Imigrantes e Saúde Mental PDF
Imigrantes e Saúde Mental PDF
Imigrantes e Saúde Mental PDF
Migrantes
e saúde mental
a construção
da competência cultural
33
chiara pussetti (Coord.)
Outubro 2009
júlio f. ferreira
Elsa Lechner
Cristina Santinho
Migrantes e saúde mental
a construção
da competência cultural
PROMOTOR
OBSERVATÓRIO DA IMIGRAÇÃO
www.oi.acidi.gov.pt
COORDENADOR DA COLECÇÃO
ROBERTO CARNEIRO
AUTORES
Chiara Pussetti (Coord.)
Júlio F. Ferreira
Elsa Lechner
Cristina Santinho
EDIÇÃO
ALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃO
E DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.)
RUA ÁLVARO COUTINHO, 14, 1150-025 LISBOA
TELEFONE: (00351) 21 810 61 00 FAX: (00351) 21 810 61 17
E-MAIL: [email protected]
EXECUÇÃO GRÁFICA
PRINCÍPIA
PRIMEIRA EDIÇÃO
750 EXEMPLARES
ISBN
978-989-8000-89-7
DEPÓSITO LEGAL
302603/09
Nota de Abertura 7
Nota do Coordenador 9
Agradecimentos 13
Chiara Pussetti
Chiara Pussetti
Júlio F. Ferreira
Elsa Lechner
CAP. 9. Resumo comparativo dos modelos das consultas culturais
de Avicenne, Mortimer e Hospital Miguel Bombarda 165
1. A consulta transcultural do hospital Avicenne, Bobigny 165
2. A consulta cultural do Jewish Hospital em Montreal 168
3. A consulta do migrante no Hospital Miguel Bombarda 171
Cristina Santinho
CAP. 10. Refugiados e requerentes de asilo: abordagens
antropológicas no campo da saúde física e mental 177
Bibliografia 213
Abordar políticas de saúde é sempre uma matéria delicada, uma vez que subentende,
necessariamente, lidar com o sofrimento de seres humanos. Tratando-se de saúde mental
parece ainda mais delicado porque o ser humano surge, nessa situação, com uma ima-
gem ainda mais fragilizada.
Com a publicação deste estudo dedicado ao tema “Migrantes e saúde mental: a cons-
trução da competência cultural”, da autoria de Chiara Pusseti e Júlio Pereira, o ACIDI I.P.
procura ultrapassar mais uma barreira na direcção da plena integração dos imigrantes
na sociedade portuguesa, apresentando uma reflexão antropológica sobre a questão da
saúde mental dos imigrantes.
É este o lugar que queremos manter. E para isso contribuem as indicações que resultam de
estudos como este. Aqui fica, por isso, o nosso reconhecido agradecimento aos seus autores.
Rosário Farmhouse
Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural
A intensificação dos fluxos migratórios tendo por destino final o nosso país, verificada
nesta primeira década do novo século, fez emergir dimensões novas e anteriormente des-
conhecidas em serviços ditos de cuidados (“care”) como são os casos flagrantemente
relevantes da saúde e da educação.
A saúde mental é – pelos seus contornos especiais – uma das vertentes mais delicadas da
problemática sendo evidente, pela vulnerabilidade extrema do paciente imigrante, a neces-
sidade de detenção de competências culturais e interculturais por parte dos prestadores de
cuidados, seja na dimensão pessoal e profissional, seja mesmo na dimensão institucional
e organizacional.
Compreende-se que o olhar do antropólogo seja, neste caso, mais revelador do que o olhar
do clínico ou do administrador de saúde, já que se trata, no fundo, de acolher a pessoa
toda, diferente na fala, na memória, na identidade ou nos hábitos culturais, ao invés de pri-
Ainda que com características de obra colectiva, reunindo contributos diversificados de au-
tores variados, os coordenadores realizaram um meritório esforço de unidade e de criação
de um fio condutor que o leitor não deixará de sentir. A robustez teórica que inspira todo o
volume é também um garante da consistência da obra.
Ficamos, pois, devedores aos seus principais impulsionadores e autores, Chiara Pussetti e
Júlio Ferreira, de um serviço académico de inestimável valia para a comunidade de interessa-
dos em alargar a sua esfera de saberes no exaltante dominio da mobilidade de pessoas.
Roberto Carneiro
Coordenador do Observatório da Imigração do Acidi
Este relatório é, com efeito, fruto de um trabalho de equipa. Desejo agradecer em primeiro
lugar ao Dr. Júlio F. Ferreira, que realizou o trabalho de terreno para este projecto, partilhando
comigo as suas reflexões teóricas, os problemas práticos da pesquisa, os desafios e os re-
sultados conseguidos. Agradeço-lhe também pelas discussões e sugestões compartilhadas,
pela sua capacidade original de reler e apropriar ineditamente posições teóricas estabeleci-
das, assim como pela determinação e empenho demonstrados ao longo da investigação,
mesmo nas alturas em que o caminho se revelou mais impérvio do que o previsto.
Foram em particular as discussões com outros colegas e amigos trilhadores dos mesmos
territórios teóricos que tornaram possíveis as análises e reflexões aqui apresentadas.
Agradeço em particular ao Prof. Doutor Robert Rowland, pela sua disponibilidade e
rigor científico, ao Prof. Doutor Paulo Raposo, pela sua amizade, conselhos e apoio
incondicional, ao Dr. Francesco Vacchiano e ao Prof. Doutor Roberto Beneduce pela
partilha contínua que promoveram de ideias e inquietações. Foram as suas sugestões
que me indicaram o caminho a seguir. Exprimo também a minha gratidão à Dr.ª
Isabel Cardana e à Dr.ª Manuela Raminhos pela sua cooperação e suporte, e pela
disponibilidade e simpatia com que sempre apoiam os investigadores do CEAS. Desejo
agradecer especialmente as generosas contribuições da Dr.ª Elsa Lechner e da Dr.ª
Cristina Santinho, que enriquecem e dinamizam com um fôlego renovado as reflexões
temáticas deste relatório. As discussões que tivemos ao longo dos anos constituíram
uma fonte fértil de sugestões e estímulos, indicando-me territórios que não tinha ima-
ginado percorrer. Agradecimentos à Dr.ª Sandra Marques, que trabalhou em conjunto
com Ferreira para a selecção das partes de sua dissertação contidas neste livro. Um
agradecimento muito especial vai para a Dr.ª Ana Mourão, que trabalhou na revisão
linguística do texto, enriquecendo-o de sugestões e ideias, ajudando-me a organizar os
eixos temáticos e acompanhando as fases mais penosas do trabalho com estímulos
positivos, muitos sorrisos e rebuçados.
C.P.
Este estudo teve como propósito conhecer – através de entrevistas aprofundadas com
técnicos de saúde mental e pacientes imigrantes – a forma como os serviços instituciona-
lizados de saúde mental em Portugal dão resposta ao sofrimento e às necessidades da
população a que se destinam. Através destas entrevistas e de encontros com os pacientes,
tentou averiguar-se o funcionamento dos serviços de saúde mental “culturalmente compe-
tentes”, bem como a percepção e a interpretação do fenómeno
1 Conjugando os dados do SEF (Servi-
por parte dos diferentes actores sociais envolvidos.
ço de Estrangeiros e Fronteiras) sobre
a “população imigrante” – divididos
A temática é relevante dados os crescentes contrastes sociais entre Autorização de Residência, Au-
torização de Permanência e Vistos de
que apresentam os fluxos da imigração em Portugal nos últi- Longa Duração (projecção de 2006)
mos 15 anos1. Neste âmbito, são indispensáveis estudos em – e os dados do INE (Instituto Nacional
de Estatísticas) – com a projecção da
diversas áreas académicas para estudar e analisar os impactos população nacional para o mesmo
migratórios e a condição dos imigrantes, nos seus mais diferen- ano – não só se conclui a formação,
nos últimos 24 anos (1980-2004), de
tes aspectos, no contexto de acolhimento. A eleição da cidade
uma curva progressiva de crescimento
de Lisboa como cenário para a análise de um projecto psiquiátri- do número de imigrantes, num total
co transcultural deve-se à sua situação de capital, apresentando de 356,8%, (ver: www.acime.gov.pt/
docs/GEE/Caracterizacao_Imigracao.
uma centralidade de recursos e investimentos públicos e priva- pdf), como as estatísticas cruzadas
dos e larga oferta relativa de postos de trabalho, e constituindo apontam para que cerca de 4% da
população nacional é constituída por
uma rota de passagem ou permanência final para imigrantes de
imigrantes legais. (Ver: www.ine.pt/
diferentes proveniências. portal/page/portal/PORTAL_INE/bd
dXplorer?indOcorrCod=0000611&selT
ab=tab0; www.sef.pt/portal/v10/PT/
Apesar do reconhecimento de uma maior vulnerabilidade dos aspx/estatisticas/evolucao.aspx?id_
imigrantes face às problemáticas da saúde em geral e dos linha=4255&menu_position=4140#0).
O estudo em questão foi realizado por um investigador, o Júlio F. Ferreira, com bolsa de
estudo atribuída pelo ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural)
e pelo CEAS (Centro de Estudos de Antropologia Social), insti-
3 Ver: De Freitas, 2003 e 2006.
4 Ver: “Health and Social Care for tuições às quais aproveitamos para agradecer. O seu trabalho
Migrants and Ethnic Minorities in foi convertido numa tese de mestrado em Antropologia Social,
Europe” (2006), da rede IMISCOE
International Migration, Integration and
consagrada ao assunto das esperanças, problemas e desafios
Social Cohesion – European Survey. ligados à implantação de um projecto de psiquiatria transcul-
A Elsa Lechner trabalhou enquanto antropóloga durante quatro anos num serviço de apoio
psiquiátrico para imigrantes, concentrando-se em particular na recolha de histórias de
vida dos pacientes e no valor terapêutico de uma abordagem clínica centrada no indivíduo
(person-centered)5. A pesquisa da Maria Cristina Santinho foca-se sobre o apoio psiquiátri-
co a uma categoria de imigrantes muito particular: refugiados, vítimas de trauma e tortura,
exilados e requerentes de asilo político, que está ligada a histórias dramáticas e a diagnós-
ticos geralmente específicos (como a síndroma de stress pós-traumático). Ainda assim, o
seu trabalho ilumina os desafios e os problemas próprios do encontro clínico transcultural
na área global da saúde mental, fornecendo material etnográfico rico e original que convi-
da à reflexão crítica.
O que caracterizou a nossa abordagem crítica foi portanto a consciência de que a aten-
ção ao contexto social e político constitui um aspecto incontornável na compreensão da
dimensão “cultural” no interior do trabalho psiquiátrico. As interpretações do sofrimento
apelam a uma consciência da história do discurso que as elabora, e o seu contexto é
sempre o das relações de poder locais: um posicionamento crítico considera necessa-
riamente as práticas e estratégias terapêuticas no interior das relações de força que as
geram e sustentam, avaliando a posição dos interlocutores e a ideologia veiculada pelas
categorias diagnósticas.
Seguindo esta preocupação crítica, decidi organizar e compor o relatório da seguinte for-
ma: a primeira parte, intitulada “Biopolíticas de Saúde Mental – medicalização, cultura e
resistência” é composta por três capítulos da minha autoria, que apresentam algumas das
questões teóricas mais relevantes para a discussão sobre a saúde mental transcultural.
O primeiro capítulo, “Corpos em trânsito e sofrimento psíquico”, evidencia criticamente
o carácter da experiência migratória enquanto factor de risco e patologia. O segundo
capítulo traça, a partir de algumas reflexões propostas por autores de referência na an-
tropologia das emoções, as diferenças fundamentais entre a psiquiatria transcultural e a
etnopsiquiatria. O capítulo final desta primeira parte concentra-se em específico sobre a
depressão enquanto desordem de que padecem particularmente os imigrantes, segundo
a opinião da generalidade dos técnicos de saúde entrevistados. A partir de uma reflexão
sobre a famosa controvérsia da existência ou ausência da depressão entre os africanos, é
A conclusão deste relatório, assinada por mim e pelo investigador deste projecto, preten-
de apresentar algumas sugestões construtivas no âmbito dos cuidados de saúde mental
transculturais, com potencial aplicação a futuros serviços de aconselhamento e acom-
panhamento psicológico e psiquiátrico para migrantes. A ideia central desta proposta é
devolver a voz e agentividade aos pacientes enquanto sujeitos políticos e morais, tantas
vezes silenciados em prol da valorizada “racionalidade” ocidental. O espaço clínico – hí-
brido e em constante construção e alteração, palco de encontro e partilha profunda com
os pacientes migrantes, os seus desejos, saberes, dúvidas e estratégias – torna-se desta
forma um meio de acesso privilegiado às múltiplas e complexas dimensões da experiência
migratória, tantas vezes ignoradas apesar da sua importância para a compreensão daquilo
que acontece no atravessar de uma fronteira.
É no seio deste panorama conflitual, móvel e mutável, no qual múltiplos discursos coe-
xistentes entram em contradição, e onde os problemas sociais podem tornar-se sintomas,
que o psiquiatra cultural deve intervir, problematizando as traduções como processos com-
plexos a enfrentar e pensar, em vez de soluções rápidas a empregar – no fundo tão rápidas
quanto superficiais. O convite é o de trabalhar sem nunca perder a consciência das rela-
Nas palavras de Roberto Beneduce, é necessário romper o invólucro das categorias diag-
nósticas e das pré-noções psicológicas que no curso dos anos tentaram circunscrever ao
perímetro opressivo de uma aflição, de um problema “ligado à cultura”, ou de um quadro
sintomático bem definido, expressões e fenómenos complexos e heterogéneos (Beneduce
2002b: 28). “Os pacientes são pessoas, pessoas em crise com certeza: uma crise existen-
cial, social, ou familiar, e nós não podemos assim ter a presunção de considerar esta crise
simplesmente como uma qualquer patologia. (…) Talvez as categorias da psiquiatria, como
os manicómios, existam só para tornar racional o que não se compreende: quando uma
pessoa entra no manicómio já não é um louco mas um doente. (…) A certeza é que, no
final, a loucura nunca é escutada no que diz ou quereria dizer” (Basaglia, 1981 e 1982).
CHIARA PUSSETTI
Os problemas de saúde, ainda de acordo com os dados dos relatórios europeus, são
agravados por uma deficiente inserção comunitária, por níveis sociais e económicos
mais baixos que o nível médio do país de acolhimento, por barreiras linguísticas e cultu-
rais, etc. Apesar do reconhecimento destas características gerais, e de terem sido feitos
esforços para a sensibilização desta população face aos riscos
das doenças infecto-contagiosas (como a tuberculose, as hepa- 7 Cf. http://www.mfh-eu.net/public/
tites e a Sida), até agora faltam reflexões aprofundadas sobre european_recommendations.htm
(acedido a 10 de Julho de 2008).
a especificidade e necessidades destes grupos em particular 8 COST Action “Health And Social
na área da saúde mental, onde continuam a ser reproduzidas Care For Migrants And Ethnic Minori-
ties In Europe”.
atitudes universalistas, organicistas e biomédicas da doença. 9 Programme of Community Action in
Os imigrantes são considerados mais expostos a riscos de de- the Field of Public Health 2003-2008.
Sem dúvida a fragilidade destes grupos não é somente devida à experiência da migração,
mas especialmente ligada à sua situação socioeconómica mais precária, à marginalização,
à ilegalidade e à falta de um apoio social adequado: condições que causam pressão psicoló-
gica, além de constituírem factores de risco sanitário no seu sentido mais amplo (altas taxas
de traumatismos e incidentes no trabalho, por exemplo). Ironi-
10 Para uma apresentação crítica camente, Abdelmalek Sayad, reflectindo sobre a relação entre
destas posições cf. Littlewood R. e
doença, sofrimento psíquico e migração, questiona se os “pro-
Lipsedge M. [1982] 1997; Fernando
1988; 1991; 1995; 1998; 2002; 2003. blemas” dos imigrantes serão verdadeiramente problemas “dos”
11 Ver: Chakraborty & McKenzie, imigrantes ou, antes, problemas da sociedade e das instituições
2002; McKenzie, 2003; Cooper, 2005;
Hjern et al., 2004; Wicks et al., 2005;
“em relação aos” imigrantes, problemas por outras palavras de
Cantor-Graae & Selton, 2005. origem sociopolítica (Sayad, 1999; aspas acrescentadas).
O estereótipo do imigrante como pessoa frágil do ponto de vista mental, com um elevado
risco de desenvolvimento de patologias psiquiátricas, de acordo a minha experiência de
terreno está todavia ainda presente. Que a experiência migratória está indissoluvelmente
ligada à emergência da patologia mental é por exemplo a opinião do psiquiatra catalão
Joseba Achotegui, que chegou a identificar uma nova categoria diagnóstica para definir
exactamente este mal-estar: a síndrome de Ulisses (síndrome de
22 Kleinman, 1980; 1988; 1995; stress múltiplo e crónico ligado à migração)23, a que retornare-
Littlewood, 1990; Kirmayer, 2006;
Bibeau, 1997.
mos mais tarde, no capítulo 6. Para já, podemos considerar esta
23 Achotegui, 2003. categoria como o exemplo mais recente da medicalização – sob
Todavia, esta leitura medicalizante do processo migratório está a impor-se como hegemóni-
ca, como o revela o facto de o Parlamento Europeu estar a apoiar a investigação sobre esta
doença, e de a categoria vir a ser incluída na próxima edição do DSM. No sítio de Internet
do Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI, Portugal), a síndro-
me de Ulisses é indicada como doença psicológica provocada pela solidão, o sentimento
de fracasso, a dureza da luta diária pela sobrevivência e o medo e falta de confiança nas
instituições, que está a afectar cada vez mais os imigrantes, ao ponto de já terem sido
diagnosticados milhares de casos. Esta patologia nasceu – na opinião de Achotegui – no
ano 2000, que assistiu a um endurecimento progressivo das políticas migratórias24.
Em simultâneo, torna-se evidente que os corpos dos imigrantes incorporam uma diferen-
ça que não permite a sujeição passiva aos modelos da medicina ocidental e do saber
hegemónico da sociedade hóspede. Esta diferença é expressa através da utilização das ca-
tegorias do sistema médico do contexto de origem; veiculada nas negociações de sentido
que a doença sempre exige; e reproduzida num léxico da aflição muito particular. Os sin-
tomas apresentados constituem assim um desafio na medida em que traduzem a procura
O sofrimento dos numerosos imigrantes que apresentam dores crónicas ou outros sinto-
mas “irregulares” deve ser interpretado em relação a estas dificuldades, assim como à
constante erosão dos valores, à perda de importância da coesão do grupo, e à desagrega-
ção dos códigos de referência “tradicionais” que permitiam ao indivíduo compreender a
sua experiência de aflição. Os sintomas “anómalos” representam e renovam as tensões e
os contrastes sociais que atravessam os corpos dos imigrantes. As doenças traduzem rela-
ções de poder, alienação, pequenas histórias locais e movimentos transnacionais. O corpo
emerge como um arquivo histórico e lugar de resistência, e os seus sintomas como um
Neste sentido, a doença pode ser interpretada, seguindo a perspectiva adoptada por Nancy
Scheper-Hughes (1992) no seu trabalho sobre os ataques de nervos na comunidade de
Alto de Cruzeiro no Brasil, como uma forma de acção corpórea, “uma coisa que os seres
humanos fazem de maneiras absolutamente originais” (Scheper-Hughes, 1994: 229).
Os biologistas sustentam que as emoções são essências uni- inauguraram a concepção científica
das emoções, Charles Darwin, William
versais, inatas e geneticamente determinadas: fenómenos James, Walter Cannon e Sigmund
biológicos interiores passivos e involuntários, de carácter não Freud podem ser considerados pais
fundadores da moderna pesquisa
cognitivo, ligados à memória filogenética e não à aprendizagem
sobre as emoções. O que em síntese
individual, desinteressantes, e inacessíveis portanto aos méto- une a posição destes teóricos é uma
dos da análise cultural26. As teorias universalistas ou inatistas, visão das emoções como fenómenos
não cognitivos e involuntários, algo de
caracterizadas por influências de tipo etológico e neurobiológico, interno aos indivíduos, e ligado a uma
têm dominado desde há muitos anos o campo das pesquisas base genética hereditária e universal.
27 Nestes trabalhos Ekman tentou
psicológicas, e são representadas de maneira emblemática pe-
identificar a correlação entre um
los estudos neuroculturais de Paul Ekman sobre a expressão grupo limitado de expressões faciais
facial das emoções (Ekman, 1980a; 1980b; 1984)27. Durante universais e um conjunto definido de
“emoções básicas”. Os antropólogos
muito tempo, as emoções foram consideradas também pelos culturais criticaram duramente a
antropólogos como fenómenos naturais, universais e inatos. metodologia utilizada por Ekman e
pelos pesquisadores que partilharam
O conceito da unidade psíquica dos seres humanos justificava a sua opinião e orientação teórica,
ao nível teórico uma possibilidade de compreensão imediata censurando-os por terem seleccionado
Contudo, este emprego metodológico da empatia para apreensão directa das vivências
alheias ignora simultaneamente o ponto de vista dos indivíduos e o mais amplo contexto
político, histórico e social em que se inserem, colocando acriticamente as experiências dos
outros no interior das próprias referências conceptuais29. Vinciane Despret chama a nossa
atenção para o facto de não existir a possibilidade de um acesso privilegiado à emoção
alheia, e de a confiança ingénua nessa capacidade – que mascara o carácter problemático
da tradução – depender de uma imagem do ser humano e das suas paixões culturalmente
específica, própria do contexto euro-americano. Por outras palavras, as abordagens que
assumem a universalidade do psiquismo humano como forma de justificar a compreensão
intercultural imediata não constroem um diálogo mas antes “impõem” um enquadramento
cognitivo/emocional próprio, onde são “encaixadas” as experiências do Outro. Tais posi-
ções ignoram, segundo Despret, que a dita natureza das paixões é por “Nós” cultivada;
a assumida autenticidade do Eu é uma imagem por “Nós” construída; e a pressuposta
universalidade das emoções aquilo que paradoxalmente “Nos” distingue (Despret, 2002:
9, itálicos acrescentados).
29 Diferentes autores se referiram,
É todavia exactamente esta perspectiva, ingénua e já amplamen- a este respeito, a uma “empatia
etnocêntrica”, a um “mal-entendido
te criticada, que adopta uma certa psiquiatria transcultural de empático” (Bonino, Lo Coco e Tani,
derivação kraepeliniana, ao basear as suas pretensões de uma 1998: 59), à “incompreensão causada
pela parcialidade das próprias
eficácia transcultural no pressuposto da unidade biopsíquica da perspectivas” (Piasere, 2002: 155),
humanidade. à compreensão falaz causada por
uma “atribuição demasiado fácil aos
outros do que sentimos-pensamos”
1. Psiquiatria transcultural (Wikan, 1992: 479), ou a uma
“compreensão enganosa baseada
sobre uma ideia de autenticidade do
Do ponto de vista da psiquiatria transcultural, o ser humano Eu e da universalidade das emoções
seria composto por dois níveis sobrepostos: a um sólido e uni- humanas” (Despret, 2002).
Podemos assim encarar a psiquiatria transcultural como uma psiquiatria que reivindica,
sem nunca pôr em causa as próprias premissas epistemológicas relativas, uma aplicação
global através das culturas. Com essa missão, emprega os contributos da antropologia
para possibilitar uma adaptação da psiquiatria geral a contextos onde predominam repre-
sentações diferentes de pessoa e das suas perturbações, que não cabem nos quadros
oficiais psiquiátricos. Tobie Nathan, contrapondo a etnopsiquiatria (no sentido de George
Devereux) à psiquiatria transcultural, argumenta:
Car si, conformément aux indications de G. Devereux, j’ai conservé le terme “eth-
nopsychiatrie” (quoique n’étant pas psychiatre), c’était pour préserver l’originalité
du domaine, notamment par rapport à la psychiatrie transculturelle, surtout amé-
ricaine. La psychiatrie transculturelle est, du point de vue méthodologique, en
quelque sorte le symétrique de l’ethnopsychiatrie. Elle se veut une psychiatrie que
l’on pourrait dire “culturellement éclairée” — mais une psychiatrie avant tout! Elle
utilise les apports anthropologiques pour rendre la psychiatrie possible avec des
populations que peu de choses dans leurs traditions prédisposaient à ce genre
de pratiques. En vérité, cette psychiatrie consacre un lien entre anthropologie et
conquête puisqu’elle demande à l’anthropologie de lui fournir les savoirs qui lui
permettront de percer les défenses que ces populations opposent aux pratiques
psychiatriques (Nathan 2000).
Um exemplo clássico desta postura teórica, presente ainda hoje nas expectativas, atitudes e
preconceitos de muitos dos técnicos dos serviços de saúde que atendem migrantes, é a teoria
do “processo evolutivo na elaboração emocional”, da autoria do psiquiatra cultural Julian Leff
(1981: 66). Segundo esta concepção, um evidente progresso evolutivo caracterizaria a trans-
formação do tradicional para o moderno, ou – aplicando-a à esfera da experiência emocional
– de uma modalidade e expressão somáticas (próprias das culturas menos desenvolvidas)
para um léxico psicológico (próprio das culturas ocidentais). A verbalização emocional típica
dos indivíduos ocidentais, de acordo com a teoria do autor (1981: 66), envolve uma maior
capacidade de introspecção e uma melhor gestão dos pensamentos e dos sentimentos. Nas
suas palavras: “as pessoas de países desenvolvidos apresentam uma diferenciação de esta-
dos emocionais muito superior à das pessoas provenientes de países em desenvolvimento”
(1973: 305). É possível discernir na teoria de Leff a presença de
30 Ver: Lilltewood e Lipsedge [1982]
um modelo antropológico evolucionista, evidente ainda hoje nos
1997. focos e práticas das ciências psicológicas ocidentais30 – de facto,
Para além disto, é saliente nestas entrevistas o emprego inadequado de certas categorias,
nomeadamente uma definição de “cultura” ligada a modelos evolucionistas, uma reifi-
cação do conceito de “etnia” como espelho de efectivas diferenças físicas e culturais (e
portanto ignorando os efeitos da taxonomia colonial), ou uma sobreposição confusa dos
conceitos de cultura e etnia com o de “raça”. É também frequente nos discursos sobre
a saúde dos imigrantes o uso de termos como “educar”, “ensinar”, “ajudar”, “civilizar”,
ou “corrigir”, assim como um tom de paternalismo e compaixão, que evidenciam a so-
breposição perversa de diferentes motivações – como sejam a filantropia, o empenho
humanitário, a educação/civilização de mentes mais “simples” ou “condicionadas por
dogmas religiosos arcaicos”, a rejeição das tradições terapêuticas locais (consideradas
como crenças, superstições, magias) ou o domínio e controlo hegemónicos, em nome da
ciência, da higiene, e da “modernidade”.
Será talvez irónico que o propósito dos clínicos seja no fundo o de orientar os pacientes
para esta “normalidade” social e cultural. Porque no processo, a “cultura” dos migran-
tes é considerada patológica em si, e como tal um obstáculo na meta da assimilação
como definida pela medicina ocidental. A diversidade “cultural”, com o seu potencial
para questionar e modificar práticas e lógicas tomadas como garantidas no Ocidente,
Continua a existir, em contexto médico, pouco interesse nas motivações destas escolhas,
da resistência, e do universo de significados do qual o imigrante é portador. As posições
dos técnicos entrevistados parecem oscilar entre pólos opostos: o Outro é encarado ora
como idêntico a nós do ponto de vista psíquico (embora sempre com a necessidade de o
ajudar a evoluir), ora como totalmente diferente (“é assim porque é africano”; “isto é um
comportamento típico dos indianos”, etc.). Em ambos os casos as interpretações, expli-
cações e histórias dos pacientes são desprovidas de utilidade, salvo na medida em que
contribuem para o argumento do distúrbio ou da alteridade radical, que naturaliza e reifica
a diferença cultural. O antropólogo é frequentemente consultado para confirmar exacta-
mente estas representações ingénuas do Outro, que se resumem a estereótipos estéreis,
totalmente inadequados para dar conta da complexidade das vivências individuais.
Nos contextos clínicos em que pôde ser observada a interacção entre cientistas sociais e
médicos, o antropólogo foi interpelado apenas para obter detalhes sobre as especificidades
“típicas” dos diferentes grupos (“Como é que curam isso em África? Qual é a relação dos
“The mood is optimistic and can be described as “give us the tools and we do the job”. Such a
reaction is not exceptional. Barna observes a similar process with inter-cultural training program-
mes for developing workers. “To counteract the anxiety, clients demand the only thing they know
to dispel the feeling: culture-specific information. Trainers comply by offering a smattering of the
language, ‘getting-around information’, and whatever do’s and don’t’s they believe are appropria-
te” (Van Dijk, 1998: 244).”
“Matização das teorias psiquiátricas com traços culturais” é uma expressão amplamente
empregue para definir esta utilização demasiado superficial do saber antropológico no
contexto clínico. A mera tonalidade cultural das disciplinas médicas e psicológicas é
reproduzida através do estabelecimento, pelas teorias na base destas metodologias de
intervenção, de uma distinção marcada entre os elementos psíquicos e os culturais,
considerando os últimos como superficiais e inconsequentes face ao núcleo duro e uni-
versal do psiquismo humano. Na prática, a psiquiatria transcultural fortalece a relação
entre antropologia e domínio, ao pedir à primeira o fornecimento dos saberes que lhe
permitem adaptar a sua retórica a povos e contextos outros, aos quais se impõe como
saber hegemónico.
Considerando os poucos casos em que a psiquiatria considera a cultura dos pacientes como
variável importante na formulação dos diagnósticos ou na escolha da abordagem terapêu-
tica, a relevância atribuída limita-se aos aspectos mais “simbólicos” – analisando rituais,
A este respeito, os profissionais da saúde parecem em certa medida crer que uma conside-
ração séria de variáveis culturais na prática clínica poderia expô-los a críticas e sarcasmos:
“somos cientistas, não feiticeiros”; “não podemos pôr as penas e tocar tambor”; “dar
crédito a estas ideias supersticiosas desajuda os imigrantes”; “este é um serviço sério,
não algo de bruxos”, ilustra um tipo de frase presente em quase todas as entrevistas rea-
lizadas. Ao mesmo tempo, preocupam-se em perder a credibilidade também no caso de
reconhecerem efectivamente a possibilidade de diálogo interdisciplinar e multiterapêutico
(ou seja, com cientistas sociais e com outros terapeutas). Poder-se-á sugerir que receiam
deixar de ser os detentores exclusivos da racionalidade e verdade científicas no caso de
mergulharem seriamente na aventura etnopsiquiátrica.
Não se pretende porém afirmar que todos os psiquiatras são racistas, fechados ao diálo-
go ou exibidores de atitudes coloniais. O problema é muito mais profundo, residindo na
própria definição da psiquiatria como disciplina científica, que é baseada na suposição da
unidade biopsíquica dos seres humanos, e da sua validade universal. É esta arrogância
própria da psiquiatria que a torna fundamentalmente racista (Bracken & Thomas, 1999).
O problema é agravado pelo facto de, devido à própria natureza, falta de objectividade,
dependência do senso comum e fraca validade dos critérios diagnósticos, a psiquiatria
estar aberta às forças políticas e sociais tornando-se, portanto, muito eficaz na promoção
dos poderes dominantes (Fernando, 2003).
Além disso, também não pretendo negar em absoluto a utilidade dos medicamentos para
conter as crises de sofrimento, nem especialmente a sua fascinação e eficácia perfor-
mativa e simbólica (Camionete der Geest & Whyte, 1991). Os imigrantes entrevistados
consideram frequentemente a ideia de tomar fármacos ocidentais como uma opção muito
atractiva: o comprimido é um objecto concreto com poderes terapêuticos especiais, tam-
bém enquanto substância simbolicamente dotada. Após a análise por Claude Lévi-Strauss
da eficácia dos símbolos [1975 (1949)], o fármaco pode naturalmente ser encarado nesta
sua dimensão: para os teóricos contemporâneos da eficácia simbólica da biomedicina,
também a aceitação partilhada da autoridade do conhecimento científico e seus objectos
produz o efeito terapêutico atribuído aos fármacos.
É ainda possível realçar uma função cognitiva e metafórica do fármaco, na medida em que
ele concretiza e objectifica o processo da cura, realçando a percepção do próprio mal-estar
enquanto algo tangível. Esta dimensão assume relevância mesmo no contexto biologista do
hospital psiquiátrico. Como Sjaak Van der Geest Sjaak e Susan Reynolds Whyte afirmam:
Apesar disso, uma abordagem clínica transcultural não se pode limitar, mecânica e
superficialmente, ao tratamento farmacológico dos sintomas. Nem sempre o sofrimento
provém de uma “doença” (pode situar-se por exemplo em questões relacionais e fami-
liares), portanto nem sempre a solução será intervir ao nível do organismo. A ligação
inextrincável entre o corpo e as emoções, o organismo físico e o mal-estar, ainda que
evidente ao nível do senso comum ocidental, não é universalmente assumido: com
efeito, muitos contextos culturais dissociam o lugar das emoções e o sofrimento do
indivíduo da sua corporeidade, situando o primeiro, pelo contrário, em agentes externos
ou relações interpessoais33.
Os corpos dos imigrantes, movidos pela busca fundamental de um significado que é alheio
ao atribuído pela biomedicina, constituem para esta um desafio, na medida em que pa-
recem desmentir três das suas teses fundamentais, ligadas a uma imagem culturalmente
definida do ser humano: de que os sintomas são sinais de uma doença-facto; de que o mó-
bil da doença está localizado no interior do corpo do indivíduo; e de que o corpo responde
através de mecanismos que são universais, porque “naturais”. O sofrimento dos imigran-
tes propõe antes três leituras alternativas: os sintomas como signos de um desequilíbrio
entre o indivíduo e o contexto; o móbil da doença enquanto localizado no campo relacional
do indivíduo; a resposta do corpo constituída sempre de maneira peculiar, produzindo liga-
ções criativas com as formas (culturais) institucionalizadas da aflição. Os corpos ostentam
obstinadamente uma diferença que não se sujeita passivamente aos modelos da medicina
ocidental, ao saber hegemónico da sociedade hóspede. Dife-
rença esta que é afirmada através da utilização de categorias 34 Para exemplos de terreno ver:
pertencentes ao sistema médico tradicional do país de origem; Vacchiano & Taliani, 2006;
Pussetti, disponível em:
veiculada nas negociações de sentido que a doença sempre exi- http://ceas.iscte.pt/ethnografeast/
ge; e reproduzida num léxico da aflição muito particular. papers/chiara_pussetti.pdf
Nem sempre, portanto, os modelos médicos fazem sentido para as experiências pessoais
dos doentes, especialmente no caso de praticarem outras formas de interpretar, definir,
explicar e agir face à doença. Face às formas diferentes de vivenciar o corpo, o sofrimento
e as emoções, a resposta farmacológica como única opção terapêutica revela-se estéril e
incapaz de oferecer o espaço de escuta e diálogo que é o elemento fundamental de qual-
quer serviço que se pretenda transcultural.
2. Etnopsiquiatria
Do facto de que a emoção não é independente da cultura, mas pelo contrário constituída
por modelos de experiência adquiridos, historicamente situados e continuamente modifi-
cados pelas diferentes vivências e discursos polivalentes individuais, decorre que as suas
perturbações não possam ser consideradas objectivas e neutras, mas antes, nas palavras
de Beneduce, “um conjunto de conotações, metáforas, significados, valores e ideologias”
(Beneduce, 1995: 17). Noutros termos, cada sociedade terá as suas próprias emoções e
doenças que não podem mais ser consideradas formas puras, universalmente definidas e
imutáveis ou objectos naturais, como pretenderia o paradigma biomédico. Representações
diferentes das emoções, da pessoa, e do corpo, estão na base de horizontes nosológicos diver-
sos, de experiências diferentes da aflição, do mal-estar e da cura. Torna-se então necessário
abandonar pretensões de universalidade e aceitar a presença simultânea de outros saberes
baseados em diferentes definições do indivíduo, da normalidade e da anomalia, e em inter-
pretações e representações alternativas da saúde, do sintoma, da doença e da cura.
Aderindo a esta forma de construtivismo radical, muitos cientistas sociais têm sustenta-
do afirmações no mínimo discutíveis. Os filósofos Robert Solomon e Claire Armon-Jones,
por exemplo, afirmam que “a emoção não é uma sensação, mas essencialmente uma
interpretação” (Solomon, 1984: 248) e que “cada emoção é um produto sociocultural
único e irredutível” (Armon-Jones, 1986: 37). Na mesma linha, a antropóloga Benedicte
Grima sustenta que “a emoção é só cultura” (Grima, 1992: 6), enquanto Lila Abu-Lughod
e Catherine Lutz proclamam que “longe de ser entidades psicobiológicas internas”, as
emoções são antes “construções socioculturais”, “estilos culturais”, “práticas discursi-
vas”, e “performances sociais” culturalmente específicas (Abu-Lughod e Lutz, 1990).
Chegam ao ponto de propor uma concepção das emoções como algo que “pertence à
vida social e não a estados interiores” (1990: 2), sugerindo que “o trabalho antropoló-
gico deve esforçar-se por libertá-las da psicobiologia” (1990: 10, 12). No encontro com
os próprios interlocutores, continua Catherine Lutz (1988: 8), o antropólogo só pode
desempenhar o papel de “tradutor”, face à ausência de um terreno biopsíquico comum
da compreensão humana.
Por outro lado, também as perspectivas construtivistas ou relativistas podem revelar-se pe-
rigosas e politicamente discriminatórias. Existe, efectivamente, o risco de cair no extremo
oposto: em vez de procurar ou inventar espaços originais de diálogo, lugares singulares de
pesquisa, mediação e confronto de saberes, de onde retirar práticas clínicas inovadoras, a
perspectiva relativista acaba por se tornar porta-voz de pressupostos de incomensurabilidade
da experiência humana. A este respeito, o médico e sociólogo Didier Fassin (2000) salientou
os riscos gerados pela reificação do conceito de cultura e por uma “culturalização” exces-
siva dos instrumentos e estratégias metodológicas dos antropólogos e dos psiquiatras que
estudam as emoções humanas. Frequentemente, afirma Fassin, os conceitos de “cultura” e
“diferença cultural” são empregues de forma ambígua, colorindo comportamentos, conflitos
e situações que possuem também outros fundamentos importantes. Em contextos controver-
sos como o das políticas dirigidas aos migrantes, podem assim ser reproduzidas formas de
racismo cultural, ao considerar as culturas como irredutivelmente distintas, intraduzíveis e in-
compatíveis entre si. Um tal abuso da noção de cultura – que postula a incomensurabilidade
de mundos humanos diferentes – confina o Outro numa “diversidade” autónoma e fechada
em si mesma, agravando o risco de segregar os imigrados e as suas necessidades.
Em particular, Fassin ataca abertamente Tobie Nathan – fundador de uma das práticas e
teorias etnopsiquiátricas mais originais – dirigindo-lhe duas críticas: a de considerar a “cul-
tura” como uma entidade definida, fechada, delimitada por fronteiras que impossibilitam
a mútua compreensão; e a de procurar nesta “cultura” a origem e cura do mal-estar dos
outros, sem considerar as dinâmicas sociais, históricas e políticas mais amplas. De facto, no
seu texto principal (L’influence qui guérit, 1994), Nathan sustenta afirmações bastante criti-
cáveis37, que apoiam uma ideia de “cultura” estática e homogénea. Na posição rigidamente
relativista do autor, são a mestiçagem e o confronto cultural os geradores de patologias
psíquicas, constituindo-se assim como solução a reprodução de cada cultura específica em
guetos autónomos e fechados em si mesmos. Este posicionamento teórico concentra toda
a atenção sobre as especificidades culturais próprias do pacien-
te, reconstruindo uma antropologia do seu contexto de origem 37 A título de exemplo, Nathan afirma
e tentando oferecer um ambiente terapêutico que o reproduza que “não existem senão Bambara,
Bamileké, Yoruba e assim por diante”
(Nathan, 2006: 16). A restrição de tal foco carrega o perigo de (2006: 99), e que “é necessário fazer
omissão de outras variáveis relevantes, de incongruências e con- o possível para agir como um soninké
com um paciente soninké, como um
tradições, ou simplesmente da influência dos agentes individuais bambara com um bambara, como um
sobre a própria história, num processo de “naturalização ou des- kabyle com um kabyle” (1994: 24),
tendo sempre em conta a identidade
-historicização das diferenças” (Vacchiano & Taliani, 2006: 71). étnica do imigrante porque, qualquer
que seja a sua história pessoal, “um
Dogon será sempre um Dogon, e um
A asserção da coerência dos sistemas de representações, basea-
Bozo um Bozo” (1994: 219). Por esta
da numa abordagem essencialista da cultura que frequentemente razão, continua Nathan, as instituições
assume o relativismo absoluto, torna conceptual e metodologica- francesas deveriam “favorecer os
guetos, para nunca constranger uma
mente difícil a compreensão da heterogeneidade e indeterminação família a abandonar o seu próprio
interna daqueles sistemas, que os indivíduos utilizam para construir, sistema cultural” (1994: 216).
Se é certo que conhecer a perspectiva dos pacientes sobre a doença e os modos de cura
nos seus países de origem constitui uma mais-valia, por outro lado o imigrante tem – até
por definição – de ser localizado entre (no mínimo) duas culturas. Não há possibilidade
alguma de conhecer exclusivamente com base nas representações indígenas de doença e
cura a complexa combinação de noções culturais pelas quais “aquele” indivíduo idiossin-
craticamente sofre e procura apoio terapêutico.
O confronto quotidiano com os migrantes, e em particular com o seu sofrimento, crises exis-
tenciais, sociais e familiares, exige igualmente o questionamento do conceito de identidade
pessoal, nas suas relações com as diversas comunidades às quais o indivíduo pertence
em simultâneo. Se cada cultura é marcada por um carácter múltiplo e contraditório, assim
também em cada indivíduo coexiste a pluralidade: nas palavras de Bibeau, muitas vozes
falam no interior dos indivíduos, associadas a metanarrativas fragmentárias e a sistemas
de referência flexíveis (Bibeau, 1997: 57). Mais um panorama instável e contraditório que o
antropólogo e o psiquiatra devem enfrentar: o mundo interior individual, onde é constante a
“referência a esquemas que inevitavelmente produzem quebra-cabeças, anomalias, espaços
vazios, contradições e sobreposições de valores; e a códigos interpretativos centrais que geram
estruturas de representações e cenários pragmáticos que podem ser amplamente caracteriza-
dos como móveis, instáveis e transitórios” (Bibeau, 1997: 55, 57). Enfrentá-los significa não
encerrar o diálogo pela construção de uma imagem estável e estereotipada do sujeito, mas
aceitar antes a sua transitoriedade e multiplicidade, e a polissemia das suas referências.
Mas concentrar-se no indivíduo não significa ignorar o peso dos factores sociais no seu
sofrimento. Alguns autores focaram as contradições geradas ao tentar isolar-se de forma
Antes de mais, não se pretende falar da depressão enquanto facto orgânico, mas antes da
construção e negociação social de um conceito. E o termo “biopolítica” será aqui utilizado
na acepção de Michel Foucalt, para indicar a aplicação e o impacto do poder político sobre
todos os aspectos da vida humana, através de medidas sanitárias, de higiene, etc. É este,
na perspectiva foucaultiana, o novo aspecto do poder. Um poder não institucional, não
repressivo, mas espalhado, penetrante e inscrito nos corpos; um poder que não reprime,
não impõe, não pune, mas que constrói os corpos, os normaliza, os identifica, e os torna
sujeitos subjugando-os.
Os sintomas depressivos, ligados à ansiedade, são identificados também pela nova e mais
importante patologia mental dos imigrantes, “descoberta” pelo psiquiatra catalão Joseba
Achotegui: a síndrome de Ulisses, síndroma de stress múltiplo e crónico, já definida como
“o mal do século vinte e um”, e que atinge principalmente os africanos, na opinião de
Achotegui “alegadamente mais expostos aos riscos da depressão” (Achotegui, 2005). Não
só entre os imigrantes de origem africana mas também em África, segundo um estudo
conduzido pela Organização Mundial de Saúde62, a depressão tornou-se uma das pato-
logias mentais mais importantes, devido à interacção singular
60 Lutz, 1990. de múltiplas variáveis: urbanização, vulnerabilidade e alterações
61 World Health Report (2001).
económicas e políticas, fragmentação identitária, modificação
Consultar o conjunto factores já refe-
ridos no primeiro capítulo, entre eles das estruturas hierárquicas “tradicionais” e da ordem social,
nomeadamente as sete componentes globalização e aculturação maciças, movimentos migratórios,
de perdas implicadas, segundo alguns
autores, no processo migratório.
ruptura de laços familiares, individualismo crescente, etc. São
62 OMS, Sartorius et al., 1996. exactamente estas transformações sociais, marcos da passa-
Naquela década foi portanto atingido um consenso entre os psiquiatras – ainda que bai-
xando o nível de coerência epistemológica (chegando a permitir a classificação como
depressão, porquanto “mascarada”, de experiências vivenciadas e explicadas pelos indiví-
duos de formas distintas) – sobre a alta prevalência dos distúrbios
depressivos também em África, mesmo que dissimulados. São 73 Del Vecchio et al., 2008; Kirmayer
particularmente interessantes, neste sentido, as Actas do Sym- e Minas, 2000.
A visibilidade que ganhou assim a depressão tornou-a numa categoria disponível para
encaixar qualquer tipo de mal-estar, quer do ponto de vista dos técnicos de saúde quer
dos pacientes. Durante a pesquisa num serviço de atendimento psicológico para imigran-
tes, escutei muitas vezes conversas sobre depressão, em diferentes termos e com tónicas
diversas. Por exemplo, J. M., imigrante guineense, relatava ao médico: “a minha vida é
difícil, não tenho amigos nem uma mulher… sinto-me sozinho… estou aqui porque às
vezes sinto-me um pouco deprimido na hora do almoço e do jantar, porque como sozinho
e à noite, porque não tenho ninguém perto”. O próprio paciente identificava o seu senti-
mento de solidão em termos clínicos, assim como W. N., mulher marroquina que – em
resposta às perguntas de um etnopsiquiatra que a estimulava a falar dos espíritos “djinn”
– declarava: “eu também pensei nisso, mas como vi o cartaz na sala de atendimento com
a lista dos sintomas já sei que se trata de depressão, e portanto queria os comprimidos
para me tratar”.
Numa ilustração da situação oposta, L. K., uma mulher guineense em situação ilegal, sem
abrigo após a perda da casa e do trabalho, tinha sido encontrada alcoolizada a dormir na
rua e foi coercivamente conduzida ao serviço. Ela relatava aos médicos a sua história com-
plexa de perdas e fracassos recorrendo ao léxico da feitiçaria, lamentando a persistência de
dores de barriga e a falta de fluxo menstrual devidas a uma acção
76 Pignarre, 2001: 279-280. ritual de que teria sido vítima (descreve ter sido “ligada” – um
Num último caso entre múltiplos, J. A., um rapaz guineense de 18 anos, foi conduzido
directamente ao hospital psiquiátrico após ser encontrado pela polícia completamente
alcoolizado, drogado e incapaz de um discurso coerente, num bairro “problemático” da
cidade. O rapaz, entre muita resistência, acabou por admitir o consumo habitual de drogas
leves e álcool. Os pais, chegados após algumas horas ao serviço hospitalar, confirmaram
preocupados a situação de mal-estar do filho: irritável, desafiando a autoridade paterna
com comportamentos inconvenientes, reprovado na escola e bastante desmotivado para
continuar, frequentador de companhias preocupantes, investindo muito tempo em jogos
de vídeo violentos, e manifestando excesso de apetite, sobretudo por junk food. Ele negou
boa parte das acusações, reclamando a maioridade, a autonomia em relação aos pais nas
companhias que escolhia frequentar, e o desinteresse em prosseguir com os estudos. Os
médicos diagnosticaram-lhe uma depressão severa, mesmo face à sua negação de sensa-
ções de tristeza ou fracasso. Neste caso, a patologia ter-se-ia revelado pela linguagem não
verbal, os movimentos corporais lentos, as queixas somáticas (dor de cabeça), os silêncios
e pausas julgados excessivos antes de responder, a fraca concentração durante o discurso
A medicalização massiva destas condições sociais críticas, por meio da categoria de “de-
pressão”, é posta em prática através de projectos globais como os da OMS “Nações em Prol
da Saúde Mental”, programa financiado pela Eli Lilly, GlaxoSmithKline e outras empresas
farmacêuticas82. Tratar o problema no indivíduo como algo farmacologicamente curável é
concentrar-se na ponta do icebergue, contribuindo para manter e reproduzir estruturas já
existentes de desigualdade social. Se a depressão é a patologia dos imigrantes e dos excluí-
dos em geral, é porque se trata, usando uma expressão de Paul Farmer (1999; 2003), de
uma “patologia do poder”, isto é, produzida por condições sociais caracterizadas por pro-
fundas desigualdades. E resumir a uma patologia os efeitos de processos socioeconómicos
reproduz aquela violência simbólica através da qual cada ordem social tenta esconder, jus-
tificar, legitimar e naturalizar todo o sofrimento que é imposto aos indivíduos como preço
de pertença àquela ordem (Das, 1997). Esta medicalização dos problemas sociais acaba
por despolitizar o que intrinsecamente seria um problema político, legitimando e mantendo
o statu quo. Assim, o que requereria uma resposta colectiva torna-se um problema indivi-
dual. Vicente Navarro afirma que as situações concebidas pelos profissionais de saúde como
distúrbios mentais são antes muitas vezes resultado de uma
distribuição fundamentalmente desproporcionada dos recursos 81 Eisenberg et al., 1995.
socioeconómicos a nível global. Contudo, em vez de contestar 82 Kirmayer, 2002; Bhugra, 2004.
O World Bank Report (Narayan et al., 1999) emprega as noções de “marginal” e “mar-
ginalização” para descrever a exclusão social e a discriminação, especificando que em
relação aos cuidados de saúde é considerado “marginal” quem não tem acesso aos
fármacos (Narayan et al., 1999: 87-88, 96, 113). Marginalização, pobreza, exclusão e
falta de esperança (“hopelessness”) são considerados neste relatório virtualmente como
sinónimos (Narayan et al., 1999: 35). A inclusão do termo hopelessness para descrever
a experiência individual da marginalidade social não é contudo casual: como sublinham
alguns autores, a “marginalidade” está associada a elevadas taxas de depressão (Kir-
mayer & Jarvis, 1998). O estado deprimido é sintomático da liminaridade social, assim
como a sua permanência sem cura é um sintoma de exclusão dos cuidados de saúde.
A conclusão do relatório é de que todos os “marginais”, quer os pobres urbanos, como
os imigrantes, como também os habitantes de países em desenvolvimento, deveriam ter
acesso directo e imediato aos fármacos antidepressivos. Remo-
83 Os antropólogos médicos que
trabalham sob a perspectiva da ver os sintomas da depressão implicaria nessa óptica contribuir
economia política afirmam que a para a eliminação da marginalidade social, e vice-versa (Dumit,
compreensão de desordens como,
por exemplo, o abuso de álcool ou a
2003). Fornecer uma substância psico-activa aos indivíduos
depressão tornaria necessária a con- marginalizados parece ser, segundo este relatório, a forma mais
sideração das condições históricas e
eficaz de auxiliar a sua integração. É neste sentido que Stefan
materiais mais amplas que produzem
estes comportamentos, assim como Ecks (2005) fala de “pharmaceutical citizenship” referindo-se
das desigualdades raciais, de classe e ao poder dos antidepressivos para “des-marginalizar” os indi-
de género. Morsy, 1990, Singer e Baer,
1996, Singer et al., 1992; Navarro,
víduos que manifestam perturbações do humor ligadas a um
2002; 2004. “sofrimento social”.
Seriam então os mecanismos através dos quais as forças sociais são incorporadas em
eventos biológicos e patologias, evidenciados por muitos dos autores na área da antropo-
logia médica, o foco adequado para a intervenção, permitindo potenciar a capacidade de
acção dos sujeitos através da promoção dos seus próprios direitos – não só civis e políticos
como também sociais e económicos. Neste sentido, o empenho da antropologia que aqui
defendo não consistiria somente numa análise desses mecanismos geradores do sofri-
mento, mas também na intervenção não limitada à medicina, antes acima de tudo social,
económica e política. Se o cunho crítico do meu trabalho reclama uma intervenção social,
é verdade que um envolvimento activo implicaria por outro lado a mobilização de forças e
interesses sociais que escapam ao controlo do antropólogo ou do psiquiatra. Mas a este
respeito, gostaria de concluir citando uma frase elucidativa de Bourdieu:
“Analisar os mecanismos que tornam a vida dolorosa, até insustentável, não significa neutralizá-
los; fazer emergir as contradições, não significa resolvê-las. Mas, porquanto se possa ser céptico
acerca da eficácia social da mensagem sociológica, não podemos diminuir o efeito que esta pode
ter, isto é, de permitir aos que sofrem a descoberta das possíveis causas sociais, colectivamente
ocultadas, do próprio sofrimento, e assim, a libertação de uma culpa e de uma responsabilidade
individual (Bourdieu, 1993: 1453).”
J Ú L I O F. F E R R E I R A
Não se trata de discutir acerca da formação da “identidade” (ou qualquer outro daqueles
conceitos) nesse contexto, mas antes de analisar o uso político destes termos no aco-
lhimento aos utentes, e o seu papel nas possíveis contradições que surjam na prática
terapêutica, evidenciando o recurso a elementos identitários/culturais pelo modelo biomé-
dico como estratégia de cura dos utentes – que passa potencialmente pela patologização
de indivíduos e grupos pela via institucional.
Este modelo de trabalho assumia uma centralidade prioritária para o grupo, que acreditava
promover uma optimização dos resultados psiquiátricos com imigrantes, principalmente no
que diz respeito às condições de tratamento, através da utilização de mediadores culturais
formados em outras áreas de saber, e da sensibilização dos técnicos do hospital para as
“diferenças culturais” e suas implicações na relação médico/utente. O grupo almejava evi-
tar classificações patológicas alheias às particularidades destes indivíduos, considerando as
suas experiências subjectivas, possíveis traumas no percurso migratório, referências religiosas
e de organização social.
A atenção necessária aos factores linguístico e cultural conduziu os técnicos de saúde do gru-
po Transcultural a associar características psicopatológicas inatas às nacionalidades dos imi-
grantes87, classificando os elementos culturais como “algo natural,
87 Sobretudo das comunidades
estrangeiras mais significativas esta- distante das culturas europeias” (para citar um dos psiquiatras),
belecidas em Portugal – a brasileira, e gerando uma hierarquia entre o “Nós” e o “Eles”. A cultura era
indivíduos dos PALOP (Países Africa-
nos de Língua Oficial Portuguesa) e do
utilizada, então, como ferramenta para a fabricação do “outro”, e
Leste europeu. como medida da valorização e validade político-social do utente.
definidas pela nacionalidade dos utentes. A linguagem usada minuir” o trabalho dos seus membros,
depreciar o seu prestígio profissional
era invariavelmente muito vaga, com palavras que pareciam me- ou o das instituições a que estão
didas (a fim de não causarem impacto sobre os observadores ligados. Esta iniciativa procura manter
uma análise imparcial, concedendo-se
externos presentes) e pronunciadas num tom humanitário den- uma maior liberdade nas opiniões de
samente assistencialista de “ajuda ao necessitado”. todas as partes envolvidas.
Este exemplo ilustra igualmente a atitude geral do grupo de tomar uma disfunção orgâ-
nica como ponto de partida para a interpretação dos comportamentos ou experiências
De facto, a cultura está presente no DSM como factor importante na expressão do “sofrimen-
to” e da “doença”, mas é ainda ignorado o seu papel na origem das doenças e sintomas,
e da própria ideologia e factores políticos que os acompanham. Se a dimensão cultural
fosse devidamente valorizada não constaria apenas de um apêndice no final do DSM.
Muito aquém de uma discussão teórica, o grupo Transcultural parecia situar no discurso
sobre a “sensibilidade cultural” a legitimação do seu próprio projecto, sem a finalidade
efectiva de desenvolver a qualidade terapêutica e as trocas de experiência necessárias
a novas leituras dos quadros clínicos dos seus utentes. O modelo diagnóstico biomédi-
co era palco de contradições, geralmente evidenciadas por afirmações opostas tecidas
por um mesmo técnico numa única apresentação teórica, onde opiniões acerca de um
dado quadro clínico (relacionado com dimensões culturais) poderiam seguir caminhos
diametralmente opostos. Logo após a expressão do seu posicionamento sobre as CBS,
o psiquiatra-chefe foi questionado sobre a imagem clínica dos portugueses em França,
onde os médicos costumavam focalizar a triagem psiquiátrica no abuso sexual, que acre-
ditavam ser prática corrente em Portugal, e o factor que mais levaria os portugueses às
clínicas psiquiátricas francesas. O psiquiatra-chefe classificou essa postura como racista
pelo seu recurso clínico a um estereótipo, que seria segundo ele evitado ao seguir como
modelo o seu próprio método de triagem: “Eu não incluo as pessoas em quadros diagnós-
ticos, eles apenas ajudam a perceber as pessoas!”. Se por um lado o “caso português”
em França denota o uso estereotípico da cultura como base de uma patologização arbitrá-
ria, as formulações teóricas e diagnósticas da Transcultural não se furtavam a estabelecer
a mesma relação de poder (evidente ao longo do trabalho de campo): os portugueses
apareciam para a clínica francesa tal como os guineenses e latino-americanos (entre
outros) para a portuguesa.
Muitos dos profissionais, quando questionados a respeito do rácio entre os géneros dos
utentes, sugeriram ser “normal” a maior medicação/medicalização das mulheres. Esta
desproporção poderá relacionar-se com a depreciação do género feminino na mediação
clínica e no encontro terapêutico, que se traduz numa complexa topografia clínica, a saber:
1. a prevalência de mulheres nos índices estatísticos, principalmente de origem africana;
2. a frequência de diagnósticos estigmatizantes, que denotam um grau severo de distúrbio
nas utentes (como esquizofrenia); e 3. a sua forte medicalização, através de prescrições
farmacológicas pesadas, muitas vezes de cocktails com mistura de diferentes drogas (se-
gundo dois profissionais entrevistados).
manecer não provada, a Monomine Hypothesiss95 dá apoio à para análise), incluindo alguns novos
pacientes do início de 2008, com os
imagem de “progresso científico” dos métodos de tratamento, quais foi também possível o contacto
enquanto são omitidos os valores sociopolíticos incorporados no no âmbito desta pesquisa.
95 A Monoamine Hypothesis,
modelo biomédico – resultando numa diferenciação entre gru- como é conhecida na comunidade
pos segundo o critério da (dis)função orgânica. científica, modificou as perspectivas no
O processo terapêutico poderá servir uma estratégia de intervenção mais alargada. Exames
e metodologias clínicas são historicamente reconhecidos como mecanismos de contro-
lo dos fluxos migratórios, operacionalizados e legitimados pela crença na objectividade
científica (Gordon, 1983; Santiago-Irizarry, 2001). Por outro lado, sendo a resistência um
sinónimo do fracasso terapêutico, o profissional de saúde tenderá naturalmente a descartar
o seu teor e implicações políticas e a reduzi-la a algo manifestamente patológico – confusa
e arbitrariamente fundamentado na identidade dos utentes e na linguagem nosológica
institucional. Said (1990) descreve a assimilação como a contraposição do “moderno”
ao “arcaico”, o estabelecimento de hierarquias entre o “nós” e os “outros”, uma exten-
são política do colonialismo, o percurso de conversão do “outro” em alguém como “eu”,
um processo de “civilização” do “anacrónico”, do “atrasado”, do “não desenvolvido”. As
políticas actuais de imigração e saúde mental na Europa e nos EUA – nomeadamente as
encontradas na Transcultural – seguem esta mesma postura, abordando a interpretação
cultural, a experiência do corpo, da doença e do mundo como algo a formatar de acordo
com as noções hegemónicas ocidentais. A dicotomia Nós/Outros é acompanhada de uma
hierarquização social – estreitamente ligada à construção da noção de “desvio” enquanto
falta/limitação percebida nas estruturas psicológicas do “outro”, a corrigir pelo processo
da sua transformação num como “nós”.
Diagnosis is the foundation of any medical practice, and the twentieth century has seen a revolu-
tion in medicine’s ability to identify – and treat – the illnesses that plague humanity.
DSM-IV, 4.ª edição, página de apresentação
• Quais são os elementos tradicionais e as “crenças” ou “superstições” que encontraram mais fre-
quentemente nos relatos dos pacientes? E quais as patologias mais frequentes para cada crença
exemplificada?
– Pessoas do “Leste”… o “Leste” é um continente que engloba a Europa uma vez e meia…
a África também… apesar de ser um continente, é muito pouco evoluída em termos de cultura
e evolução… o “Leste” é mais rico neste sentido; Porém, ambos possuem coisas em comum,
como os sistemas de crenças. As pessoas do “Leste” acreditam em forças externas, como a
bruxaria, inveja, energias negativas, que podem exercer controlo sobre suas vidas e seus des-
tinos. É um carácter comum na forma médica de ver estas pessoas. Na África, por exemplo,
estes factores externos podem ser vistos pela deusa da “Many Quá”101, que é uma figura que
controla a vida dos indivíduos. … De ambas as origens, em geral, são diagnosticados com
depressão e esquizofrenia, respectivamente.
• Qual a especificidade que torna o serviço prestado aos doentes “culturalmente competente/
sensível”?/Pode indicar a diferença na triagem entre um “Mandinga” da Guiné e um brasileiro?
– A informação actualizada e a experiência dos membros do grupo. Na terapia… é a aceitação,
olhar activo e incondicional…
– O método é o mesmo, e não faz diferença quanto às nacionalidades… ambas são tratados com
o mesmo percurso. Transportamos a cultura e assim, desta forma, descobrimos a doença.
• Qual foi a identidade nacional da maior parte dos pacientes que tratou?
– América do Sul, Guiné-Bissau, Brasil.
• Pode indicar-me uma (ou mais) referências bibliográficas que o ajudou especificamente no traba-
lho da Transcultural?
– Marie-Rose Moro e “Bertolucci”102. Agora não me lembro, mas posso enviar-lhe por e-mail.
• De acordo com a entrevista concedida até o momento, poderia falar-me sobre os dados esta-
tísticos presentes no DSM-IV e suas repercussões clínicas na Transcultural? Porque há maior
incidência de psicopatologias em pessoas do “Leste” e da “África”, como reporta o doutora?
– A África é um continente a abater, fadado ao desaparecimento, basta ver a evolução do HIV… São
factores culturais e de desconhecimento; estão a viver em estado de natura. Tem a ver com factores
genéticos e o cruzamento de raças… Eles cruzam as raças… que acabam por oferecer maior expo-
sição às doenças e às desordens (esquizofrenia)… Não sabias? Se queres Pit Bulls mais agressivos,
deves cruzá-los entre eles… se queres uma vaca apurada, não a podes cruzar com outras vacas…
Eles cruzam-se entre eles, com as mães e os filhos… Por isso, na época de César [o imperador
romano] eram todos doidos. Porque se casavam e cruzavam uns com os outros, com núcleos
reduzidos. Está provado cientificamente que a baixa variabilidade
genética provoca doenças mentais. Por isso pode-se dizer que há 102 Referindo-se a Beneduce,
uma escala evolutiva, e isso se pronuncia no poder de racionalidade. etnopsiquiatra italiano. O Prof. Doutor
Na base estão os africanos… Os indianos, a raça Hindu, possui alta Beneduce esteve em Portugal para
apresentar uma conferência no ICS
taxa de esquizofrenia catatónica pela própria disposição das castas e
(Instituto de Ciências Sociais), e teve
dos cruzamentos. Isto é fora de minha área, é da biologia, da cultura a oportunidade de promover uma
geral (…) se queres um contra-exemplo, existem os alemães. palestra na Transcultural.
Premissas sobre os sentimentos dos imigrantes, o seu estatuto social e laboral e as suas
relações socioeconómicas são articuladas como fundamentos universais de uma perspec-
tiva “violenta” do acto migratório, que reduz todos os factores de motivação a questões
económicas, e que traduz o imigrante como um indivíduo que sonha com o enrique-
cimento e o distanciamento das (estereotipadas) condições de vida dos países do Sul.
Se uma primeira leitura instintiva dos sintomas aparentes e símbolos identitários de Apar
em termos dos indicadores presentes nos manuais psiquiátricos tinha provocado uma
leitura errónea do sofrimento expresso por ele, num segundo momento a interpretação
psicológica feita através do diálogo com o utente reorganizou o seu quadro clínico, simplifi-
cando-o. Após um ano de terapia, Apar havia reduzido drasticamente o consumo de haxixe
e adquirido o autocontrolo necessário para escolher usá-lo ou não. A relação com a família
assumiu também outra configuração, com um prognóstico positivo. Apar encontra-se hoje
em situação de alta clínica.
Foi efectuada uma correlação entre factores de risco e comportamentos sociais de de-
terminados grupos, por meio de visões parciais e incompletas sobre os seus símbolos.
O cruzamento entre a informação do medo em utilizar o comboio e a interpretação
precipitada de efeitos secundários do uso de haxixe, simplificados enquanto delírios, é
exemplo de um ciclo de criação do perfil do “perigoso”. A medicalização de compor-
tamentos considerados potencialmente “perigosos”, ou “desviantes” e marginais em
relação aos modelos comummente “aceites” do indivíduo – sem compreender que a
contestação, ou mesmo a criminalidade e a violência, não são necessariamente algo
“patológico” – foram evidenciados por muitos autores (Conrad, 1979, 1992; Conrad e
Schneider, 1981).
As perguntas multiplicam-se após a análise do caso de Apar. O que poderia ter-lhe acon-
tecido se sua sorte o prendesse ao diagnóstico da triagem? Será que neste caso os seus
supostos sintomas teriam melhorado? Porque é que a necessidade de ter colocado um
português como utente dos cuidados de uma equipa Transcultural (por ter nascido e sido
criado noutro país) não produziu levantamentos relevantes sobre o seu percurso enquanto
migrante, ou o impacto da migração sobre as relações sociais e, consequentemente, as
dificuldades sentidas no país de acolhimento?
117 O DSM-IV aponta a incidência de
determinados comportamentos carac- Apar foi despido de si próprio, os seus passos e as suas atitudes
terísticos de cada patologia. No caso
foram isolados numa dinâmica passível de confirmar um quadro
da esquizofrenia paranóide é dada a
indicação de delírios e/ou alucinações clínico, sem identificar as necessidades e as trajectórias pesso-
auditivas tipicamente persecutórias, e ais que acabaram por conduzi-lo àquela situação. Partiu-se do
o(s) sintoma(s) deve(m) permanecer
obrigatoriamente pelo período mínimo
diagnóstico em busca da sintomatologia que o confirmasse. Ou-
de seis meses. tro factor importante foi o papel discriminatório que assumiu o
Michael Conner aponta alguns perigos na utilização tendencial do DSM como referên-
cia para o diagnóstico psicopatológico: There is considerable overlap among diagnostic
categories in the DSM and it is possible to reach a more desirable or less desirable
diagnosis depending on the evaluator. Even when there is agreement, many professio-
nals are becoming concerned that the diagnoses and conclusions that follow from the
DSM are not very useful. In other words, the diagnosis reached is not much more than
a label that is based on an arbitrary set of symptoms. Most of the time a DSM diag-
nosis does not indicate the best course of action or even what treatment is necessary
(Conner, 1999)118.
A instrumentação rígida dos manuais psiquiátricos pode conduzir a casos em que, de certa
forma, o processo psicoterapêutico se assemelha mais à procura do utente na doença do
que da doença no utente, mediante uma estrutura institucional que legitima a autoridade
“científica” e o profissionalismo do psiquiatra.
Casos como os de Apar são cada vez mais apontados como demonstrativos da institu-
cionalização e racionalização da diferença nos tratamentos de “sensibilidade cultural”.
O confronto entre as duas perspectivas coincide com um dos contrastes observados no
grupo: pode dizer-se que, segundo a análise comparativa das en-
trevistas com os diferentes membros da Transcultural, esta linha 118 Criticism of America’s Diagnostic
Bible – The DSM (1999). Disponível
se encontra mais ou menos expressa separando psiquiatras de em: http://www. oregoncounseling.
um lado, e psicólogos e antropólogos do outro. org/Diagnosis/CriticismOfDSM.htm
O problema é que não se dão os instrumentos necessários nem o tempo necessário para contextu-
alizar a sintomatologia. Antes de saber do que estamos a falar, devemos saber se a sintomatologia
está ligada ao concreto. Poderia “Apar” ter ido embora com um rótulo pesado a ser exposto a
outro terapeuta… O que passou foi estigma… Havia algum tipo de racismo.
2. Kan121
Durante a triagem, os seus familiares confirmaram aos técnicos de saúde o estado delirante
e paranóico de Kan, marcado por sensações de persecução em relação a carros e pessoas,
e pelo medo de ser envenenada pelos próprios familiares (prestando especial atenção à comi-
da). Revelava ainda o receio de ser presa pela polícia e confirmava esconder-se destes muitas
vezes ao vê-los na rua. Acreditava haver câmaras de vigilância que a controlavam ao longo da
linha do metropolitano e nos transportes públicos em geral. Em ambos os ambientes, social
e familiar, Kan relatava a constante sensação de controlo, de ser observada e conduzida. Ao
falar das suas relações familiares e conjugais aos técnicos de saúde, Kan recorria muitas
vezes a explicações que “desafiavam” a suposta racionalidade ocidental, com narrativas
sobre entidades sobrenaturais, “lutas espirituais”, “cabeças amarradas”, venenos e poções
feitas de fluidos corpóreos, o furto do seu odor, histórias sombrias de “calcinhas” (roupas
íntimas femininas) enterradas no “mato”, “mau-olhado” e “inveja”. Os psiquiatras considera-
vam estes relatos como persecuções de origens místicas (feitiçaria, rituais para condicionar
a sua vida sexual ou inibir a sua fertilidade), comportamentos típicos de uma “psicose de
natureza persecutória”. Os psiquiatras da Divisão de Saúde Mental da WHO (World Health
Organization), numa pesquisa transcultural em colaboração com o IPSS (International Pilot
Study on Schizophrenia) e os DOSMED (Determinants of Outcome of Severe Mental Disor-
ders), afirmaram serem particularmente frequentes em África as reacções psicóticas agudas
transitórias baseadas em crenças culturais na magia e na feitiçaria (in Pussetti, 2006).
Como consequência da abordagem e do diagnóstico clínico, Kan foi internada duas vezes
no hospital psiquiátrico, num total de seis meses. Os motivos para a sua deslocação a
Portugal haviam sido a relação conflitual com o marido (na terra de origem) e o acom-
panhamento – na ausência de outra pessoa que o pudesse fazer – de um parente a um
tratamento médico necessário.
Na relação terapêutica hospitalar, ao que tudo indica, a história de vida de Kan não foi
escutada, assim como não foram consideradas relevantes – mesmo que aparentemente
irracionais – as suas interpretações dos eventos da sua vida. Não foram analisadas de
forma aprofundada as motivações e os traumas do seu percurso migratório, a sua relação
com a família, a situação socioeconómica ou o contexto de origem. O seu processo clínico
é uma sequência de páginas brancas: em particular, a secção dedicada à “História pessoal
e desenvolvimento social” não reporta absolutamente nada; enquanto a “História Familiar”
apresenta apenas três linhas, que relatam o falecimento do seu pai, o local de residência
actual da sua mãe, e a existência de quatro irmãos. Os relatórios dos médicos não incluem
informações sobre as suas representações, à excepção de dados vagos, inexactos e pouco
aprofundados, que reduzem as referências de Kan a entidades e definições superficiais e
completamente eurocêntricas (o deus da etnia) – que no contexto de origem teriam uma
definição e uma identidade específicas – sem explorar minimamente o significado que
estas entidades podem ter para a utente ou para a sua comunidade, no contexto de origem
e no lugar de acolhimento.
Na “História Clínica” são apenas reportados o seu país de origem e língua materna,
além de duas informações básicas: que ganha menos de 50 euros por mês e que dorme
num colchão no chão, com a sua filha, num espaço cedido por um amigo. Ao longo do
processo clínico, para além dos seis meses de internamento, foram registadas mais de
10 visitas médicas. Ainda que não faltasse tempo para a escuta da utente, a descrição
dos psiquiatras limitou-se a realçar o “estado de espírito” de Kan ao longo das consultas,
e a avaliá-lo entre “bom” e “delirante”. Se de facto não houve uma tentativa séria de
diálogo, foram todavia feitos esforços para interpretar as queixas da utente e melhor con-
cluir sobre o seu quadro clínico, que tomaram a forma de repetidas análises clínicas ao
sangue e à urina, bem como testes de funcionalidade hepática e visitas ginecológicas.
Revendo o caso de Kan através dos seus próprios relatos – fornecidos ao mediador cul-
tural que tentou reconstruir a história de vida da utente na sua língua materna – e a partir
de apontamentos pessoais do psicólogo responsável pela triagem (cedidos para análise),
é possível oferecer uma interpretação do seu mal-estar mais complexa, que não reduz as
suas experiências aos quadros patológicos da psicose. O passado de Kan é uma síntese
de medos e persecuções: a sua história conjugal foi uma sequência de ameaças físicas
e “místicas”, com um ex-marido ciumento e rancoroso que a molestava continuamente
e a intimidava utilizando todos os recursos disponíveis, incluindo a violência e ataques
“sobrenaturais”. Kan relatou, com extrema lucidez e coerência narrativa, os episódios
que mais a marcaram e apavoraram, e que podemos reconduzir ao espaço simbólico
da feitiçaria, algo muito presente (de acordo com um psicólogo e o mediador cultural
de Kan) na vida quotidiana do seu contexto de proveniência. O discurso de Kan a este
respeito – como sugeria Evans-Pritchard ao falar da feitiçaria entre os Azande do Zaire122
– dispõe de uma lógica interna perfeita, onde nenhum acontecimento é excluído por esta
leitura e tudo se torna extremamente coerente. A ansiedade de se sentir vítima de “mau-
olhado” e “ataques de feitiçaria” é uma constante nos seus
relatos, que sublinham relações familiares tensas e complexas, 122 No clássico de 1937 Witchcraft,
Oracles and Magic among
principalmente com o ex-marido e com a cunhada – que des- the Azande.
de a sua vinda para Portugal se demonstrou hostil e pouco 123 De facto, é quase impossível ter
disposta a hospedá-la e mantê-la economicamente, ainda que provas efectivas de envenenamento
no seu país de origem. O que é para
não possuísse outros recursos. Segundo esta mesma lógica, este caso significativo é o discurso
pode interpretar-se o medo de Kan sobre o envenenamento da sobre comida envenenada, constante
no contexto de qualquer refeição
comida (prática muito visível nos discursos das pessoas e nos feita pela utente. Este dado estava
cuidados com a comensalidade no seu contexto de origem)123 presente nos relatos de muitos
Da mesma forma, teria sido mais eficaz do ponto de vista terapêutico considerar o que
a polícia, os transportes e o metropolitano, os carros e mesmo a malha urbana pode-
riam significar “do seu ponto de vista”. Um desencontro de realidades que ela própria
expressou aos técnicos de saúde numa frase curta, mas particularmente significativa:
“quando cheguei, não conhecia a realidade daqui!”. Não é difícil para os antropólogos
– especialmente os que frequentaram contextos “exóticos” – compreender o hiato que
ela atravessou no tempo limitado de uma viagem de avião, e o choque de encontrar-se
num contexto espacial desconhecido, onde mesmo as práticas corpóreas mais quotidia-
nas (atravessar uma rua, utilizar um comboio ou o metro) eram para ela completamente
estranhas (uma vez que provinha de uma zona estritamente rural). Muitos dos informantes
da mesma proveniência de Kan relataram sensações similares ao chegarem a Lisboa (de
acordo com as entrevistas com os técnicos de saúde), e falaram igualmente do “medo
da polícia”, não apenas enquanto ameaça (evidente) aos imigrantes em condição de ile-
galidade, mas também pelos relatos das suas práticas de controlo e punição, divulgados
regularmente entre os imigrantes: relatos de violência social
utentes com a mesma proveniência, gratuita, de abusos, de moléstia sexual das mulheres, de ofen-
e foi confirmado em entrevistas sas e racismo. Mesmo que estas práticas sejam consideradas
com antropólogos especialistas
na área e mediadores culturais
ficção, e “a polícia” imaginada como gentil e compreensiva, é
da Transcultural. incontornável a presença desta componente no discurso des-
3. O Caso de “Velha-sane”
3.1. O amanhecer
O “ataque” surgiu aos oito anos de idade, enquanto trabalhava a recolher água para a
família na aldeia vizinha. Velha-sane perdeu os sentidos e encontrou-se, ao acordar, caída
sem movimentos no chão, com “sucuma a sair da boca” (espuma) e, temporariamente
sem visão. Os “ataques” tornaram-se desde então constantes, causando-lhe em diferen-
tes ocasiões a perda temporária da fala, afectação da coordenação motora, a abertura
dos olhos à semelhança de um estado de transe e a perda de audição – a ausência,
portanto, de qualquer forma de comunicação com as pessoas em redor – à excepção de
uma voz de mulher que a assustava (e que continua a assustá-la). Cada episódio deixava
Velha-sane de cama, levando a família a procurar o tio da sua mãe, que lhe administrava
ervas de banho e a ingestão de certos líquidos para afastar o mal – que diziam ser de or-
dem espiritual. Aos poucos, Velha-sane recuperava a saúde e a família evitava falar sobre
o assunto, agindo como se nada tivesse ocorrido. Velha-sane não sabia explicar o que
acontecia nesses tempos, repetindo apenas que “caía de ataque quando era pequena”,
e acrescentando “foi assim”.
3.2. Meio-dia
No início da sua adolescência, Velha-sane foi levada da zona rural (onde vivia) para a
capital, para ser tratada no Hospital Nacional Simão Mendes. A princípio os médicos
suspeitaram de cisticercose “Taenia solium”125, mas a sua fa-
125 No caso de Velha-sane, os
mília, muçulmana e de etnia Mandinga, negava que Velha-sane médicos em Bissau acreditavam na
alguma vez tivesse ingerido carne de porco. hipótese de neurocisticercose, com a
instalação dos cisticercos no sistema
nervoso central, músculos e vísceras,
Dos oito aos 18 anos de idade, os “ataques” foram sendo con- podendo causar crises convulsivas,
cefaleia, alterações na visão, hidroce-
trolados por meio dos “mezinhos do chão” (designação de Velha-
falia, etc., que explicariam a priori todo
-sane para as ervas medicinais da sua região), os “remédios da o seu quadro sintomático, dado que
terra” do tio da sua mãe. Os sintomas originais desaparece- os exames neurológicos não indicavam
relações precisas entre os sintomas.
ram progressivamente, enquanto um novo quadro sintomático Os médicos encaravam as divergências
emergia, que a utente descreveu como “nervosismo” e dores ao entre as queixas da utente e a
sintomatologia da neurocisticercose
longo do corpo, principalmente na cabeça e na região renal.
como devendo-se às nomenclaturas
diferentes empregues pela utente:
Ao longo dos anos os “ataques” diminuíram, apesar da con- convulsões poderiam ser vistas como
“estado de transe”, alterações na visão
tinuidade dos sintomas secundários e de sonhos que não a como alucinações ou confusão mental,
deixavam dormir, provocando-lhe alta irritabilidade em relação e assim por diante.
Aos 19 anos de idade a família acordou o seu casamento, contra o desejo de Velha-sane
– que me confessou não gostar da ideia de estar submetida às ordens de um marido. Após
alguns meses de casada, os seus “ataques” voltaram, demonstrando (sob o seu ponto de
vista) a sua insatisfação com a situação familiar e o desejo de melhorar as suas condições
de vida. Este contexto conduziu o seu marido a procurar uma segunda mulher, que passou
a viver na casa vizinha, e que terá ficado grávida pouco tempo depois, situação que provo-
cou conflitos entre as duas e o marido. Velha-sane descreveu:
Ela era mais jovem, dava os filhos fortes que ele queria, estava sempre a cozinhar e presente
para ele, se sujeitava às ordens e às obrigações… Eu não! … então ficava nervosa e ela passou
a dizer a todos que era estranha pelos meus ataques, que eu entrava em transe, não poderia
ter mais filhos e trabalhar. Gozava comigo em frente a todos pelos filhos fracos que eu perdi, e
pelas doenças dos que nasceram… isso tudo acabou por provocar muitos ataques e brigas… já
não tinha respeito na aldeia.
Velha-sane teve um filho no primeiro ano de casamento, que nasceu doente, e se recusou
a amamentar a partir dos três meses, por ser muito fraco. Durante todo o período da
gravidez exprimiu fortes queixas de dores de cabeça, e da constante perseguição por uma
força omnipresente que a observava e lhe tirava o sono – a mesma força que acreditava ter
retirado as energias ao seu filho. Alguns meses depois engravidou de gémeos mas perdeu-
-os no sexto mês de gestação, incidente que criou nela fortes sentimentos de protecção e,
paradoxalmente, de raiva em relação ao primeiro filho. Durante a gestação interrompida
começou a ter sonhos sobre um novo futuro filho, que chegou a dar à luz meses depois,
mas igualmente doente.
Velha-sane voltou por fim à aldeia, desprovida de qualquer prestígio entre os seus amigos
e familiares, com “ataques” frequentes e o quadro sintomático agravado: insónias que
duravam dias seguidos, agressividade nas relações sociais e a sensação de presença
constante da força que a perseguia, ameaçando os seus filhos e perturbando o seu sono.
Esta situação conduziu à decisão de regressar à capital e solicitar uma junta médica para
ir a Lisboa, na tentativa de encontrar um “tratamento moderno”. Segundo Velha-sane, a
sua vinda não é movida somente por um intuito terapêutico, mas também pelo desejo de
afastamento do seu marido (funcionário público que trabalhava na organização de cursos
de saneamento básico em aldeias afastadas da capital) e de obtenção de condições e
recursos para melhorar a vida dos seus filhos.
3.3. Entardecer
Ao psiquiatra da Transcultural (assim como nas entrevistas para este trabalho) falou sempre
de sonhos, definindo as datas e as personagens que via e revelando a sua omnipresen-
ça, e a importância que assumiam nas decisões tomadas sobre a sua vida. Porém, ao
ser questionada, permanecia geralmente em silêncio por alguns segundos, acabando por
responder timidamente que não se recordava. Ao longo de todas as entrevistas foi sendo
estabelecida alguma confiança, através da repetição das mesmas perguntas para verificar
possíveis alterações nas respostas.
Após alguns encontros, Velha-sane acabou por revelar detalhes sobre os seus sonhos.
Envolviam geralmente membros da família, e a presença de figuras que repetidamente a
Durante as entrevistas, os relatos acerca dos próprios sonhos eram contraditórios, nomea-
damente pelo contraste entre o silêncio e as vozes e ameaças alternadamente atribuídos à
entidade feminina. Porém, a cada tentativa de explorar em profundidade os acontecimen-
tos do seu passado e a sua relação com as forças que a perturbavam, a expressão corporal
de Velha-sane sugeria timidez, afastamento e tentativas de mudança de assunto.
Velha-sane revelou não se encontrar sozinha com a sua prima em Portugal, mas a morar
com o seu irmão, junto de (aproximadamente) 15 parentes que viviam e trabalhavam
em Lisboa e arredores. O seu discurso era paradoxal: ao mesmo tempo que exprimia
insatisfação com a sua vida financeira actual, alegando sofrer necessidades e não ter
dinheiro suficiente para enviar à família (que passava dificuldades de subsistência) na
Guiné-Bissau, esforçava-se por descrever-lhes, quando os contactava por telemóvel, as di-
versas utilidades que ostentava a sua casa: variados equipamentos electrónicos e receptor
televisivo por cabo, iPods modernos e carros de luxo para todos os homens da família.
Pussetti, Bordonaro, no prelo)127. A Serpente é de facto, tal do termo bijagó eraminde, erande,
ou irande, referente a uma entidade
como Mamy-Wata, um iran128 (ser sobrenatural) que assume originariamente ligada a um pitão,
frequentemente a aparência de uma mulher branca, europeia que mora no mar e pode relacionar-se
extraordinariamente com os seres
e sexualmente apelativa, que pode entrar em relação “con- humanos (Henry, 1994: 89; António
tratual” com os seres humanos. No culto da Mamy-Wata, tal Carreira, 1961; Pussetti, 1999).
À Velha-sane, o psiquiatra da Transcultural apenas lhe reportou ter “doença dos nervos”,
uma expressão que não se refere a nenhuma categoria reconhecida pelos manuais in-
ternacionais de psiquiatria. O termo (Lewis-Fernandez, 1994) poderia no máximo ser
considerado uma “CBS”, culture bound-syndrome (Ciminelli, 1998; Hughes e Simons,
1985; Pussetti, 2006)132.
Os fármacos são muitas vezes utilizados, como coloca Luhrmann (2001), com o propósito
de diminuir a dúvida dos médicos em relação ao diagnóstico, mediante resultados na dimi-
nuição de alguns sintomas. Além disso, são outras tantas vezes empregues para objectivar
o processo de cura e definir o tipo de doença que se procura identificar, nomeadamente
quando a situação clínica se apresenta de forma confusa. Neste sentido, a dimensão meta-
fórica que assumem os fármacos na definição e compreensão das patologias psiquiátricas
é muito interessante:
““Drugs” are “facilitators” for establishing meaning and for communication. What Lévi-Strauss
said about animals and plants in the essay on totemism applies to drugs in a psychiatric
setting: they are “easy to signify” (1963: 60). (…) Thus, communication about medication
becomes communication about problematic and ambiguous experiences (Van der Geest &
Whyte, 1991: 356).”
Para Velha-sane, muitos fármacos e suas combinações foram testados com o objectivo de
orientar a intervenção médica e encontrar uma categoria nosológica precisa adequada ao
estado da utente. Neste caso, a síntese das diferentes combinações farmacológicas con-
cluiu a presença duma quarta tipologia, distinta das três inicialmente reconhecidas.
Quando questionada sobre o seu futuro, Velha-sane fala da impossibilidade de voltar à Gui-
né-Bissau, devido às necessidades do tratamento psiquiátrico e ao acompanhamento pelo
nefrologista. De certa forma, o seu estado de saúde possibilita-lhe permanecer num lugar
de conquistas – ao que tudo indica, lugar relacionado com os seus desejos e relação com
a Serpente. Actualmente, Velha-sane planeia trazer para Lisboa os seus filhos, recorrendo
ao discurso de serem portadores de “cabeça pancada”, ou seja, sofrendo de fortes dores
de cabeça e incapacidade para estudar, apesar de “serem inteligentes”. Velha-sane pre-
tende solicitar a uma junta médica no Hospital Simão Mendes, em Bissau, a colaboração
com o psiquiatra da Transcultural que, mesmo não tendo conhecimento de mais detalhes,
acredita na provável patologia mental referida, apoiando-se nos problemas psiquiátricos
da Velha-sane e na frequência na sua transmissão genética (segundo o psiquiatra que a
acompanha). Estima-se que dentro de um ano os seus filhos estarão em Lisboa, a serem
acompanhados pelo mesmo corpo médico que trata a mãe.
Pelas suas semelhanças com o serviço em análise, farei neste capítulo uso das referências
obtidas através do trabalho que realizei anteriormente no Hospital Psiquiátrico do Juqueri,
no Brasil. Embora, se trate de contextos socioespaciais e populacionais diferentes, o tipo
de estruturas encontradas são comuns a ambas as instituições. O trabalho no Juqueri
reflectiu sobre o Movimento Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica no Brasil, em pleno
ano de 2002 – similar às reformas descritas por Basaglia na
década de 1970 na Itália – com o encerramento progressivo dos 133 O título “A PRISÃO SEM PAREDES”
hospitais psiquiátricos e a reinserção social dos internos que pode ser encontrado noutros contextos,
nomeadamente no artigo sobre “A
se encontravam em estruturas asilares/manicomiais. No gru- Crítica da Sociedade do Espetáculo” de
po Transcultural em Portugal encontrei um serviço pioneiro de Guy Debord, pelo conhecido colunista
psiquiatria destinado a imigrantes, criado pelo desejo e necessi- de jornal Luiz Zanin Orecchio, reeditado
no jornal O Estado de São Paulo em
dade de resposta a impactos secundários de fluxos imigratórios 2008. Quando li Porter (2002), sobre o
no país, com uma proposta de flexibilização das estruturas da crescimento do número de desordens
mentais entre o DSM-III e o DSM-V, e
psiquiatria ocidental pela incorporação de aspectos culturais Kirk e Kutchins (1997), sobre o papel
nas estratégias de diagnóstico e tratamento de utentes, e com de possíveis factores económicos na
uma aparente política de não internamento134.
descoberta de tais desordens, acreditei
ser esta a expressão mais adequada à
conclusão desta secção: a expressão
O programa dos dois estudos que realizei foi marcado pela simi- refere-se ao resultado da modificação
dos sistemas institucionais asilares
litude e complementaridade, constituindo a preocupação central no sentido de uma reinserção social
de ambos a observação do funcionamento da instituição e a dos utentes fortemente apoiada no
uso de neurolépticos. “A PRISÃO SEM
proposta de uma análise crítica dos seus serviços. Desta forma, PAREDES” pretende transportar esta
já me sentia no presente estudo familiarizado com o ambien- perspectiva para o leitor, onde as
paredes das instituições psiquiátricas
te hospitalar/institucional, não só por se tratar nos dois casos
se “virtualizam”, estando presentes
de hospitais psiquiátricos, mas pelo foco comum sobre actos em todas as esferas da vida quotidiana
terapêuticos que reflectem problemas políticos na sociedade, dos utentes.
134 O que sugere outra dinâmica co-
facultando abundante documentação adicional quanto à articu- mum, a priori, ao sistema manicomial
lação da ciência e ideologias, e as suas expressões no discurso. ainda tão presente na América do Sul.
“Sofrimento social” é um dos termos mais utilizados no contexto das experiências migra-
tórias e seus efeitos. Integrando os índices sociais das políticas públicas da Europa, está
consequentemente incorporado nas práticas de assistência à saúde mental pública e dos
centros de psicoterapia transcultural137.
Existe um vasto leque de abordagens possíveis a este conceito nas relações estabeleci-
das entre psicoterapia e paciente – nomeadamente na importância dada à componente
de transculturalidade e “sensibilidade cultural”. As contradições evidenciadas no siste-
ma médico (e medicalizador) perante a situação da migração
137 Ver: The Changing Role of the
requerem reflexões sobre os paradigmas que fazem concorrer State: Homeless and Exclusion –
o saber biomédico com a precarização (em vez de apoio tera- regulating public space, Novembro
de 2006; diversas fontes estatísticas
pêutico) destes indivíduos. Mais do que um saber representado (e referências) em www.acidi.org.pt;
em contexto institucional, a medicina psiquiátrica é um terreno Vacchiano e Taliani (2006).
“(…) Depression… showed great variability (1,5% in Taiwan to 19,0% in Beirut), with Asian coun-
tries showing the lowest rates… In all 10 countries, women had higher rates of depression than
men, and mean age of onset was consistently in the 25-to 35-year-
138 Ver: Weissman et al. (2006) old range… In summary, cross-national studies conducted during
“Cross-National Epidemiology of Major
the last two decades have begun to provide a detailed picture of
Depression and Bipolar Disorder”
e Weissman et al. “Cross-National major depression and bipolar disorder around the world.”139
Epidemiology of Mood Disorders: an
Update”.
139 Weissman et al., “Cross-National Os estudos epidemiológicos visam conhecer as consequências
Epidemiology of Mood Disorders: an directas e indirectas das doenças, acima de tudo pelos seus
Update”, disponível em: www.pasteur.
fr/applications/euroconf/depression/
efeitos prejudiciais no funcionamento individual, familiar e so-
weissman.pdf cial. Criam-se perfis baseados na “funcionalidade” e na “dis-
“Consider the inadequacy of the likely Cultural Axis evaluation of the rich contextual dynamics
involved in a presentation of taijinkyofusho. The particular Japanese exigencies of self-definition
within different social circles evincing distinct relational obligations, especially problematic du-
ring adolescence, patterned by gender roles and cultural rules of social trust and reciprocity
(amae), and showing historical changes with the loosening of social bonds as a result of the
growth of corporate capitalism in Japan… would all be reduced to an Axis I diagnosis of Social
Phobia… (1996: 134).”
O DSM popularizou-se não só como referência de consulta, mas como norma e padrão
no meio terapêutico. E este facto é particularmente relevante quando tratamos das pro-
blemáticas do encontro clínico com a “diferença”. Como é que uma publicação de foco
tão abrangente poderia sistematizar adequadamente as diversas categorias e experiências
culturais – recusando a sua universalidade – sem privilegiar determinadas interpretações
subjectivas (neste caso as biomédicas ocidentais) da doença?
E lsa L ech n er
Neste breve resumo, apresentamos três modelos de consulta de psiquiatria dirigida a po-
pulações migrantes, em três países: a consulta dirigida por Marie-Rose Moro no hospital
Avicenne em Bobigny (Paris); a consulta do Jewish Hospital de Montréal, dirigida por
Laurence Kirmayer; e a “Consulta do Migrante”, criada por Inês Silva Dias e extinta pelas
reformas do serviço nacional de saúde do actual governo português.
A consulta é dirigida a qualquer paciente, criança ou adulto, que seja migrante de primei-
ra, segunda ou terceira geração, cuja problemática e expressão psicopatológica estejam
intimamente ligadas à sua história de migração, às representações culturais da doença,
e às dificuldades em estabelecer um laço entre a cultura de origem e a do país de aco-
lhimento.144
A consulta recebe pacientes de todos os cantos do planeta: África negra, Magrebe, Sudeste
asiático, Antilhas, Turquia, Sri Lanka, Europa central…
As pessoas que levam as famílias de migrantes à consulta também participam, pelo me-
nos a primeira vez, tendo em conta que são portadoras de um “pedaço da história da
família”. Esta presença evita que o trabalho transcultural seja uma outra ruptura no longo
e difícil caminho das famílias migrantes – muitas vezes com um vasto percurso anterior
de terapias várias.
Para explorar cada caso com precisão, a utilização da língua materna e a tradução entre
duas línguas é aqui fundamental. Uma técnica desenvolvida por Marie-Rose Moro em
conjunto com o linguista S. de Pury Toumi consiste em gravar os encontros terapêuticos,
para depois os fazer traduzir por tradutores não presentes na consulta. Moro chama a
isto “o conhecimento cultural partilhado”, pois o tradutor é convocado a dizer porque
escolhe uma tradução e não outra, sendo que se trata sempre de uma pessoa bilingue.
Este estudo pôs em evidência a importância, para os terapeutas, das associações ligadas
à materialidade da linguagem do paciente, mesmo quando não se compreende o que
diz. Este banho linguístico cria imagens e associações ligadas ao efeito provocado pelas
palavras, ritmos, sonoridades… a interacção faz-se através do sentido mas também com
Quatro dos psiquiatras em serviço nesta consulta do Jewish Hospital de Montreal são auto-
res de um artigo científico esclarecedor sobre o contexto cultural dos encontros terapêuticos
com migrantes. Estes autores são também professores e investigadores no Departamento
de Psiquiatria Cultural da Universidade de McGill, na mesma cidade.
A expressão “competência cultural” designa uma abordagem terapêutica que visa de-
senvolver estratégias adequadas perante uma população culturalmente diversificada.
A competência cultural envolve estratégias tanto culturalmente específicas como genéricas
na resposta aos desafios impostos pela alteridade no trabalho com migrantes. Isto inclui
a capacidade do terapeuta captar a informação cultural relevante no momento do encon-
tro clínico, de compreender como o mundo cultural do paciente e da respectiva família
influencia a doença, e de desenvolver um plano de tratamento que emancipa o paciente
através da validação do seu saber cultural específico.
Na sua formação profissional cultural, os clínicos são pois distanciados da sua cultura de
origem e tornam-se relutantes em fazer uso do seu conhecimento cultural tácito. Há uma
hipervigilância em relação aos pontos de referência cultural de partida e uma combinação
de saberes e estratégias de tratamento: diagnósticos e métodos tradicionais podem ser
associados a tratamentos psiquiátricos convencionais. O clínico
147 As referências bibliográficas sobre pode comportar-se de forma diferente em função de cada caso.
esta matéria são extensas. Procurar no Também é tida em conta a percepção que os pacientes têm do
sítio do departamento de psiquiatria
cultural da McGill na Internet: http://
quadro institucional da consulta. O coração da competência a
www.mcgill.ca/tcpsych/publications adquirir é, pois, a compreensão a desenvolver pelo clínico sobre
A grande variedade de competências a adquirir pelos clínicos culturais leva estes últimos
a trabalhar em equipas multidisciplinares. Uma grande diversidade de modelos de traba-
lho em grupo tem sido desenvolvida por clínicos desta consulta e colaboradores. Cécile
Rousseau e Jaswant Guzder são duas psiquiatras do Jewish Hospital que têm aplicado
estratégias particularmente criativas (nomeadamente com terapia artística). Como a pró-
pria Rousseau afirma, o trabalho clínico em psiquiatria cultural é um messy work (trabalho
desordenado), que foge às convenções e desafia a criatividade dos clínicos e pacientes.
A “Consulta do Migrante” iniciou o seu trabalho no ano de 2004, no Hospital Miguel Bom-
barda em Lisboa, por iniciativa do Núcleo de Psicologia e Psiquiatria Transcultural fundado
pela psiquiatra Inês Silva Dias. Durante o seu tempo de funcionamento (de Julho de 2004
a Dezembro de 2007) contou com utentes oriundos de uma grande variedade de países,
recebendo imigrantes de primeira e segunda geração em Portugal, e filhos de emigrantes
portugueses retornados. Alguns dos países de origem dos utentes registados foram: An-
gola, Cabo-Verde, Guiné, São Tomé, África do Sul, Brasil, Argentina, Venezuela, Espanha,
Itália, Ucrânia, Moldávia, Roménia, Rússia, Albânia, Bangladesh, Paquistão e China.
Sem modelo de partida, as consultas eram feitas pelos psiquiatras uma vez por semana no
hospital, reunindo-se a equipa em reuniões clínicas, teóricas e administrativas. Em 2006,
as reuniões clínicas passaram igualmente a ser vedadas aos membros que não cumpriam
funções institucionais no hospital. Permaneceram as reuniões administrativas e teóricas
acessíveis ao grupo alargado composto pelos técnicos de saúde da consulta, por três
antropólogos, um psicopedagogo, e dois psicólogos exteriores ao hospital. A direcção da
equipa abriu, entretanto, as portas das reuniões teóricas a todas as pessoas interessadas
do grande público. Estas reuniões teóricas consistiram na leitura e discussão de textos de
antropologia médica, etnopsiquiatria, psiquiatria cultural e estudos culturais e históricos
sobre “povos do mundo”.
No caso dos “novos encontros”, por sua vez, entre imigrantes oriundos de países distantes
deste passado colonial, como são os imigrantes da Europa de Leste, o encontro com a di-
versidade aponta antes para a aprendizagem de um futuro comum que dependerá da forma
como o presente histórico reconhece o papel social de uns e de outros e concebe a relação
entre as duas partes. A dimensão histórica e política, neste caso, parece esclarecer os encon-
tros entre migrantes e hóspedes sobre a existência de uma necessidade de relação orientada
por e para um fim comum. O presente histórico surge como uma oportunidade (mais ou
menos utópica) de correcção dos erros do passado na construção de novos alicerces para a
convivência. O futuro permite vislumbrar um horizonte orientador da memória antiga que se
procura salvar da história de violência do passado. O mesmo se pode aplicar à própria cola-
boração profissional entre médicos e cientistas sociais, ainda sem tradição em Portugal.
C R I S T I N A S A N T I N H O149
La única cosa sensata que se puede decir sobre la naturaleza humana es que está “en” esa
misma naturaleza la capacidad de construir su propia historia.
Lewontin, Rose Y Kamin [1990]
São várias as razões apontadas para este fenómeno. Desde logo a posição geográfica de
Portugal em relação à Europa, o facto de não possuir fronteiras com o Mediterrâneo, a au-
sência de rotas aéreas directas provenientes dos países de onde os requerentes de asilo se
libertam, e ainda a presente situação económica do país, com escassa empregabilidade,
são alguns dos factores que condicionam a procura preferencial de Portugal como país de
asilo. Relativamente a este ponto, interessa referir que os refugiados e requerentes de asilo
por mim entrevistados, relativamente às razões que os levaram a vir para Portugal e não
para outro país europeu, referiram que apenas tinham decidido vir para a Europa, sendo
que o facto de se encontrarem em Portugal se deveu sobretudo ao acaso. Esta justifica-
ção era dada preferencialmente por aqueles que escolheram o
só como uma disciplina que aborda as
questões da saúde, mas principalmente
transporte marítimo (clandestino) como meio de fuga. Outros
que as contextualiza num panorama referem que a escolha se deveu em primeiro lugar ao facto de o
mais amplo da cultura, da sociedade,
país vizinho ao seu ter fronteiras com as ex-colónias portuguesas
da economia e da política.
151 Fontes: http://www.refugiados. e portanto existirem voos directos entre esses países terceiros e
net/cidadevirtual/estatisticas/ Portugal, e em segundo lugar por terem referências da história
pa_2007.html; “Relatório de
Actividades do SEF, Imigração,
de Portugal, ouvidas nos bancos da escola. São ainda mencio-
Fronteiras e Asilo”. nados vários casos que apontam para uma decisão de vinda
Como consequência desta inexpressividade demográfica, acabam por ser remetidos para
a quase invisibilidade social, não possuindo na prática uma identidade que os torne um
grupo socialmente reconhecido e muito menos com carácter reivindicativo. Ao contrário do
que acontece com a população imigrante, que se vê representada num número bastante
significativo de associações – segundo os dados disponíveis no sítio do ACIDI na Internet,
só as associações reconhecidas em Portugal são mais de 100 – os refugiados não pos-
suem qualquer estrutura associativa criada pelos próprios. Assim, carecem de organismos
que garantam aquilo que J. Sardinha (2007) designa como “sa-
tisfação colectiva dos seus membros, de modo a conduzir as 152 O Centro de Acolhimento de
suas acções e reivindicações (…)” e que simultaneamente lhes Refugiados pertence ao Conselho
Português de Refugiados, ONGD repre-
reforcem o sentido de pertença, a par de lhes garantirem um re- sentante do ACNUR (Alto Comissariado
conhecimento político face às suas reivindicações e ao exercício das Nações Unidas) em Portugal.
Mas para que se perceba o verdadeiro sentido do que significa ser refugiado ou reque-
rente de asilo, e em que medida sê-lo é efectivamente diferente de ser imigrante, temos
de esclarecer o que se entende por este estatuto. Em 1951, foi eleito pela primeira vez
na Assembleia-Geral das Nações Unidas o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR).
Foi então assinada a convenção relativa aos refugiados, que viria a estabelecer os seus
direitos e deveres em matéria de emprego, educação, residência, liberdade de circulação,
acesso aos tribunais e acima de tudo segurança contra o regresso ao país que os perse-
guiu, bem como as obrigações dos Estados perante eles, estipulando também padrões
internacionais de tratamento. Nessa convenção, o artigo 1.º define o termo “refugiado” da
seguinte maneira: [Qualquer pessoa] (…) receando com razão ser perseguida em virtude
da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões
políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa, ou em virtude
daquele receio, não queira pedir protecção daquele país…153
Começámos por dizer que, quando um refugiado pede asilo em Portugal, nem sempre sabe
que chegou a este país. Isto significa que por trás da cada história de vida de um homem,
mulher, ou criança (alguns deles são crianças e jovens desacompanhados), não existe
só a fuga desesperada e não planeada a guerras e conflitos armados e uma experiência
traumática de perseguição, tortura e violência (sobre o próprio ou sobre membros da sua
família ou comunidade). Existe também, por vezes, uma viagem de fuga clandestina, feita
em barcos ou camionetas com condições deploráveis, expostos a situações de extrema
vulnerabilidade – como abusos sexuais, violações, confinamento em espaços minúsculos
e sem acesso à luz solar, humilhações e ameaças – em troca de um pedaço de comida e
a promessa de chegada a qualquer porto de abrigo.
Uma vez chegados a Portugal – nos casos com mais êxito, que são aqueles que através
da sua história e comportamento, por vezes marcado com as cicatrizes da tortura no
Por outro lado, tenho vindo também a aplicar entrevistas aos técnicos que atendem direc-
tamente os refugiados no Centro de Acolhimento, bem como aos médicos de família, de
saúde pública e psiquiatras que os consultam esporadicamente – quando existe suspeita
(por parte dos técnicos) de um trauma que os impede de funcionarem dentro da “norma-
lidade esperada”.
Ao contrário do que acontece com a maioria dos imigrantes – que depositaram no percurso
migratório uma esperança sonhada e previamente preparada ao pormenor (às vezes com
a participação e solidariedade de toda a família), e com a vantagem de poderem usufruir
de redes sociais e culturais já estabelecidas – os refugiados, pelo contrário, são arrancados
do mundo que sempre conheceram para reiniciarem e se reinventarem a si próprios numa
nova existência, em contextos culturais, sociais, linguísticos e por vezes religiosos muito
distintos dos seus, com códigos que não dominam e numa sociedade que dificilmente
reconhece o seu percurso, a sua identidade e o seu sofrimento.
Se bem que a salvaguarda dos direitos jurídicos de protecção humanitária dos refugiados
e requerentes de asilo – incluindo o acesso à saúde, como acabo de mencionar – esteja
sem dúvida legalmente salvaguardada em Portugal, o mesmo não se pode de todo afirmar
relativamente ao problema dos cuidados especificamente orientados para a saúde mental.
Porque esta última depende não apenas de um ou outro aspecto jurídico – por vezes em
si factores de distúrbio, pela morosidade do processo de decisão – mas também de outras
causas bastante mais abrangentes de nível económico, social e linguístico que sem dúvida
contribuem para um perfil de angústia e depressão.
Tanto numa situação como noutra, salientamos que o primeiro grande entrave colocado à
comunicação e ao diálogo entre médico e refugiado é, na maioria das vezes, um entrave
linguístico. Esta questão, no meu ponto de vista primordial, em particular quando se trata
de problemas psíquicos causados por perseguição ou tortura, foi por mim testemunhada
várias vezes no acompanhamento dos próprios refugiados às consultas. Nem sempre os
médicos falam em francês ou em inglês, e na maioria das vezes os requerentes de asilo,
para além de não dominarem ainda o português básico, utilizam estes idiomas apenas
como recurso incipiente, pois a sua língua materna é frequentemente um dialecto lo-
cal do país de origem158. Este facto dificulta consideravelmente um atendimento mais
personalizado e específico aos refugiados, que tenha em conta as suas necessidades.
O desconhecimento da língua, a ausência de referentes culturais imediatamente compreensí-
veis, o desconhecimento do sofrimento e da aflição que originou
158 Foi-me dito recentemente que um a sua história enquanto refugiado, a ausência de uma identida-
dos médicos psiquiatras, no momento
de reconhecida, o isolamento e a angústia perante um futuro
da consulta, não se terá apercebido
que o requerente de asilo que estava próximo completamente incerto, e até uma diferente percepção
a atender, e a quem se dirigia em dos significados de saúde, doença e corpo fazem do refugia-
francês, nem sequer dominava essa
língua. A confusão instalou-se pelo
do um paciente específico, que necessita de muito mais que
facto de o dialecto usado pelo os serviços generosamente prestados pelo Serviço Nacional de
requerente de asilo ser o ngala
Saúde: um comprimido apaziguador dos seus sofrimentos. No-
(falado nalgumas regiões do Congo
e em Angola), que apenas possui tamos que é frequentemente referida pelos médicos a adopção
algumas palavras em francês, desta solução terapêutica – a prescrição de antidepressivos,
não sendo portanto suficiente para
haver um mínimo entendimento
ansiolíticos e sedativos – no sentido de apaziguar as suas in-
entre médico e paciente. terpretadas queixas. Se existem controvérsias sobre a aplicação
Defendo portanto a posição de que um refugiado não é um doente mental comum, tal
como é aparentemente encarado pelo SNS, mas alguém que foi vítima de um contexto
de conflitos armados, guerras, tortura física e psicológica e que acaba também por ser
vítima de um processo que, apesar da provável boa vontade dos médicos que os aten-
dem em consulta, compactua com a falta de respostas adequadas à sua situação social
em Portugal.
o principal problema é estarem desinseridos numa sociedade que não é a deles. (…) A maior
parte tem problemas psicológicos graves, são indivíduos que não estão integrados, e por-
tanto qualquer coisa que os atinja do ponto de vista físico toma proporções maiores do que
aquelas que normalmente têm. Eu acho que os principais problemas são psicológicos mais
do que físicos.
De facto o diagnóstico [de PTSD], não é tudo. Há aquilo que nós chamamos pessoas que
sofrem, mas que não atingem os parâmetros para se fazer o diagnóstico. Não quer dizer que
não estejam em sofrimento e também não quer dizer que não precisem de ajuda psicológica. E
sabe que a questão do diagnóstico é sem dúvida importante do ponto de vista da necessidade
que nós temos de classificar as pessoas. Agora, há muitas pessoas que não se podendo fazer
o diagnóstico, mesmo assim estão em sofrimento e mesmo assim, deveriam estar a ser acom-
panhadas e a ser tratadas individualmente… e por outro lado os que têm vindo [à consulta]
são poucos e, mesmo estes, há quebras de comunicação [com o CPR] e eu depois não sei o
que se passa, não sei de nada.
Existem, quanto a nós, dois indícios da pertinência de um novo serviço que pres-
te assistência em rede: por um lado, há com certeza uma razão (ou várias) para o
raro regresso do refugiado após a primeira consulta com o médico, mesmo quando
se trata de casos graves identificados pelos psiquiatras como PTSD (post-traumatic
stress disorder). É necessário fazer o diagnóstico desta situação. Porque é que faltam
a uma segunda consulta? O que sentiram durante a mesma? Quais as suas maiores
se exclusivamente deles”. Julgamos que para além de não haver portuguesa. Um dos casos que acom-
panhei recentemente dava conta da
respostas adequadas no SNS, existe também a necessidade de extrema indignação e humilhação que
um outro apoio social, económico e até afectivo (por exemplo o demonstrava um refugiado que, por
não conseguir trabalho remunerado
desenvolvimento de redes sociais com as quais se identifiquem), que lhe permitisse viver com digni-
que constituiriam sem dúvida factores de protecção da saúde dade, foi encaminhado para a “sopa
dos pobres” levando na mão uma
mental e física dos refugiados.
declaração em português, assinada
por ele, mas da qual desconhecia o
A este propósito, destacamos como uma boa experiência, no conteúdo, que atestava a sua própria
incapacidade para trabalhar – o que
sentido de criar laços de pertença e de partilha de problemas e segundo alega o próprio não seria de
procura de soluções de forma lúdica e criativa, a formação de todo verdade, pois apenas não conse-
guia encontrar trabalho remunerado,
um grupo de teatro de refugiados e requerentes de asilo que tem
o que sabemos ser um dos problemas
o nome de “RefugiActo”. Este grupo, formado em 2004, sur- da actual situação económica e laboral
giu paralelamente à aprendizagem do ensino de português160 em Portugal.
160 Cuja responsável é a professora
– actividade inserida no projecto de integração levado a cabo Isabel Galvão, à qual se deve também
pelo CPR – e está constituído presentemente por refugiados e a criação do RefugiActo.
“Aquello que realmente nos convirtió a todos en verdaderos seres humanos, el vínculo con los
otros, ya no se tiene en cuenta a la hora de entender y abordar el sufrimiento mental. Para
comprender la depresión, la esquizofrenia, los ataques de pánico o cualquier otra situación ya
no hacen falta para nada las nociones de psiquismo, inconsciente, aprendizaje, sistema familiar,
afecto, cognición, duelos, perdidas, etcétera. Se padece un trastorno mental, pero parece que ya
no existe lo mental, sólo existe lo cerebral, lo tangible, lo biológico, lo físico.“
Ora para que este quadro se verifique em Portugal, são necessárias duas coisas. Do ponto
de vista político e das próprias estruturas governamentais e não governamentais que lhes
prestam apoio: adquirir consciência da importância destes serviços, e vontade para lhes
prestar os apoios necessários, tanto técnicos como financeiros. Do ponto de vista clínico:
acreditar que vale a pena trabalhar em diálogo com os cientistas sociais (onde desde logo
Partir do princípio errado que o sofrimento dos refugiados está apenas relacionado com
o seu passado traumático ou com as memórias angustiantes, violentas e recorrentes que
assaltam os seus dias e as suas noites (e que os transportam, por vezes de forma obsessiva,
para as visões de tortura e de morte de familiares e amigos, ou para a lembrança de uma fa-
mília sobrevivente que ficou para trás, constituída por pais e/ou filhos, e ainda à mercê dos
abusos dos perpetradores) é, sem dúvida, não querer assumir
162 Existem casos em que por haver
que a angústia e receio dos refugiados não se transporta apenas a suspeita, por vezes infundada,
para o passado, mas também para a incerteza do presente e de que o requerente de asilo está a
trabalhar, os serviços locais da Santa
do futuro que a sua vida actual em Portugal lhes reserva. A pre- Casa da Misericórdia – que já não
cariedade quanto à sua situação laboral, os baixos salários que possuem a incumbência específica de
na maior parte das vezes os colocam numa situação de mera acompanhar os requerentes de asilo,
e portanto os colocam na mesma
sobrevivência, ou os manifestamente insuficientes subsídios que situação dos restantes cidadãos
a Santa Casa da Misericórdia lhes atribui (variando entre os 150 nacionais – decidem cortar o subsídio
que entretanto estes recebiam,
euros e os 380 euros mensais)162, com os quais não conseguem colocando-os por vezes em situação
fazer face ao custo de vida,163 colocam-nos numa situação ex- de extrema pobreza.
163 Esse subsídio destina-se a pagar
tremamente vulnerável e difícil de suportar. São vários os relatos a renda da casa ou do quarto alugado,
de refugiados que referem a sua fragilidade psicológica pelo facto a alimentação, os transportes, os
de terem perdido, com o exílio, a dignidade que mantinham no medicamentos e as despesas de
carácter pessoal. É de salientar que os
seu país de origem imediatamente antes dos acontecimentos requerentes de asilo apenas têm a sua
violentos que os levaram a buscar protecção noutro país. Muitos vida relativamente protegida, do ponto
de vista social e económico, enquanto
dos refugiados exerciam profissões de destaque e prestígio so- residem no CAR. Após a sua saída
cial, como médicos, engenheiros, jornalistas, professores. Como das instalações, e por não existirem
refere Rollemberg (2005): “(…) os exilados não choram somente redes sociais de apoio, estão completa-
mente à mercê do que podem ou
os seus mortos, o seu luto é também social, no sentido em que não encontrar para sobreviver, o
eles devem aceitar o fim de um modus vivendi de um contex- que muitas vezes implica o recurso
à caridade alheia ou aos pequenos
to social e político que não poderá mais reproduzir-se tal como apoios (dinheiro de bolso) que o CPR
era. Perda dos seus sistemas de referências, de seus objectos por vezes lhes dispensa.
O facto de até agora Portugal estar de longe de ser uma escolha natural para a maioria dos
refugiados e requerentes de asilo, e de aí resultar um insignificante número de pedidos,
dá-nos a responsabilidade acrescida de prestar um serviço de saúde mental específico, que
respeite os direitos humanos dos refugiados, que os saiba ouvir enquanto pessoas em so-
frimento e com eles encontrar soluções, e que por acréscimo nos respeite também a todos
nós: cientistas sociais, médicos, técnicos, representantes dignos do país que os acolheu.
C H I A R A P U S S E T T I e J Ú L I O F. F E R R E I R A
Por entre os diversos caminhos possíveis, como foi sendo realçado ao longo do texto,
distingue-se como mote comum a adopção de um posicionamento auto-reflexivo por parte
dos profissionais da saúde, que se traduza numa interrogação constante sobre os próprios
instrumentos diagnósticos. O convite é o de explorar os campos semânticos e usos linguís-
ticos das categorias e conceitos empregues em contexto clínico, e de repensar as noções
e os modelos interpretativos e terapêuticos da psiquiatria, colocando-os no seu contexto
histórico, económico e político de produção. Isto significa reconstruir as origens e proces-
sos de elaboração das ideias e saberes, assim como das instituições onde eles se tornam
práticas, com o objectivo de revelar o carácter político e cultural mesmo daquilo que é por
nós tomado como natural e factual – o nosso corpo, as nossas sensações e emoções. Por
outras palavras, trata-se de indagar os processos generativos da episteme, adoptando uma
abordagem “arqueológica” no sentido foucaultiano166.
As próprias ciências da psique ocidentais (assim como as suas 167 Infelizmente, comenta Kleinman
(1988), os psiquiatras muitas vezes
categorias e interpretações) não são excepção a esta pers-
esquecem-se que “esquizofrenia”,
pectiva, devendo reconhecer o seu estatuto de psicologias lo- “depressão” e outras categorias psi-
cais ou “etno”psicologias, na medida em que se organizam quiátricas não possuem um estatuto
ontológico, tratando-se apenas de
e instituem no interior de um determinado contexto histórico conceitos utilizados para descrever
e sociocultural168. Catherine Lutz (1985), na mesma linha de sentimentos, pensamentos e compor-
tamentos individuais em contextos
argumentação, afirma não ser epistemologicamente sustentá-
sociais, culturais, económicos e
vel pensar numa psicologia “científica”, e consequentemente históricos particulares. O resultado é
universal, contraposta a presumíveis psicologias “étnicas” (sub- que os termos, os conceitos e as ideias
com os quais os psiquiatras definem
jectivas, indígenas, culturais, locais); mas ser pelo contrário e explicam as diferentes aflições
necessário considerar todas as psicologias existentes como cul- são confundidos com o sofrimento
humano efectivo.
turalmente específicas (o que tornaria de facto supérfluo o uso
168 A psiquiatria ocidental – afirma
do prefixo “etno-”)169. À luz destas considerações, Lutz convida Summerfield (2001) – é só uma
os psiquiatras ocidentais a admitir a especificidade sociocultu- entre as outras etnopsiquiatrias; é
necessária uma psiquiatria que reco-
ral do seu saber e a abandonar pretensões de universalidade, nheça as limitações desta abordagem
para procurar antes espaços de diálogo e confrontação com técnica e encare a sua contextualiza-
ção sociocultural e política como uma
outros saberes e experiências. Na sua visão, serão os antro- obrigação ética. Veja-se, entre outros,
pólogos os especialistas desta modalidade de relação, que se Coppo 1997.
169 Nas palavras de Lutz, a “(etno)
esforça por salientar a particularidade das diferentes culturas,
psicologia não é tanto um sistema
ao mesmo tempo que as torna reciprocamente compreensíveis. de conhecimentos que se sobrepõe
“O processo de abordagem à compreensão da vida emocio- à experiência real das pessoas,
como um dos sistemas simbólicos
nal de pessoas de diferentes culturas – argumenta ainda Lutz fundamentais através dos quais os
(1988: 8) – pode ser considerado inicialmente como um proble- indivíduos percebem, comunicam e se
experimentam a si mesmos, ao próprio
ma de tradução”. Este processo comporta todavia muito mais
mundo interior, ao próprio corpo, aos
do que uma correspondência entre as palavras de uma língua seus limites, às suas mudanças” (Lutz
e as palavras de uma outra língua; implica o acolhimento de 1985: 67). A etnopsicologia, nesta
acepção, compreende quer a varie-
diferentes formas de conceber a relação entre mente, corpo, dade de concepções culturalmente
emoção, mal-estar e sociedade, para procurar espaços de apro- construídas sobre a pessoa humana,
Esta sensibilidade cultural é, em primeiro lugar, uma questão política. No debate sobre
a saúde mental dos imigrantes, por detrás das polémicas sobre como organizar os cui-
dados sanitários em resposta a utentes e problemas novos e inesperados, sobre se será
ou não adequado criar serviços específicos para imigrantes, ou se será clinicamente
legítimo ou eticamente aceitável o recurso a etiologias e terapias tradicionais na cura,
emergem questões mais amplas e complicadas, como o reforço das leis migratórias, o
direito à cidadania, a presença silenciosa do passado colonial, a decisão entre integração
e assimilação, o acesso aos cuidados de saúde por parte dos imigrantes ilegais, etc.
O famoso debate entre Didier Fassin e Tobie Nathan aborda a questão da manutenção
de espaços de acolhimento e serviços de saúde mental específicos para estrangeiros, en-
quanto reprodução de lógicas de exclusão, divisão cultural e “guetização”. Contudo, essa
discussão não considera o facto de constituir precisamente uma condição para a emer-
gência destes espaços a falta de competência, recursos e saberes necessários por parte
dos serviços generalizados de saúde pública para dar conta dos novos pedidos de cura.
A ideia de centros de aconselhamento e acompanhamento clínico psicoantropológico
para imigrantes, imaginados como espaços simultaneamente de formação, investigação
e cura, surge para fazer face à falta ou fragmentação dos conhecimentos antropológicos
e etnopsiquiátricos na bagagem dos operadores de saúde mental. Esta falha traduz-se
num acolhimento inadequado ao paciente imigrante, confrontando-o com referências inin-
teligíveis ou irrelevantes que o deixam desorientado.
As iniciativas que surgiram e continuam a emergir, seja no sector privado ou nos serviços
públicos, para lidar com os desafios constituídos pelos utentes estrangeiros no âmbito da
saúde mental – ainda que desorganizadas ou criticáveis do ponto de vista das ciências
sociais – constituem passos importantes na direcção de uma consciência e abertura
novas às problemáticas e necessidades do público imigrante, revelando um esforço de
construção de linguagens e instrumentos novos e originais.
• Esta equipa deverá constituir-se como um serviço de recurso, para onde outras
instituições possam remeter os seus casos, quer para efeitos de acompanhamento
dos pacientes, quer para supervisão e/ou aconselhamento institucional;
• Deverão ser organizados eventos, reuniões alargadas de discussão dos casos, se-
minários internos e abertos ao público, assim como acções de formação dirigidas
aos técnicos de saúde;
• Deverá ser constituída uma biblioteca de base sobre os temas da psiquiatria trans-
cultural, da etnopsiquiatria e antropologia médica crítica, assim como disciplinas
afins;
O Segundo Relatório Anual de Execução do Plano para a Integração dos Imigrantes (Maio
2008/Maio 2009)177 aponta progressos práticos nas propostas do PII, nomeadamente
quanto à medida 27, prevendo a integração até o final de 2009 de 150 médicos estrangeiros,
ou seja, 50% a mais do que o mencionado no relatório de execusão anterior; e a medida 28,
com a colocação de 15 “profissionais de mediação” em cerca de 13 serviços de saúde.
A distância entre propostas e planos nas políticas de Estado para a “integração dos
imigrantes” e a execução de medidas aprovadas parece formar um contexto bastante
paradoxal. Se por um lado novas medidas atestam a desigualdade no acesso à saúde
entre cidadãos nacionais e imigrantes, por outro as propostas que pretendem promover
a equidade deste acesso podem assumir um carácter de formalização e “tolerância”
das referidas “situações discricionárias”, com acções que procuram atingir tal resultado
pela criação de documentos específicos para imigrantes com
indicando o papel da medicina nos
a burocracia e a parte legislativa a sublimar a mentalidade do
processos de “conquista de território”
e conversão de culturas locais à “tratamento da diferença” expressa no âmbito institucional. Um
cultura europeia. Sobretudo, nos exemplo concreto é a necessidade de se ultrapassar barreiras
indica subtilmente como um saber
sistematizado “irradia” a própria
através da “elaboração e emissão de uma credencial, a emitir
ideologia que o constitui (pp. 21-23). pelo ACIDI, IP, que permita o acesso à saúde em alternativa ao
A este processo na Europa moderna,
atestado de residência”179.
Vacchiano e Taliani (2006) designam
como o acto de “convencer o Outro da
vantagem de tornar-se um de Nós”. Mesmo que a supracitada credencial (que está ainda em
179 Ver: http://www.acidi.gov.pt/
docs/PII/RAE0708_PII.pdf; ibidem,
processo de elaboração pelo ACIDI) possa servir seus fins, no-
p. 36. meadamente no caso dos estrangeiros em situação irregular,
Além disso, no que concerne as intervenções relativas aos problemas de saúde públi-
ca, nomeadamente “doenças sexualmente transmissíveis”, “saúde materno-infantil” e
“vacinações”, seria importante uma reflexão prévia sobre os conceitos empregues nas
categorias e nas definições apresentadas no PII. Isto é, (re)discutir, por um lado, as pos-
síveis declinações culturais das representações de corpo, sexualidade, vulnerabilidade e
risco, assim como, por outro lado, as possíveis estruturas e organizações da “família”.
O espaço de interface entre medidas de saúde pública e seus utentes torna-se particular-
mente problemático sem uma apreciação historicamente crítica e “culturalmente sensível”
das categorias utilizadas. Como aponta Coppo (2003) na sua análise histórica sobre o
encontro de diferentes sistemas terapêuticos, devemos repensar as relações de poder in-
seridas na mediação clínica para evitarmos o risco de projectar e impor valores morais
e configurações de estilos de vida considerados como “saudá-
veis” pela cultura ocidental (euroamericana), expressos, mais 180 Piero Coppo apresenta uma
exactamente, através da intervenção sanitária180. perspectiva histórica e ideológica das
consequências políticas no encontro
entre diferentes sistemas terapêuticos,
Um processo de “docilização” dos corpos e das concepções de indicando o papel da medicina nos
processos de “conquista de território”
vida do Outro, cujo conteúdo ideológico foi já amplamente ana- e conversão de culturas locais à
lisado por muitos autores, principalmente quanto às aplicações cultura europeia. Sobretudo, nos
indica subtilmente como um saber
de modelos sanitários no âmbito da saúde sexual e reprodutiva,
sistematizado “irradia” a própria
materno-infantil, do planeamento familiar, da redução de riscos ideologia que o constitui (pp. 21-23).
e prevenção de danos (entre os outros, Foucault, 1988, 1991; A este processo na Europa moderna,
Vacchiano e Taliani (2006) designam
Inda, 2006; Ong, 1995; Procacci, 1993; Rose, 1998, 2000; Ruhl, como o acto de “convencer o Outro da
1999; Weir, 1996). vantagem de tornar-se um de Nós”.
Torna-se imperativo, portanto – sem esquecer que o objectivo principal destas campanhas
é a promoção do “bem-estar” dos cidadãos – problematizar as múltiplas representações do
corpo e as construções do sujeito nos discursos de saúde pública, realçando os julgamen-
tos morais aí accionados, e a tendência destes discursos para a reprodução de relações
de desigualdade pré-existentes. Desconhecer como o discurso oficial da biomedicina in-
corpora valores hegemónicos na actuação sanitária (planeamento familiar, vacinações,
natalidade, morbilidade, expectativa de vida, fecundidade, estado de saúde, incidência de
doenças, formas de alimentação, condições de habitat, por exemplo) significa não reco-
nhecer e deslegitimar as representações, os estilos de vida e as identidades específicas
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