BELONIA, Cinthia Da Silva - O Racismo e A Hipersexualização Da Mulher Negra em Caderno de Memórias Coloniais de Isabela Figueiredo
BELONIA, Cinthia Da Silva - O Racismo e A Hipersexualização Da Mulher Negra em Caderno de Memórias Coloniais de Isabela Figueiredo
BELONIA, Cinthia Da Silva - O Racismo e A Hipersexualização Da Mulher Negra em Caderno de Memórias Coloniais de Isabela Figueiredo
Abstract: At the novel Caderno de memórias coloniais, of the Portuguese writer Isabela Figueiredo, the
reader can observe the violence that the Mozambican black people suffered during the colonial period
at the 60`s and 70`s. The local society is very racialized, and the over-sexualization of the black women
was the main subject of the conversation between the white women. This over-sexualization will be
analyzed based on the book Pele negra Máscaras brancas of the Martinican psychiatrist Frantz Fanon.
To analyze the racism of the cheap labor of the black people and the exaggerated sexuality of the black
women, we will call the authors Sergio Costa and Kwame Anthony Appiah.
Keywords: racism, women, over-sexualization, Isabela Figueiredo.
1 Graduada em Letras-Português pela Universidade Federal do Espírito Santo; Mestre em Literatura Hispano-americana
pela Universidade Federal Fluminense; Doutoranda em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense.
Introdução
Os brancos iam às pretas. [...] /As pretas tinham a cona larga, mas elas diziam as
partes baixas ou as vergonhas ou a badalhoca. As pretas tinham a cona larga e essa
era a explicação para parirem como pariram, de borco, todas viradas para o chão,
onde quer que fosse, como os animais. A cona era larga. A das brancas não, era
estreita, porque as brancas não eram umas cadelas fáceis, porque à cona sagrada
das brancas só lá tinham chegado o do marido, e pouco, e com dificuldade, que
elas eram muito estreitas, portanto muito sérias, e convinha que uma soubesse
disso das outras. (FIGUEIREDO, 2010, p. 13)
2 Retornado(a) é a forma como os portugueses foram designados ao voltar das ex-colônias africanas para Portugal ao fim
do Império Colonial. Assim também foram chamados seus filhos, nascidos em África, ao chegarem, pela primeira vez, à
antiga metrópole.
[...] quando se juntavam, falavam das cabras das pretas e das facilidades com que
tinham filhos uns atrás dos outros, porque eram muito abertas, e também gosta-
vam... e aludiam sub-repticiamente ao que se dizia serem as características dos
órgãos sexuais masculinos do negro e voltavam ao tema de que as negras gosta-
vam de fazer aquilo... [...]/ Uma branca não admitia que gostasse de foder, mesmo
que gostasse. E não admitir era uma garantia de seriedade para o marido, para a
imaculada sociedade toda. As negras fodiam, essas sim, com todos e mais alguns,
com os negros e os maridos das brancas, por gorjeta, certamente, por comida,
ou por medo. E algumas talvez gostassem, e guinchassem, porque as negras eram
animais e podiam guinchar. Mas, sobretudo, porque as negras autorizavam-se a si
próprias a guinchar, a abrir as pernas, a ser largas. (FIGUEIREDO, 2010, p. 22-21)
era a ordem natural e inquestionável das relações: preto servia o branco, e branco mandava
no preto” (FIGUEIREDO, 2010, p. 24).
Vale ressaltar que o racismo presente no romance não pertence ao pensamento da
narradora. Trata-se, na verdade, da reprodução das conversar ouvidas por ela dos demais
colonos de Lourenço Marques. Podemos observar aqui um exemplo de como a diferença
racial era vista por essa sociedade:
Cada um trabalhava para conquistar suas prioridades. A prioridade imediatista do negro era
ridicularizada pelo branco, pois este pensava no futuro, mesmo que o futuro fosse a morte.
O psiquiatra martinicano Frantz Fanon faz uma análise psicológica acerca do negro
em Pele negra Máscaras brancas, um dos temas abordados é a sexualidade da mulher e do
homem negro. Segundo ele, as negras se relacionavam com os brancos pela necessidade de
embranquecer a raça. Embranquecer é salvar a raça, não para preservar “a originalidade da
porção do mundo onde elas cresceram”, mas para assegurar sua brancura. Qualquer anti-
lhana (contexto geográfico e cultural de Frantz Fanon) sabe disso e terá uma preocupação
em escolher seus pares, para que sejam brancos podendo gerar filhos mestiços. Até que seus
descendentes sejam brancos. “As pessoas costumam pedir desculpas quando ousam propor
um amor negro a uma branca” (FANON, 2008, p. 63). As mulheres de cor vivem assombra-
das pelo grande sonho de se casar com um branco e europeu, pois precisam de um homem
branco, e nada mais que isso. Porque a negra se sente inferior, então aspira ser admitida no
mundo branco, para passar da casta dos escravos para a casta dos senhores.
Sobre a assimilação, Fanon menciona a linguagem. Ao adotar a língua portuguesa
o nativo moçambicano assimila o mundo do branco: “Um homem que possui a lingua-
gem possui, em contrapartida, o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito”
(FANON, 2008, p. 34). Quanto mais o colonizado assimila os valores culturais da metró-
pole, mais ele se afasta da sua selva, rejeita sua negridão, seu mato e mais branco será. Um
negro poderia ser assimilado, mas nunca seria como um branco:
Era absolutamente necessário ensinar os pretos a trabalhar, para seu próprio bem.
Para evoluírem através do reconhecimento do valor do trabalho. Trabalhando,
poderiam ganhar dinheiro, e com o dinheiro poderiam prosperar, desde que
prosperassem como negros. Poderia deixar de ter uma palhota e construir uma
casa de cimento com telhado de zinco. Poderiam calçar sapatos e mandar os fi-
lhos à escola para aprender ofícios que fossem úteis aos brancos. Havia muito a
fazer pelo homem negro, cuja natureza animal deveria ser anulada – para seu
bem. (FIGUEIREDO, 2010, p. 51)
Por mais que um negro pudesse e tentasse mudar de vida, nunca lhe seria permitido ocupar
o lugar do branco. Ser assimilado significa não ser português.
Frantz Fanon diz que devemos entender, de uma vez por todas, que uma sociedade é
racista ou não é. Dizer que uma sociedade é menos racista que outra ou que o racismo é obra
do subalterno, não comprometendo a elite, é próprio de homens incapazes de pensar corre-
tamente. “É utópico procurar saber em que um comportamento desumano se diferencia de
outro comportamento desumano” (FANON, 2008, p. 85). Todas as formas de exploração se
parecem, o racismo colonial não difere de outro racismo.
O filósofo e escritor anglo-ganês Kwame Anthony Appiah, em Na casa de meu pai: A
África na filosofia da cultura, escreve que há muitas doutrinas distintas que cabem o termo
“racismo”. Ele aborda três dessas doutrinas que nos ajudam a entender os diferentes tipos de
racismos: racialismo, racismo extrínseco e racismo intrínseco. No racialismo existem ca-
racterísticas hereditárias, possuídas por membros da mesma espécie permitindo d ividi-los
em um pequeno conjunto de raças, dessa forma os membros desse grupo compartilham
entre si certos traços e tendências que não têm em comum com nenhuma outra raça. “O ra-
cialismo está no cerne das tentativas do século XIX de desenvolver uma ciência da diferença
racial, mas parece ter despertado também a crença dos outros [...] que não tinham nenhum
interesse em elaborar teorias científicas” (APPIAH, 1997, p. 33). Sobre o racismo extrínseco,
Appiah escreve que a base da discriminação entre os povos é a crença em que pessoas de
diferentes raças diferem em aspectos (honestidade, coragem ou inteligência) que justificam
o tratamento diferenciado.
Segundo Appiah, os racistas intrínsecos estabelecem diferenças morais entre povos de
diferentes raças, pois acreditam que cada raça tenha um status moral diferente:
[...] o racista intrínseco sustenta que o simples fato de ser de uma mesma raça
é razão suficiente para preferir uma pessoa a outra. Para um racista intrínseco,
nenhuma quantidade de provas de que um membro de outra raça é capaz de
realizações morais, intelectuais ou culturais, ou de que tem características que,
em membros de sua própria raça, haveriam de torná-lo admirável ou atraente,
serve de base para tratar essa pessoa como ele trataria os membros similarmente
dotados de sua própria raça. (APPIAH, 1997, p. 35)
Appiah acredita que ambos os racismos deveriam ser esquecidos. O racismo intrínseco é
um erro moral, pois defende a ideia de que por pertencer a uma mesma “raça” deve-se tra-
tar um “semelhante” melhor que uma pessoa de outra “raça”. O racismo extrínseco implica
falsas crenças, pois acredita-se que a essência racial implica em qualidades moralmente
relevantes e essas diferenças justificariam o tratamento diferencial entre as mesmas.
Para Appiah a raça é uma ilusão. Ele cita Du Bois que argumenta que raça não é um
conceito científico/biológico, mas sócio histórico. É possível que a história tenha nos tor-
nado o que somos, mas essa história foi escolhida no passado, mesmo que antes do nosso
nascimento, o que torna nossa história sendo sempre uma escolha. É o racista quem cria
o inferiorizado. Ele não permite que o subalterno tente se igualar ao europeu. Sempre vão
lembrar o colono qual é o seu lugar, para dessa forma continuar a dominá-lo.
Conclusão
Para concluir, o professor Sérgio Costa, em Dois Atlânticos: Teoria social, antirracis-
mo, cosmopolitismo, faz um breve resumo sobre o racismo:
Referências bibliográficas
APIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Tradução de Vera
Ribeiro. Revisão da tradução por Fernando Rosa Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006.
FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA,
2008.
FIGUEIREDO, Isabela. Caderno de memórias coloniais. 4. ed. Coimbra: Angelus Novus, 2010.
SPIVAK, Gayatri C. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.