A Tecnica Knebel A Analise Ativa Na Prat
A Tecnica Knebel A Analise Ativa Na Prat
A Tecnica Knebel A Analise Ativa Na Prat
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O Sistema de Stanislávski, – Caminhos para o Ator (Stanislavsky’s System – Pathways for the actor). Londres &
Nova Iorque: Routledge, 2010. In: HODGE, Alison. (Org.) A Formação do Ator (Actor Training). Londres e Nova
Iorque: Routledge, 2010, p. 1-25. Este artigo foi anteriormente publicado na primeira edição do livro de Hodge,
que então se chamava A Formação do Ator no Século Vinte (Twentieth Century Actor Training). HODGE,
Alison. (Org.) Twentieth Century Actor Training. Londres e Nova Iorque: Routledge, 2000, p. 11-36.
Tradução disponível em: https://www.academia.edu/2700819/O_Sistema_de_Stanisl%C3%A1vski_-
_Caminhos_para_o_Ator. [N.T]
aprofundado do texto da peça também acompanha o trabalho de improvisação.
Como as palavras do dramaturgo criam o estilo dramático? Por que os
personagens dizem estas palavras e não outras? As respostas a essas perguntas
atualizam (inform) as improvisações; e as improvisações, por sua vez, provocam
novas perguntas.
Knébel estava perfeitamente posicionada para fazer da Análise Ativa de
Stanislávski sua missão. Ela tinha aprendido de Michael Chekhov a confiar na
improvisação criativa e do dramaturgo Nemirovitch-Dantchenko a ler as peças
tão pormenorizadamente quanto outros leriam poesia. Como explicou, “Eu
entendi que o método de Análise Ativa reforça a natureza improvisatória do ator,
ajuda a descobrir a individualidade do ator, e limpa a poeira acumulada das obras
literárias com imagens maravilhosas e os personagens nelas” (Knébel, 1967, p.
485). Assim, apesar de uma proibição stalinista contra ela durante os anos 1940 e
1950, a Análise Ativa tornou-se seu principal “caminho na arte” (ibid). Ela usou-
a para dirigir, ensinou-a em suas aulas, e promoveu-a através de seus escritos. Ao
fazê-lo, ela não só manteve o último trabalho de Stanislávski vivo, mas também
revitalizou o teatro na Rússia. [P.99]
Além disso, seus esforços em favor da Análise Ativa demonstram melhor
como o pensamento de Stanislávski pode ressoar no nosso mundo pós-moderno.
Porque a Análise Ativa, como a análise vetorial na Física, pede aos atores para
mapearem as forças dinâmicas da ação conflitante com contra-ação, o teórico
Patrice Pavis (2003) inadvertidamente sustenta o seu principal princípio quando
chama a atenção para a atuação (performance) como uma arte de ‘vetorização’.
Equiparar Knébel com o Teatro de Arte de Moscou, no entanto, seria fazer-
lhe um desserviço. Na década de 1930 ela começou a dirigir à sombra do grande
teatreiro (great theatricalist) Vsévolod Meyerhold. Na década de 1950, na Central
de Teatro Infantil de Moscou (Moscow’s Central Children’s Theatre), seu grupo
profissional de atores adultos apresentou um vasto repertório em vários estilos
teatrais: clássicos de Shakespeare, Molière, e Griboiedov, novas peças sobre
questões contemporâneas, brincadeiras infantis tradicionalmente roteirizadas, e
contos de fadas concebidos inteiramente a partir de improvisações da companhia.
Para ela, o estilo teatral era um meio expressivo, e não um programa estético. Na
década de 1960, quando o diretor russo Adolf Shapiro se inscreveu na sua aula,
ele esperava encontrar o método “psicológico”, geralmente associado a
Stanislávski. Ao invés desta abordagem “insuficientemente vivas [...], até mesmo
chata”, o ensino de Knébel “inesperadamente me levou preso pela vida” (Shapiro,
1999, p. 133-35).
Apesar da centralidade de Knébel no teatro russo contemporâneo, pouco se
sabe sobre ela no Ocidente. Diversas razões podem explicar essa relativa
obscuridade. Primeiro, sua carreira como diretora foi mal programada. Ela a
começou quando os teatros soviéticos empregavam equipes de diretores,
chamadas ‘brigadas’, para encenar ordinárias peças de propaganda (forgettable,
propagandistic plays) (Vladimirova, 1991, p. 12); assim, ela facilmente passou
despercebida nas longas listas de nomes impressos nos programas. Ela então
deixou de dirigir no momento em que o público soviético começou a valorizar as
inovações dos novos diretores talentosos (muitos dos quais foram seus pupilos).
Em segundo lugar, ela trabalhava em uma profissão dominada por homens, na
qual as contribuições das mulheres eram frequentemente subvalorizadas.
Figura 6.1 Knébel como Charlotta em O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov montada pelo Teatro de Arte de
Moscou. [p. 100]
A imprensa rotineiramente atribuía seu sucesso ao talento de seus atores e
projetistas [designers]. “Ser uma mulher diretora não é fácil”, admitiu Knébel
(1976, p. 248). Na verdade, ela subestimou o contexto de hostilidade que ela se
deparava diariamente. Quando o diretor do Teatro de Arte de Moscou Vasili
Sakhnovski proclama que “mulheres que dirigem não são mulheres”, ele dá a
opinião da maioria (Liadov, 1998, p. 31). Em terceiro lugar, ao contrário dos
professores no Ocidente, que marcam sua pedagogia com seus próprios nomes (i.
e. as técnicas Strasberg, Adler, Meisner e Chubbuck), professores soviéticos
chamavam o que quer que eles ensinassem de “Sistema Stanislávski”. Esta
expectativa cultural, juntamente com a dedicação de Knébel com a Análise Ativa,
efetivamente mascararam suas próprias inovações na formação ator.
Este capítulo estabelece a legitimidade do lugar de Knébel na história do
teatro, distinguindo suas próprias contribuições daquelas de seus professores.
Abaixo, eu exploro a dificuldade do contexto cultural no qual ela trabalhou,
esboço os princípios de seus ensinamentos e descrevo dois de seus sucessos como
diretora.
Knébel forjou sua integridade pessoal e artística da rica cultura de seu país
e contra a sua história política tempestuosa. Ela considerou sua infância na Rússia
czarista “feliz, burguesa” (Liadov, 1998, p. 60); isto a ajudou a se tornar uma
pessoa inteligente e bem-educada que trazia o “aroma da cultura” em cada sala
que entrasse (Shapiro, 1999, p. 135). Em sua vida subsequente como uma cidadã
soviética ela encontrou a supressão política de seus ideais; E na busca por
encontrar maneiras astutas de evadir-se do ataque, ela desenvolveu uma vontade
indomável e um coração independente. Knébel sobreviveu, disse um colega, por
causa de seu “idealismo sóbrio” (Liadov, 1998, p. 9).
Maria Knébel nasceu em Moscou em 19 de Maio de 1898 em uma família
judia que cultivava seu amor pela literatura e [pela] arte. Seu pai, Iosif
Nikolaievitch Knébel, tinha chegado como um pobre imigrante da Galícia, e na
época de seu nascimento ele se tornara um proeminente editor de arte e de livros
infantis da Rússia. As amizades da família incluíam muitos artistas, estudiosos e
escritores, entre eles o famoso novelista Leon [Liev] Tolstoi. Não admira que ela
parecesse a seus alunos soviéticos posteriores como história viva! “Ela viveu
quando Anton Pavlovitch Tchekhov viveu”, disse um (Kheifets, 2001, p. 155).
Todos os domingos, o pai de Maria levava seus três filhos para a Galeria
Tretiakovski, uma coleção de tesouros da Arte Russa, onde jogavam um jogo de
adivinhação que ele tinha inventado. Eles deveriam escolher uma pintura e juntos
imaginar uma história que acabasse com a imagem diante deles. Uma observação
atenta era a única regra. Em suas histórias, as crianças tinham que levar em conta
todos os detalhes observáveis nas poses das pessoas, as paisagens retratadas, e a
escolha do pintor das cores, as pinceladas, e na composição (Knébel, 1967, p. 12-
13). Do jogo de seu pai, Knébel adquiriu uma imaginação visual afiada que viria
a infundir sua direção e ensino.
Desde os dezenove anos, quando ela começou a atuar, até sua morte em 01
de Junho de 1985, aos oitenta e sete [anos], sua carreira se estendeu por apenas
seis anos da história completa da União Soviética. Quase sete décadas de
turbulência política, posta em movimento pela experiência governamental da
Rússia no comunismo, impactou cada fase de sua vida adulta.
Em 1917, o ano da Revolução Bolchevique, Maria era uma jovem adulta
escolhendo uma profissão. Com uma mente afiada, analítica e habilidades
estratégicas excepcionais no Xadrez, ela pensava em estudar matemática.
Enquanto ela esteve apaixonadamente atraída pela atuação, seu pai a esteve
desencorajando. Ela era muito tímida em sua conduta e muito baixa em estatura;
além disso, acrescentou ele, ela não tinha a boa aparência necessária. Uma noite,
no entanto, um colega levou-a para visitar um estúdio de atuação aberto
recentemente na casa do [p. 101] conhecido ator Michael Chekhov. Tendo sofrido
um colapso mental, ele decidiu tentar sua mão no ensino. Chekhov ficou tão
impressionado com as habilidades de Knébel que ele pediu a ela para juntar-se [a
eles]. Quando ela lhe contou que tinha decidido contra a atuação por causa de sua
aparência, Chekhov assegurou-lhe que ela poderia encontrar bons personagens
‘tipo’ (Knébel, 1967, p. 56). Assim, ela estudou com ele de 1918 até 1921, quando
ele voltou para os palcos. Ele ensinou-lhe maneiras criativas para desenvolver a
sua imaginação através de improvisações teatrais.
Knébel então matriculou-se na escola dirigida pelo Segundo Estúdio
[Second Studio] do Teatro de Arte de Moscou, onde ela aplicou o treinamento
imaginativo de Chekhov no disciplinado e logicamente sequenciado Sistema que
Stanislávski tinha até aquela época desenvolvido (Knébel, 1967, p. 144). Em maio
de 1922, enquanto ainda era uma estudante, ela estreou como um dos filhos de
Stanislávski na montagem do Teatro de Arte de Moscou de Um Inimigo do Povo,
de Henrik Ibsen. Em dezembro, ela se tornou um membro da companhia
profissional do Segundo Estúdio [Second Studio], e seu pai agora se juntou
aplaudindo a sua escolha de carreira (Knébel, 1967, p. 154). Dois anos mais tarde,
quando o Segundo Estúdio [Second Studio] foi incorporado por sua controladora,
ela juntou-se ao Teatro de Arte de Moscou, onde se apresentou até 1950. Fiel à
previsão de Michael Chekhov, ela se destacou em personagens ‘tipo’, entre eles:
a louca em A tempestade, de Alexander Ostrovski, um anão em Os Ladrões, de
Johann Schiller (um papel sem fala que ela mesma tinha inventado), Charlotta em
O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov, e os ‘Fungadores’ infantis (childish
‘Sniffles’) em O Pássaro Azul, de Maurice Maeterlinck.
Durante essas décadas, Knébel viu a Revolução Bolchevique de 1917
tornar-se numa amarga guerra civil entre as forças Czaristas e os comunistas. A
família encontrava-se com frio e com fome, fazendo pão de cascas de batata e
reutilizando borra de café (Knébel, 1967, p. 27) quando a editora de Iosif Knébel
foi confiscada pelo Estado. Maria agora retorna para a Galeria Tretiakovski para
ganhar dinheiro extra como guia (Liadov, 1998, p. 80).
Depois da morte de Lênin, em 1924, Joseph Stálin industrializou à força o
país, em grande parte agrário, através de uma série de Planos Quinquenais (Five
Year Plans). Em 1929, sob o primeiro destes [planos], o apartamento de sua
família foi requisitado para uso comum. De repente, Maria e seu novo marido
encontraram-se vivendo em um quarto, quando a estranhos atribuíram espaços de
vida no que tinha sido moradia particular de sua família. Sem dúvida, seu divórcio
em 1932 resultou destas condições apertadas e distantes de uma vida privada
(Liadov, 1998, p. 81).
Muito pior do que isso, no entanto, foi a guerra sangrenta, ideológica que
Stálin conduziu contra os cidadãos de seu país. Ele exilou, aprisionou ou executou
qualquer um que não parecesse disposto a aceitar suas políticas. O escopo de seu
terror pode ser melhor expressado através de uma única estatística: em 12 de
Dezembro de 1938, Stálin assinou ordens de execução para 3.167 pessoas
(Ermolaev, 1997, p. 51).
Knébel sentiu profundamente o preço da integridade na União Soviética.
Em 1928, um mandado de prisão foi emitido para seu primeiro professor de
atuação, cujas crenças espirituais tinham sido consideradas ilegais. Depois que
Michael Chekhov fugiu da Rússia, mesmo a menção de seu nome se tornou
proibida pelos censores soviéticos. Ainda assim, Knébel às vezes desaparecia da
sala de aula com alunos de confiança, a fim de falar-lhes sobre ele em segredo.
Em 1938, a máquina de propaganda Soviética também tinha transformado seu
segundo mentor, Stanislávski, em um falso, mas incontestável ícone teatral do
Realismo Socialista. Ela viu seu Sistema holístico ser purgado de sua
multidimensionalidade (veja Capítulo 1 e Carnicke 2008). Apesar disso, Knébel
continuou a usar a total complexidade do Sistema, mesmo quando ela não podia
nomeá-lo. Na década de 1960, ela reagiu, classificando o que tinha passado para
o Sistema sob o stalinismo de uma grosseira “vulgarização” do trabalho efetivo
de seu mentor (Knébel, 1971, p. 109). [P. 102]
O terror de Stálin também invadiu sua família quando seu irmão Nikolai foi
considerado um inimigo do povo durante a campanha antissemita de 1940. Ele foi
preso na frente de sua mãe e [de suas] duas irmãs (Liadov, 1998, p. 88-90). A
marca do irmão de Maria como um inimigo significava que ela também se tornara
uma companhia perigosa. “Nos corredores do Teatro de Arte de Moscou, as
pessoas evitavam encontrá-la, assim eles não seriam obrigados a dizer olá”,
lembrou um ex-aluno (Liadov, 1998, p. 100).
Em 1950, a própria Knébel se tornou uma vítima da política stalinista sobre
as artes quando ela foi repentinamente demitida pelo recém-nomeado diretor
artístico do Teatro de Arte de Moscou, Mikhail Nikolaevitch Kedrov (1893-
1972). No final da temporada de 1949, um administrador tinha dito a Knébel que
Kedrov iria trabalhar somente com aqueles que se considerassem seus “alunos”
(Knébel, 1967, p. 477). Uma vez que ela tinha a idade de Kedrov e tinha
praticamente a mesma experiência teatral que ele, ela achou a declaração uma
piada. Quando ela chegou no teatro para a temporada de 1950, contudo, ela
descobriu que seu salário tinha sido suspenso e que todas as peças em que ela
atuava regularmente, incluindo O Jardim das Cerejeiras, tinham sido retiradas do
repertório. O movimento de Kedrov contra Knébel parecia consoante com o anti-
feminismo generalizado do Teatro de Arte e o antissemitismo da União Soviética,
mas Kedrov estava também respondendo às políticas de Stálin sobre as artes. Para
compreender a sua demissão como política, no entanto, é preciso olhar mais
profundamente para o desenvolvimento da perspectiva artística de Knébel.
No início da década de 1930, os personagens ‘tipo’ tinham se provado
muito limitadores, e assim, em suas horas de folga, Knébel começou a dirigir em
pequenos teatros experimentais em Moscou. Em 1934, um grupo de Teatro da
Revolução de Vsevolod Meyerhold [Vsevolod Meyerhold’s Theatre of the
Revolution] arranjou para ela a primeira montagem no Instituto de Energia
Elétrica (Electric Energy Institute). De 1935 a 1941 ela também trabalhou no
Teatro Estúdio Ermolova (Ermolova Studio Theatre), frequentemente co-
dirigindo com os principais membros da companhia de Meyerhold. Este trabalho
deu a ela uma facilidade com muitos estilos teatrais diferentes. Também a
preparou para aceitar e generosamente incentivar uma ampla variedade de gostos
artísticos em seus alunos.
Em 1936 ela se dividia nos compromissos como atriz no Teatro de Arte de
Moscou e como diretora no [Teatro Estúdio] Ermolova, quando Stanislávski
inesperadamente convocou-a para sua casa. Naquela época, ele estava vivendo
num isolamento virtual do resto do mundo, confinado tanto pela doença quanto
pelo desejo de Stálin de manter os experimentos teatrais do velho homem fora dos
olhos do público (veja Capítulo 1 e Carnicke 2008). A Stanislávski, no entanto,
era permitido trabalhar com um número restrito de atores em sua casa. Ele
convidou Knébel para ajudá-lo neste trabalho. Deste modo ela se juntou ao seu
Estúdio Dramático-Operístico [Opera-Dramatic Studio], onde ela encontrou a
Análise Ativa. Tomada pela [Análise Ativa] de primeira, ela imediatamente
começou a aplicá-la à sua direção. Conforme o fazia, ela consultava de perto com
Stanislávski. Por dois anos, ele regularmente revisou suas notas de direção e
encorajou-a para usos mais e mais ousados de sua última técnica (Knébel, 1967,
p. 264-84).
A princípio, ela usou a Análise Ativa somente em conjunção com métodos
mais tradicionais, mas em 1940 ela co-dirigiu Como Gostas (As You Like It), de
Shakespeare no [Teatro Estúdio] Ermolova usando a Análise Ativa desde a
concepção até a apresentação. Seu co-diretor foi Nikolai Khmelev, a quem ela
considerava entre os melhores atores do Teatro de Arte de Moscou (Knébel, 1966,
p. 140). Eles dividiram o trabalho, como era costume na época: ela ajudou os
atores na criação dos personagens e ele encenou a peça. No início cético sobre seu
novo processo de ensaio, Khmelev ficou convencido quando viu os resultados
(Knébel, 1967, p. 345). Em 1942, ela levou a Análise Ativa para o palco principal
do Teatro de Arte de Moscou quando Nemirovitch-Dantchenko pediu a ela para
co-dirigir com ele. Com sua tese de doutoramento sobre a Análise Ativa em 1954
ela tornou-se sua porta-voz definitiva. Até o final do século XX, Knébel passou a
ser vista na Rússia como a testemunha mais lúcida para o último trabalho
experimental de Stanislávski. [P. 103]
Kedrov também deu assistência no Estúdio Dramático-Operístico [Opera-
Dramatic Studio], e com a morte de Stanislávski em 1938, Kedrov auto
proclamou-se herdeiro legítimo do velho homem encenando para apresentação
pública um dos últimos projetos da casa, Tartufo, de Molière. Quando Kedrov
mais tarde foi nomeado como novo diretor artístico do Teatro de Arte de Moscou,
a paridade de Knébel em experiência e sua defesa da Análise Ativa ameaçou sua
reivindicação.
Não só ela estava contando uma história radicalmente diferente da dele
sobre o que exatamente tinha acontecido no Estúdio [Studio], mas a versão dela
estava fora de sintonia com a ideologia soviética por dois motivos. Em primeiro
lugar, a “ação” conflitante com a “contra-ação” está no cerne da Análise Ativa.
No entanto, as políticas para as artes no pós Segunda Guerra tinham feito o
conflito em si politicamente subversivo. Os artistas soviéticos foram intimados a
descrever sua sociedade como tendo transcendido com sucesso os conflitos de
classe. Os críticos, dramaturgos e diretores reagiram com a “teoria da ausência de
conflitos” (“theory of conflictlessness”), a qual propôs que na sociedade
supostamente perfeita da União Soviética o conflito tinha se tornado irrelevante.
Apenas a competição entre o mais adequado (better) e o ideal (best) era apropriada
para obras dramáticas (veja Bown 1998, p. 221-301). Em segundo lugar, a Análise
Ativa depende da estreita interação entre mente, corpo e espírito na atuação. Em
outras palavras, a Análise Ativa compreende a totalidade da técnica psicofísica de
Stanislávski. Knébel ensinou os atores a usar cada aspecto de seus seres artísticos,
da alma para as pontas dos dedos, conforme corporificavam (embodied) as
palavras do dramaturgo. Não só esta abordagem desafiava a filosofia marxista
ateia, abarcando dimensões espirituais na arte, mas o termo de Knébel para o
processo de ensaio salientou a utilização holística do corpo do ator através da
“ação” e a mente através da “análise”.
Na versão politicamente correta de Kedrov, Stanislávski tinha finalmente
chegado a uma abordagem cientificamente precisa para a atuação, a qual tirava a
ênfase do conflito e enfatizava a sequência lógica de ações físicas. Esta versão foi
adaptada a teleologia comunista e do materialismo marxista. A história dele,
portanto, se acomodava melhor ao teor dos tempos. Kedrov também providenciou
uma autorização de impressão para sua versão, chamando-a de “Método das
Ações Físicas”2.
A abrupta demissão de Knébel do Teatro de Arte de Moscou não significou
seu abandono da Análise Ativa. Ela se comprometeu em manter vivo “o culto
secreto do conhecimento” (Knébel, 1968, p. 46); e ela encontrou um refúgio para
ele no teatro infantil. Por volta de 1940 o teatro para públicos jovens tinha se
tornado uma instituição soviética estabelecida, totalmente subsidiada e
profissionalmente equipada com atores e diretores adultos bem-treinados. Esses
teatros, por vezes, poderiam escapar dos limites estritos do realismo socialista
encenando fantasias em estilos [mais] teatrais (theatricalist styles), porque as suas
plateias eram crianças que esperavam contos de fadas. Como observa o estudioso
do Teatro Russo Anatoli Smelianski, durante a obscuridade dos tempos “a chama
artística [...] foi mantida viva em várias catacumbas teatrais”, não menos daquelas
que eram os teatros infantis “onde, imediatamente após a morte de Stálin, o
reavivamento do palco Russo começaria” (1999, p. 5-6). A Central de Teatro
Infantil de Moscou (Moscow’s Central Children’s Theatre) promoveu as carreiras
de muitos diretores teatrais inovadores, Knébel sendo a principal deles.
2
Kedrov cita manuscritos inéditos como sua fonte para o termo, em “Preservar o Legado de Stanislávski Significa
Desenvolvê-lo” (1956). Os manuscritos foram então publicados em Teatr [Teatro] (Setembro de 1950, Nº. 11,
p. 48-52) como K.S. Stanislavskii, 'O fi zicheskikh deistviiakh: iz neopublikovannykh materialov' ['Sobre as Ações
Físicas: a partir de materiais não publicados']. Em 1961, Elizabeth Reynolds Hapgood traduziu alguns destes
[textos] para Constantin Stanislávski, A Criação do Papel (Nova Iorque: Theatre Arts Books [Livros de Arte
Teatral]). Veja o Capítulo 1 acima para [saber] mais sobre a distinção entre o Método das Ações Físicas e a
Análise Ativa.
Ela começou a dirigir na Central de Teatro Infantil em 1950 e tornou-se sua
diretora artística em 1955. Seu método de ensaio habitual era, é claro, a Análise
Ativa; e ela a usou para desenvolver montagens de franqueza incomum. Ela
rejeitou a noção romântica de que as crianças são seres ternos e inocentes.
“Esforcei-me para falar com as crianças através da linguagem da grande arte”,
escreve ela, “sem a condescendência balbuciar que podia ser ouvida alto em
outros teatros infantis durante aqueles anos nos quais a “teoria da ausência de
conflitos” (“theory of conflictlessness”) estava florescendo” (Knébel 1967: 484).
Knébel encenou clássicos (como Ai de Mim [Woe from Wit], de Griboiedov em
1951 e O Burguês Fidalgo [Bourgeois Gentilhomme], de Molière em 1954),
adaptações teatrais de novelas (incluindo Almas Mortas [Dead Souls], de Gógol
em 1952 e Oliver Twist, de Dickens em 1956), contos de fadas (como O
Cavalinho Corcunda [The Little Humpbacked] [p. 104] em 1952 e O Mágico
Florescer [The Magic Blossom], em 1958), e peças contemporâneas sobre temas
atuais (como o controverso tratamento de Pogodin das reformas agrícolas de
Nikita Khrushchev em Nós Três Fomos para as Terras Virgens [We Three Went
to the Virgin Lands] em 1955).
Seus consistentemente elevados padrões artísticos também a levaram a
empregar atores proeminentes, diretores inovadores, e jovens dramaturgos
ousados. A lista daqueles que ela contratou lê-se como um ‘quem é quem’ do
talento teatral soviético na segunda metade do século XX. Não admira que a
aparentemente modesta companhia infantil de Knébel tornou-se um dos teatros
mais populares em Moscou. Em 1958, este corpo de trabalho lhe rendeu o título
de Artista Nacional da República Russa da URSS.
Conforme o terror de Stálin diminuiu e Khrushchev começou um
“descongelamento” nas artes, Knébel voltou-se para o ensino em tempo integral.
Ela tinha lecionado em tempo parcial desde 1936, quando dar assistência a
Stanislávski significava lecionar para grupos de atores sob a supervisão dele. Em
1943, Nemirovitch-Dantchenko adicionou-a à faculdade de atuação do recém-
criado Estúdio-Escola do Teatro de Arte de Moscou. Em 1948 ela formou uma
parceria de ensino quase lendária com o diretor de mesma opinião (like-minded),
Aleksei Popov Dmitrievich (1892-1961). Ela teve primeiro contato com Popov
em 1934, quando ele a tinha desafiado a tentar dirigir. Ao longo dos anos, eles co-
dirigiram várias produções, co-lecionaram uma disciplina no Instituto Estatal
Russo de Artes Cênicas (GITIS), e compartilharam discussões apaixonadas sobre
a estética do teatro (Knébel, 1967, p. 289-91). Em 1961, Knébel deixou a Central
de Teatro Infantil para aceitar a presidência do programa de direção na GITIS.
Ao passo que ela lecionou, ela também escreveu. Em 1985 ela publicou seis
livros e mais de uma centena de artigos sobre seus professores e sua pedagogia.
Durante seus últimos anos, as reformas políticas de Mikhail Gorbachev
(conhecidas como glasnost) permitiram a ela arriscar algo que há muito tempo
esperava fazer – trazer o nome e os métodos de seu primeiro professor de volta
para sua terra natal. Ela coletou os escritos de Michael Chekhov ao redor do
mundo para montar a primeira de todas as edições de suas obras em língua russa
(1986). Infelizmente, ela não viveu para ver este conjunto de dois volumes
aparecer na imprensa.
O “idealismo sóbrio” (Liadov, 1998, p. 9), que a ajudou a sobreviver como
atriz e diretora dos anos 1930 até os anos 1950 também a sustentou durante seus
anos como professora e escritora. Aos seus sessenta anos, quando foi nomeada
para a cadeira de direção na GITIS, ela ingressou no Partido Comunista pela
primeira vez. Ela precisava dessa credencial política para o seu novo trabalho,
porque, como um colega explicou, “A filiação partidária era como um passe de
corredor para uma criança na escola, como uma autorização legal de residência,
como prova de lealdade” (Liadov, 1998, p. 55). Como escritora, Knébel também
compreendeu o rigor da censura soviética.
Assim, sem trair seus princípios, ela tomou o cuidado de citar a filosofia
marxista e usar a retórica do Realismo Socialista onde quer que ela pudesse, a fim
de garantir que suas ideias divergentes passassem aos olhos do censor 3. Ela
confiou em seus leitores para ler as entre linhas censuradas pelas insinuações
dissidentes, um tipo de leitura que tinha se tornado uma parte normal da cultura
soviética (Carnicke 2008, Capítulo 6). Aos seus oitenta anos, quando Knébel
recebeu um prêmio do Exército Vermelho, ela lutou (como ela fizera em seus
escritos), para encontrar palavras que fossem gratas e verdadeiras. Enquanto ela
aceitava o prêmio, ela agradeceu não ao Exército, mas a seus professores (Liadov,
1998, p. 8).
Assim como Knébel continuou escrevendo até pouco antes de sua morte,
ela também continuou a lecionar. Seus alunos a levavam até sua habitual sala de
aula no terceiro andar da GITIS quando ela não podia mais subir as escadas. Seu
espírito animado durante estes últimos anos pode ser sentido em uma anedota,
contada pelo diretor Leonid Kheifets, que foi seu aluno naquele tempo. Um dia,
ele notou um pequeno rasgo em sua manga e, inadvertidamente, comentou sobre
ele. Na aula seguinte, ela respondeu vestindo um elegante conjunto e perfume
francês, maliciosamente olhando-o enquanto contava aos alunos que ela tinha
reabastecido seu guarda-roupa. Ela tinha oitenta e seis anos na época (Kheifets,
2001, p. 156-57). Ao longo de [p.105] sua carreira, sua generosidade em apoiar
os talentos individuais e os variados gostos dos seus alunos fazia parecer, mesmo
em seus oitenta [anos], “uma pessoa contemporânea, nunca “antiquada” (Liadov,
1998, p. 43).
A TÉCNICA KNÉBEL
3
Em sua resumida edição francesa dos escritos de Knébel (Knébel 2006), Anatoli Vassiliev corta concessões de
Knébel à censura soviética.
De Michael Chekhov ela aprendeu que a atuação é profundamente
improvisacional e inseparável da imaginação do ator. Ele ensinou a ela que em
qualquer atuação, por mais cuidadosamente roteirizada e marcada que seja, o ator
ainda pode manter uma abordagem improvisacional para o papel, o que ela
chamaria de “estado de espírito improvisacional” do ator. Durante 1921-22, ela o
observou atuando Khlestakov na montagem de Stanislávski para O Inspetor
Geral, de Gogol, e ela notou que Chekhov acrescentava algo novo e surpreendente
em cada apresentação sem alterar o texto ou a marcação. Ela concluiu que
Chekhov era “um gênio da improvisação” (Knébel, 1995ª, p. 28). “Um dos
segredos de sua arte”, observa ela, “e, de fato, o princípio mais importante por trás
da criatividade, é o estado de espírito improvisacional do ator no papel” (Knébel,
1995b, p. 17). Além disso, ela entendeu que este estado de espírito brota da
imaginação do ator. Em suma, Chekhov ensinou a Knébel não só a libertar sua
própria imaginação, mas a entender como a fantasia do ator pode impulsionar a
criatividade nos limites restritivos de textos escritos e de montagens
rigorosamente marcadas.
Na Escola do Segundo Estúdio [Second Studio’s School], Knébel aplicou
as lições de Chekhov no disciplinado programa de formação de Stanislávski4. Ela
então se deslocou progressivamente, através de exercícios preparatórios, para
concentrar o trabalho na criação de papéis. Além disso, no Estúdio Dramático-
Operístico [Opera-Dramatic Studio], Knébel aprendeu diretamente de
Stanislávski como trazer seu ângulo de visão Tchekhoviano para o ensaio dos
textos através da Análise Ativa. Ela viu claramente que Stanislávski tinha
projetado seus últimos experimentos teatrais “para criar para o ator um estado
improvisacional de mente e de corpo dentro da rígida estrutura do material
dramático em primeira mão” (Knébel, 1967, p. 276). Dada a sinergia que ela
encontrou entre Tchekhov e as constatações de Stanislávski sobre atuação, não é
4
Quando Knébel estudou com Chekhov, ele ainda não tinha desenvolvido uma abordagem sistemática para a
formação do ator. Ele só o faria depois que emigrou da Rússia.
de se admirar que Knébel tenha adotado a Análise Ativa como a peça central de
sua própria prática?
Finalmente, a partir Nemirovitch-Dantchenko, cuja sensibilidade teatral
verteu da escrita dramatúrgica, Knébel viu como uma rigorosa leitura [de obras]
da grande literatura pode melhorar a imaginação dos atores. Além disso, ela intuiu
uma importante ligação entre os processos de atuação e de escrita. Através da
Análise Ativa ela assistiu aos atores recapitularem o processo de escrita conforme
ensaiavam. Pela improvisação das estruturas dinâmicas das ações e contra-ações
que sustentam as cenas dramáticas, os atores descobrem a necessidade das
palavras do dramaturgo; efetivamente, eles escrevem a peça de novo a cada vez
que eles a apresentam. Quando Knébel diz aos atores que eles “formulam” e
“reformulam” suas atuações através de suas improvisações (Knébel, 1971, p. 53),
ela codifica esse conhecimento aprofundado na linguagem de sua técnica. Ao
passo que Dantchenko e Stanislávski tinham-se infelizmente tornado distantes um
do outro (Carnicke 2008), sua separação é sanada através de Knébel. “Em meu
próprio trabalho”, escreve ela, “eu não podia separar Stanislávski e Nemirovitch-
Dantchenko” e “ao longo dos anos seus ensinamentos tornaram-se cada vez mais
interconectados” (Knébel, 1967, p 485).
A síntese destas influências de Knébel fizeram-na uma diretora carismática
e professora por seus próprios méritos. Sem dúvida teríamos chamado sua
abordagem singular de “A Técnica Knébel” se ela tivesse vivido no Ocidente.
Mas, como uma cidadã soviética, esperava-se [p. 106] que ela ensinasse o
currículo oficialmente sancionado. Portanto, na Rússia o nome dela está, como
esperado, ligado ao de Stanislávski. Ela própria contribuiu para essa ligação,
escrevendo muito sobre ele e escrupulosamente descrevendo a especificidade de
seu sistema. Quando o inovador diretor Anatoli Efros afirma sem rodeios que,
tendo estudado o Sistema de Stanislávski por anos, “Eu realmente entendi o que
este método era na prática somente quando entrei em contato com Maria Osípovna
Knébel” (Efros 1993, p. 139), ele ecoa um sentimento comum russo, assim como
ele a distingue de outros professores menos talentosos.
Portanto, “A Técnica Knébel” não é muito difícil de encontrar. Não se
precisa procurar mais longe do que em seu livro “A Poética da Pedagogia
[Teatral]” (The Poetry of Pedagogy) (1976), que é ao mesmo tempo um manual
útil e profundamente pessoal. Ela resistiu muito tempo em escrever sobre seus
próprios métodos, apesar das muitas solicitações para que o fizesse. Na sua
opinião, a docência é necessariamente improvisacional como a atuação e,
portanto, mutável como o mercúrio. Quando ela finalmente concordou, ela sentiu
que tinha que dar mais do que informações práticas. Claro, ela descreve a
progressão do seu currículo, apresenta muitos tipos diferentes de exercícios, e
demonstra sua utilização da Análise Ativa, mas ela também retrata seus alunos
conforme eles trabalham e como interagem com ela e entre si. Ouvimos também
suas reflexões filosóficas sobre o teatro como uma arte e sobre os desafios de
almejá-lo como uma profissão. Em suma, ela oferece o tipo de informação que a
diferencia de outros professores. Eu fundamentei o breve resumo de sua prática a
seguir neste livro personalizado.
O CURRÍCULO
Knébel era mais renomada por seu trabalho com diretores, quem “como
uma regra, falavam para o público não através de si mesmos, mas através dos
atores” (Knébel, 1976, p. 50). Consequentemente, ela acreditava que os diretores
precisam “entender o ator e conhecer as leis da atuação, sua natureza, suas
complexidades, etc.” (Knébel, 1976, p. 53). Além do mais, porque “os diretores
necessitam de todas as habilidades que os atores precisam” (Knébel, 1976, p. 56)
seu currículo para direção serve também para atores5.
5
Depois da queda da União Soviética, a GITIS foi renomeada Academia Russa de Artes Teatrais (RATI), mas o
currículo que Knébel desenvolveu lá (incluindo a estreita ligação entre a formação do ator e do diretor) ainda é
ensinado.
Parte I: Fundamentos da atuação
1 “Toda uma etapa do nosso trabalho sobre a atenção visual envolve o estudo de
pinturas”, ela escreve. “Eu não poupo nem esforço, nem tempo, acreditando
piamente que o estudo das artes visuais é uma condição indispensável da nossa
profissão” (Knébel, 1976, p. 77). Em suma, ela usa as artes visuais
extensivamente para treinar habilidades de atuação. Na verdade, alguns dos
seus exercícios lembram o jogo que seu pai tinha inventado na Galeria
Tretiakovski. Considere os seguintes exemplos.
• Visite um museu local, escolha uma pintura para estudar, e observe-a em
sua extensão. Em sala de aula, descreva a pintura com tamanho
detalhamento que seus colegas possam visualizá-la junto com você
(Knébel, 1976, p. 56). Este exercício aumenta o poder de observação, a
capacidade de lembrar o que foi observado, e a habilidade de evocar um
objeto ausente.
• Agora converta a sala de aula num museu virtual, talvez o Louvre,
executando uma improvisação em grupo. Imaginariamente coloque nas
paredes do museu todas as pinturas que você e seus colegas observaram
e compartilharam com os outros em aula. Conforme você anda por este
museu, parando para ver as várias pinturas e discuti-las com os outros,
você irá exercitar sua memória e sua capacidade de recriar o trabalho
imaginário que você e seus colegas tinham feito anteriormente (Knébel,
1976, p. 165).
• Escolha um retrato e observe a pose da pessoa, ou, como Knébel coloca,
a “mise en scène [marcação] do corpo” (Knébel, 1976, p. 81). Usando
suas observações, conjecture sobre a ocupação da pessoa, [sua]
psicologia geral e, mais especificamente, sobre o humor momentâneo e
a técnica Knébel [p. 108] do estado físico expressado no retrato. Em sala
de aula, mostre o retrato fazendo a pose com seu próprio corpo (Knébel,
1976, p. 80-82). Este exercício desenvolve a habilidade de caracterização
de uma série de maneiras. Ao compreender como uma pose física sugere
uma vida interior, os alunos questionaram a noção de “semente”, de
Nemirovitch-Dantchenko, a partir da qual um papel dramático pode
crescer. Knébel também cita Michael Chekhov como fonte, quem lhe
ensinou que os “centros” de gravidade da psicologia das pessoas podem
ser encontrados em várias áreas de seus corpos físicos, e que os atores
podem evocar os “corpos imaginários” dos personagens e depois entrar
neles como se vestissem mudas de roupa (Knébel, 1976, p. 220-22).
• Vá até a janela e observe um transeunte com a mesma atenção cuidadosa
que você usou anteriormente quando você observou o retrato. Volte da
janela e pegue o transeunte em seu próprio corpo (Knébel, 1976, p. 216-
18). Note-se que este exercício limita a quantidade de tempo durante o
qual a observação pode ocorrer, e ainda exige o mesmo nível de memória
do ator que recria o que foi observado.
Quando Knébel estende suas aulas além da atuação para a direção,
ela continua a usar pinturas para provocar os alunos na utilização valiosa
de suas imaginações visuais. Por exemplo, ela pede para que cada jovem
diretor determine a história por trás de uma complexa pintura, e, em
seguida, para encenar uma improvisação em sala de aula que retrate a
história. O exercício termina quando os atores tiverem recriado a imagem
da pintura (Knébel, 1976, p. 28).
2 Como Stanislávski e Chekhov, Knébel define a técnica psicofísica do ator como
o uso holístico do corpo, [da] mente e [da] alma. Mas ao fazê-lo, ela se
concentra na complexidade intrínseca da atuação de um jeito que vai além dos
ensinamentos de seus mentores. Ela vê verdadeiro valor na incorporação da
complexidade pelo artista [artist’s embrace of complexity], e frequentemente
critica a “prática do teatro contemporâneo” por sua propensão à simplificação.
“Às vezes, [...] nós dispensamos aquilo que é complexo”, escreve ela; e tal
dispensa traz distorção. “Ao ser reduzido ao simplista, o que é complexo perde
a sua verdadeira dimensão” (Knébel, 1995ª, p. 22). Ela culpa incisivamente este
processo redutivo pela proibição das ideias espirituais de Chekhov sobre
atuação e pela sovietização do Sistema de Stanislávski. Em suas aulas ela
alimenta a prática holística, deixando bastante claro que todos os exercícios
demandam dos atores mais do que uma habilidade.
• Quando ensinava a abordagem de Nemirovitch-Dantchenko ao
“monólogo interior” (na qual é pedido aos alunos que criem os
pensamentos específicos que provocam a fala de seus personagens)
Knébel pede aos alunos para conectar os pensamentos de seus
personagens a uma série de questões dramatúrgicas: “as circunstâncias
propostas” da peça, o estado físico do personagem durante o processo de
pensamento, o “tempo-ritmo” da cena, etc. “A sucessão dos pensamentos
de uma pessoa”, observa ela, “sempre depende de toda uma série de
questões, cada um por sua vez influenciando a fisicalidade e o
comportamento” (Knébel, 1976, p. 149).
• Faça algo simples (pregar um botão, colocar a mesa, pentear o cabelo,
etc.), e use essa atividade para mascarar uma atitude específica em
relação ao seu parceiro (raiva, desdém, um desejo de manipulação, um
desejo de esquivar-se, etc.). Enquanto um parceiro realiza a atividade, os
outros assistem e ouvem atentamente. Conforme os atores percebem os
muitos pensamentos que surgem naturalmente do seu trabalho (alguns
que ajudam e alguns que dificultam seus esforços), cada um experimenta
a formação de um monólogo interior contínuo e complexo. Este exercício
[p.109] permite aos atores estabelecerem a conexão entre atenção e
monólogo interior e, deste modo, também entendem como uma tarefa
aparentemente simples incita um complexo estado de interação (Knébel,
1976, p. 126-27).
• Knébel introduz os estudantes iniciantes à complexa técnica de
Stanislávski da “adaptação”, por meio da qual os atores utilizam ajustes
mentais e físicos específicos com a função [in the role] de comunicar
uma ação ou traço da personalidade mais claramente aos seus parceiros
e espectadores (Carnicke, 2008, p. 213). Ao fazê-lo, ela vai contra a
sabedoria predominante de seus pares, que ensinavam regularmente esta
noção somente para os alunos avançados. “Os alunos do curso inicial
devem pensar sobre este conceito?” Knébel pergunta e responde: “Sim,
absolutamente. Porque é preciso entender a complexidade do Sistema de
Stanislávski de início” (Knébel, 1976, p. 118).
Parte II: A Análise Ativa para atores e diretores
A arte teatral não copia simplesmente a vida; a arte cria suas próprias
formas, suas próprias linhas, cores e pensamentos. [...] A pessoa
talentosa, que leva a vida na [arte], não copia a vida na arte, mas,
infalivelmente, forja-a de novo no cadinho de seus próprios
pensamentos, sentimentos, sofrimentos e sonhos. (Knébel, 1976, p.
209-10).
Figura 6.2 Montagem de Knébel de O Mágico Florescer [The Magic Blossom] na Central de Teatro Infantil
[Central Children’s Theatre], Moscou.
preferida para escrever novas peças. Para sua montagem de 1952 de O Cavalinho
Corcunda [The Little Humpbacked Horse], baseada no conto de fadas de 1834 de
Pyotr Ershov, ela utilizou os études da companhia para ajudar o dramaturgo P. G.
Malierevski a formular sua adaptação dramatúrgica (Knébel, 1967, p. 500-508).
Em 1958, Knébel foi ainda mais longe com a dramatização de um conto de fadas
chinês, O Mágico Florescer [The Magic Blossom], para o qual ela não tinha um
texto formal. “Se a Análise Ativa tinha sido capaz de nos ajudar como diretores e
atores a analisar obras clássicas e peças de teatro soviéticas, e se para O Cavalinho
Corcunda ela ajudou não somente a nós, mas também o dramaturgo a refinar os
conflitos e os desenvolvimentos psicológicos”, racionalizou ela, então por que não
“nesta instância, utilizá-la para criar uma peça inteira?” (Knébel, 1967, p. 508).
Depois de cada ensaio, Knébel e seu assistente de direção iriam registrar o
diálogo que tinha saído das improvisações daquele dia. Além disso, Knébel
contratou um especialista em dança teatral chinesa para atualizar o trabalho da
companhia. Conforme o elenco aprendeu o novo vocabulário físico, eles
incorporaram seu estilo em seus études. “Como chegamos à essência do conto de
fadas”, observou ela, “nós tentamos formas mais ousadas e mais variadas de
expressão” (Knébel, 1967, p. 509). A montagem resultante empregou um
entrelaçamento único de linguagem, dança e pantomima. Como o crítico Pavel
Markov escreveu: “estilização teatral havia se tornado realidade de conto de
fadas” (Vladimirova, 1991, p. 133).
Tchekhov entendeu muito bem o que significa perder aquilo que você
ama infinitamente. [...] Cada um de nós perdeu e vai perder o nosso
próprio “jardim de cerejeiras”. Cada um de nós vai tentar agarrar-se a
ele. E no momento
CONCLUSÃO
KNEBEL, M.O. Slovo O Tvorchestve Aktera [The Word in the Actor’s Creativity]
[A Palavra na Criação Atoral] Moscow: VTO, 1954. Esta edição foi republicada
pela GITIS em Moscou em 2009.
—— Vsia Zhizn’ [All of Life] [Toda Minha Vida], Moscow: VTO, 1967.
—— O Tom, Chto Mne Kazhetsia Osobenno Vazhnym [That Which Seems Most
Important to Me] [Aquilo que parece mais Importante pra mim], Moscow:
Iskusstvo, 1971.