Criação, Evolução e Cristãos Leigos - Tim Keller
Criação, Evolução e Cristãos Leigos - Tim Keller
Criação, Evolução e Cristãos Leigos - Tim Keller
Esta série de seis partes é tirada de um artigo que o Dr. Timothy Keller
apresentou no primeiro Workshop BioLogos Theology of Celebration, em
outubro de 2009. O texto considera três principais grupos de questões que
leigos trazem a seus pastores quando introduzidos ao ensino de que evolução
biológica e ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Como um pastor e
evangelista, Keller leva essas preocupações a sério e oferece sugestões para
resolvê-las sem a necessidade de adotar um ponto de vista particular ou
aceitar uma resposta definitiva. Nesta primeira parte, Keller dá uma visão geral
da tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre as origens, antes de
abordar as questões e respostas específicas nas partes posteriores.
Qual é o Problema?
Diversas vozes no meio secular e evangélico concordam em um
‘truísmo’ – se você é um cristão ortodoxo com uma visão elevada da autoridade
da Bíblia, você não pode acreditar na teoria da evolução sob nenhum aspecto.
Autores do chamado Novo Ateísmo, como Richard Dawkins, e escritores
criacionistas, como Ken Ham, parecem ter chegado a um consenso sobre isto
e, portanto, cada vez mais pessoas tratam isso como uma dada verdade. Se
você acredita em Deus, você não pode acreditar na evolução. Se você acredita
na evolução, você não pode acreditar em Deus.
Tal visão cria um problema tanto para céticos como crentes. Muitos
cristãos na cultura ocidental observam e são gratos pelos avanços médicos e
tecnológicos alcançados através da ciência, tendo uma visão muito positiva
acerca da ciência. Como, então, eles podem conciliar o que a ciência parece
dizer-lhes sobre a evolução com as suas crenças teológicas tradicionais?
Aqueles que ainda estão conhecendo, buscando ou questionando o
cristianismo podem ficar ainda mais perplexos. Eles são atraídos por muitos
aspectos da fé cristã, mas dizem: “Não vejo como posso acreditar na Bíblia se
isso significa que eu tenho que rejeitar a ciência.“
No entanto, existem várias pessoas que questionam a premissa de que
ciência e fé são irreconciliáveis. Muitos acreditam que uma visão elevada da
Bíblia não exige crença em apenas um relato específico da origem do universo,
e argumentam que não temos de escolher entre uma religião anti-ciência ou
uma ciência anti-religiosa¹. Eles pensam que há uma diversidade de formas em
que Deus poderia ter provocado a criação de formas de vida e da vida humana
utilizando processos evolutivos, e que a imagem de incompatibilidade entre a fé
ortodoxa e a biologia evolutiva é demasiadamente exagerada².
Por exemplo, uma série de esforços tem sido realizada para argumentar
que pode haver razões evolutivas para a crença religiosa. Ou seja, pode ser
que a capacidade para a crença religiosa é “adaptativa” ou está ligada a outras
características adaptativas, proveniente de nossos ancestrais, pois auxiliaram a
sobrevivência e reprodução. Não há consenso sobre esta visão entre os
biólogos evolucionistas. Não obstante, a própria proposta parece ser
completamente antitética a qualquer crença de que Deus é objetivamente real.
No entanto, o filósofo cristão Peter van Inwagen pergunta:
Suponha que Deus existe e deseja que a crença no sobrenatural seja
universal, e vê (ele veria isto se fosse verdade) que certas características
seriam úteis aos seres humanos, de um ponto de vista evolutivo: propícias para
a sobrevivência e reprodução. Isto naturalmente resultaria na crença
sobrenatural sendo uma característica humana universal. Por que ele não
deveria permitir que estas características sejam a causa do seu desejo? Da
mesma forma que o projetista de um veículo pode utilizar o calor residual
gerado pelo motor para manter os passageiros aquecidos ³.
O argumento de Van Inwagen é sólido. Mesmo que a ciência pudesse
provar que a crença religiosa tem um componente genético que herdamos de
nossos ancestrais, esta conclusão não é incompatível com a crença na
realidade de Deus ou mesmo na verdade da fé cristã. Não há nenhuma razão
lógica para excluir a possibilidade de que Deus poderia ter usado a evolução
para predispor as pessoas a acreditarem em Deus no geral, de modo que tais
pessoas se tornem capazes de considerar a verdadeira crença quando ouvem
a pregação do evangelho. Este é apenas um dos muitos pontos onde a suposta
incompatibilidade da fé ortodoxa com a evolução começa a desvanecer sob
uma reflexão continuada.
No entanto, muitos leigos cristãos continuam confusos, pois as vozes
argumentando que ortodoxia bíblica e evolução são mutuamente exclusivas
soam mais altas e mais proeminentes do que quaisquer outras. O que será
necessário para ajudar os leigos cristãos a observarem uma maior coerência
entre o que a ciência nos diz sobre a criação e o que a Bíblia nos ensina sobre
isso?
Pastores e Pessoas
Em minha opinião, o que a ciência atual nos diz sobre evolução traz
consigo quatro principais dificuldades para os protestantes ortodoxos. A
primeira é na área da autoridade bíblica. Para considerar a evolução, devemos
ver pelo menos Gênesis 1 como não-literal. As perguntas surgem nas
seguintes linhas: o que isto significa para a ideia de que a Bíblia tem autoridade
final? Se nos recusamos a assumir uma parte da Bíblia literalmente, por que
tomar quaisquer partes da mesma literalmente? Não estaríamos de fato
permitindo que a ciência passe a julgar nosso entendimento da Bíblia, ao invés
do contrário?
A segunda dificuldade é a confusão entre biologia e filosofia. Muitos dos
defensores mais ferrenhos para a evolução como um processo biológico (como
Dawkins) também a veem como uma “Grande Teoria de Tudo”. Eles enxergam
a seleção natural como explicação não só de todo o comportamento humano,
mas mesmo para dar as únicas respostas às grandes questões filosóficas,
como: Por que existimos? O que é a vida? Porque a natureza humana é o que
é? A crença na ideia de que a vida é o produto da evolução, não implicaria a
adoção de toda esta visão de mundo?
A terceira dificuldade é a historicidade de Adão e Eva. Uma forma de
conciliar o que a ciência atual diz sobre a evolução é propor que o relato de
Adão e Eva é simbólico, e não literal. Mas, como isso afeta os ensinos do Novo
Testamento em Romanos 5 e 1 Coríntios 15, de que a nossa pecaminosidade
é proveniente da nossa relação com Adão? Se não acreditamos em uma queda
histórica, como é que nos tornamos o que a Bíblia diz que somos, pecadores e
condenados?
A quarta dificuldade é o problema da violência e do mal. Uma das
maiores barreiras para a crença em Deus é o problema do sofrimento e do mal
no mundo. As pessoas perguntam, por que Deus criou um mundo onde a
violência, a dor e a morte são endêmicas? A resposta da teologia tradicional é:
Ele não o fez. Ele criou um mundo bom, mas também deu aos seres humanos
o livre-arbítrio, e através de sua desobediência e “queda”, a morte e o
sofrimento vieram ao mundo. O processo de evolução, no entanto, entende a
violência, a predação, e a morte, como o próprio motor de como a vida se
desenvolve. Se Deus provoca a vida através da evolução, como podemos
conciliar isso com a ideia de um Deus bom? O problema do mal parece se
tornar pior para o crente na evolução teísta.
Tenho sido pastor por quase 35 anos, e durante esse tempo eu tenho
falado com muitos leigos que lutam com a relação entre a ciência moderna e a
crença ortodoxa. Nas mentes da maioria dos leigos, são as três primeiras
dificuldades que parecem maiores. A quarta dificuldade, o problema do
sofrimento e da morte, não tem sido colocada tão frequentemente para mim ao
conversar com fiéis. No entanto, em alguns aspectos, o problema do sofrimento
se junta à terceira pergunta sobre a historicidade da queda. Sem a visão
tradicional da historicidade da queda, a questão do mal parece tornar-se mais
aguda.
Portanto, em seguida coloco três problemas básicos que os leigos
cristãos têm com o relato científico da evolução biológica. Nada do que
apresento aqui deve ser visto como satisfazendo a necessidade de argumentos
acadêmicos e rigorosos em resposta a estas perguntas. Apresento respostas e
orientações pastorais, de nível popular. Como pastor, eu tive que me basear
fortemente no trabalho de especialistas. A primeira pergunta, sobre a
autoridade bíblica, exige que eu recorra aos melhores trabalhos dos exegetas e
estudiosos bíblicos. Para responder à segunda questão, sobre a evolução
como uma “Grande Teoria de Tudo”, preciso recorrer ao trabalho de filósofos.
Quando chegarmos à terceira pergunta sobre Adão e Eva, eu preciso olhar
para os teólogos.
Em resumo, se eu, como pastor, quero ajudar a crentes e àqueles que
investigam como relacionar coerentemente a ciência e a fé, devo ler as obras
de cientistas, exegetas, filósofos e teólogos e depois interpretá-las para o meu
povo. Alguém pode rebater argumentando que este é um fardo muito grande
para ser colocado em pastores. Em vez disto eles deveriam simplesmente
referenciar as obras de estudiosos para os leigos que estão sob seu pastoreio.
Mas se não são os pastores que se “dão ao trabalho” de compreender e
destrinchar os escritos de estudiosos em várias disciplinas, como é que os
nossos leigos o farão? Esta é uma das coisas que os paroquianos querem de
seus pastores. Devemos ser uma ponte entre o mundo da ciência e o mundo
da rua e do banco. Estou ciente do fardo que isso representa. Eu não sei se já
tivemos uma cultura na qual o trabalho do pastor tem sido mais desafiador do
que atualmente. No entanto, eu acredito que este é o nosso chamado.
Gênero e Gênesis 1.
Então, qual é o gênero de Gênesis 1? Prosa ou poesia? Neste caso,
esta é uma falsa escolha. Edward J. Young, o especialista hebraico
conservador, que lê os seis dias de Gênesis 1 como históricos, admite que
Gênesis 1 é escrito em “linguagem exaltada, semi-poética” 4. Por um lado, é
uma narrativa que descreve uma sucessão de eventos, utilizando a
expressão wayyigtol, característica da prosa, e não têm a marca fundamental
da poesia hebraica, que é o paralelismo. Por exemplo, na canção de Miriam em
Êxodo 15, vemos claramente os sinais de recapitulação poética ou
correção que é o paralelismo poético:
4 Edward J. Young, Studies in Genesis One (Presbyterian and Reformed, 1964) p.82
5 Henri Blocher, In the Beginning: The Opening Chapters of Genesis (IVP, 1984) p.33.
6 Blocher, p.32.
7 C.John Collins Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological
Commentary (Presbyterian and Reformed, 2006.) p.44.
8 Meredith G. Kline, “Because it had not rained”, Westminster Theological Journal 20
(1957-58), pp. 146-157.
9 Vários argumentos convincentes foram apresentados por estudiosos bíblicos
evangélicos para demonstrar que as genealogias da Bíblia, levando de volta para Adão, estão
incompletas. O termo “era o pai de” pode significar “foi o ancestral de”. Para um relato disso,
veja K.A.Kitchen, On the Reliability of the Old Testament, pp.439-443.
Criação, Evolução e Cristãos Leigos –
Tim Keller – Parte 3
Hoje em dia muito esforço tem sido feito para insistir que a crença no
processo de evolução biológica leva necessariamente à crença no “naturalismo
perene” (para usar o termo de Alvin Plantinga) 10, a visão de que tudo sobre a
natureza humana – nossa capacidade de amar, agir, pensar, formar crenças,
usar linguagem, ter convicções morais, crer em Deus, e fazer arte e filosofia,
podem ser entendidas como originárias de mutação genética aleatória ou
alguma outra fonte de variabilidade, e portanto prevalecem hoje em dia na raça
humana só por causa dos mecanismos de seleção natural. Podemos sentir que
alguns comportamentos são universalmente corretos e devem ser realizados,
enquanto outros são universalmente errados e não devem ser feitos,
independente destes comportamentos promoverem a sobrevivência. Mas o
naturalismo perene insiste que esses sentimentos estão lá não por serem
verdades universais, mas única e exclusivamente por terem ajudado nossos
antepassados a sobreviver.
Um dos princípios fundamentais dos “novos ateus” é que o naturalismo
perene flui automaticamente a partir da crença na evolução biológica das
espécies. Um grande exemplo foi dado por Sam Harris, ao rechaçar a
nomeação de Francis Collins como chefe do National Institutes of Health (NIH –
Agência do Departamento de Saúde do governo estadunidense). Harris se
mostrou profundamente preocupado de que Collins, como um crente cristão,
entende que a natureza humana tem aspectos que a ciência não pode explicar
(como a intuição da lei moral de Deus). Collins nega, portanto, que a ciência
poderia fornecer “respostas para as questões mais prementes da existência
humana”. Isto incomodava Harris. Ele escreveu:
“Como alguém que acredita que nossa compreensão da natureza
humana pode ser derivada da neurociência, psicologia, ciência cognitiva,
economia comportamental, entre outros, estou preocupado com a linha de
pensamento do Dr. Collins… Devemos realmente confiar o futuro da
investigação biomédica nos Estados Unidos para um homem que acredita
sinceramente que uma compreensão científica da natureza humana é
impossível?” 11
O argumento aqui é claro. Se você acredita que a vida humana foi
formada através de processos biológicos de evolução (daqui em diante,
referido como PBE), você deve acreditar na Grande Teoria da Evolução (daqui
em diante, referido como GTE) como a explicação para todos os aspectos da
natureza humana. Assim diz Harris: Collins deveria ver que os seres humanos
não têm “alma imortal, livre arbítrio, conhecimento da lei moral, fome espiritual,
verdadeiro altruísmo”, baseado em nossa relação com Deus 12. A evolução,
afirma Harris, tem mostrado que estas coisas são ilusões. Todos os aspectos
da vida humana tem uma causa natural, cientificamente explicável. Se você
acredita em PBE, você deve acreditar em GTE.
A GTE está rapidamente se tornando o que Peter Berger chama de
“estrutura de plausibilidade”. É um conjunto de crenças consideradas tão
básicas e com tanto apoio de figuras e instituições oficiais que se torna
impossível que indivíduos as questionem publicamente. Uma estrutura de
plausibilidade é uma “verdade dada” apoiada por uma enorme pressão social.
Os escritos dos novos ateus são importantes de serem observados aqui, pois
suas atitudes são mais poderosas do que seus argumentos. O desprezo e
recusa ao mostrar qualquer respeito aos adversários não é realmente um
esforço para refutá-los logicamente, mas para bani-los socialmente, de forma a
transformar seus próprios pontos de vista em uma estrutura de plausibilidade.
Eles já estão bem encaminhados.
Isso cria um problema para o cristão leigo, ao ouvir seus professores ou
pregadores dizendo que Deus poderia ter usado PBE para criar formas de vida.
Evolução como uma ‘Grande Teoria’ está sendo usada agora, no nível popular,
para explicar quase tudo sobre o comportamento humano.
Muitos cristãos leigos resistem a tudo isso e buscam se ater a algum
senso de dignidade humana, subscrevendo ao “Criacionismo Fiat”. Este não é
um movimento teológico e filosófico sofisticado. É intuitivo. Na mente destes,
‘evolução’ é uma grande bola de cera. Parece-lhes que, se você acredita na
evolução, os seres humanos são apenas animais sob o poder de seus desejos
internos, geneticamente produzidos. Tenho visto cristãos participantes de um
estudo bíblico em Gênesis 1-2 lerem a seguinte citação e ficarem confusos:
“Se ‘evolução’ é… elevada ao status de uma cosmovisão que explica a
forma como as coisas são, então há conflito direto com a fé bíblica. Mas se
‘evolução’ permanece no nível da hipótese biológica científica, parece que há
pouca razão para conflito entre as implicações da fé cristã no Criador e as
explorações científicas sobre a maneira pela qual – ao nível da biologia – Deus
tem realizado seus processos de criação” 13
Atkinson está dizendo que você pode acreditar em PBE e não em GTE.
Eu vi cristãos inteligentes e educados com real dificuldade em relação à
distinção que Atkinson fez. No entanto, esta é exatamente a distinção que
devem fazer, ou nunca vão conceder a importância da PBE.
Como podemos ajudá-los? Eu acredito que pastores, teólogos e
cientistas cristãos que querem defender um relato da origem por meio de PBE
devem ao mesmo tempo colocar grande ênfase em argumentar contra GTE.
Filósofos cristãos abriram o caminho aqui e há muitas boas críticas ao
naturalismo filosófico. Muitos sabem sobre “O Argumento Evolucionário contra
o Naturalismo” de Alvin Plantinga, no qual, assim como C. S. Lewis em seu
livro Milagres, ele argumenta que “A evolução está interessada (assim por
dizer) apenas no comportamento adaptativo, não em uma crença verdadeira. A
seleção natural não se importa com o que você acredita; está interessada
apenas em como você se comporta.” 14 O argumento é o seguinte: será que a
seleção natural (por si só) nos dá faculdades cognitivas (percepção sensorial, a
intuição racional sobre essas percepções e nossa memória delas) que
produzem crenças verdadeiras sobre o mundo real? Na medida em que a
crença verdadeira produz comportamento que leva à sobrevivência, sim. Mas
quem pode dizer o quão longe podemos chegar com isso? Se uma teoria torna
impossível confiarmos em nossas mentes, em seguida, ela também torna
impossível ter a certeza sobre qualquer coisa que nossas mentes nos dizem –
incluindo a própria macro-evolução e tudo mais 15. Qualquer teoria que torna
impossível confiarmos em nossas mentes é auto-destrutiva.
Outra área muito importante onde devemos resistir à GTE é em relação
aos seus esforços para explicar intuições morais. Uma excelente publicação
recente em que, mais uma vez, os filósofos cristãos lideram a discussão é de
Jeffrey Schloss, ed. The Believing Primate: Scientific, Philosophical, and
Theological Reflections on the Origin of Religion (Oxford, 2009.) Veja em
especial o capítulo de Christian Smith “O Naturalismo Garante uma Crença
Moral na Benevolência Universal e Direitos Humanos?” (Por sinal, a conclusão
é ‘não’.) Então o que isso significa? Muitos cristãos ortodoxos que acreditam
em PBE encontram-se frequentemente atacados por aqueles cristãos que não
acreditam da mesma forma. Podemos reduzir as tensões sobre a evolução
entre os cristãos se eles se unirem contra uma causa comum: GTE. Mais
importante ainda, é a única maneira de ajudar os cristãos leigos a fazer em
suas mentes a distinção entre a evolução como mecanismo biológico e a
evolução como uma Teoria da Vida.
Na próxima parte, o Dr. Keller continua a explorar as questões mais
frequentemente levantadas sobre evolução e fé por cristãos leigos, voltando-se
para questões sobre as origens do pecado e sofrimento à luz da confiabilidade
das Escrituras.
Pecado e Salvação
Alguns podem responder, “Mesmo que não achemos que houve um
Adão literal, podemos aceitar o ensinamento de Gênesis 2 e Romanos 5, ou
seja, que todos os seres humanos pecaram e que através de Cristo podemos
ser salvos. Assim, o ensino bíblico básico está intacto, mesmo se nós não
aceitamos a historicidade do relato de Adão e Eva.” Eu acho que tal afirmação
é demasiadamente simplista.
O evangelho cristão não é um bom conselho, mas uma boa notícia. Não
são instruções sobre o que devemos fazer para nos salvarmos, mas sim um
anúncio do que foi feito para nos salvar. O evangelho é o anúncio de que Jesus
fez algo na história de modo que, quando estamos unidos a Ele pela fé, temos
os benefícios de Sua realização, e assim somos salvos. Como pastor, eu
frequentemente sou questionado sobre como podemos receber o crédito por
algo que Cristo fez. A resposta não faz muito sentido para as pessoas
modernas, mas faz todo o sentido para os povos antigos. É a ideia de estar em
‘federação’ com alguém, em uma solidariedade jurídica e histórica com um pai,
um ancestral, outro membro da família, ou um membro de sua tribo. Você está
responsabilizado (ou obtem crédito) pelo que a outra pessoa faz. Outra
maneira de colocar é que você está em uma relação de aliança com a pessoa.
Um exemplo é Acã, cuja família toda é punida quando ele peca (Josué 7). O
entendimento antigo e bíblico é de que uma pessoa não é “o que é”
simplesmente através de suas escolhas pessoais. Ela torna-se “o que é”
através de seu ambiente comunitário e familiar. Então, se ele faz um terrível
crime, ou faz um grande e nobre feito, outros que estão em federação (ou em
solidariedade, ou em aliança com ele) são tratados como se tivessem feito o
que ele fez.
Isto é como a salvação do evangelho de Cristo funciona, de acordo com
Paulo. Quando cremos em Jesus, estamos “em Cristo” (uma das expressões
favoritas de Paulo, e uma expressão profundamente bíblica). Estamos em
aliança com ele, não por estaremos relacionados biologicamente, mas por meio
da fé. Então, o que ele fez na história vem a nós.
O que tudo isso tem a ver com Adão? Muito. Em 1 Coríntios 15, Paulo
faz o mesmo ponto sobre Adão e Cristo que ele faz em Romanos 5:
Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a
ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma
como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. 1 Coríntios
15:21,22
Quando Paulo diz que somos salvos “em Cristo”, ele quer dizer que os
cristãos têm um relacionamento de aliança, federado, com Cristo. O que ele fez
na história está posto em nossa conta. Mas na mesma frase, Paulo diz que
todos os seres humanos estão igualmente (ele acrescenta a palavra “como”
para dar ênfase) “em Adão”. Em outras palavras, Adão era um representante
da aliança para toda a raça humana. Estamos em uma relação de aliança com
ele, então o que ele fez na história também está posto para a nossa conta.
Quando Paulo fala de estar “em” alguém, ele quer dizer ser
pactualmente ligado a esta pessoa, de forma que as ações históricas dela são
creditadas a você. É impossível estar “em” alguém que não existiu
historicamente. Se Adão não existiu, todo o argumento de Paulo de que tanto
pecado como graça trabalham de maneira pactual se desfaz. Você não pode
dizer que “Paulo era um homem de seu tempo”, mas podemos aceitar o seu
ensino básico sobre Adão. Se você não acredita no que ele acredita sobre
Adão, você está negando o núcleo do ensinamento de Paulo.
Se você não acredita na queda da humanidade como um evento
histórico singular, qual é a sua alternativa? Você pode postular que alguns
seres humanos começaram a lentamente se afastar de Deus, todos exercendo
seu livre arbítrio. Mas então, como o pecado se espalhou? Foi apenas por mau
exemplo? Este nunca foi o ensinamento clássico da doutrina cristã do pecado
original. Nós não aprendemos o pecado dos outros; nós herdamos uma
natureza pecaminosa. O ótimo livro de Alan Jacobs sobre o pecado original diz
que qualquer um que sustente a visão agostiniana clássica do pecado original
tem que acreditar que somos “programados” para o pecado; nós não apenas
aprendemos o pecado de maus exemplos. A doutrina também ensina que o
pecado não estava originalmente na nossa natureza, mas que caímos da
inocência primaz 20. Um outro problema surge ao negarmos a historicidade da
queda. Se alguns seres humanos começaram a se afastar de Deus, por que
alguns seres humanos não poderiam resistir, de modo que certos grupos
seriam menos pecaminosos do que outros? Alan Jacobs, em seu livro sobre o
pecado original insiste que a igual pecaminosidade de toda a raça humana é
fundamental para a visão tradicional.
Na próxima parte, o Dr. Keller propõe um dos vários “modelos” que
podem concordar com o relato evolucionário das origens e o relato bíblico que
se concentra em nossos relacionamentos quebrados com Deus e uns aos
outros.
Um Modelo
Se Adão e Eva eram figuras históricas, poderiam eles terem sido
produtos de PBE? Em um comentário evangélico mais antigo sobre Gênesis,
Derek Kidner oferece um modelo de como isso poderia ter acontecido. Em
primeiro lugar, ele observa que em Jó 10:8-9 é dito que Deus moldou Jó com
suas “mãos”, como um oleiro dá forma à argila a partir do pó da terra, embora
Deus obviamente fez isso através do processo natural de formação no útero.
Kidner pergunta porque a mesma terminologia de oleiro em Gênesis 2:7 não
poderia denotar um processo natural como a evolução 21. Kidner diz então
que:
Outros Modelos
Seria este o único modelo possível para aqueles que acreditam em uma
queda histórica, mas também acreditam que Deus usou a evolução para formar
a vida na Terra? Não. Alguns acreditam em evolucionismo teísta, que tanto
Adão e Eva foram os produtos da evolução e receberam a imagem e sopro de
Deus 25. Outros pensam que faz mais sentido, teologicamente e
filosoficamente, acreditar na ‘criação progressiva’, em que enquanto Deus usou
a evolução em geral para formar a vida, ele criou Adão e Eva com um ato
especial, e que a tese da ancestralidade comum com outros animais é
completamente falsa 26. O modelo de Kidner é uma espécie de híbrido entre o
evolucionismo teísta e o criacionismo progressivo, de terra antiga. Qualquer
que seja o seu “modelo” para trabalhar a relação da Bíblia com a ciência, no
entanto, Kidner insiste:
Pensamentos Finais
Como podemos correlacionar os dados da ciência com o ensino das
Escrituras? A resposta mais simples para os cientistas provavelmente seria
dizer “quem se preocupa com as Escrituras e a teologia?”, mas isto não
consegue fazer justiça com a autoridade da Bíblia, algo que o próprio Jesus
tomou com muita seriedade. A resposta mais simples para os teólogos,
provavelmente seria dizer “quem se preocupa com a ciência?” mas isso não
confere à natureza a sua devida importância como criação de Deus. Salmos 19
e Romanos 1 ensinam que a glória de Deus é revelada à medida que
estudamos sua criação, mas, no final, ambas as passagens dizem que é
apenas a Escritura que é a revelação “perfeita” da mente de Deus (Salmos
19:7). Devemos interpretar o livro da natureza com o livro de Deus. “Não se
pode dizer fortemente que a Escritura é o veículo perfeito para a revelação de
Deus… sua ousada seletividade, como a de uma grande pintura, é o seu
poder. Lê-la com um olho em qualquer outro relato é borrar sua imagem e
perder sua sabedoria.” 28
A minha conclusão é que os cristãos que estão buscando correlacionar
Escritura e ciência devem ser uma ‘tenda maior’ do que tanto os religiosos anti-
científicos ou os cientistas anti-religiosos. Mesmo que neste artigo eu tenha
argumentado para a importância da crença em um Adão e Eva literal, eu
demonstrei aqui que existem várias maneiras de realizar isso e ainda acreditar
em Deus usando PBE. 29
Quando Derek Kidner concluiu seu relato sobre as origens do homem,
ele disse que sua opinião era uma “sugestão exploratória… apenas
experimental, e é um ponto de vista pessoal. Ele convida correção e uma
melhor síntese.” 30 Essa é a atitude certa para todos nós trabalhando nesta
área.