.
O sistema funciona da seguinte maneira: cada circunscrição eleitoral sabe, á partida quantos
deputados pode eleger. Em cada circunscrição cada partido apresenta-se ás eleições com uma
lista que comporta tantos nomes quanto os lugares a preencher (número de deputados a
eleger).
Mas como foram apenas atribuidos quatro lugares, fica um por preencher, pertencendo 8.000
votos á lista B e 12.000 á lista D, que não serão representados.
O problema da distribuição dos restos é o mais dificil de resolver de todos os que coloca a
representação proporcional.
A solução mais simples consiste em agrupar os restos no quadro nacional, isto é, tendo em
conta o número de lugares não preenchidos e os votos não representados no plano nacional.
Os partidos afectam os lugares que recebem seja aos candidatos de uma lista nacional que eles
terão previamente depositado, seja aos candidatos não eleitos das listas das circunscrições.
Este sistema é o mais justo, mas é dificil de pôr em práctica. É por isso que é preferível muitas
vezes a repartição dos restos no quadro das circunscrições de origem, que conduz a uma
representação proporcional aproximada.
A repartição dos restos pode visar então a atribuição dos restos ao partido que ficou com um
maior número de restos (sistema do resto mais forte). Neste caso os lugares por preencher são
atribuidos ás listas que totalizem um maior número de votos não representados. No nosso
exêmplo, o lugar restante será atribuido á lista D, que teve 12.000 votos não representados.
Este sistema é vantajoso para os pequenos partidos; com efeito, considerando-se os resultados
definitivos, constata-se que a lista D com 12.000 votos dispõe finalmente de tantos lugares
como lista B, com os seus 28.000 votos.
A repartição dos votos pode ainda visar atribuição dos lugares por preencher ao partido que
obtem a média mais forte (sistema de média mais forte). Este exige grandes cálculos e
beneficia os partidos mais fortes.
Um processo mais directo de calcular a repartição dos lugares com base na média mais forte
foi imaginado pelo matemático Hondt e é utilizado nalguns países quer como método de
distribuir os restos, quer directamente como método de encontrar os resultados eleitorais, no
âmbito da representação proporcional.
- O sistema de Hondt consiste em dividir o número de votos obtidos por cada lista
sucessivamente por 1,2,3, etc, (de acordo com número de listas), e em classificar os
quocientes assim encontrados por ordem decrescente até á concorrência do número de
lugares a preencher.
- O último quociente é designado divisor comum ou número repartidor. Cada lista tem
tantos eleitos quantas vezes o número de sufrágios por ela obtidos contenha o divisor
comum.
Como há cinco lugares a preencher, classifica-se por ordem decrescente os cinco números
mais fortes do quadro, ou seja: 40.000, 28.000, 20.000, 14.000. Este último número é o divisor
comum. Dividindo em seguida o número de votos de cada uma das listas pelo número
repartidor, obtem-se o número de lugares que devem ser atribuidos a cada uma delas. Assim:
40.000 : 14.000= 2 lugares; 28.000 : 14.000= 2 lugares;
20.000 : 14.000= 1 lugar ; 12.000 : 14.000= 0 lugares.
Os dois sistemas mais referidos são o sistema alemão, implantado na República da Alemanha
e o sistema de Hare utilizado no Eire, Ulster, Austrália e Austria.
a) O sistema alemão
Neste sistema cada eleitor vota duas vezes. O primeiro voto serve para eleger, através de
escrutínio uninominal de uma só volta, a metade dos deputados (328) do Bundestag
(a câmara mais importante do parlamento que representa o povo da federação, designado por
sufrágio universal e secreto).
Em segundo lugar, permite aos partidos fazerem eleger nas listas, os seus militantes ou
especialistas que lhes são úteis e que não seriam eleitos directamente pelos eleitores, em face
da sua fraca popularidade ou por serem pouco conhecidos.
b) O sistema de Hare
Cada eleitor dispõe de um único voto que ele dá a um candidato no quadro de circunscrições
eleitorais com três lugares no mínimo (quer dizer podendo eleger três deputados no mínimo),
mas o eleitor indica também várias preferências por ordem decrescente para outros candidatos
sendo o seu voto atribuido apenas a um deles. São eleitos os candidatos que assim obtenham
um número de voto igual ou superior ao quociente necessário para ser eleito (quociente
resultante da divisão dos sufrágios exprimidos pelo número de lugares a preencher mais um).
Estamos perante o sistema da representação proporcional sem listas, pois cada candidato
apresenta-se individulmente.
Em primeiro lugar, um sistema eleitoral deve garantir uma justa representação dos diferentes
grupos sociais, incluindo indivíduos dos diferentes sexos, classes sociais, religiões e grupos
étnicos. Uma representação justa irá evitar sentimentos de derrota e marginalização entre
alguns grupos, principalmente as minorias que poderiam – caso contrário - conduzir à
insatisfação social ou mesmo à violência política. A diversidade cultural e étnica, em África e
não só, torna a representação uma função essencial.
Em segundo lugar, o sistema eleitoral deve facilitar as decisões políticas. Por esta razão, ele
deve contribuir para a concentração do sistema partidário. Existe uma maior probabilidade de
eficiência no sistema político e no governo quando os partidos representados no parlamento
não forem muito pequenos e extremamente diferentes.
Finalmente, o sistema eleitoral de um país deve gozar de legitimidade, o que significa que ele
deve ser aceite por toda a sociedade em geral. A satisfação dos requisitos citados - ou pelo
menos dos mais importantes destes - é o que geralmente confere legitimidade a um sistema
eleitoral. A contestação ao sistema eleitoral como parte central das regras do jogo político
pode provocar graves tensões políticas.
Porém, deve-se afirmar que nenhum sistema eleitoral ajusta-se simultaneamente a todos os
parâmetros acima mencionados. Os sistemas eleitorais diferem entre si em termos de
vantagens e desvantagens (ver quadro Nº 2). Como agravante, os efeitos práticos de um
sistema eleitoral não dependem exclusivamente do sistema em si mas também de outros
factores tais como a influência da estrutura social, das chamadas clivagens, dos conflitos
históricos e das diferenças geográficas sobre o comportamento do eleitor. Às vezes, estes
factores ambientais ou contextuais podem reverter ou neutralizar os efeitos de certos sistemas
eleitorais tal como foi descrito pelo estudioso Maurice Duverger (1951) e outros (Rae 1967).
Eu gostaria de ilustrar os efeitos limitados dos sistemas eleitorais, começando por apresentar
os diferentes sistemas eleitorais e elementos técnicos, os seus efeitos teóricos e
principalmente, os seus efeitos práticos em casos ocorridos recentemente em África.
No outro caso, o objectivo será o de reflectir, com a maior fidelidade possível, a relação de
forças sociais e políticas existentes, ou seja, garantir uma relação aproximadamente
proporcional entre votos e assentos. Isto não significa que todos os sistemas de representação
proporcional ou de maioria tenham efeitos teóricos idênticos. Antes pelo contrário, eles
posicionam-se numa escala algures entre um sistema altamente desproporcional ou de maioria
e um sistema proporcional puro. O posicionamento de um dado sistema nesta escala depende
do grau de cumprimento do seu princípio de representação. Alguns fazem-no melhor que
outros. Isto, por sua vez, depende da combinação de elementos técnicos dos respectivos
sistemas eleitorais.
A magnitude dos círculos eleitorais, isto é, o número de assentos a serem atribuídos, tem
efeitos na proporcionalidade dos resultados. Por regra, diz-se que quanto menos assentos
possuir um determinado círculo eleitoral (nos sistemas de representação proporcional), mais
distorcidos serão os efeitos da proporção entre votos e assentos.
Podemos ilustrar esta tese com o seguinte exemplo: imaginem que três partidos estejam a
competir num círculo eleitoral: o partido A obtém 45%, o B 35% e o C 20% dos votos. Se
utilizarmos uma fórmula comum (d’Hondt), num círculo com dois assentos, o partido A e B
obteriam um assento cada, ou seja, 50% dos assentos, enquanto que o C, nenhum. Em círculos
de três assentos, o partido A obteria 66,7% dos mesmos, o B 33,3% e o C, mais uma vez,
nenhum. De uma forma geral, quanto maior for o número de assentos num círculo, mais justa
será a divisão dos mesmos, reflectindo da melhor forma a relação de votos obtidos. Em
círculos de 9 assentos, por exemplo, o partido A asseguraria 44,4% dos mesmos, o B 33,3% e
o C 22%. Este último círculo reflecte com maior justeza o número de votos obtidos que foi de
45, 35 e 20%, respectivamente.
O elemento básico de uma fórmula eleitoral denomina-se princípio de decisão, sendo o que
determina a vitória ou a derrota numa eleição. Existem dois princípios diferentes: a fórmula de
maioria, que significa que a maioria dos votos decide o vencedor, e a fórmula proporcional em
que a vitória é decidida através da proporção dos votos obtidos.14.
No caso de se decidir por uma fórmula proporcional, devemos escolher uma fórmula
específica de representação proporcional, devido à utilização de métodos de cálculo
específicos. Embora haja inúmeras fórmulas (geralmente elas recebem o nome de
matemáticos famosos como Hondt e Hare), podemos classificá-las em duas categorias básicas:
as fórmulas Divisor (a de Hondt, por exemplo), que tendem a ser mais simples e transparentes,
e as fórmulas Quota (as de Hare/Niemeyer, por exemplo), que são mais complexas e geram
um resultado mais proporcional, favorecendo deste modo os partidos mais pequenos.
14 Na maioria dos casos, o “princípio de decisão” e o “princípio de representação” são idênticos. Em casos
especiais, porém, tal não acontece. A combinação entre fórmula proporcional e círculo pequeno pode ser
classificada como sistema de maioria devido aos seus efeitos de desproporção.
conduz à concentração, é criticado frequentemente pelos partidos que não conseguem
ultrapassar a barreira, visto que os seus votos são “votos completamente perdidos”.
Os elementos técnicos, já aqui descritos, tais como a divisão e dimensão dos círculos
eleitorais, a estrutura de votação, os tipos de listas, as fórmulas eleitorais e barreiras à
representação, por sua vez, permitem obter combinações em número quase infinito. Além
disso, todos estes elementos técnicos têm as suas próprias consequências, algumas das quais
aqui já exemplificadas. As suas variadas combinações provocam efeitos mútuos que podem
reverter, neutralizar ou aumentar a sua respectiva acção (Nohlen 2000, Lijphart 1994).
Devido ao número altíssimo de combinações teóricas, não será possível apresentar todas as
opções. Em relação aos sistemas actualmente em uso, principalmente em África, eu
procurarei elucidar sobre a complexidade dessas questões técnicas e teóricas.
Um sistema de RP pura em princípio reflecte com a maior exactidão possível a relação das
forças políticas. Daí a utilização de elementos técnicos específicos: o único círculo é a nação
inteira. Os assentos são atribuídos de acordo com uma fórmula eleitoral específica que pode
variar de país para país. Porém, a aplicação de diferentes fórmulas num país com um círculo
eleitoral nacional não produz diferenças consideráveis. Além disso, a chamada barreira à
representação normalmente não se aplica no âmbito de um sistema de representação pura.
Os sistemas de RP pura raramente são utilizados em África. A excepção vem da Namíbia (que
a utiliza desde 1989), a Libéria (desde 1997) e a África do Sul (desde 1994). Em teoria, a RP
pura deve provocar uma maior fragmentação aos sistemas partidários. Como exemplo disso
temos a Alemanha pré-nazi e Israel actual.
Estranhamente, em todos os países africanos com o sistema de RP pura que tomamos como
exemplo, apesar da proporção entre votos e mandatos ser quase perfeita, a situação é
dominada por um único partido: o ANC na África do Sul, a SWAPO na Namíbia e a NPP de
Charles Taylor na Libéria. Esta situação, explica-se pelo facto do comportamento de voto ser
fortemente influenciado por conflitos históricos. Tanto na Namíbia como na África do Sul, a
SWAPO e o ANC, respectivamente, gozam de um enorme prestígio devido a sua luta
antiapartheid. Alguns partidos da oposição nesses países, por seu turno, são conhecidos pelo
seu passado complacente ou de colaboração com o antigo regime racista de Pretória. Para
além disso, a questão étnica pode ter uma certa influência.
Porém, para além da alta fragmentação, existem desvantagens nos sistemas de RP pura tal
como a frequente utilização de listas bloqueadas, retirando assim a possibilidade dos eleitores
votarem noutros candidatos, sendo obrigados a aceitar as listas apresentadas pelos líderes
partidários. Além disso, torna-se difícil neste sistema exigir prestação de contas aos
deputados, visto não estarem ligados a nenhum círculo eleitoral específico, o que, por sua vez,
15 Para mais informações sobre casos de estudo de diferentes países, cf. Nohlen/Krennerich/Thibaut 1999.
torna os líderes políticos poderosos já que os deputados dependem deles para permanecerem
nas listas. Na Namíbia, têm-se feito sentir fortes críticas em relação a esta situação,
principalmente por parte de apoiantes da oposição que temem que uma SWAPO e um
presidente da República muito fortes não sejam bons para a democracia. Geralmente, o
sistema de maioria nos círculos de assento único (vêr abaixo) é tido como superior a este
respeito, devido ao facto dos eleitores de um círculo poderem identificar o seu candidato e
escolhê-lo - caso se identifiquem com ele- e puni-lo ou recompensá-lo nas eleições seguintes,
dependendo do seu desempenho.
Estes tipos de círculos (médio e grande) são utilizados em alguns países africanos como
Angola (em 1992), o Níger e Moçambique. Teoricamente, espera-se que ocorra uma
fragmentação menor aos sistemas partidários neste sistema em relação ao de RP pura. Mas a
realidade é diferente.
No Níger, principalmente em 1993 e 1995, este tipo de círculo contribuíu para a fragmentação
partidária16. Com o surgimento de frágeis coligações, o primeiro ministro e o presidente da
República daquele país envolveram-se numa disputa que terminou num impasse institucional.
No início de 1996, teve lugar um golpe de estado e a democracia veio abaixo.
Em Moçambique, porém, não houve fragmentação. É verdade que foi estabelecida a barreira
legal de 5% aos votos mas os dois principais partidos arrecadaram mais de 80% do total dos
votos. Aqui a explicação reside novamente em factores históricos (veja artigo do Dr. Obede
Baloi).
Os conflitos históricos são a chave para o entendimento do impacto das eleições de 1992 em
Angola. Neste caso, foi utilizado um sistema que pode ser considerado como de representação
proporcional com círculos médios ou grandes. Dos 220 deputados ao parlamento, 130 foram
eleitos pelo círculo nacional enquanto que os restantes 90 foram eleitos em 18 círculos
provinciais de cinco membros cada. Apesar de ter havido um ligeiro efeito desproporcional a
favor do MPLA, este sistema é sem dúvida, um sistema proporcional. Tal como em
Moçambique, o comportamento de voto foi fortemente influenciado por factores históricos e
regionais. Como consequência, não surgiu um sistema partidário fragmentado, mas um com
características de concentração: o MPLA obteve mais do que 50% do total dos votos, tendo a
UNITA arrecadado mais de 30%.
Deve-se atribuir culpas ao sistema eleitoral utilizado pelo reacender da violência a partir de
1993? Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que a UNITA retirou-se do processo eleitoral
após a realização da primeira volta das eleições presidenciais, e não por causa das legislativas,
de que trata a nossa discussão. Em segundo lugar, nenhum sistema eleitoral pode evitar
16 Oito deputados foram eleitos por maioria em círculos de assento único. Originalmente concebido para
assegurar a representação de minorias étnicas, o antigo partido único conseguiu ganhar a maioria dos assentos.
completamente que as pessoas derrotadas numa eleição se sintam infelizes devido aos
resultados das eleições.
Em África, este sistema foi utilizado por exemplo no Benin (desde 1995), no Burundi (em
1993) e em Cabo Verde (desde 1991). Os correspondentes sistemas partidários, porém, variam
consideravelmente: No Benin, o sistema foi abandonado após a realização das eleições de
1991 com a adopção de um sistema mais proporcional. Entre 1995 e 1999, o novo sistema não
conseguiu reduzir a enorme fragmentação do sistema partidário causada por uma votação de
cariz étnico e regional e por factores pessoais.
Em Cabo Verde, aplicou-se um sistema similar a partir de 1991. Aqui, os resultados foram
completamente diferentes, conduzindo a uma situação similar à de um sistema bi-partidário:
em 1991 e 1996 o MPD conseguiu maiorias confortáveis derrotando o PAICV, o antigo
partido único, que ganhava ca. de 30% dos votos. Em 2001 o PAICV sucedeu em substituir o
MPD como partido de maioria absoluta na Assembleia Nacional do país.
No Burundi, em 1993, este tipo de sistema com uma barreira à representação resultou numa
esmagadora maioria por parte da FRODEBU. Os 73% dos votos obtidos por este partido
foram convertidos em 80% dos assentos parlamentares. Apenas alguns meses após a vitória da
FRODEBU, o governo recém-eleito foi derrubado por um golpe de estado militar motivado
por razões étnicas que por sua vez provocou um intenso banho de sangue. Não seria justo, na
minha forma de ver, relacionar o sistema eleitoral utilizado com o início da guerra civil.
Enquanto as questões étnicas desempenharem um papel predominante no Burundi, com a
agravante de cerca de 80% da população ser da etnia Hutu, o grupo que se identifica com a
FRODEBU, qualquer sistema eleitoral tornará as eleições num triunfo dos Hutu.
Por vezes, o sistema de maioria não provoca a concentração partidária. Quando o apoio de um
partido político tem origens regionais, ele facilmente obtém assentos parlamentares. No caso
de haver um grande número de partidos de natureza regional, haverá naturalmente um grande
número de partidos representados. Por exemplo, em 1986 no Sudão, 11 partidos obtiveram
assentos na Assembleia Constitucional apesar da utilização de um sistema de maioria.
A votação regional é capaz de neutralizar outra vantagem teórica dos sistemas de maioria: os
que advogam este sistema esperam alcançar um nível baixo de polarização política visto que
os partidos tendem a aliar-se aos sectores moderados da sociedade a fim de garantir o maior
apoio possível. Este não foi o caso da Nigéria. Nas eleições realizadas após a independência,
notabilizaram-se três partidos de natureza étnica e polarizada, cujo descontentamento
contribuiu – pelo menos em parte – para um golpe militar em 1966 que marcou o prenúncio
do que viria a acontecer: a guerra de secessão do Biafra (1967-70).
O sistema de maioria absoluta em círculo de assento único parece-se com o sistema de maioria
simples em vários aspectos mas requer uma maioria absoluta dos votos, isto é, mais do que
50% do total dos votos. No caso de nenhum candidato o conseguir, haverá uma segunda volta
(duas semanas depois, por exemplo), na qual concorrem geralmente os dois candidatos mais
votados. Na Europa, este sistema é utilizado em França e, não causa surpresa o facto de várias
ex-colónias francesas utilizarem este sistema que por vezes é combinado com o sistema de
círculos de vários assentos. Mais uma vez, os efeitos deste sistema recordam-nos o sistema de
maioria simples, apesar de serem menos intensos. Tende a produzir um sistema
multipartidário com um número limitado de partidos.
Irei agora focar alguns sistemas combinados para mostrar-vos que eles podem ser
incorporados ora nos sistemas de maioria ora nos de representação proporcional (ver quadro
1).
Neste tipo de sistema existem dois grupos de deputados que são escolhidos de forma diferente:
enquanto que um grupo é eleito por maioria, o outro o é por representação proporcional. O
parlamento é então formado por ambos os grupos. Os efeitos de desproporção aqui dependem
da relação numérica entre ambos os grupos. Quanto maior for o grupo maioritário (em termos
de assentos), maior será o efeito de maioria. Em África, este sistema é utilizado na Guiné
Equatorial, uma ex-colónia francesa. Devido ao facto de que as eleições alí não podem ser
consideradas realmente livres e justas, eu abstenho-me de comentar sobre os seus efeitos reais.
Este sistema é utilizado na República Federal da Alemanha onde é ainda aplicada a barreira
legal de 5%, e não é por mero patriotismo que estou a apresentá-lo. O objectivo deste sistema
é o de satisfazer as funções de representação, concentração e participação simultaneamente e
pode-se dizer que até agora fê-lo com sucesso na Alemanha. Claro que o sistema tem a
desvantagem: não é um sistema fácil de entender e creio mesmo que apenas uma pequena
parte da população alemã o faça. Além disso, foi-me dito pelo Sr. Michael Dingake, o líder da
oposição do Botswana, que ele é muito complicado.
As eleições presidenciais são um capítulo negligenciado no campo dos estudos eleitorais. Isto
mesmo reflecte-se neste trabalho que até agora só focou aspectos referentes às eleições
parlamentares.
Embora seja possível que duas ou mais individualidades ocupem o cargo de presidente da
República simultânea ou consecutivamente durante o mesmo mandato, a realidade é bem mais
simples: só pode haver um chefe do executivo. Consequentemente, os sistemas para as
eleições presidenciais são sistemas de maioria. Geralmente, o candidato necessita de uma
maioria absoluta, caso contrário, realiza-se uma segunda volta. Por vezes, é apenas necessária
uma maioria simples ou ainda o próprio parlamento elege um dos candidatos de maior sucesso
na primeira volta.
Mas existirão outros tipos de sistemas eleitorais presidenciais em que não se faz sentir com
tanta intensidade o efeito “ o vencedor leva tudo”? Foi utilizada uma variante desse sistema na
Nigéria, em que o candidato presidencial vencedor deverá não apenas assegurar uma maioria
absoluta a nível nacional, mas também pelo menos 25% dos votos em 2/3 dos estados
federados de modo a garantir que a sua eleição obtenha apoio, não apenas em uma ou duas
regiões do país, mas de âmbito nacional. Vê-se claramente que se realizou aqui um esforço
para apaziguar questões étnicas e regionais através de um método eleitoral engenhoso.
Sendo assim, há que determinar as funções prioritárias para cada país. Tal como já foi
afirmado anteriormente, nenhum sistema eleitoral cumpre todas as funções simultâneamente.
Que funções devem ser destacadas? Quais podem ser neglenciadas? Nos casos onde houver
grupos politico-culturais diversos ou relações inter-étnicas conflituosas, será essencial haver
uma justa representação. Países com um passado de fraude eleitoral devem destacar a
transparência. Outros que passaram por problemas de instabilidade governamental devem
promover a eficiência e a concentração.
Porém, devemos ter sempre presente que o sistema eleitoral é apenas um dos vários factores
que influênciam o sistema partidário e o processo político em geral. Vários exemplos
mostrados na minha apresentação apoiam esta opinião.
Tal como Robert A. Dahl (1989, 1996, 1998) observa, o que influência sobremaneira a
política de um dado país são os factores e actores circunstanciais, tais como líderes políticos,
as forças armadas, grupos rebeldes armados, o estado das relações inter-étnicas bem como o
nível e a dinâmica do desenvolvimento socio-económico e por vezes, factores externos.
Sendo assim, seria pura ilusão achar que um sistema eleitoral perfeito - mesmo se elaborado
com base nas condições específicas do país - pode garantir estabilidade política, governos
capazes ou a consolidação da democracia. Não quero com isto dizer que os sistemas eleitorais
não servem para nada. Mas os seus efeitos são limitados e dependem do contexto, sendo no
entanto necessário ter cuidado com os seus possíveis efeitos.
Bibliografia:
Dahl, Robert A. 1989: Democracy and its Critics, New Haven et al.
Dahl, Robert A. 1996: Thinking about Democratic Constitutions: Conclusion from
Democratic Experience, in: Shaoiro, I. / Hardin, R. (ed.): Political Order, Nomos 38, New
York, pp. 175-206.
Dahl, Robert A. 1998: On Democracy, New Haven and New York.
Duverger, Maurice 1951: Les partis politques, Paris.
Lijphart, Arend 1994: Electoral Systems and Party Systems. A Study of Twenty-Seven
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Linz, Juan J./ Valenzuela, Arturo (ed.) 1994: The Failure of Presidential Democracy,
Baltimore et al.
Nohlen, Dieter 1997: El Estado de la Investigación sobre Sistemas Electorales, in: Revista de
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Nohlen, Dieter 2000: Wahlrecht und Parteiensystem, 3rd. Edition, München.
Nohlen, Dieter/ Krennerich, Michael/ Thibaut, Bernhard (ed.) 1999: Elections in Africa. A
Data Handbook, Oxford.
Rae, Douglas W. 1967: The Political Consequences of Electoral Laws, Boston.
Sartori, Giovanni 1994: Comparative Constitutional Engineering. An Inquiry into Structures,
Incentives, and Outcomes, Basingstoke.
Sistemas eleitorais, legitimidade e participação
1. Introdução
Agradeço à Fundação Friedrich Ebert o convite que me quis dirigir para participar nesta
Conferência. Aceitei-o com muito prazer porque ele me permite amortizar duas enormes
dívidas de gratidão, daquelas que ninguém, em consciência, pode considerar saldadas.
A primeira é para com a Fundação Friedrich Ebert. O seu contributo – bem como o das demais
fundações alemãs, diga-se com rigor e justiça – foi decisivo para a consolidação do sistema de
partidos e do sistema democrático em Portugal, no período imediatamente posterior ao 25 de
Abril.
Com visão do que é essencial e com rigor nas gestão dos seus fundos, a Fundação Friedrich
Ebert, no difícil período de transição à democracia em Portugal, ajudou a sociedade civil e o
sistema de partidos a acelerar o seu processo de estruturação e contribuiu de forma decisiva
para formação dos seus quadros. Esse apoio foi decisivo para a estabilização do processo
democrático. E, por isso, lhe estou e estarei sempre grato, como português.
Acresce a esta minha dívida insaldável o facto de eu ser hoje Presidente do Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento (IED), criado há 23 anos, com o apoio decisivo da
Fundação Friedrich Ebert. Julgo que o maior tributo de reconhecimento que lhe possa prestar
seja o facto de o IED continuar a existir, ser hoje uma instituição consolidada e sobreviver,
desde há muito, sem necessidade do apoio que inicialmente recebeu.
A minha segunda dívida de gratidão é para com os angolanos. Há muitos anos que aqui venho,
em missões oficiais ou do meu Instituto, como muitos dos presentes bem sabem. É difícil
conceber um outro país e um outro povo que receba com a generosidade e o calor humano que
vos distingue. Construí aqui sólidas amizades e aqui sinto-me em casa. Por me terem dado
como que uma segunda pátria eu vos estou e estarei sempre grato.
Quero, também, dirigir uma palavra de admiração e respeito pelos nossos anfitriões. É a
primeira vez que faço uma conferência na Universidade Católica de Luanda cujo trabalho
tenho acompanhado com interesse desde o início. O seu papel na formação de quadros e elites
angolanas é hoje decisivo. Quero dirigir ao prof. Doutor Adérito Correia, director da
faculdade de Direito, os meus sinceros votos de sucesso na desenvolvimento desta Casa.
Uma palavra, ainda, muito amiga, para o Professor França Van Dunen, amigo de há longos
anos a quem quero agradecer as palavras de apresentação com que introduziu a minha
presença aqui.
O tema da minha intervenção é um tema ingrato que aceitei com a certeza que é um tema
impossível de tratar em meia hora de exposição, tão grande é a sua extensão e vasta a
diversidade das suas implicações. Mas, é verdade que as vezes a escassez do tempo ajuda a
sistematizar e evita alguns problemas. É que frequentemente o académico quanto mais fala
mais complica e o político quanto mais fala mais se arrisca. Acumulando eu ambas as
qualidades quanto menos falar, melhor para todos.
Ao escolher um sistema eleitoral, seja em que circunstância for, nunca estamos apenas a
escolher um método de transformar votos em mandatos. O que está em causa é, também, a
opção por um sistema que, uma vez escolhido, funcionará como ordenador do sistema de
partidos, e, em certo sentido, condicionador da geração e reprodução de elites políticas quer
nacionais, quer regionais e locais.
Enquanto escolha política, ela deve considerar um conjunto vasto de elementos, que adiante
procurarei abordar. Deve ser feita olhando para além da conjuntura do momento, porque as
escolhas que se fazem são estruturantes do funcionamento do sistema democrático e devem,
em minha opinião, assumir a forma de um compromisso político interpartidário.
Política e tecnicamente nada impede que um sistema eleitoral seja adoptado e aprovado
apenas por um partido que disponha de maioria parlamentar suficiente. Muitos países o fazem.
E, em muitos, já se viu os sistemas eleitorais serem mudados sequencialmente, pelo simples
facto de ter mudado o partido que detinha a maioria. Recordo, por exemplo, o caso francês
onde maiorias distintas fizeram num curto espaço de tempo o sistema eleitoral oscilar por
mais de uma vez entre o maioritário e o proporcional.
Tenho referido sempre sistemas eleitorais e não sistema eleitoral. Tenho-o feito
deliberadamente. Ainda que o sistema eleitoral para o Parlamento seja sempre aquele que
mais atenções atrai, nestes períodos de transição, o que conta, do ponto de vista do regime e
do sistema de partidos é o conjunto das leis eleitorais e as suas regulamentações - por
vezes, tão importantes nas suas consequências quanto as leis – que regulam o modo de eleição
dos diversos órgãos electivos. Em momentos como aquele que Angola vive, e que acima
tipifiquei sucintamente, não é possível olhar apenas para uma das leis. O modo de eleição do
Presidente da República, dos deputados e dos autarcas deve desejavelmente contribuir de
forma coerente para um conjunto de objectivos que se tracem como necessários à
consolidação do regime democrático num período de transição política.
Podemos fazer uma lista, sem querer ser exaustivo, dos elementos a considerar na construção
do compromisso político necessário à opção de uma determinada lei eleitoral.
? Uma opção sobre o modelo de Estado.
? Uma ideia da validade da divisão administrativa do Estado, enquanto modelo de
divisão dos círculos eleitorais.
? Uma opção sobre os elementos estruturantes do sistema político.
? Uma opção sobre os princípios que devem orientar o funcionamento do sistema
político.
? Uma opção sobre os sistema de representação das minorias.
Vejamos um pouco mais em detalhe alguns dos elementos que podemos colocar aqui em
discussão:
1. Uma opção sobre o modelo de Estado. Qual é o nosso maior problema quando
vamos escolher este ou aquele modelo de representação? Precisamos de fortalecer os
elementos que garantem a coesão do todo nacional - de que dou como caso extremo o
modelo eleitoral que vigorou durante muitos anos em Israel, de Círculo Nacional
Único -, ou queremos basear o sistema político na representação Regional/Estadual, ou
étnica? Uma vez, mais chamo á atenção que não me refiro apenas á divisão dos
círculos eleitorais para efeitos de eleição de deputados. Evoco, por exemplo, o debate
que se trava em Angola sobre a eleição ou a nomeação dos Governadores provinciais.
As escolhas que se façam terão um efeito agregador ou desagregador da unidade do
Estado. Mas, importa considerar outras perspectivas. As mesmas escolhas que se
consideram poder ter um efeito desagregador – e que nesse sentido representam um
risco - podem representar, também, um modelo integrador de realidades regionais no
conjunto do todo nacional. Uma vez mais, trata-se de uma avaliação política da
situação do país e dos riscos que se lhe colocam.
2. Uma ideia da validade da divisão administrativa do Estado, enquanto modelo de
divisão dos círculos eleitorais. A guerra teve efeitos dramáticos sobre a distribuição
geográfica da população. Por outro lado, Angola tem uma determinada tradição de
divisão político-administrativa do Estado em unidades territoriais. Esse modelo
mantém-se válido? É capaz de dar uma resposta eficaz á nova realidade da distribuição
geográfica da população? Deve ser esse o modelo a seguir para a divisão dos círculos
eleitorais? Existem condições políticas – e técnicas – para desenvolver um modelo
alternativo e, se sim, quais os critérios que se devem utilizar?
3. Uma opção sobre os elementos estruturantes do sistema político. É preciso saber se
queremos ter um sistema de partidos forte, ou se queremos, por exemplo fortalecer um
modelo de representação de interesses organizados – corporações – ou um sistema
fortemente assente na personalização da relação entre o eleitor e o eleito. Esta
polémica é clássica no debate sobre os sistemas eleitorais. O amplo debate que se
trava, um pouco em toda a Europa, sobre o problema do distanciamento entre eleitores
e eleitos ganhou, nos últimos anos, e com justa razão, uma enorme visibilidade
pública. Será que as razões e os termos em que fazemos esse debate na Europa são
válidos para países que se encontram na situação de Angola? Será que os modelos de
proximidade que se defendem para solucionar esses problemas têm a mesma eficácia
aqui? Vale a pena discutir estas questões a fundo. Um país, nestas circunstâncias, é
capaz de consolidar um sistema de partidos com uma lei eleitoral baseada numa forte
personalização dos mandatos? E que instrumentos – e que financiamento – são
necessários para assegurar, aqui, que essa personalização da relação entre o eleitor e o
eleito é efectiva?
4. Uma opção sob os princípios que devem orientar o funcionamento do sistema
político. É preciso saber se a nossa hierarquia de princípios privilegia a estabilidade do
funcionamento do sistema, optando por modelos que mais facilmente gerem maiorias
parlamentares. Ou, pelo contrário, se queremos reforçar a representatividade, optando
por sistemas proporcionais, gerando, assim, quadros parlamentares onde se torna mais
necessário o compromisso político entre partidos como forma de assegurar a
estabilidade política. Um, tem como vantagem, naturalmente, o efeito que produz
sobre as condições de governabilidade do país. O outro, produz fenómenos de inclusão
política que não podem, também, deixar de ser considerados como muito positivos.
Mas convém, quando se olha para o sistema político na longa duração, não deixar de
considerar que a estabilidade dos sistemas políticos pode não depender apenas da
facilidade com que se alcancem as maiorias parlamentares. Ela pode resultar, também,
do facto de uma maioria dos agentes políticos se sentirem representados no sistema,
não procurando, por isso, foram dele formas de exprimir e representar os seus pontos
de vista.
5. Uma opção sobre o sistema de representação das minorias. Este ponto deriva do
anterior, mas vale a pena ampliá-lo porquê ele se pode aplicar ao modelo de eleição
quer do parlamento, quer das autarquias. É preciso saber se queremos que essas
assembleias sejam compostas apenas por deputados ( nacionais ou autárquicos) que
em cada círculo representam a escolha maioritária desse círculo. Ou se queremos que
todas as correntes políticas estejam representadas. Não é impossível a opção por
modelos diferentes, um para eleição dos deputados ao parlamento, outro para a eleição
dos eleitos para as assembleias municipais, ou até, para os governos autárquicos. Os
modelos podem ser diversos, mas os efeitos dessa diversidade – que não são
necessariamente negativos – devem ser bem ponderados. Pode-se, inclusive, querer
considerar a representação de minorias políticas desde que estas correspondam a mais
de x% da escolha do eleitorado, introduzindo, assim, um limiar mínimo de
representação. O debate sobre a governabilidade do sistema político passa, também,
por aqui.
As opções que se façam em torno destas questões correspondem a um debate político sempre
difícil, onde importa evitar as precipitações. Na última década, um pouco por todo o Mundo
onde se registaram transições democráticas, é frequente verificar uma pressão da Comunidade
Internacional no sentido da celeridade dos processos de transição. Escolhas rápidas dos
modelos a seguir e calendários apertados, frequentemente incompatíveis com a sedimentação
do sistema de partidos, foi receita amplamente aconselhada. Hoje, é possível verificar as
consequências negativas de algumas dessas experiências. A precipitação nas escolhas não é
boa conselheira. A escolha dos sistemas eleitorais deve ser bem ponderada.
Olho para as diferentes opções de sistemas eleitorais sempre à luz de alguns critérios que
defendo com convicção.
Um sistema eleitoral é tanto mais aberto quanto maior for o seu nível de
representatividade, porque sempre que esta aumenta é maior o número e a diversidade
daqueles que se conseguem fazer eleger para o Parlamento, ou uma Assembleia Municipal.
Sempre que isso acontece, isto é, sempre que um sistema eleitoral privilegia a representação
de um maior número de partidos, o grau de inclusão política é maior, porque ao ser maior o
número de partidos representados no Parlamento é maior o número dos cidadãos que se
sentem nele representados, logo incluídos no sistema político. Os sistemas proporcionais
potenciam este efeito integrador.
A flexibilidade do sistema deve ser outra das preocupações a ter em conta. Um sistema
maioritário não só produz os efeitos acima mencionados como, para além deles, torna o
sistema mais “rígido”, ao tornar mais difícil o acesso de outros partidos á representação
parlamentar.. Normalmente, estes sistema geram realidades políticas de bi-partidarismo,
gerando uma inevitável rotatividade entre os partidos que conseguem estar “dentro” do
sistema de representação. Em momentos de transição política, onde existem dois ou três
partidos fortes ou com implantações geográficas muito claras, a pulsão para adoptar sistemas
eleitorais maioritários é grande, porque este sistema acaba por funcionar como um seguro de
“estabilidade” e “de vida” dos partidos que entre si dividem o poder de bloquear – ou, pelo
menos, dificultar fortemente - o acesso de outros partidos ao parlamento.
Os sistemas mistos procuram conjugar o melhor dos dois mundos, combinando-os entre si. As
modalidades são muitas. Não entrarei agora em detalhes. Sublinho a preocupação em
combinar os métodos de eleição em lista e eleição nominal. Sublinho, nalguns casos, a
introdução de um mecanismo de “clausula barreira”, ou seja a definição de uma percentagem
miníma de votos necessários, por exemplo 5%, para se elegeram representantes ao parlamento
como forma de evitar os riscos de uma excessiva dispersão de partidos no parlamento.
Os sistemas eleitorais não têm só consequências na forma com se representa a vontade dos
eleitores. As opções que se tomem têm também consequências na organização dos
partidos e na arquitectura global do sistema político. Um sistema maioritário gera um
funcionamento partidário que não tem nenhuma utilidade em procurar compromissos com
outros partidos políticos. Não precisa deles para formar maiorias parlamentares. O exercício
da actividade executiva dos governoS depende parlamentarmente apenas de um único partido.
Pelo contrário, o sistema proporcional tende, em regra, a impor aos partidos uma grande
capacidade de compromisso, como forma de assegurar uma base alargada de sustentação para
as políticas que se adoptem. O sistema proporcional estimula a capacidade de lidar com a
diversidade. O maioritário favorece a unicidade. No proporcional as coligações parlamentares
são frequentes – o mais das vezes – para assegurar uma maioria parlamentar estável aos
governos.
FIGURA N.o I
ELEITORES
INCLUSÃO EXCLUSÃO
MAIORITÁRIO
PROPORCIONAL
P/CLAÚSULA
BARREIRA
REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR
PARTIDOS
COMPROMISSO AFIRMAÇÃO
ELEITORES
INCLUSÃO EXCLUSÃO
2.2. Reforço do sistema de partidos
Não há democracia sem partidos. Mas há democracias com sistemas de partidos de tal
maneira fracos que se tornam dificilmente geríveis. A debilidade do sistema de partidos
depende de um elevado número de factores. Mas, os modelos de sistema eleitoral que se
escolhem, numa situação como a que aqui se vive, têm uma influência decisiva na
consolidação ou no enfraquecimento do sistema de partidos.
Em ambos os casos, em minha opinião, creio que a ingovernabilidade dos países aumenta.
Sem um sistema de partidos forte, as novas democracias têm dificuldades acrescidas na
sua consolidação.
Vou tentar, a partir de alguns esquemas, uns mais teóricos e outros de interpretação e
formulação mais política, explicar alguns dos problemas que julgo existirem no
funcionamento dos diversos sistemas.
FIGURA N.o II
CIDADÃO
ELEITOR
ELEITOS
PARLAMENTO
GOVERNO
FIGURA N.o III
CIDADÃO
MAIORITÁRIO PROPORCION
PARLAMENTO
COMPROMISSO
POLÍTICO
Com a figura n.º II procuro apenas sublinhar um aspecto que me parece importante. A
passagem do cidadão a eleitor não depende apenas da sua relação com “os partidos” ou com a
política. O eleitor é parte de uma sociedade com a qual interage. Ele estabelece com ela várias
relações políticas que são decisivas na sua percepção do sistema de partidos. Os partidos
disputam a sua relação com o eleitor, com os sindicatos, as corporações de toda a ordem e
inúmeras organizações da sociedade civil, igrejas e mesmo, no caso africano, autoridades
tradicionais. Quando um cidadão reflecte hoje sobre o modelo de sistema eleitoral que
gostava de querer ver aplicado no seu país, ele não pensa apenas nos partidos, Debate também
o papel, mesmo que não electivo, que ficará consagrado às outras organizações da sociedade
civil. E, embora seja consensual a opinião de que a representação política cabe aos partidos, é
frequente encontrar em situações de transições democráticas uma preocupação, genuína ou
estimulada, em procurar dar um papel activo a outras organizações, frequentemente em pé de
igualdade funcional, mesmo sem deterem legitimidade democrática.
Todos esses fenómenos que têm a sua explicação, e por vezes a sua utilidade, têm todavia um
limite que não pode ser ultrapassado, sob pena de se minar a validade do próprio sistema de
partidos – que é a essência do regime democrático - que uma transição democrática é suposto
ajudar a consolidar ou criar. Os extremos do quadro; partidos e sociedade civil, apontam a
amplitude da variação possível. Um sistema de partidos forte e consolidado, diminui a
relevância dos outros elementos. Ao invés, um sistema onde a sociedade civil desempenha
um papel político forte, e é mais atractiva para os cidadãos do que os partidos, corresponde
normalmente a um sistema de partidos fraco e em crise de representatividade. A escolha do
modelo de sistema eleitoral acentuará a oscilação entre um ou outro polo.
Com a figura n.º III procuro sistematizar os pontos de maior dinâmica de cada um dos
sistemas, apenas para sublinhar que as opções que se fazem neste domínio são de
consequências duradouras no modo como os partidos se organizam e como organizam o seu
trabalho político junto da sociedade.
Pessoalmente, prefiro sistemas que facilitem a alternância política aberta a vários partidos,
àqueles que estimulam o rotativismo entre dois partidos. A percepção de que vários partidos,
sozinhos ou coligados, podem chegar ao poder é positiva para a gestão do sistema político.
Um sistema eleitoral, através dos seus mecanismos podem favorecer alternância política de
dois modos:
A percepção de que um sistema eleitoral está bloqueado tem como consequência, a prazo, a
crescente passagem para fora do sistema político das tentativas de afirmação de correntes de
opinião que não encontram outro modo de se sentir representadas. As tensões sociais e as
pressões de fora para dentro do sistema aumentam. O número dos que se sentem excluídos, e,
por isso, abandonam a participação no sistema político, aumenta também.
Os eleitores têm que se aperceber que o sistema de partidos mantêm uma dinâmica capaz de
acompanhar a natural evolução da sociedade, da sua sociologia, das suas elites e dos seus
novos anseios. Um sistema bloqueado é um sistema que acumula tensões na relação entre a
sociedade – e as elites – e a política dificilmente superáveis sem reformar profundamente, ou
quase mesmo refundar, o regime democrático.
Temos que compreender e aceitar, que a construção do Estado na maioria dos países africanos
não sofreu um processo de sedimentação territorial e cultural semelhante, por exemplo, ao
caso dos países europeus, onde o processo levou séculos a consolidar-se. Em África, no
espaço de escassas dezenas de anos, os europeus criaram fronteiras artificiais, obrigando
povos que nada tinham de comum entre si (do ponto de vista de uma organização política
comum) a viveram sob um mesmo Estado, dando origem a situações onde a coesão nacional
era, na maioria dos casos inexistente. Também aqui a importação de modelos de sistema
eleitoral deve ser feita com grande prudência. Na Europa, convém lembrar, a construção dos
Estados- Nação foi um processo longo e sangrento. Dito isto, sublinho que não tenho
nenhuma objecção teórica contra os modelos federais, aquele que advogo, alias, para a União
Europeia, mas entendo que esse modelo têm excessivos riscos em contextos históricos como
o angolano e em processos de transição democrática.
As leis eleitorais têm, também, consequências no modo como os sistemas políticos são depois
geridos. Condicionam o modo de organização dos partidos, a relação entre os eleitores e os
partidos, e, por maioria de razão, o modo como o sistema de partidos se relaciona com os
órgãos de soberania e as formas e os instrumentos com que os titulares desses órgãos podem
gerir o sistema.
MAIORITÁR IO X X
PROPORCION AL X X X
Por seu lado, a forma da negociação parlamentar também não é a mesma nos dois sistemas
eleitorais. A vida política de um regime que assenta numa lei eleitoral de sistema maioritário
não carece de negociação inter-partidária. Todas as eleições geram maiorias absolutas
parlamentares mono-partidárias que sustentam, por si só, o governo. Já os modelos de lei
eleitoral assentes no método proporcional necessitam frequentemente de negociações
interpartidárias para garantir uma maioria parlamentar. Este sistema não gera, por regra,
maiorias absolutas, apenas maiorias relativas que necessitam de se coligar para alcançar
estabilidade no apoio parlamentar de que depende o governo.
O modo como cada deputado pode dispor do seu voto no parlamento também é diverso. Em
teoria, na prática nem sempre é assim, só o sistema uninominal garante total liberdade de voto
ao deputado, sem risco de sanção partidária. Ele responde perante os “seus” eleitores e
disfruta, por isso de uma maior liberdade política. No sistema proporcional, em que o voto é
por lista partidária a votação faz-se por orientação política do partido – com excepções aceites
de forma avulsa em casos de consciência -, e o não respeito por essa regra tem como
consequência uma sanção política interna ao partido.
NEGOCIAÇÃO VOTAÇÃO
PARLAMENTAR NEGOCIAÇÃO
POLÍTICA
2. Importa agora ver, de forma muito sucinta, apenas para lançar a discussão, como é que
se gere o sistema do ponto de vista institucional. No sistema maioritário a
articulação entre o governo e o parlamento é essencial. O grau da importância da
relação entre governo e partido depende da maior ou menor autonomia que os
deputados desfrutem. No caso inglês, por exemplo o essencial da vida democrática
assenta no parlamento, mais do que fora do dele. Os próprios partidos – já que o
sistema de eleição é uninominal – têm o essencial da sua vida baseada no grupo
parlamentar. Neste modelo o papel do Presidente da República é muito menor. A sua
capacidade de influência sobre o sistema de partidos esta reduzida. O parlamento
produz soluções estáveis á partida e efectivamente a sede da vida democrática.
FIGURA N.ºIV
As direcções partidárias têm mais peso do que os deputados eleitos na formação das
decisões políticas. A disciplina partidária a que o grupo parlamentar está sujeito
reforçam esta realidade. O parlamento torna-se um local de negociação inter-partidos
que formam a coligação que apoia o governo, mas o centro da vida política assenta
fortemente na direcção dos partidos. Apesar disso, mesmo quando as direcções
políticas acordam entre si uma determinada política, há uma necessidade de gestão
dessa decisão dentro do quadro dos grupos parlamentares que sustentam a maioria. De
igual modo, o papel do Presidente da República é maior. A sua capacidade de intervir
no sistema aumenta. Passa a poder desempenhar um papel de arbitro ou de moderador.
A estabilidade política depende agora também da sua acção e intervenção.
FIGURA N.º V
3. Conclusões
Creio que estes tópicos são já mais do que suficientes para iniciar um debate que excedera, de
certeza, o tempo para ele previsto. Permito-me sublinhar, à laia de síntese alguns tópicos:
1. Olhar para o sistema no seu conjunto, Presidente, Governo, Autarquias. O que conta,
do ponto de vista do regime e do sistema de partidos é o conjunto das leis eleitorais e
as suas regulamentações - por vezes, tão importantes nas suas consequências quanto as
leis – que regulam o modo de eleição dos diversos órgãos electivos.
2. Ter presente que o sistema é evolutivo, quer se queira quer não. Procurar sempre os
consensos possíveis Não há um sistema eleitoral ideal. A escolha de um sistema
eleitoral deve traduzir um compromisso. É uma escolha política. Não é, apenas,
técnica. Não tem um caracter “universal”, nem é “intemporal”.
3. Procurar elementos integradores no presente e no futuro. Reflectir sobre o Uma opção
sobre o modelo de Estado.
o Uma ideia da validade da divisão administrativa do Estado, enquanto modelo
de divisão dos círculos eleitorais.
o Uma opção sobre os elementos estruturantes do sistema político.
o Uma opção sobre os princípios que devem orientar o funcionamento do sistema
político.
o Uma opção sobre os sistema de representação das minorias
4. Articular bem as leis. Evitar as precipitações. É frequente verificar uma pressão da
Comunidade Internacional no sentido da celeridade dos processos de transição.
Escolhas rápidas dos modelos a seguir e calendários apertados, frequentemente
incompatíveis com a sedimentação do sistema de partidos. A precipitação nas escolhas
não é boa conselheira. A escolha dos sistemas eleitorais deve ser bem ponderada. É
útil, por isso, ter uma visão de longo prazo das consequências das leis que se
escolhem.
5. Reflectir bem sobre os mecanismos que se adoptam e sobre os seus efeitos:
? Reforço dos mecanismos de inclusão (princípio)
? Reforço do sistema de Partidos (instrumento)
? Reforço da alternância política (flexibilidade)
? Reforço do Estado Unitário (consolidação)
6. Procurar o reforço do sistema de partidos
7. Não há democracia sem partidos. Mas há democracias com sistemas de partidos de tal
maneira fracos que se tornam dificilmente geríveis. Os modelos de sistema eleitoral
que se escolhem, numa situação como a que aqui se vive, têm uma influência decisiva
na consolidação ou no enfraquecimento do sistema de partidos. Sem um sistema de
partidos forte, as novas democracias têm dificuldades acrescidas na sua consolidação.
A existência de partidos nacionais, com práticas de democracia interna – o que
considero essencial – é um dos factores de integração política do cidadão no estado e
do indivíduo no colectivo nacional.
8. Procurar assegurar a alternância política. Um sistema eleitoral é tanto mais
abertoquanto maior for o seu nível de representatividade.. Os eleitores têm que se
aperceber que o sistema de partidos mantêm uma dinâmica capaz de acompanhar a
natural evolução da sociedade, da sua sociologia, das suas elites e dos seus novos
anseios. Um sistema bloqueado é um sistema que acumula tensões na relação entre a
sociedade – e as elites – e a política dificilmente superáveis sem reformar
profundamente, ou quase mesmo refundar, o regime democrático.
CAPÍTULO II
Começo por agradecer o convite que gentilmente a Fundação Friedrich Ebert e a direcção da
Faculdade de Direito da UCAN me endereçaram para apresentar nesta Conferência o tema
“Eleições nos PALOP – Experiências e desafios”.
Começo por dizer que não é fácil a abordagem do tema porque, apesar do contacto com a
legislação constitucional e eleitoral dos países africanos de língua portuguesa e do estudo que
tive a oportunidade de fazer, aquando do meu mestrado, sobre os sistemas de governo de
transição democrática, pouco ou quase mais nenhum contacto tive sobre a vida destes países.
Será, assim, debilitado pelo pouco conhecimento da realidade actual que apresentarei a minha
comunicação.
Estimados participantes,
Os sistemas eleitorais, no dizer do ilustre Professor Jorge Miranda, são o conjunto de regras,
de procedimentos e de práticas, com a sua coerência e lógica internas, a que está sujeita a
eleição em qualquer país e que condiciona (juntamente com elementos de ordem cultural,
económica e política) o exercício do direito de sufrágio17.
Sendo o sistema eleitoral a forma e expressão da vontade eleitoral ele está, igualmente,
condicionado pelo sistema de partidos e sistema de governo existentes num dado país.
Ensinou-nos o Professor Maurice Duverger qual a relação existente nestes casos, ou seja: 1º- a
representação maioritária a uma volta provoca o dualismo de partidos rígidos; 2º – a
representação proporcional provoca partidos múltiplos e independentes; 3º - a representação
maioritária de dois turnos leva ao multipartidarismo temperado de alianças eleitorais 21.
Ora, a verdade existente nos países africanos de língua portuguesa mostram-nos a justeza das
afirmações anteriormente feitas bem como as condicionantes de ordem política e cultural
prevalecentes.
Não será por acaso que constatamos que os cinco países que fazem parte dos PALOP, que têm
uma história em comum optaram por sistemas eleitorais e de governo com as mesmas
características. A consulta da legislação constitucional e eleitoral de Angola, Cabo Verde,
Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique mostram-nos que todos eles adoptaram,
em linhas gerais, os mesmos sistemas eleitorais quer na eleição do Chefe de Estado quer na
eleição dos Deputados ao Parlamento.
Guiné Bissau - A Assembleia Nacional Popular, unicamaral, é composta por 102 deputados
eleitos em 29 círculos eleitorais, sendo adoptado o sistema eleitoral de representação
proporcional (método de Hondt) obedecendo-se ao critério de distribuição dos restos às listas
partidárias que tenham obtido menor número de votos. Os partidos políticos têm o exclusivo
de apresentação de candidaturas para o parlamento.
São Tomé e Príncipe – A Assembleia Nacional deste país é unicamaral tem 55 deputados
sendo o sistema eleitoral adoptado o de representação proporcional, não existindo
claúsulasbarreira à conversão de votos em mandatos. Mostrando preocupações com a
representatividade do parlamento o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de todos os
círculos eleitorais, que são coincidentes com os distritos, elegerem obrigatoriamente um
mínimo de quatro deputados.
Angola – A Assembleia Nacional, unicamaral, tem 223 deputados, eleitos pelo sistema de
representação proporcional, obedecendo-se ao seguinte critério: 1 – cada uma das 18
províncias constitui-se em círculo eleitoral, elegendo 5 deputados cada uma, num total de 90
deputados (método de Hondt); 2 – 130 deputados são eleitos num único círculo eleitoral
nacional (método integral); 3 – a comunidade angolana no exterior elege 3 deputados. A
complexidade e as razões da adopção deste complexo sistema eleitoral serão analisados nesta
Conferência, numa outra comunicação que terei a honra de apresentar.
A apresentação deste pequeno quadro dos sistemas eleitorais nos PALOP levam-nos a
questionar quais as razões que levaram a que, de forma coincidente, todos eles adoptassem os
mesmos critérios de eleição dos titulares dos cargos políticos. As razões podem ser várias mas
parece-nos que se podem sintetizar nas seguintes:
1 – Todos eles têm uma história comum de colonização e de luta pelas independências;
Estes vários factores conduziram a que, sem que tivesse havido qualquer decisão de ordem
política, houvesse uma clara coincidência nas opções seguidas nas escolhas quer dos
sistemas eleitorais quer dos sistemas de governo.
Ora, não subsistem dúvidas que qualquer um dos cinco países dos PALOP está ainda em
processos embrionários de afirmação e construção de estados democráticos de direito em que,
não poucas vezes, se quer fincar o carácter democrático do Estado, com a realização de
eleições gerais, e se esquece, por vezes, dos pressupostos subjacentes a um estado de direito.
No dizer de Jean Jacques Rosseau o processo eleitoral resulta de um contrato social entre os
cidadãos, titulares da soberania, e os governantes em que estes têm o direito de exercer o
poder em nome do povo e em seu benefício e o povo tem o direito de depor os governantes se
estes não corresponderem às suas expectativas. Apesar do caracter polémico desta afirmação
não deixa de ser justo afirmar que os governantes devem ser titulares do que se chama de
legitimidade de título e de legitimidade de exercício, isto é, devem exercer o poder de acordo
com a vontade do povo expresso no pleito eleitoral e, simultaneamente, devem governar de
acordo com as aspirações e a vontade da maioria da população.
Ora, se é certo que deve ser através da luta política pacífica e por via das eleições que se deve
fazer o jogo político democrático, de alternância ou confirmação do poder pelas forças
políticas também é incontroverso afirmar que os eleitos não devem nem podem, após os
processos eleitorais, agirem como se tivesse havido uma transmissão plena da titularidade da
soberania do povo para eles, na base de como que um pacto de sujeição, à semelhança do que
se defendia nos finais do século XVIII, com a chamada teoria do poder popular alienável.
Um outro aspecto a considerar na apreciação dos sistemas eleitorais dos PALOP é o de que
todos estes países optaram por sistemas eleitorais em que predomina o princípio da maioria.
Mas, e retomamos aqui a ideia de Jorge Miranda, a maioria não é o critério da verdade, é
apenas o critério de acção. A efectivação do princípio da maioria implica a observância de
regras processuais já que não vale apenas a vontade maioritária mas apenas a que se forma e
manifesta no respeito pelas normas, sejam elas constitucionais, regimentais, estatutárias ou
legais que regulam o processo de tomada de decisões.
Temos consciência que a eleição política é uma instituição básica do Estado constitucional
representativo moderno e que não se pode conceber uma democracia ou um efectivo estado de
direito que não esteja assente em regras claras e precisas que reflictam da forma mais justa a
vontade da maioria das populações nos pleitos eleitorais.
Por esta razão entendemos ser correcta a opção feita nos PALOP de eleger os sistemas
eleitorais maioritário de duas voltas para a eleição dos Presidentes da República e de
representação proporcional para a escolha dos deputados ao parlamento nacional. Não sei
precisar se todos os países que integram os PALOP optaram pelo mesmo sistema eleitoral
para a escolha dos membros das autarquias, isto é, o sistema de representação proporcional.
Para nós, em Angola, talvez fosse aconselhável estudar as hipóteses de opção pelo sistema de
representação maioritária para as eleições autárquicas, para que a este nível de exercício do
poder houvesse uma personalização do voto evitando-se não apenas a “ditadura dos partidos”,
isto é, que eles continuem a ter o monopólio do exercício do poder político e para que os
cidadãos ao escolherem os seus representantes que vão fazer a gestão das suas áreas de
residência sejam entidades reais que se preocupem com os seus problemas e não figuras
anónimas que estão escondidas sob a capa das bandeiras partidárias.
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BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Raul, Os sistemas de governo de transição democrática nos PALOP, Coimbra
Editora, Coimbra, 2000.
Neste contexto, as eleições continuam a ser um mecanismo chave para a tomada de decisões
colectivas através de representantes com poderes para resolver os desafios com que se
deparam os seus países. O desenvolvimento democrático tem de ser um processo contínuo,
com uma vasta gama de acções participativas e interactivas a serem realizadas pelos cidadãos
no período entre as eleições. Mas, tão pouco as eleições são um processo final e directo, que
pode ser dado como certo.
As considerações iniciais que se seguem apontam para algumas das características gerais da
democracia eleitoral na África Austral, seguidas de seis desafios distintos com que se debatem
os protagonistas eleitorais na região.
Diversidade
“Para ser franco, até ao século 18 todos tinham uma ideia clara do que era a democracia e
ninguém era a favor dela. Agora, as opiniões são contrárias. Todos são a seu favor, mas
ninguém mais faz ideia o que ela é”20.
Assim, vários países na região defrontam-se com uma gama de desafios e nem sempre é fácil
ou aconselhável propor soluções generalizadas. Existem países na região que passaram por
vários sistemas políticos desde a independência, e essas experiências continuam a moldar a
sua vida política e económica mesmo após a adopção de novas formas de representação. Para
exemplificar, o quadro 2 resume a diversidade de sistemas eleitorais nos países membros da
SADC:
Partilhar experiências
Por exemplo, a União Europeia tem procurado definir uma política externa comum em relação
à democracia e à ajuda eleitoral. Continuam a existir parcerias de ONGs a nível bilateral e
internacional entre a África Austral e vários actores europeus, mas a União Europeia, como
um todo, tem procurado ser um actor na política internacional. A UE tem utilizado a questão
da entrada na comunidade europeia como forma de tentar promover o desenvolvimento
democrático nos países da Europa do leste. No caso da África Austral, o apoio da UE, através
do seu Programa Especial, às ONGs e às negociações prévias a 1994, constituíu o seu “maior
programa de ajuda programada” na época 22.
Esta forte ênfase da UE sobre a África do Sul continuou após 1994 com a renovação do seu
compromisso à consolidação democrática, apesar de algumas mudanças verificadas com a
troca das ONGs por órgãos de estado. Olsen sugere que os financiamentos da UE para a
África do Sul constituiam uma aposta relativamente segura, já que com o provável regresso à
governação pela maioria28 poderia demonstrar a eficácia da sua ajuda.
22 Gorm Rye Olsen, “Promoção da Democracia como Instrumento da Política Externa actual para uma
maior duração dos processos eleitorais através do anúncio dos resultados finais. 28 I.e. a abolição do
apartheid.
Claro que a ajuda internacional às eleições na SADC transcendem o apoio financeiro e podem
servir de apoio à consolidação de eleições multipartidárias de várias formas. Por exemplo, a
comunidade internacional tem participado em operações de manutenção de paz, facilita a
resolução de conflitos e a criação de condições para a realização de eleições, ajuda no
desenvolvimento de infra-estruturas eleitorais e na monitorização e observação de eleições.
Esta última questão- observação internacional das eleições- tem recebido algumas críticas pelo
facto de resumir-se a um mero turismo político. Porém, uma das funções básicas da
observação de eleições continua a ser a detecção e, esperançosamente, o impedimento de
fraudes. A observação de eleições pode ainda conferir credibilidade internacional aos
resultados eleitorais. O valor das missões de observação eleitoral deve ser avaliado em função
da questão, se as mesmas se fazem presentes durante grande parte do processo eleitoral até a
altura do anúncio dos resultados finais.
Outra consideração é à forma como a observação eleitoral está ligada à ajuda internacional.
Nesta relação, a declaração de eleições como sendo “livres e justas” (seja como for feita esta
definição e os limites a essa conclusão) torna-se um marco de apoio importante para o acesso
a financiamentos futuros e outro tipo de ajuda.
O ECF é um fórum que estabelece uma plataforma para os seus membros partilharem
experiências sobre gestão e formação eleitoral, bem como reforçarem o papel das autoridades
eleitorais independentes na região. Para aprofundar estes objectivos, o ECF organiza missões
regionais de observação, recolhe informações sobre processos eleitorais na região e difundeas
através de várias publicações. Após a realização de eleições, o ECF induz ainda a participação
das autoridades eleitorais locais em acções de troca de opiniões e observações e de
recomendação sobre a melhoria do trabalho. O ECF esta aumentando a sua capacidade através
da participação dos seus membros em formações sobre resolução e prevenção de conflitos
específicos, da compilação de uma base de dados sobre peritos em eleições a ser distribuída a
todos os estados da SADC em vésperas das eleições, e facilitando o intercâmbio de
informação e ideias através do desenvolvimento de um programa regional de tecnologia de
informação.
Podemos explorar estes temas baseando-nos em seis grandes desafios que dificultam o
desenvolvimento da capacidade estatal, a administração eleitoral e a cultura política
democrática para partidos e eleitores na África Austral.
2. Resolução de conflitos
Quase todos os países da região austral de África já realizaram eleições multipartidárias num
passado recente. A República Democrática do Congo (RDC) encontra-se mergulhada numa
guerra civil enquanto que a Suazilandia proibiu os partidos políticos e suspendeu a
constituição. Angola realizou eleições em 1992 sem sucesso, retornando a guerra civil. O
Lesoto realizou-as em 1998, seguidas de tumultos, o que motivou o envio de uma força de
manutenção de paz da SADC para a restauração da ordem. O Zimbabwe envolveu-se num
processo de negociação constitucional como antecâmara à realização de eleições em 2000. Os
distúrbios políticos que se seguiram bem como a invasão de fazendas por parte de veteranos
de guerra e a violência têm ameaçado a estabilidade do tecido social e político do país.
A capacidade de fazer campanha sem temor a violência é um direito político básico que requer
vigilância e compromisso por parte dos partidos políticos, seus apoiantes, as forças de
segurança e do órgão administrativo eleitoral. A concepção de um código de conduta que –se
possível - faça parte da lei eleitoral é uma forma de contribuir para o desenvolvimento de
práticas eleitorais livres e justas. Neste código de conduta poderão ser proibidas e prescritas
certas formas de comportamento por parte do governo, da comissão eleitoral, dos partidos
políticos, dos seus apoiantes e dos meios de comunicaão social.
Por exemplo, a Lei Eleitoral da África do Sul de 1998 considera positivo o envolvimento de
partidos políticos no processo eleitoral e rege as actividades de partidos políticos neste
sentido. Os partidos registados estão sujeitos a um Código Eleitoral de Conduta destinado a
regular o seu comportamento durante o período eleitoral. Entre estas regras, citam-se as
seguintes proibições aos partidos políticos:
o Os partidos não podem utilizar linguagem ou actos que de qualquer forma provoquem
violência ou a intimidação de candidatos, membros de partidos, representantes ou
apoiantes de partidos, candidatos ou eleitores.
o Os partidos não podem publicar declarações falsas ou difamatórias com relação à
eleição de um partido ou seu candidato,
o Ninguém poderá retirar, ocultar ou destruir qualquer material de votação ou eleição, o
Ninguém poderá praticar a sedução para filiação ou abandono de um partido,
participação ou abandono de uma reunião, comício, demonstração ou evento político
público ou para a votação ou não de uma forma particular,
o Ninguém poderá transportar ou exibir armamento numa reunião política
o Ninguém poderá incorrectamente impedir o acesso dos eleitores à educação eleitoral,
recolha de assinaturas, recrutamento de membros ou angariação de fundos e de
apoio23.
Claro que os tribunais continuam a ser um importante e derradeiro juízo em termos de defesa
da lei eleitoral. Mas no fim, fica-nos a ideia de que o processo não só é legitimado por todas
as partes envolvidas mas, que existe uma capacidade efectiva do Estado para pôr em prática
processos e consequências. Um sistema judicial imparcial e efectivo depende de um aparelho
de Estado forte e capaz de funcionar devidamente. Para fins eleitorais, deve-se desenvolver
uma formação técnica especializada de modo a garantir que qualquer mecanismo utilizado
para a resolução de conflitos contribua para legitimar o processo eleitoral e não para
31
Secretariado da Commonwealth, Relatório do Grupo Observador da Commonwealth, Eleições Presidenciais e
Legislativas na Tanzânia, 29 de Outubro de 1994, p. 14.
3.2 Sustentabilidade financeira
As eleições de transição têm-se tornado num empreendimento oneroso 25. Por exemplo,
veremos abaixo o custo das eleições por eleitor registado num quadro comparativo a nível
regional e internacional:
Porém, ao fim e ao cabo a valiosa ajuda internacional poderá decrescer e as eleições de alto
custo acabam por pôr em causa a continuidade da própria democracia que elas tentam
sustentar. Como alternativa, propõem-se soluções com realce em intensivo de mão-de-obra ao
invés de intensivo de capital e em formação ao invés de tecnologia, bem como em transferir o
25 Marina Ottaway e Theresa Chung, “Debate Sobre a Ajuda à Democracia: Rumo a um Novo Paradigma”,
Journal of Democracy, Nº 10. 4 de Outubro de 1999, p. 102.
apoio para ONGs que agem em nome de grupos e membros dedicados (organizações
sindicais, organizações de produtores, femininas, etc.). A tendência rumo à criação de
comissões eleitorais independentes sugere que as soluções criativas que interliguem o
envolvimento dos sectores estatal e não estatal na organizacão de eleições devem ser
ponderadas.
Em segundo lugar, os partidos têm o poder de representar o eleitorado, não apenas em termos
ideológicos, mas igualmente de trabalhar para garantir que os seus associados, candidatos e
membros eleitos representem o eleitorado em termos de raça, sexo e identidade regional. Por
exemplo, a aplicação de uma quota de género por parte do ANC no sistema de representação
proporcional sul africano contribuiu grandemente para a representação da mulher em cargos
de eleição. Outro exemplo de desenvolvimento partidário cinge-se ao facto dos partidos
necessitarem de desenvolver os seus mecanismos internos de democracia com vista a garantir
que as deliberações internas, a selecção de candidaturas e o acesso a cargos partidários
decorram de uma forma compatível com as práticas democráticas.
Em terceiro lugar, os partidos políticos podem contribuir para um desenrolar justo e livre do
acto eleitoral através de esforços tendentes a garantir que o comportamento dos seus
candidatos e apoiantes, bem como os de outros partidos, esteja de acordo com um código de
conduta, que deve ser estabelecido em consulta com os restantes partidos. Os partidos podem
ainda jogar um papel directo na vigilância mútua das actividades. Neste aspecto, o papel
primário dos partidos políticos no processo de monitorização eleitoral é ver e ser visto –
ambas actividades emprestam credibilidade às eleições. Mais ainda, os partidos desempenham
um papel crucial assegurando resultados eleitorais livres e justas e a gestão de todo o processo
eleitoral. Eles podem ainda servir como verificadores do processo eleitoral, vigiando o
comportamento uns dos outros durante todo o período eleitoral, para além do esforço
administrativo da Comissão Eleitoral Independente.
A Namíbia constitui uma excepção neste aspecto sendo que a não revelação de doações
externas, neste país, poderá resultar em multa ou pena de prisão. Em 1999, partidos políticos
sem assento parlamentar na Namíbia e na África do Sul queixaram-se de serem excluídos dos
financiamentos públicos. Manifestações de desagrado têm-se feito sentir igualmente em
relação à atrasos na entrega dos fundos. Por exemplo, os partidos políticos nas eleições de
1995 na Tanzânia e de 1999 em Moçambique, queixaram-se de ter recebido somente
pagamentos parciais ou então com um atraso considerável. Onde existe esta forma de
financiamento público dos partidos políticos, estes são obrigados a manter recibos e a enviar
relatórios de contas ao órgão emissor dos fundos (geralmente a comissão eleitoral).
No segundo modelo, alguns dos partidos políticos da SADC não recebem fundos públicos mas
são autorizados a realizar acções privadas de angariação de fundos (por ex: Ilhas Maurícias,
Zâmbia). Em alguns casos, os candidatos, individualmente, estão sujeitos à limitações em
termos de gastos na campanha mas os seus partidos não (por ex: Botswana).
Os partidos no poder não devem extrapolar os seus poderes através do uso indevido de
recursos do Estado. Logicamente, os partidos da oposição não o podem fazer, assim sendo,
não se deve poupar esforços para garantir a realidade e a percepção de oportunidades iguais
para todos os concorrentes.
6. Participação pública
Uma das componentes básicas de eleições livres e justas está em garantir que os eleitores não
só saibam como votar, mas que tenham também um entendimento mais amplo dos seus
direitos políticos e civis. Neste sentido, a educação cívica torna-se elemento crucial na
consolidação da democracia.
Porém, as redes de educação cívica a nível nacional e regional enfrentam vários desafios tais
como a escassez de recursos financeiros e a necessidade de melhorar a coordenação entre os
membros para garantir eficácia no trabalho e o mínimo desperdício, principalmente nas áreas
rurais. Por exemplo, as ONGs em Angola deparam-se com dificuldades técnicas e logísticas
devido ao estado de guerra e infra-estruturas danificadas no país. Pelo contrário, as campanhas
de educação cívica na Namíbia têm ligação formal com o governo e acesso a recursos do
Estado, o que sugere um alto nível de interligação entre ONGs e Governo naquele país. Num
outro exemplo, as redes de edeucação cívica no Malawi desempenharam um papel chave no
apoio à transição democrática no país mas devem agora ultrapassar o desafio das divisões
regionais que caracterizam a vida política no Malawi.
Uma população informada poderá aumentar o número do registo de eleitores, bem como a
afluência às urnas. A conclusão a que se chega é que não existe substituto aos esforços
sustentados para garantir que os povos da África Austral estejam informados sobre as suas
opções políticas.
Conclusão
Embora a discussão do conjunto de temas deste trabalho não seja exaustiva, ela recorda-nos
que a África Austral combina sucessos e desafios de futuro. O trabalho prático e intelectual,
que resta para ser realizado na região, deverá ter em consideração o compromisso de
indivíduos e organizações provenientes de vários sectores da sociedade para ultrapassarem os
actuais níveis. Assim, as discussões futuras devem reconhecer que não existe uma forma única
de democracia eleitoral nem um ponto final ao processo democrático. Neste sentido, em cada
fase do processo democrático devemo-nos sentir sempre em transição democrática. Não quer
isto dizer, que qualquer prática democrática seja igual a todas as outras, mas sim reconhecer
que devemos continuar a avaliar cada um dos nossos processos à luz do trabalho dos outros e
estar preparados para as mudanças.
Presentemente, a EISA, em associação com os seus parceiros regionais, tem vindo a trabalhar
num projecto de desenvolvimento de normas e padrões regionais que serão uma referência
para os países da SADC em véspera de eleições. Estas normas e padrões prevêem ainda linhas
mestras para os observadores internacionais que pretendam observar e verificar eleições em
países da SADC. Elas constituem um conjunto de orientações que reflectem as condições
materiais vigentes nos países da SADC, afirmando as nossas diferenças como região em
relação à outras regiões de África e dos países do mundo desenvolvido. Elas constituem ainda
um desafio aos observadores internacionais, no sentido de adquirirem uma maior sensibilidade
com relação as particularidades dos países da SADC e de avaliarem as eleições com base nas
nossas próprias normas e condições. Estas normas e padrões deverão ser cumpridas, não
apenas pelas autoridades eleitorais dos países membros da SADC mas também pelas agências
internacionais que desejem prestar um contributo sincero à consolidação da democracia na
região da SADC.
1. Introdução
Eleições constituem sim a base do conceito e prática das democracias liberais modernas. De
facto, eleições carregam um duplo significado: (a) basicamente, servem como um instrumento
para legitimar o regime político e (b) oferecem o principal forum tanto para a competição
política como para a participação política popular. Em ambos sentidos, eleições concorrem
para assegurar controle popular sobre o governo – o que é visto como a principal característica
principal do sistema democrático representativo de governo (Beetham and Boyle, 1995).
Podemos notar que as democracias liberais modernas são basicamente sistemas políticos
representativos. Isto significa dizer que um governo democrático é legítimo na medida em que
é constituído através de alguma forma de escolha expressa pela maioria dos cidadãos. Nos
variados postulados teóricos, de Locke a Rousseau, de James Madison a Schumpeter, um
governo democrático é aquele que tem uma mandato popular, obtido através de diversas e
distintas formas de aferir a vontade popular.
Importa destacar, conforme enfatizado por Schumpeter e outros teóricos (por exemplo,
William H. Riker, 1982) que um aspecto importante das definições das democracias modernas
é que os indivíduos conquistam o poder de decisão por meio de uma luta competitiva pelo
voto popular (Schumpeter, 1954). Este característica liga eleições a um quadro institucional
particular, nomeadamente, aquele do sistema político multipartidário. Esta é uma qualificação
importante pois eleições podem ter lugar, e participação política pode ser encorajada com
vista à legitimação de um regime político fora do contexto da forma de governo democrático,
liberal e representativo. A pirâmide democrática de Betham e Boyle inclui, além das eleições,
direitos civis e políticos, uma forte sociedade civil e um governo que presta contas, tudo
encontrando expressão num bom funcionamento do sistema político pluralista (Beetham &
Boyle, 1995).
Estas são razões suficientes porque é importante reflectir como os modelos eleitorais e a
práticas eleitorais influenciam o desenvolvimento do sistema democrático. Mais importante
ainda, particularmente para casos como Moçambique, que não somente está nas fases iniciais
da sua democratização como está emergindo de uma guerra prolongada e devastadora. Na
discussão que segue, pretendo abordar a questão da escolha do modelo eleitoral mostrando
como tem reflectido duas discussões dicotómicas e distintas, nomeadamente, por um lado, a
escolha entre representatividade e governabilidade e, por outro lado, o possível ou desejável
equilíbrio entre competição política e participação política popular.
Nos dois casos a discussão vai considerar que a questão não é meramente da esfera do debate
teórico. A verdade, é uma questão da ordem dos problemas práticos que confrontam um país
recentemente saído da guerra que não somente criou profundas rivalidades entre importantes
grupos na sociedade mas também destruiu o sentido de confiança mútua e propósito comum
entre a população por muitos anos.
2. O Contexto Moçambicano
Moçambique é um país de cerca de 18 milhões de habitantes, de acordo com o Censo
Populacional de 1997. O Censo Eleitoral de 1999 registou um universo eleitoral de cerca de 8
milhões de eleitorais em todo o país. A divisão administrativa do país estabelece 10 províncias
e a Cidade (capital) de Maputo, que tem estatuto de província. Estas 11 províncias constituem
os círculos eleitorais nas eleições gerais.
Segundas eleições gerais tiveram lugar no período regulamentar, portanto em finais de 1999,
iniciando uma consolidação dos processos eleitorais nacionais no país.
Entretanto, em Junho de 1998, tiveram lugar as primeiras eleições autárquicas que, seguindo a
legislação adoptada, circunscreveram-se a apenas 33 cidades e vilas.
26 BRITO, Luís “Estado e Democracia Multipartidária em Moçambique” in: BRITO, Luís e Bernerd
Weimer Multipartidarismo e Perspectivas Pós-Guerra, Relatório de Seminário, Maputo, Universidade
Eduardo Mondlane e Fundação Friedrich Ebert, Março de 1993, pág. 30. 34 Ibid, pág. 30.
Antes de me debruçar sobre estes processos eleitorais, importa ainda algumas outras
considerações, ainda que breves e bastantes genéricas, sobre o país de que tratamos. O
contexto em que se desenvolve o processo de implantação e consolidação da democracia
multipartidária é de profunda crise da sociedade moçambicana.
Moçambique é ainda um dos países mais pobre do mundo. Dados do Instituto Nacional de
Estatística indicam que dois terços da população vive em condições de pobreza absoluta.
Desde os finais dos anos 80 que o país vem implementando um Programa de Reabilitação
Económica e Social patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.
As mudanças promovidas levaram a uma estabilização macro-económica e crescimento
económico assinaláveis. A paz e estabilidade política que se foram consolidando desde a
assinatura do AGP em 1992 permitiram, por exemplo a reconstrução de grande parte das
infra-estruturas sociais económicas destruídas durante a guerra. Esses desenvolvimentos
conduziram por exemplo a Moçambique fosse elegível ao programa HIPIC de redução da
dívida externa.
Mas o desafio de transformar esse crescimento económico em desenvolvimento está ainda por
se realizar. De acordo com o Índice de desenvolvimento humano elaborado pelo PNUD,
Moçambique continua no grupo dos dez países mais pobres do mundo. O próprio Estado é
incapaz de se manter sem o concurso da ajuda externa. Com feito, grande parte do orçamento
geral do Estado é ainda proveniente financiamento externo, quer sejam doações ou créditos. O
próprio financiamento dos processos eleitorais que se têm realizado no país de 1994 espelham
claramente essa extrema dependência. Apenas a título de ilustração, as eleições de 1999
custaram 40.8 milhões de dólares americanos, dos quais 22 foram uma contribuição da União
Europeia, 10 do PNUD e apenas 8.8 do Governo moçambicano.
Essa grande dependência espelha-se também no facto de que Moçambique é um país sob
grande escrutínio internacional, a influência de doadores e credores é muito pronunciada
mesmo nos assuntos mais domésticos.
Dois importantes pontos de partida para avaliar e compreender as escolhas feitas para o
modelo eleitoral em Moçambique encontram-se na cultura eleitoral prevalecente em
Moçambique pós-independência e na dominância da Frelimo e da Renamo no cenário político
moçambicano. Estes pontos estão institucionalmente relacionados e de facto, representados
formalmente pelas duas fontes principais da legislação eleitoral em Moçambique,
nomeadamente, a Constituição de 1990 e o Acordo Geral de Paz de 1992 – Lei n.º 13/92, de
14 de Outubro (Tollenaere, 2000).
Moçambique tem hoje 26 partidos políticos oficialmente registados. O primeiro a ser registado
foi o partido no poder há 26 anos, a FRELIMO, a 19 de Augusto de 1991. O mais recente foi
um pequeno partido de “operários e camponeses” - PANAOC, que se registou a 12 de Março
de 1999. A RENAMO, o antigo movimento guerrilheiro, registou-se a 22 de Augusto de 1994,
pouco antes das primeiras eleições. Em 1994, quando as primeiras eleições tiveram lugar,
tinham sido registados 18 partidos políticos. No período que conduziu às eleições gerais de
1999 outros 8 partidos políticos registaram-se.
Nas eleições gerais de 1994 formaram-se e concorreram duas coligações: Aliança Patriótica
(AP) juntando MONAMO e FAP, e a União Democrática (UD) congregando três partidos que
advogavam o sistema federal de governo (PALMO, PANADE e PANAMO). Enquanto o
MONAMO era um partido constituído à volta de um político veterano e advogado Dr.
Máximo Dias, FAP era um partidos de jovens criado principalmente por graduados da
Universidade Eduardo Mondlane. Os partidos na União Democrática tinham em comum o
facto de a sua liderança ter saído dos quadros da Frelimo. Nessa altura, apenas um partido – o
PPLM – não conseguiu tomar parte nas eleições por causa de irregularidades na sua inscrição.
Assim, nas eleições de 1994 concorreram 12 partidos e 2 coligações.
Não se trata aqui de argumentar que a questão da representação foi negligenciada na prática
política da Frelimo. Antes pelo contrário, a primeira Assembleia Popular assegurou um
sistema de representação através do qual indivíduos representando diferentes segmentos da
sociedade (as organizações democráticas de massas) tinham automaticamente assentos
garantidos. O ponto é que enquanto tal medida pode muito bem ter funcionado como um
instrumento de promover a consciencialização política entre os cidadãos, não constituía um
factor relevante na governabilidade do país. Assim, não veio como surpresa quando a
Constituição de 1990, aprovada pela Assembleia Popular – de partido único – estabeleceu o
sistema eleitoral maioritário.
35
Renamo-União Eleitoral inclui os seguintes partidos: (1) RENAMO, Resistência Nacional Moçambicana; (2)
MONAMO, Movimento Nacional de Moçambique; (3) PCN, Partido de Convenção Nacional; (4) FUMO,
Frente Unida de Moçambique; (5) PRD, Partido Renovador Democrático; (6) PPPM, Partido do Progresso do
Povo de Moçambique; (7) UDF, Frente Democrática Unida; (8) UNAMO, União Nacional Moçambicana; (9)
FAP, Frente da Acção Patriótica; (10) PUN, Partido da Unidade Nacional; e, (11) ALIMO, Aliança
Independente de Moçambique.
36
A UMO, União Moçambicana da Oposição, inclui os seguintes partidos: (1) PADEMO,
Partido Democrático de Moçambique; (2) PACODE, Partido do Congresso Democrático; e,
(3) PAMOMO, Partido Democrático para a Reconciliação em Moçambique.
37
A UD, União Democrática, por sua vez inclui os seguintes partidos: (1) PANAMO, Partido Nacional
deMoçambique e PANADE, Partido Nacional Democrático.
comprometeu-se a não promulgar qualquer legislação contrária ao acordo atingido”
(Protocolo I – Princípios Básicos). Na realidade esta situação significou que até às eleições de
1994 o AGP era de facto acima da Constituição da República, a apenas posteriormente de jure
a ela submetida (Carrilho, 1996).
Em termos do contexto das negociações de paz de Roma dois aspectos merecem menção. Um
refere-se à óbvia desconfiança entre as duas forças rivais que, aliás, durante as negociações
ainda levaram a cabo operações militares de vulto. Num tal contexto não é difícil de
compreender por que cada parte tratava com muita suspeição qualquer proposta que viesse
“do outro lado”. O outro aspecto tem a ver com uma percepção da Renamo sobre de uma
relativa vantagem política da Frelimo no país. Com efeito, a Frelimo não apenas dirigiu a luta
de libertação que conduziu o país à independência como também foi o partido único no poder
desde então. Este cálculo poderá ter levado a Renamo a considerar que a Frelimo terá
escolhido o sistema maioritário a fim de perpetuar a sua dominância no país. Assim, para
assegurar uma futura representação relevante no parlamento – ante os constrangimentos de
uma ordem dominada pela Frelimo – a Renamo optou pelo sistema de representação
proporcional, através de listas partidárias fechadas e bloqueadas, tomando as 11 províncias do
país como círculos eleitorais.
Aparentemente, poderia ser sustentado que enquanto a Frelimo optou pela governabilidade ao
invés da representatividade e que a Renamo fez o inverso. Na realidade, ambos partidos
escolheram os sistemas eleitorais que pareciam melhor servir os seus interesses. O Sistema de
representação proporcional veio a ser adoptado e se mantém. Entretanto, e independentemente
das preferências iniciais dos dois grandes partidos, após a realização das primeiras eleições, e
contrariamente a intencionalidade do sistema escolhido, o sistema de representação
proporcional praticado em Moçambique produziu um sistema partidário comumente associado
ao sistema eleitoral maioritário.
Com efeito, as primeiras eleições multipartidárias produziram uma forte maioria parlamentar
da Frelimo e um sistema bipartidário, embora a União Democrática provavelmente
acidentalmente (cf. Brito, 1996) tenha conseguido 9 assentos na Assembleia da República
contra 129 da Frelimo e 112 da Renamo. Interessante é notar que com os mesmos resultados
de votação, se o sistema adoptado fosse o maioritário – como originalmente havia sido
proposto pela Constituição de 1990, a Renamo teria assegurado a uma maioria muito
confortável de 152 assentos. E isto teria sido assim pelo facto de a RENAMO ter conseguido a
maioria dos votos em 6 dos 11 círculos eleitorais do país, incluindo a as províncias da
Zambézia e de Nampula, de longe os maiores do país (totalizando 103 assentos as duas
combinadas)27.
4. O Voto Regional
Isto nos conduz para uma apreciação mais de perto do comportamento eleitoral em
Moçambique. Antes note-se que as primeiras eleições autárquicas realizadas em Junho de
1998 foram marcadas pela abstenção, tanto dos partidos políticos como dos eleitores. Uma
coligação liderada pela RENAMO, congregando mais de uma dezena e meia de pequenos
partidos decidiu boicotar o escrutínio, não apenas não concorrendo como também fazendo
uma campanha de apelo à abstenção. Os eleitores por seu turno também optaram por ficar em
casa e usar a tolerância de ponto como um simples dia de folga. Com efeito, apenas 15% dos
eleitores compareceram às urnas.
Assim sendo, os dados das primeiras eleições autárquicas não oferecem uma base relevante
para a compreensão do comportamento eleitoral tendo em consideração os altos índices de
abstenção tanto dos eleitores como dos partidos. Trataremos então apenas das eleições gerais.
Outro factor que tem sido mencionado neste âmbito tem sido a falta de estabilidade
institucional, a presença territorial, capacidade organizacional material e financeira limitadas
de todos os outros partidos fora os dois principais concorrentes. Além disso, menciona-se a
cultura do medo e a extrema deferência perante autoridades – fortalecida pelos modos de
exercício político tanto pré-coloniais como do colonial-fascismo – pode ajudar a explicar
porque a batalha eleitoral restringe-se basicamente à Frelimo e à Renamo.
O sociólogo Luís de Brito produziu uma cartografia eleitoral com base nos dados das eleições
de 1994 e argumenta pelos factores de ordem mais estrutural e histórica (Brito, 1996 e 2000b).
27 Em 1994 o número de mandados estava assim distribuído: Cabo Delgado, 22; Niassa, 11; Nampula, 54;
Zambézia, 49; Tete, 15; Manica, 13; Sofala, 21; Inhambane, 18; Gaza, 16; Maputo Prov, 13 e Maputo Cidade,
18.
A cartografia eleitoral mostra basicamente que a repartição geográfica dos votos nas eleições
de 1994 não obedece a um padrão uniforme. O estudo revela que a clivagem política que
polariza o país em torno de duas grandes forças políticas – a Frelimo e a Renamo – e seus
candidatos presidenciais, tem uma base territorial muito nítida. Este quadro veio ser
confirmado nas segundas eleições gerais, de 1999.
Nas eleições de 1994 a Frelimo e a Renamo recolheram, em conjunto, 82% dos votos válidos,
sendo 44,3% para a Frelimo e 37,8% para a Renamo. Por seu turno, Chissano e Dhlakama,
conquistaram, em conjunto, 87% dos votos válidos, sendo 53,3% para Chissano e 33,7% para
Dhlakama.
Nas eleições de 1999 esse padrão se repete. A Frelimo e a Renamo-União Eleitoral foram as
únicas formações que conseguiram, individualmente, votação acima dos 5% e, portanto, obter
assentos parlamentares. Nas eleições presidenciais, Chissano e Dhlakama foram os únicos
concorrentes. Curiosamente, o terceiro candidato mais votado em 1994, Whehia Ripua, não
conseguiu juntar assinaturas suficientes para inscrever a sua candidatura para as estas
segundas eleições gerais multipartidárias.
Essa clivagem política tem uma expressão territorial claramente marcada. A Frelimo tem
predominância concentrada nas províncias do Sul do país (donde é oriunda uma parte
significativa da sua direcção histórica) e nalgumas províncias do extremo Norte
(particularmente no planalto dos Makondes donde saiu o essencial do seu exército durante a
luta pela independência nacional) e a da Renamo nas províncias do Centro e em zonas do
Centro-Norte (donde são originários os seus principais líderes e também onde historicamente
ela recrutou os seus primeiros militantes).
O sistema eleitoral, ainda que parte importante do sistema político e do todo o funcionamento
de uma sociedade democrática, é apenas um dos seus elementos. Portanto, o sistema eleitoral
não pode ser analisado isoladamente de outros ingredientes do sistema político. Afinal, um
mesmo sistema eleitoral em contextos políticos diferentes não produzirá necessariamente os
mesmo impacto (IDEA, 1997).
28 BRITO, Luís. (1995) “O Comportamento Eleitoral nas Primeiras Eleições Multipartidárias em Moçambique”
In: Brazão Mazula (ed.) Eleições, Democracia e Desenvolvimento, Maputo, pág. 485.
A título de exemplo, poderia notar que uma das condições do avanço na construção
democrática é a existência de um Estado eficiente – o que está longe de ser o caso de
Moçambique e de muitos países africanos – capaz de agir como catalisador do
desenvolvimento económico e de se constituir como o lugar da resolução dos conflitos no
respeito à lei. E aqui, permitam mesmo que de passagem notar que o desafio é até que ponto
os partidos políticos estão preparados e dispostos para enfrentar esse desafio que é o de
conciliarem os seus interesses particulares e imediatos (em especial o de conquistar
rapidamente posições de poder) com a necessidade de promover o papel estabilizador e
regulador da vida social, que é uma das funções essenciais do Estado, sabendo que esse
Estado é ainda controlado pelo antigo partido único, que domina directa ou indirectamente o
complexo burocrático estatal e mesmo os principais meios de informação.
6. Desafios
A grande vantagem do sistema adoptado em Moçambique foi a sua capacidade para assegurar
um processo de pacificação e reconciliação nacional. Isto se deveu a uma conjugação de três
elementos principais. Por um lado, o envolvimento directo do sistema das Nações Unidas em
quase todas as fases do processo eleitoral – na prática funcionando como a terceira parte
garante da implementação dos acordos conseguidos - foi crítica.
Por outro lado, a de facto bipolarismo político assumido pelas duas principais forças políticas
na constituição e funcionamento dos órgãos eleitorais também contribuiu para amenizar o
ambiente de desconfiança e serviu de garantia de uma certo grau de competição política
dentro de limites não destrutivos do processo de reconciliação nacional. Finalmente, mas não
menos importante, a força das organizações da sociedade civil também desempenharam um
papel crucial durante este período. Com efeito, o fenómeno do cansaço da guerra e o desejo de
encontrar um novo começo para o país levou a que várias entidades da sociedade civil
tomassem inúmeras iniciativas com vista a garantir que eleições consolidassem em vez de
travar o processo de paz.
Mas é importante, a meu ver notar, a este respeito que, tão importante quanto a qualidade do
sistema eleitoral a adoptar (mesmo quando essa qualidade é medida em função da relação com
o contexto político, social e económico bem como as legítimas aspirações do país) é o
processo que leva a esse sistema. Em Moçambique, a escolha do sistema eleitoral, feita no
contexto das negociações de Paz de Roma, ao envolver as principais forças políticas,
representou o compromisso político possível.
Não obstante, são vários os desafios que se colocam ao sistema político moçambicano.
Basicamente, podemos resumi-los em duas questões, a saber: (i) o aprimoramento dos
mecanismos de representação que assegurem responsividade, por um lado e, (ii) construção e
consolidação da confiança do cidadãos nas instituições democráticas, por outro. Isto tem a ver
com o modo como estas instituições operam mas também com os mecanismos estabelecidos
através dos quais se constituem.
Em termos de eleitorais está em curso mais uma revisão da lei eleitoral que busca reduzir os
pontos de conflito que mobilizaram os actores políticos sobretudo nas eleições de 1999.
Referências
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Southern Africa)
BEETHAM, David & Boyle, Kevin, (1995). Introducing Democracy: 80 Questions and
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BRITO, Luís (1993) “Estado e Democracia Multipartidária em Moçambique” in: BRITO,
Luís e Bernhard Weimer (Eds.) Multipartidarismo e Perspectivas Pós-Guerra,
Relatório de Seminário, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane e Fundação
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___________.(1995) “O Comportamento Eleitoral nas Primeiras Eleições Multipartidárias em
Moçambique” In: Brazão Mazula (ed.) Eleições, Democracia e Desenvolvimento,
Maputo.
___________.(2000a) “Um breve Comentário a propósito das segundas eleições
multipartidárias moçambicanas” In: Actualidades Eleições Moçambique. Boletim
sobre o processo Eleitoral de 1999, EISA (The Electoral Institute of Southern Africa),
Nº 4, Março 2000, pp. 50-51.
___________.(2000b) Cartografia Eleitoral de Moçambique – 1994. Maputo: Livraria
Universitária
Portugal retirou-se do territorio em 1974 por entre confrontos entre forcas politicas umas
favoraveis a independencia e outras a integração na Indonesia. A FRETILIN, uma das forcas
politicas mais destacadas chega mesmo a proclamar a independencia do territorio a 28 de
Novembro de 1975 mas isso não impede a sua ocupação pela Indonesia que a incorpora como
sua 27a. Provincia.
33 A proclamação da Independencia foi programada para uma data entre Marco e Maio de 2002 (Aponta-se a
data de 20 de Maio de 2002), apesar de opinioes que questionaram a necessidade dessa proclamação, um vez que
a independencia havia ja sido proclamada a 28 de Novembro de 1975 pela FRETILIN.
34 Provavelmente o oitavo membro da CPLP – Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa.
- ETTA – Administração transitoria de Timor-Leste (um Governo transitorio integrando
funcionarios das Nações Unidas e cidadãos timorenses); - CONSELHO NACIONAL
– Parlamento transitorio; e - CEI – Comissão Eleitoral Independente.
35 Devido a politica cultural da Indonesia no periodo de ocupação do territorio que proibia terminantemente o
uso da lingua portuguesa, a maioria dos jovens abaixo dos 30 anos nao fala o portugues pelo que a principal
documentação eleitoral foi traduzida para o tetum (lingua local), o ingles e o indonesio.
36 Alguns documentos podem ser consultados nas paginas internet www.easttimorelections.com e www.undp.east-
timor.org .
Propoe-se uma Assembleia Constituinte integrada por 88 representantes eleitos, sendo 75
com base num unico circulo eleitoral nacional e 13 representando um por cada Distrito
administrativo do territorio (Art. 30.).
O Regulamento fixa ainda a capacidade eleitoral activa e passiva a partir dos 17 anos de idade
(Art. 300 e 320.).
Este regulamento fixa sanções que vão desde meras multas ate a medidas privativas da
liberdade.
Outros importantes documentos relacionados com o processo eleitoral são o MANUAL DAS
ASSEMBLEIAS DE VOTO e o MANUAL DO CENTRO DE ESCRUTINIO ELEITORAL
elaborados para os agentes eleitorais e para os grupos de observadores eleitorais e que
basicamente estabelecem as regras do acto eleitoral e do processo de apuramento ou contagem
dos votos, bem como o CODIGO DE CONDUTA E CONDIÇÕES DE OPERAÇÃO PARA
OS OBSERVADORES DO PROCESSO ELEITORAL EM TIMOR LESTE 37 cuja
denominação esclarece perfeitamente o seu objecto.
Para completar o conjunto dos principais documentos relacionados com o processo eleitoral
não se pode deixar de fazer referencia ao PACTO DE UNIDADE NACIONAL, de 8 de Julho
de 2001, um acordo entre os principais actores politicos de Timor Leste 38, testemunhado por
figuras idoneas e crediveis como os Bispos Dom Ximenes Belo e Basilio do Nascimento, os
lideres politicos Xanana Gusmão e Ramos Horta e o Administrador do territorio pelas Nações
Unidas, o brasileiro Sergio Vieira de Mello.
3. O sistema eleitoral
Para a eleição dos 88 representantes da Assembleia Constituinte foi estabelecido no
Regulamento Eleitoral (nr. 2001/2) que 75 (Representantes Nacionais) seriam eleitos com
base em listas apresentadas por cada partido politico concorrente e os outros 13
(Representantes Distritais), com base nos candidatos apresentados pelos partidos politicos por
37 A Fundação Asiatica ( The Asia Foundation ) colocou a disposição da organização das eleicoes um dos mais
bem elaborados manuais de observação eleitoral (Observer Manual – East Timor. Constituent Assembly
Election. 30 August 2001), incluindo formularios de observação eleitoral.
38 O Pacto foi assinado por 14 dos 16 partidos concorrentes, viria a sofrer dois golpes: No dia 29 de Agosto, dia
de reflexao apos ter terminado ja a campanha eleitoral e anterior a data das eleicoes, o PD - Partido Democratico
fez publicar um apelo eleitoral a seu favor num dos jornais de Dili e , por outro lado, o Presidente da UDT, Joao
Carrascalao, fez uma conferencia de imprensa declarando as eleicoes como fraudulentas, no que se manteve
isolado dos demais 15 partidos concorrentes e da opiniao generalizada dos observadores nacionais e
internacionais.
cada distrito, devendo os candidatos ser, em ambos os casos, membros do respectivo partido
(Art. 330.)39.
Tem igualmente interesse a metodologia estabelecida para a distribuição dos RESTOS (Art.
370, subfases 2 e 3).
Os Centros de Votação e as Mesas de voto estiveram a todo o tempo abertas aos Observadores
Nacionais e Internacionais, bem como aos representantes dos Partidos Politicos e todo o
processo eleitoral teve uma ampla cobertura da imprensa.
A localização das Mesas de Voto era em geral adequada. Exceptua-se o caso do Centro de
Votação nr. 107 (SMA Finantil, Aimutin), onde se fez a concentração dos eleitores fora do
recinto escolar, o que criou dificuldades no acesso e apos a abertura, um afluxo desordenado
que acabou por criar uma situação de injustica, colocando eventualmente no fim quem havia
chegado mais cedo ao local.
Período de votação
A votação iniciou em geral com um ligeiro atraso, como ja atras se referiu e decorreu
ininterruptamente, sendo apenas de registar o facto de que a existencia de apenas um oficial a
fazer a identificação dos eleitores nas listas e certamente tambem o facto de se ter seguido a
ordem alfabetica em vez de numerica dos Cartoes de eleitores, terem causado demoras
substanciais na rotação dos votantes. Chegou-se mesmo a ter casos de votantes que fizeram
ate 3 minutos e a estar apenas um votante por cada 3 a 5 cabines de votação.
Apenas foi constatado um caso de um eleitor registado em Distrito diferente (Lospalos) que
não foi autorizado a votar e 31 casos de eleitores registados mas que não constavam das listas.
Estes ultimos foram autorizados a votar apos preencimento dos formularios estabelecidos para
o efeito.
Em geral, a votação decorreu de modo ordeiro e exemplar, tendo-se verificado que os eleitores
deslocaram-se massivamente, desde cedo de manha, alguns acompanhados das suas familias,
aos locais de votação.
Encerramento da votação
A maioria das Mesas de Voto encerraram a hora marcada, tendo-se verificado rarissimas
excepções (por exemplo, Assembleia de Voto nr. 120 – Paulo VI) em que se permitiu a
entrada e o voto de cidadãos que se apresentaram depois das 16H00. Foi então argumentado
que o atraso verificado no inicio da votação e a longa demora nas filas fez com que alguns
40 O que se descreve neste capitulo coincide, no essencial, com o teor do Relatorio de observação eleitoral e
reflecte a experiencia do grupo de observadores do Governo de Angola, no qual o autor esteve incluido, que
visitou um total de 14 Centros de Votação e cerca de 61 Mesas de Voto.
eleitores se tivessem deslocado a procura de alimentos para a refeição do meio dia, dentre
outras razoes.
Assim, a contagem não foi feita nos locais de votação. As urnas foram todas recolhidas e
concentradas nas sedes dos Distritos54 onde foram abertas, misturados os boletins de voto
provenientes das varias localidades e so depois foi iniciada a contagem.
Comentários
Constatou-se que os eleitores afluiram em massa desde as primeiras horas da manha as
Assembleias de Voto. Compare-se, a titulo ilustrativo, os dois quadros seguintes sobre o que
ocorreu em Timor-Leste (tendo como base, por um lado, a cifra de 1000 eleitores por cada
Mesa de Voto e, por outro, fracções de tempo contadas desde a abertura ate ao encerramento
dos Centros de Votação) e o que um observador de nacionalidade brasileira afirmou ocorrer
no seu Pais onde o afluxo de eleitores aos Centros de Votação aconteceria essencialmente ao
meio do dia.
Por seu lado, a velocidade de rotação dos eleitores nas Mesas de Voto ficou bastante limitada
e retardada pela demora na identificação dos eleitores nas listas de registo. As Cabines de
Voto (entre 3 e 5 por cada Mesa de Voto) chegavam a ficar vazias ou apenas com um eleitor
de cada vez.
Foi sugerido o aumento, no futuro, de mais um oficial para a identificação dos eleitores em
cada Mesa de Voto e a pesquisa dos eleitores por ordem numerica do cartão de eleitor em vez
da ordem alfabetica.
Apesar disso, a velocidade de rotação dos eleitores foi aumentando ao longo do dia, tendo
atingido o numero de 350 a 650 votantes por Mesa ou seja, uma media de cerca de 1 minuto
por eleitor (Houve entretanto casos em que eleitores chegaram a atingir os 3 minutos para
votar).
41 A experiencia de Angola (eleicoes de 1992), ainda que nao comprovadamente relacionada com esta,
demonstrou que sendo embora preservado o caracter secreto do voto de cada eleitor, a contagem local e a
divulgação dos votos com essa indicação acabou por revelar a tendencia territorial do voto, tendo-se registado, na
sequencia da rejeição dos resultados eleitorais pelo lider do Partido UNITA, varios casos de represalias contra
povoacoes cujo resultado indicava terem votado preferencialmente por outros Partidos ou candidatos
presidenciais. Isso permitiu mesmo, a titulo de exemplo, identificar a existencia na Jamba (na altura
quartelgeneral da UNITA vedado aos demais Partidos) de votos favoraveis a outros Partidos e candidatos. 54
Provincias, no caso de Angola.
Foi ainda sugerida a previsão, no futuro, de filas exclusivas para gravidas, deficientes e idosos,
a possibilidade de se “picar” (furar) o cartão de eleitor como mecanismo complementar a
utilização da tinta indelevel, para evitar a duplicação da votação e ainda a distinção da cor das
Urnas, conforme o voto nacional ou o distrital.
6. Os resultados eleitorais
Os resultados eleitorais indicaram terem sido registados 384.248 votos, dos quais 20.747
invalidos e 363.501 validos.
O Partido FRETILIN venceu as eleições com um total de 55 dos 88 assentos da Assembleia
Constituinte, sendo 43 na votação nacional e 12 na votação distrital 42, ficando a uma reduzida
margem de 3 assentos para alcancar a maioria qualificada que permitiria ate aprovar a nova
Constituição. O Secretario Geral da FRETILIN, Mari Alcatiri, foi indigitado pelo
Administrador das Nações Unidas em Timor Leste como Primeiro-Ministro 43 a frente de um
Governo cuja composição reflecte os resultados eleitorais.
No numero de Observadores Nacionais acima referido não estão incluidos os delegados dos
Partidos politicos concorrentes presentes em todas as Mesas de Voto.
O facto de se não distinguir, por cor diferente, o cartão de identificação dos Observadores
Internacionais e o dos Nacionais, nem sempre permitiu a sua imediata identificação.
42 A FRETILIN venceu em 12 dos 13 Distritos. De notar que, por um atraso de 15 minutos, nao foi permitido
que o candidato da FRETILIN se registasse no 13 0. Distrito (Oecussi) onde acabou, entretano, por vencer um
candidato independente nao hostil a FRETILIN.
43 “Chief Minister” em ingles e, portanto, mais correctamente “Ministro-Coordenador” em portugues.
44 Coincidentemente, o mesmo numero de partidos que integram a Assembleia Nacional de Angola.
45 Cfr. nr. 3 da lista bibliografica, adiante, bem como a lista de formularios no nr. 16 da lista de anexos.
O segundo regista em especial as presencas no Centro de escrutinio de votos, os
procedimentos e a avaliação geral do processo de contagem.
No final da votação foram emitidos varios Comunicados e elaborados Relatorios dos grupos
de Observadores internacionais e nacionais que nem sempre foram amplamente difundidos
pela imprensa local ou mesmo publicados em edição especial, se possivel, a fim de dar a
conhecer a sua opinião e juizo as populações e as autoridades do Pais onde se realizaram as
eleições46.
A. Desde logo, haveria uma divisão “natural” que torne exigivel a Observação Eleitoral
Internacional apenas para os paises sub-desenvolvidos ou de democracias nascentes por
oposição as democracias mais antigas ou consolidadas as quais seriam imunes a problemas ou
dificuldades eleitorais e, portanto, intrinsecamente e sempre livres e justas?
Embora a pratica nos possa levar a uma resposta afirmativa, os recentes acontecimentos
registados durante o processo de eleição do Presidente dos Estados Unidos da America – que
acabou por ser decidido pelos Tribunais – e a propria globalização, bem como o Principio da
igualdade dos Estados sugerem que não deve ser menosprezasa a Observação Eleitoral
Internacional mesmo nestes paises.
B. Desde quando e ate que momento deve ser feita a Observação eleitoral? Deve observar-se
apenas o Acto eleitoral ou os actos preliminares como o Registo Eleitoral, a Campanha
Eleitoral e os actos posteriores a votação como o Escrutinio e a divulgação dos regultados
eleitorais?
C. Quantas opinioes são necessarias para se considerar uma eleição livre e justa ou o
oposto?E quantas a favor e contra? Ou basta uma (por exemplo, e no caso dos paises
subdesenvolvidos, a da ex-potencia colonizadora que geralmente tem um peso significativo ou
Não havera uma resposta univoca, mas parece essencial que se visite um minimo necessario a
se ter, ainda que por amostra, uma apreciação generica do decurso do processo eleitoral.
Entretanto, parece que a comparação da posição de um numero plural de Observadores ajuda a
chegar a conclusoes mais imparciais, sobretudo nos casos em que “a priori ” ha razoes para
alguma antipatia em relação a determinado regime ou dirigente politico, casos em que se corre
o risco de “pecar” por excesso de zelo e ter uma visão antecipadamente negativa sobre o
conjunto do processo eleitoral.
E. Varias outras questoes podem ser levantadas e irão se-lo certamente. Pretendemos
aquiapenas chamar a atenção para algumas delas.
“Considerando que a observação internacional de eleições tem vindo a ser praticada num
numero crescente de paises;
Considerando ser importante haver uma aproximação entre criterios de avaliação das
eleições por parte dos varios grupos de Observadores intervenientes, sob risco de se incorrer
no sindroma da “torre de Babel”;
PROPOE-SE:
Promover a organização de um Seminario ou Workshop internacional com instituições e
individualidades que participam regularmente na observação de eleições, em data e local a
definir e com os seguintes objectivos:
Bibliografia
1. Manual do NDI para la Observacion Nacional de elecciones. Guia de la A a la Z
(ISBN 1-880134-17-9, National Democratic Institute for International Affairs, 1995).
2. Adding Value to the Commonwealth democracy programme, CPSU – Commonwealth
Policy Studies Unit (ISBN 1855071118, London).
3. Observer Manual. East Timor, The Asia Foundation, 2001.
4. Lei Constitucional da Republica de Angola.
5. Lei Eleitoral de Angola (Lei nr. 5/92, de 16 de Abril).
CAPÍTULO III
O tema a ser abordado hoje tem como título “O sistema eleitoral em Angola – uma avaliação”.
Pretendeu a organização deste Seminário trazer a discussão a abordagem da experiência
angolana vivida no processo eleitoral multipartidário de 1992 para que se possam extrair as
lições necessárias para o próximo pleito eleitoral a realizar nos próximos tempos.
48 O Manual do NDI a que se refere o nr. 1 da Bibliografia aproxima-se desse objectivo.
49 Por coincidencia, no periodo de 21 a 23 de Novembro de 2001, o CPSU – Commonwealth Policy Studies Unit
(28 Russell Square, London, WC1B 5DS), ligado a University of London, promove uma conferencia intitulada
“Election Observation and the Commonwealth Post-Brisbane” para intercambio de informacoes e uniformização
de metodos sobre a observação eleitoral nacional e internacional, com a participação de importantes instituicoes
especializadas como, por exemplo, o IDEA (Suecia), o Carter Center (EUA) e o International Foundation for
Electoral Systems (EUA).
Sendo uma das pessoas que teve a possibilidade e felicidade de participar na elaboração e
discussão da legislação de transição democrática em 1991 e 1992 e, particularmente da Lei
Constitucional e Lei Eleitoral, parece-me que poderei prestar a esta magna audiência algumas
informações úteis sobre as razões que levaram a que optasse pelo actual sistema eleitoral, bem
como as minhas considerações sobre as vantagens e eventuais desvantagens existentes.
A Assembleia Nacional, em Angola, é unicamaral e é composta por 223 eleitos por sufrágio
universal, directo, igual e secreto (art. 79º da Lei Constitucional).
As candidaturas estão reservadas aos partidos que, de acordo com o sistema adoptado,
apresentam as suas listas plurinominais, que podem integrar cidadãos independentes.
De acordo com este sistema eleitoral os partidos políticos devem apresentar três listas de
candidaturas contendo, uma, a lista de candidatos para os círculos provinciais, que são
dezoito; outra, a lista para o círculo nacional e, finalmente, uma terceira lista, com os
candidatos para o círculo eleitoral para as comunidades do exterior.
O apuramento dos resultados eleitorais para as eleições legislativas é feito de acordo com três
critérios distintos, conforme se apuraram os deputados eleitos nos círculos eleitorais
provinciais, no círculo eleitoral nacional e no círculo eleitoral para as comunidades residentes
no exterior.
Para o primeiro caso utiliza-se o método de Hondt, sendo os restos distribuídos de acordo com
o critério de prioridade à lista que tenha o menor número de votos.
Para a eleição dos deputados do círculo eleitoral do exterior o critério é distinto conforme se
eleja os 2 deputados por África e um pelo resto do mundo. Para a eleição dos 2 deputados é
adoptado o sistema de Hondt e para o outro deputado o processo é simples: é eleita a lista que
obtenha mais votos.
De acordo com o actual sistema eleitoral a Assembleia Nacional apesar de ser unicamaral tem
representantes de todas as províncias do país, eleitos no sistema eleitoral complexo que
fizemos referência.
Este sistema eleitoral visou juntar, numa só câmara parlamentar, alguns dos objectivos que
norteiam a constituição de parlamentos bicamarais, como sejam, a representação proporcional
a nível nacional e a representação e eleição de deputados que, indirectamente, representam
cada uma das províncias do país.
Vejamos agora quais as razões que levaram a que se fizesse esta opção:
“3 – A Assembleia Nacional será eleita por sufrágio directo e secreto, através de um sistema
de representação proporcional a nível nacional”.
Uma análise ponderada e desapaixonada mostrou os grandes perigos de ordem política se esta
fosse a opção a ser seguida já que de acordo com a distribuição demográfica existente em
1992 correr-se-ia o risco de algumas províncias não terem qualquer representante no
parlamento, nomeadamente, as províncias do Cuando-Cubango, Cabinda, Zaíre, Lunda-Norte
e Lunda-Sul.
E foi com o objectivo de se prevenir situações que pudessem levar a desagregação da nação
que nas reuniões bipartidárias realizadas entre o Governo e a Unita, por unanimidade, se optou
pelo actual sistema eleitoral. As duas delegações num gesto louvável de patriotismo
assumiram um compromisso fundamental para o futuro do país.
O sistema eleitoral adoptado tem levantado várias dúvidas relativamente à sua justeza havendo
quem entenda que ele conduz a uma cerca desigualdade do voto, nomeadamente no que
respeita ao número de deputados a serem eleitos pelos círculos provinciais.
Pessoalmente entendo que não existe qualquer injustiça no nosso sistema eleitoral e que a
combinação feita entre os círculos provinciais e o círculo nacional acaba por ser benéfico para
os interesses das comunidades e dos partidos políticos.
Importa agora fazer uma avaliação geral do nosso sistema eleitoral, tema afinal desta
comunicação.
O primeiro aspecto a referir começa desde logo pela apreciação do sistema eleitoral em si para
depois passar a fazer uma análise dos mecanismos de aplicação da legislação eleitoral.
Entendo que se deve manter o sistema eleitoral adoptado que é o maioritário de duas voltas.
Aqui quero apenas chamar a atenção para uma questão que julgo ser necessário alterar e que
tem a ver com a legitimidade de apresentação de candidaturas.
Entendo que a apresentação de candidaturas para o cargo de Presidente da República deve ser
preferencialmente feita pelos cidadãos eleitores e em apêndice pelos partidos políticos.
Ao ser possível aos partidos políticos apresentar directamente candidaturas, elas devem ter o
respaldo obrigatório de um número mínimo de cidadãos eleitores, sob pena de haver uma
proliferação e banalização na apresentação de candidatos ao cargo de Presidente da República.
a) deve ou não ser introduzida uma clausula-barreira em que apenas sejam eleitas listas
que obtenham um mínimo de 5% do sufrágio nacional?;
b) nas próximas eleições o círculo eleitoral do exterior deve ou não ser eleito?
A minha opinião relativa as estas duas questões é a de que se deve introduzir esta
clausulabarreira, como elemento de correcção do sistema eleitoral de representação
proporcional, no sentido de se evitar a existência de um número demasiadamente grande de
partidos que ganham assento no parlamento devido ao critério da distribuição de restos. Com
esta medida haverá uma maior dignificação do parlamento e um outro engajamento dos
partidos políticos na vida política.
Sobre a segunda questão julgo ser pacífica a necessidade de se criarem as condições técnicas
para que nas próximas eleições os cidadãos angolanos residentes no exterior tenham
condições de exprimir o seu direito de cidadania na escolha dos Deputados à Assembleia
Nacional.
Vejamos agora os mecanismos técnicos de apoio às eleições.
Esta estrutura pode manter a orgânica de 1992, isto é, estar representada em todas as
províncias e municípios.
Não estarei muito enganado se afirmar que a experiência das eleições havidas, neste domínio,
foi positiva e que se o processo eleitoral resvalou não foi devido a um mau funcionamento
deste órgão mas por razões de ordem política estranhas a ele.
4 – Apuramento dos votos – A Lei Eleitoral estabelece que o apuramento dos votos
começa a ser feito nas mesas das assembleias de voto, sendo posteriormente feito o
apuramento provincial e nacional.
Tal como se verificou em Timor Leste sou da opinião, aliás extraída de uma comunicação
feita pelo Dr. Bornito de Sousa aos alunos desta instituição de ensino, que se faça o
apuramento dos resultados apenas a nível provincial e nacional, sendo as urnas deslocadas dos
locais de voto para a sede provincial.
Desta forma evitam-se as represálias aos cidadãos eleitores que eventualmente não hajam
votado num partido num determinado local.
Estas são algumas considerações sobre uma avaliação genérica do sistema eleitoral em
Angola.
A todos os presentes lanço o desafio para um debate aberto sobre a experiência vivida com o
nosso actual sistema eleitoral para que se possam corrigir as eventuais deficiências no
próximo pleito eleitoral.
Perspectivas para uma futura lei eleitoral à luz da reforma constitucional
1. Introdução
Não se torna facil abordar um tema, tão interessante e actual embora, como as linhas basicas
de uma “futura Lei Eleitoral”.
Desde logo, levanta-se a questão de saber se na realidade se pode falar com propriedade ou ate
mesmo se havera necessidade de uma “futura lei eleitoral” ou se bastara introduzir algumas
emendas na Lei Eleitoral vigente (Lei nr. 5/92, de 16 de Abril), apesar do caracter transitorio
de algumas das suas clausulas, como adiante se vera, para que possa ser utilizada para as
proximas eleições legislativas e presidenciais.
Outra questão previa, tem a ver com o facto de estar em curso um amplo debate sobre a futura
Constituicão, a nivel da Assembleia Nacional, numa primeira fase e, depois, a nivel dos varios
sectores da sociedade.
Algumas opções constitucionais fundamentais podem vir a ter assim uma influencia decisiva
sobre o texto da Lei Eleitoral. Imaginemos a hipotese de se vir a concluir pela eleicão do
Presidente da Republica por sufragio indirecto (pelo Parlamento) ou a hipotese, pessimista
mas possivel, de se não chegar a acordo constitucional algum.
A lei eleitoral assume, como se ja referiu, de algum modo, um caracter transitorio, reclamando
“ab initio” a sua reformulacão ou adaptacão a momentos posteriores. Assim, encontramos no
texto das suas clausulas expressoes transitorias que limitam o ambito temporal ao periodo das
“…primeiras eleições gerais multipartidarias…”51.
1 – A Introducão.
3 – O Registo Eleitoral.
Se tivessemos que partir da presente Lei Eleitoral, sem alterar o sitema eleitoral que lhe esta
subjacente quer para as Presidenciais como para as Legislativas, pouco teria que ser alterado.
Haveria, na generalidade, que ajustar temporalmente a lei ao presente e ao futuro, pondo fim a
uma certa perspectiva que a limita ao ambito das primeiras eleições multipartidarias e corrigir
denominações ja alteradas pela Lei Constitucional em vigor.
Algumas alterações teriam que ser feitas na especialidade meramente no sentido de melhorar o
texto da lei, enquanto algumas opções teriam que ser feitas em relacão a problemas de fundo
ou, pelo menos, de consideravel importancia.
A seguir apresentamos algumas dessas opções, sendo de notar que, de um modo geral, elas
exigiriam a previa alteracão do texto constitucional ou, visto de outra forma, deveriam ser
opções constitucionais a serem consagradas depois na Lei Eleitoral.52
Opções
1. A idade minima para o exercicio da capacidade eleitoral passiva (generica) e activa:
manter os 18 anos (nr. 1 do artigo 100.)53 ou alterar? E, em caso positivo, alterar para
17 (caso de Timor Leste) ou para 16 (caso do Brasil, embora sendo facultativo)? Faz
sentido baixar a idade exigida, para uma populacão jovem como a de Angola onde, por
outro lado, a esperanca de vida e’ baixa (ronda os 40 anos)?
52 A revisao da actual Lei Constitucional ou a elaboracao do texto da futura Constituicao, se vier a ocorrer, deve
anteceder e enformar qualquer alteracao da Lei Eleitoral.
53 Quando nao referida expressamente outra lei, os artigos referem-se a Lei Eleitoral vigente.
2. Atribuir capacidade eleitoral activa aos cidadãos condenados e sob prisão preventiva
(alineas c) e d) do artigo 110.)?
4. Manter o periodo da campanha eleitoral (um mes) ou reduzi-lo, por exemplo, para 15
dias ( artigo 690.)?
8. Alterar o mandato dos Deputados (Parlamento) de 4 para 5 anos (artigo 161 0.), como
acontece em todos os Parlamentos da SADC?
Importa referir, em primeiro lugar, que dos 9 ante-projectos constitucionais apresentados pelos
partidos com assento parlamentar56 apenas um (do FDA) propoe um Sistema de Governo
Presidencial, enquanto os do MPLA e do PDP/ANA propoem um sistema semipresidencial
com pendor Presidencial e o da FNLA propoe um semi-presidencialismo com pendor
parlamentar.
De qualquer modo, foi ja adoptado por consenso, a nivel dos principios, o SISTEMA
SEMIPRESIDENCIAL, estando em debate e faltando acordo apenas sobre a questão da chefia
do Governo: se pelo Presidente da Republica ou pelo Primeiro-Ministro.
“De jure constutuendo”, são as seguintes algumas das hipoteses e reflexoes que submeto a
debate:
2. Outra hipotese, e’ manter o sufragio universal directo, mas alterando o sistema para se
exigir apenas a maioria simples para a escolha do candidato presidencial.
3. Uma terceira hipotese sera’ manter a eleição do Presidente da Republica por Sufragio
universal directo nos termos do Artigo 570. da Lei Constitucional e do 1470. da Lei
Eleitoral, os quais fixam o sistema maioritario de duas voltas.
Por outras palavras, mantendo embora o sistema maioritario de duas voltas, não e’
possivel prever a excepção segundo a qual apenas se realiza a segunda volta se o
candidato mais votado não tiver alcancado o minimo de 40% dos votos validos e o
segundo candidato mais votado tiver tido menos de 15% dos votos?
57 O Partido UNITA apresentou um projecto inicial que substituiu depois por outro, no qual ja propoe um
mandato de 5 anos, renovavel.
58 A Comissao Constitucional acordou que o Parlamento teria, na futura constituicao, uma unica Camara,
coexistindo (sem que seja uma Segunda camara) com um Conselho Nacional que integre entidades
representativas das Provincias e dos varios sectores da sociedade. 72 Idem.
A vantagem deste sistema inovador seria evitar a segunda volta, processo tão oneroso
em termos de recursos financeiros, tecnicos e humanos, sempre que se tornasse
evidente uma reduzida percentagem de votos alcancado pelo segundo candidato
mais votado, assegurando-se, entretanto, um minimo de votos exigiveis para o
candidato mais votado (a proposta e’ de 40%).
Apesar de inovador, nada parece ter de heretico nem de ilegitimo quando se assistem a
democracias consolidadas que elegem os seus mais altos magistrados com mais de
50% de abstenção.
1. A primeira hipotese, sera’ a de manter o actual sistema eleitoral que combina a eleição
dos Deputados, com base no sistema de representação proporcional, por um circulo
eleitoral unico (o Pais), um circulo eleitoral por cada Provincia e um circulo eleitoral
para as comunidades angolanas no estrangeiro, como atras ja se fez referencia.
Embora de modo breve e quase apenas tangencial, não se pode terminar sem fazer uma alusão
as ELEIÇÕES AUTARQUICAS – Incluir o nivel de Provincia (Governador vs Ministro de
Residente)? – Candidaturas apartidarias ou mistas?
Tudo esta em aberto num mundo em rapidas mudancas e de grande dinamica constitucional,
como acontece agora com a reforma da camara dos Lords na Gra-bretanha onde um membro
do Parlamento, Graham Allen, acaba de editar um livro com um titulo sugestivo: “Time to be
Honest about the UK Presidency”.
Termino, portanto, como os ilustres Dr. Mathias Basedau, da Universidade Heidelberg e Dra.
Dren Nupen, do Institute of Southern Africa: Não ha um sistema eleitoral perfeito. Há pois
que manter ou buscar o sistema que proporcione o melhor equilibrio e justica na representação
dos interesses dos cidadãos, permita a responsabilização e prestação de contas dos eleitos e
governantes, assegure a eficacia, funcionalidade e transparencia do governo e da
administração e tenha em consideração as condições e a realidade politica, economica, social,
cultural do Pais.
ANEXOS
Os autores:
Raúl Araújo é advogado e mestrado em direito; ele é professor de direito nas Faculdades
de Direito da Universidade Agostinho Neto e da Universidade Católica de Angola, em
Luanda, República de Angola.
Obede Baloi é mestrado em teologia e licenciado em ciências sociais; ele director para a
Investigação e Extensão da Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais
(UFICS) - Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Maputo, República de Moçambique.
Programa
10.30 horas
Dr. Adérito Correia, Universidade Católica de Angola:
Introdução: A Evolução do Direito eleitoral e os diferentes tipos de sistemas eleitorais
11.30 horas - debate
14.30 horas
Dr. Matthias Basedau (Universidade Heidelberg, Alemanha)
Princípios básicos eFórmulas dos diferentes sistemas eleitorais
15.30 horas – debate
16.00 horas - intervalo
16.30 horas
Dr. Fernando Marques da Costa (Instituto de Estudos para Desenvolvimento, Portugal)
Sistemas Eleitorais, legitimidade e participação
17.30 horas - debate
11.00 horas
Dra. Dren Nupen, Presidente do Electoral Institute of Southern Africa, Africa do Sul:
Organização, assistência técnica e supervisão de eleições: As experiências da Africa Austral
12.00 horas - debate
14.30 horas
Dr. Obede Baloi, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique:
Eleições e o voto regional no contexto da consolidação da paz e reconstrução: O exemplo de
Moçambique
15.30 horas – debate
16.00 horas – intervalo
16.30 horas
Dr. Bornito de Sousa, Universidade Agostinho Neto:
A observação eleitoral internacional com ênfase para a recente experiência de Timor Leste
9.00 horas
Dr. Raúl Araújo, Universidade Católica de Angola:
O sistema eleitoral actual em Angola: uma avaliação
10.00 horas – debate
10.30 horas – intervalo
11.00 horas
Dr. Bornito de Sousa, Universidade Agostinho Neto:
Perspectivas para uma futura lei eleitoral à luz da reforma constitucional:
14.30 horas
IV. DEBATE EM PAINEL: PERSPECTIVAS PARA ANGOLA
16.30 horas
V. SESSÃO DE ENCERRAMENTO
RECEPÇÃO